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Modelo experimental alternativo para treinamento em microcirurgia

Resumos

OBJETIVO:

descrever um novo modelo de treinamento em microcirurgia com baço de suínos após esplenectomia realizada pelos alunos de graduação da disciplina de técnica operatória do curso de medicina da UFPR.

MÉTODOS:

após a realização da esplenectomia realizamos dissecção do pedículo vascular distal e proximal a ligadura realizada para a retirada do baço. Após a dissecção completa da artéria e veia esplênica ,com microscópio, são colocados os clampes e o vaso é seccionado. É então realizada a anastomose dos vasos com mononylon 9,0.

RESULTADO:

o treinamento microcirúrgico, com uma rotina bem definida, supervisão qualificada e utilizando materiais experimentais de baixo custo, mostrou-se efetivo na prática de cirurgia microvascular inicial.

CONCLUSÃO:

a utilização do baço suíno, que seria desprezado após esplenectomia, é um excelente modelo para treinamento microcirúrgico, pois além de ter a consistência e delicadeza de um modelo real poupa o sacrifício de um novo modelo animal, na fase inicial de aprendizado desta técnica.

Treinamento; Técnicas; Procedimentos cirúrgicos operatórios; Microcirurgia; Modelos cirúrgicos


OBJECTIVE:

to describe a new model of training in microsurgery with pig spleen after splenectomy performed by undergraduate students of the Discipline of Operative Technique of the UFPR Medical School.

METHODS:

after the completion of splenectomy we performed dissection of the vascular pedicle, distal and proximal to the ligation performed for removal of the spleen. After complete dissection of the splenic artery and vein with microscope, clamps were placed and the vessels were cut. We then made the anastomosis of the vessels with 9.0 nylon.

RESULT:

the microsurgical training with a well-defined routine, qualified supervision and using low cost experimental materials proved to be effective in the practice of initial microvascular surgery.

CONCLUSION:

the use of pig spleen, which would be discarded after splenectomy, is an excellent model for microsurgical training, since besides having the consistency and sensitivity of a real model, it saves the sacrifice of a new animal model in the initial learning phase of this technique.

Training; Techniques; Surgical procedures, operative; Microsurgery; Models, anatomic


INTRODUÇÃO

A importância da aplicação da microcirurgia na Cirurgia Plástica se deve, em grande parte, ao uso de retalhos livres. Essa técnica permite a realização de reimplante de dedos, mãos, membros, orelhas, pênis, entre outros segmentos corporais11. Viterbo F. Importância da microcirurgia na cirurgia plástica. Rev Bras Cir Plast. 2012;27(1):2..

No Brasil, existe grande carência de microcirurgiões devido aos custos envolvidos no treinamento e na escassez de serviços que ofereçam treinamento especializado. O treinamento em microcirurgia é longo, caro e exige alto grau de dedicação. O completo domínio das técnicas de microcirurgia deve ser obtido no laboratório antes de ser empregada na prática clínica22. Martins PNA, Montero EFS. Basic microsurgery training: comments and proposal. Acta Cir Bras. 2007;22(1):79-81..

Existem vários modelos de treinamento que envolvem diferentes materiais e animais. Também foram definidas algumas rotinas de treinamento para que se obtenha permeabilidade vascular adequada e, por consequência, êxito na prática diária33. Lima DA, Galvão MSL, Cardoso MM, Leal PRA. Rotina de treinamento laboratorial em microcirurgia do Instituto Nacional do Câncer. Rev Bras Cir Plast. 2012;27(1):141-9..

