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Acesso sagital transretal anterior (ASTRA) para vaginoplastia após complicação de anoretoplastia sagital posterior

Resumos

A exposição transperineal de altas vaginas é limitada. Essas limitações podem ser contornadas usando ASTRA (anterior sagital transrectal approach). Relatamos o uso desta estratégia cirúrgica para o tratamento de um caso de atresia vaginal adquirida, após anorretoplastia posterior, em caso de malformação anorretal.

Procedimentos cirúrgicos operatórios; Procedimentos cirúrgicos urológicos; Genitália feminina; Vagina; Resultado do tratamento


Transperineal exposure of the high portion of the vagina is limited. These limitations can be circumvented using ASTRA (anterior sagittal transrectal approach). We report the use of this surgical strategy for the treatment of a case of acquired vaginal atresia after posterior anorectoplasty due to anorectal malformation.

Surgical procedures, operative; Urologic surgical procedures; Genitalia, female; Vagina; Treatment outcome


NOTA TÉCNICA

Acesso sagital transretal anterior (ASTRA) para vaginoplastia após complicação de anoretoplastia sagital posterior

Lisieux Eyer de Jesus,TCBC-RJI; Laura HelmanII; Samuel Dekermacher,TCBC-RJIII; Raquel L. BernardoIV; Cruz Delia M. MartinezIV

ICirurgião Pediátrico Hospital Federal dos Servidores do Estado e Hospital Universitário Antônio Pedro, UFF, RJ. TCBC-T-CIPE

IICirurgião Pediátrico Hospital Federal dos Servidores do Estado e Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, UFRJ, RJ. T-CIPE, PhD

IIICirurgião Pediátrico Hospital Federal dos Servidores do Estado, RJ. TCBC-T-CIPE, TISBU

IVResidente de Cirurgia Pediátrica, Hospital Federal dos Servidores do Estado, RJ

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Lisieux Eyer de Jesus E-mail: lisieux@uol.com.br

RESUMO

A exposição transperineal de altas vaginas é limitada. Essas limitações podem ser contornadas usando ASTRA (anterior sagital transrectal approach). Relatamos o uso desta estratégia cirúrgica para o tratamento de um caso de atresia vaginal adquirida, após anorretoplastia posterior, em caso de malformação anorretal.

Descritores: Procedimentos cirúrgicos operatórios. Procedimentos cirúrgicos urológicos. Genitália feminina. Vagina/cirurgia. Resultado do tratamento.

INTRODUÇÃO

Os acessos clássicos permitem uma exposição em profundidade restrita para reconstruções de vaginas "altas". O acesso sagital transretal anterior (ASTRA)1 possibilita uma exposição adequada para malformações congênitas do sistema mulleriano (seios urogenitais, atresias de vagina) e problemas complexos da uretra proximal.

Relatamos o uso do ASTRA na correção de uma atresia distal de vagina adquirida. Este é, até onde sabemos, o primeiro relato do uso do ASTRA com esta finalidade.

ASPECTOS TÉCNICOS

Lactente, oito meses de idade, feminina, portadora de anomalia anoretal (fístula retovestibular), refluxo vésico-ureteral grau V à esquerda, bexiga neurogênica e agenesia sacra.

Aos 20 dias de idade foi submetida à anorretoplastia sagital posterior. Evoluiu com deiscência parcial da ferida, atendida imediatamente com a ressutura da lesão. Seguiu-se nova deiscência. Foi feita uma colostomia, tratando-se a lesão perineal com cuidados locais. Houve retração da vagina distal e deiscência do corpo perineal. A paciente passou a apresentar uretra e ânus tópicos, ausência de óstio vaginal no períneo e insuficiência do corpo perineal (Figura 1).


A ultrassonografia transabdominal e transperineal mostrava os 2/3 proximais de vagina a uma distância de 2cm da pele.

A bexiga neurogênica foi tratada, obtendo continência nos intervalos do cateterismo intermitente limpo (CIL). A criança foi então submetida à reconstrução da vagina e corpo perineal usando o ASTRA.

A paciente foi posicionada em decúbito ventral com elevação da pelve e abdução dos quadris. O correto posicionamento do ânus com relação à musculatura de continência foi confirmado através de estimulação muscular. Foi feito um acesso transperineal sagital anterior, estendido à parede anterior do reto, na linha média, por cerca de 4cm (ASTRA) (Figura 2). O reto foi afastado na direção do sacro com válvula maleável. Mediante dissecção na linha média em direção ventral a parede vaginal posterior foi encontrada (reconhecida pela consistência muscular e parede nacarada) e mobilizada numa extensão suficiente para sutura sem tensão ao períneo. A parede anterior do reto foi suturada e o corpo perineal reconstruído.


O cateterismo uretral foi mantido por 72 horas. A criança evoluiu sem problemas e recebeu alta no terceiro dia pós-operatório. Após quatro meses apresenta períneo anatomicamente normal, sem estenose vaginal. Está em preparo para fechamento da colostomia.