O uso de material sintético, como o silicone, é bastante prático para o treino inicial, embora tenha a desvantagem de não oferecer estruturas de consistência similar à dos tecidos biológicos e de não permitir treino de técnicas de dissecção. Vários segmentos animais inertes podem ser utilizados para treino, como o pé de galinha, de fácil obtenção em locais onde são ofertados para o consumo, baixo custo e fácil armazenamento. Atribuímos a essa etapa a importância de aprender a manipular e sentir a delicadeza das estruturas microvasculares ao se fazer a dissecção e a microssutura sem a presença do fator estresse, que poderia ocorrer inicialmente no trabalho com animais vivos. Estes são sensíveis a vários fatores, como pequena perda volêmica, tempo cirúrgico prolongado e lesão inadvertida pelo treinando sem experiência suficiente ainda, acarretando a morte dos animais com mais facilidade, o que poderia aumentar os custos do treinamento33. Lima DA, Galvão MSL, Cardoso MM, Leal PRA. Rotina de treinamento laboratorial em microcirurgia do Instituto Nacional do Câncer. Rev Bras Cir Plast. 2012;27(1):141-9. , 44. Fraga MFP, Perin LF, Green AC, Zacarias R, Faes JC, Tenório T, et al. Practical training model for microvascular anastomosis. Rev Bras Cir Plast. 2012;27(2):325-7.

O Objetivo deste artigo é demonstrar a experiência do serviço de Cirurgia Plástica do Hospital de Clínicas da UFPR, no treinamento em microcirurgia com baço de suínos após esplenectomia, realizada pelos alunos de graduação do Curso de Medicina.

MÉTODOS

Descrevemos um modelo de treinamento microcirúrgico que utilizamos o baço de suínos, pós mortem, proveniente de esplenectomia realizada pelos alunos da disciplina de Técnica Operatória de Medicina da UFPR (Figura 1), previamente autorizados pelo Comitê de Ética da instituição. O trabalho é realizado somente após o término da esplenectomia realizada pelos acadêmicos. Não havendo nenhum contato com o animal vivo, apenas após retirada da peça.

Figura 1
Esplenectomia sendo realizada pelos acadêmicos de medicina da UFPR.

A operação inicia-se com a dissecção do pedículo vascular distal próximo á ligadura do pedículo realizada para a esplenectomia. Após a dissecção completa da artéria e veia esplênica, com microscópio, são colocados os clampes e o vaso é seccionado. É então realizada a anastomose dos vasos com mononylon 10,0 BV (Figura 2 a 4).

Figura 2
Imagem da artéria esplênica dissecada.

Figura 3
Imagem da parede posterior aberta e sutura da parede anterior do vaso.

Figura 4
Imagem da artéria esplênica com pontos de nylon 10.0.

O instrumental utilizado para anastomoses microvasculares consiste de micropinças de joalheiro, microtesoura, microclipes, porta-clipe, retratores e fios monofilamentares. São utilizados fios 10-0 para vasos com diâmetro de 1.0 mm e 9-0 para vasos com diâmetro de 2.0 mm.

O calibre dos vasos esplênicos encontrados variou de 1,5 mm a 2,5 mm, dependendo do tamanho do animal. Isso permitiu o treinamento de anastomoses microcirúrgicas em vasos de diferentes calibres. Esses vasos permaneciam com pequena quantidade de sangue em seu lúmen, o que permitia testar a qualidade e a patência das anastomoses.

DISCUSSÃO

Em microcirurgia existem rotinas de treinamento definidas para que se obtenha permeabilidade vascular adequada e, por conseqüência, êxito na clínica diária. O treinamento microcirúrgico, com uma rotina bem definida, supervisão qualificada e utilizando materiais experimentais de baixo custo, mostrou-se efetivo na prática de cirurgia microvascular inicial. Proporciona ao cirurgião a aquisição de conhecimento teórico e habilidade satisfatórios para realização dos procedimentos com bons índices de permeabilidade vascular, que devem ser obtidos antes da otimização na prática clínico-cirúrgica55. Webster R, Ely PB. Treinamento em microcirurgia vascular: é economicamente viável? Acta Cir Bras. 2002;17(3):194-7..