DISCUSSÃO

A dificuldade para expor cotos vaginais muito afastados do períneo com acessos transperineais sagitais puros é amplamente reconhecida. O acesso sagital posterior proposto para a paciente, em 19822, foi rapidamente estendido para o tratamento de malformações urogenitais (utrículos prostáticos, estenoses uretrais, atresias de vagina, seios urogenitais), seccionando as paredes anterior e posterior do reto na linha média3 ou incisando a musculatura na rafe mediana e preservando o reto íntegro (afastado lateralmente)4.

Pretendendo preservar a musculatura esfinctérica posterior ao reto, o ASTRA foi inicialmente proposto e popularizado pelo cirurgião italiano Roberto de Castro. Os primeiros resultados do uso para tratamento de malformações vaginais foram publicados pelo grupo de cirurgia pediátrica da Universidade de Catânia, Itália1 inicialmente usando uma colostomia protetora. Posteriormente foi comprovada a segurança do ASTRA sem colostomia e sem dietas especiais no pós-operatório (pacientes alimentados conforme os parâmetros clínicos usuais e com alta precoce)5. Outros sugeriram uma adaptação em que o reto é dissecado nos planos ântero-laterais e afastado posteriormente sem abertura da parede anterior, alegando evitar alguns riscos do ASTRA. Em nossa experiência, esta variação tem possibilitado uma exposição mais restrita do que o ASTRA5.

A maioria dos casos publicados de ASTRA descreve a correção de malformações do sistema mulleriano em pacientes pediátricos A dissecção é mais fácil do que em pacientes pós-puberais apesar da fragilidade dos tecidos, com menos sangramento e melhor definição dos planos anatômicos5. Uma avaliação pré-operatória da distância à superfície perineal e extensão da vagina é importante para o planejamento, avaliação do nível de dificuldade e tipo de acesso necessário. Para vaginas muito próximas à superfície o ASTRA é desnecessário. Para vaginas extremamente encurtadas, a mobilização vaginal até a superfície do períneo pode não ser possível e o cirurgião terá que recorrer à técnicas suplementares, mesmo com a exposição facilitada pelo ASTRA. Nesses casos, é necessário avaliar a idade do paciente para a cirurgia: vários cirurgiões advogam adiar a correção até a idade pré-puberal ou o momento em que a paciente quiser adotar uma vida sexual ativa, com bloqueio preemptivo da menstruação nos casos de vagina atrésica. Técnicas de reconstrução com retalhos complexos ou substituição vaginal por outros tecidos podem cursar com estenoses pós-operatórias e necessitar de dilatação sistemática e repetitiva do canal vaginal, que não julgamos necessária nas crianças após abaixamento vaginal autóctone sem tensão.

A reconstrução cuidadosa do corpo perineal é importante para prover suporte ao reto anterior, separar reto e vagina e, provavelmente, evitar dispareunia na idade adulta.

Nenhum dos artigos publicados com ASTRA refere problemas de continência e há apenas um caso de infecção pós-operatória, tratado com colostomia5.

Em conclusão, o ASTRA é um recurso técnico eficiente e seguro para melhorar a exposição transperineal de estruturas profundas, e deve ser incorporado ao arsenal dos cirurgiões envolvidos na reconstrução vaginal.

Recebido em 10/06/2012

Aceito para publicação em 10/08/2012

Conflito de interesse: nenhum

Fonte de financiamento: nenhuma

Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia e Urologia Pediátrica do Hospital Federal dos Servidores do Estado, Rio de Janeiro, Brasil.

  • 1
    Di Benedetto V, Giovialle M, Bagnara V, Cacciaguerra S, Di Benedetto A. The anterior sagittal transanorectal approach: a modified approach to 1-stage clitoral vaginoplasty in severely masculinized female pseudohermaphrodites-preliminary results. J Urol. 1997;157(1):330-2.
  • 2
    Peña A, Devries PA. Posterior sagittal anorectoplasty: important technical considerations and new applications. J Pediatr Surg. 1982;17(6):796-811.
  • 3
    Peña A, Filmer B, Bonilla E, Mendez M, Stolar C. Transanorectal approach for the treatment of urogenital sinus: preliminary report. J Pediatr Surg. 1992;27(6):681-5.
  • 4
    Kuhn EJ, Skoog SJ, Nicely ER. The posterior sagittal pararectal approach to posterior urethral anomalies. J Urol. 1994;151(5):1365-7.
  • 5
    Salle JL, Lorenzo AJ, Jesus LE, Leslie B, AlSaid A, Macedo FN, et al. Surgical treatment of high urogenital sinuses using the anterior sagittal transrectal approach: a useful strategy to optimize exposure and outcomes. J Urol. 2012;187(3):1024-31.
  • Endereço para correspondência:
    Lisieux Eyer de Jesus
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      10 Jun 2012
    • Aceito
      10 Ago 2012
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