As experiências clínicas para a prática das anastomoses microcirúrgicas são limitadas para aqueles que estão em processo de treinamento, ainda que existam diversos modelos animais (ratos, frangos e porcos). As estritas leis dos Comitês Institucionais de Cuidados e Utilização de Animais também dificultam o processo de educação médica. Isso faz com que haja necessidade de desenvolvimento de alternativas aos modelos de treinamento existentes. Materiais artificiais (tubos de silicone, luvas), simuladores e robôs têm sido descritos como métodos auxiliares no processo de treinamento de habilidades básicas em anastomoses microvasculares. No entanto, cada uma dessas modalidades pode ser aprimorada em termos de acessibilidade, reprodutibilidade e custo-efetividade55. Webster R, Ely PB. Treinamento em microcirurgia vascular: é economicamente viável? Acta Cir Bras. 2002;17(3):194-7..

No Brasil, na maioria dos estados não há centros de treinamento ou curso regular de microcirurgia. Nesse contexto, um dos principais obstáculos é o custo do treinamento, o que não diminui a importância particular de existirem centros regionais de microcirurgia, pois, por exemplo, em casos de emergência, tais como amputação traumática, o tempo de transferência para um centro de referência em reimplante é curto e não praticável66. Isolan GR, Santis-Isolan PMB, Dobrowolski S, Cioato MG, Meyer FS, Antunes ACM, et al. Considerações técnicas no treinamento de anastomoses microvasculares em laboratório de microcirurgia:[revisão]. J bras neurocir. 2010;21(1):8-17..

O treinamento inicial em microcirurgia pode ser longo e tedioso caso não se elabore um planejamento para realizá-lo. O treino deve ser obtido primeiro em um ambiente que não envolva pacientes, em decorrência da complexidade que representa. Observa-se que, a cada fase, o treino se torna mais estimulante, em decorrência da percepção da evolução prática manual que o próprio treinando tem de si mesmo.

A utilização do baço suíno como modelo de treinamento permite que os cirurgiões em fase de treinamento desenvolvam suas habilidades cirúrgicas de forma muito realística. O custo é extremamente baixo quando comparado à utilização de animais ou simuladores e permite transição mais rápida e real aos pacientes. A prática de dissecção e de anastomoses terminoterminais e terminolaterais é realizada de uma maneira efetiva.

As pessoas que trabalham com animais na pesquisa, no ensino ou em testes laboratoriais devem valorizar a vida animal, considerá-los seres sensíveis, procurar reduzir o sofrimento e ter a responsabilidade de assegurar que o cuidado dado aos animais seja sempre de excelente qualidade. Por isso a utilização do baço suíno, que seria desprezado após esplenectomia, é um excelente modelo para treinamento microcirúrgico, pois além de ter a consistência e delicadeza de um modelo real poupa o sacrifício de um novo modelo animal, na fase inicial de aprendizado.

REFERENCES

  • 1
    Viterbo F. Importância da microcirurgia na cirurgia plástica. Rev Bras Cir Plast. 2012;27(1):2.
  • 2
    Martins PNA, Montero EFS. Basic microsurgery training: comments and proposal. Acta Cir Bras. 2007;22(1):79-81.
  • 3
    Lima DA, Galvão MSL, Cardoso MM, Leal PRA. Rotina de treinamento laboratorial em microcirurgia do Instituto Nacional do Câncer. Rev Bras Cir Plast. 2012;27(1):141-9.
  • 4
    Fraga MFP, Perin LF, Green AC, Zacarias R, Faes JC, Tenório T, et al. Practical training model for microvascular anastomosis. Rev Bras Cir Plast. 2012;27(2):325-7.
  • 5
    Webster R, Ely PB. Treinamento em microcirurgia vascular: é economicamente viável? Acta Cir Bras. 2002;17(3):194-7.
  • 6
    Isolan GR, Santis-Isolan PMB, Dobrowolski S, Cioato MG, Meyer FS, Antunes ACM, et al. Considerações técnicas no treinamento de anastomoses microvasculares em laboratório de microcirurgia:[revisão]. J bras neurocir. 2010;21(1):8-17.
  • Fonte de financiamento: nenhuma.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2014

Histórico

  • Recebido
    03 Set 2012
  • Aceito
    06 Nov 2012
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