Acessibilidade / Reportar erro

Incidência de infecção pós-abortamento no Hospital de Clínicas de Porto Alegre. O antibiótico profilático é necessário?

Resumos

OBJETIVO:

Identificar a incidência de infecção pélvica após aborto espontâneo submetido a esvaziamento uterino num hospital terciário do sul do Brasil e comparar com a literatura internacional.

MÉTODOS:

Os prontuários eletrônicos do Hospital de Clínicas de Porto Alegre de todas as pacientes que foram submetidas ao esvaziamento uterino por abortamento entre agosto de 2008 e Janeiro de 2012 foram revisados. Foram incluídas no estudo todas as pacientes submetidas à curetagem uterina por abortamento e que tiveram consultas ambulatoriais de revisão após o procedimento. Os dados demográficos e laboratoriais da população estudada, number needed for treatment (NNT) e o number needed to harm (NNH) foram calculados.

RESULTADOS:

Dos 857 prontuários eletrônicos revistos, 377 pacientes foram submetidas ao esvaziamento uterino por abortamento; 55 casos foram perdidos no seguimento, restando 322 casos que foram classificados como aborto não infectado na admissão. A maioria da população era da raça branca (79%); a prevalência de HIV e VDRL positivos foi de 0,3 e 2%, respectivamente. No seguimento desses 322 casos, num período mínimo de 7 dias, verificou-se que a incidência de infecção pós-procedimento foi de 1,8% (IC95%0,8 a 4). O NNT e o NNH calculado para 42 meses foi de 63 e 39, respectivamente.

CONCLUSÃO:

A incidência de infecção pós-aborto entre agosto de 2008 a janeiro de 2012 foi de 1,8% (0,8 a 4).

Incidência; Infecção; Infecção pélvica; Aborto espontâneo; Antibiótico/profilaxia


OBJECTIVE:

To identify the incidence of pelvic infection after miscarriage undergoing uterine evacuation in a tertiary hospital in southern Brazil and to compare with the international literature.

METHODS:

we reviewed electronic medical records of the Hospital de Clinicas de Porto Alegre of all patients who underwent uterine evacuation for miscarriage between August 2008 and January 2012 were reviewed. We included all patients submitted to uterine curettage due to abortion and who had outpatient visits for review after the procedure. We calculated emographic and laboratory data of the study population, number needed for treatment (NNT) and number needed to harm (NNH).

RESULTS:

of the 857 revised electronic medical records, 377 patients were subjected to uterine evacuation for miscarriage; 55 cases were lost to follow-up, leaving 322 cases that were classified as not infected abortion on admission. The majority of the population was white (79%); HIV prevalence and positive VDRL was 0.3% and 2%, respectively. By following these 322 cases for a minimum of seven days, it was found that the incidence of post-procedure infection was 1.8% (95% CI 0.8 to 4). The NNT and NNH calculated for 42 months were 63 and 39, respectively.

CONCLUSION:

The incidence of post-abortion infection between August 2008 to January 2012 was 1.8% (0.8 to 4).

Incidence; Infection; Pelvic infection; Abortion, spontaneous; Anti-bacterial agents/prophylaxis


INTRODUÇÃO

Estima-se que entre 1990 e 2008, ocorreram a cada ano, 47.000 mortes maternas no mundo devido ao aborto sem as práticas seguras, sendo a infecção a principal causa11. World Health Organization (WHO). Unsafe abortion: global and regional estimates of the incidence of unsafe abortion and associated mortality in 2008. 6th ed. Geneva: WHO; 2011.. Cerca de 13% das mortes maternas estão relacionadas à realização de aborto com o uso de técnicas e condições de higiene pouco seguras22. Low N, Mueller M, Van Vliet HA, Kapp N. Perioperative antibiotics to prevent infection after first-trimester abortion. Cochrane Database Syst Rev. 2012;3:CD005217.. Uma das complicações desse tipo de procedimento é a infecção pélvica pós-aborto. A infecção no trato genital superior é provavelmente oriunda da introdução ou ascensão de bactérias pela cérvice uterina33. Sawaya GF, Grady D, Kerlikowske K, Grimes DA. Antibiotics at the time of induced abortion: the case for universal prophylaxis based on a meta-analysis. Obstet Gynecol. 1996;87(5 Pt 2):884-90.. Essa condição tem a sua manifestação clínica a curto prazo com a síndrome pós-aborto, caracterizada por uma infecção pélvica aguda44. Cameron ST, Sutherland S. Universal prophylaxis compared with screen-and-treat for Chlamydia trachomatis prior to termination of pregnancy. BJOG. 2002;109(6):606-9. e, a longo prazo, onde há sequelas de dor pélvica crônica, dispareunia, infertilidade e gravidez ectópica55. Soper DE. Pelvic inflammatory disease. Obstet Gynecol. 2010;116(2 Pt 1):419-28..

O uso de antibiótico profilático com doxiciclina via oral antes do procedimento de curetagem é recomendado pela Society of Family Planning 66. Achilles SL, Reeves MF; Society of Family Planning. Prevention of infection after induced abortion: release date October 2010: SFP guideline 20102. Contraception. 2011;83(4):295-309.. A meia vida da doxiciclina é de 4 dias77. Adadevoh BK, Ogunnaike IA, Bolodeoku JO. Serum levels of doxycycline in normal subjects after a single oral dose. Br Med J. 1976;1(6014):880. e, teoricamente, não haveria necessidade de uma nova administração profilática por alguns dias, caso a curetagem fosse remarcada. Todavia, o Ministério da Saúde do Brasil, nas suas normativas, não faz referências sobre o uso ou não de antibiótico profilático para os casos de abortamento88. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Área Técnica de Saúde da Mulher. Parto, aborto e puerpério: assistência humanizada à mulher. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2001..

Uma metaanálise de 2012 sobre o uso de profilaxia antimicrobiana antes do esvaziamento uterino nos casos de aborto demonstrou que o uso profilático de antimicrobiano é efetivo na prevenção de infecção do trato genital superior após a curetagem; a incidência de infecção pós-aborto nos grupos que utilizaram profilaxia universal foi de 2,1% (1,1 a 4) 22. Low N, Mueller M, Van Vliet HA, Kapp N. Perioperative antibiotics to prevent infection after first-trimester abortion. Cochrane Database Syst Rev. 2012;3:CD005217.. Nessa meta-análise22. Low N, Mueller M, Van Vliet HA, Kapp N. Perioperative antibiotics to prevent infection after first-trimester abortion. Cochrane Database Syst Rev. 2012;3:CD005217., foi alertado que, devido a heterogeneidade dos estudos, esse efeito pode não ser aplicado a todas as populações, necessitando ser revisto em cada localidade.

No Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), um hospital universitário terciário, a profilaxia universal com antibiótico não é feita, pois não se sabe qual é a incidência de infecção pós-aborto; o objetivo primário desse estudo foi verificar a incidência de infecção pós-aborto em mulheres que foram submetidas à curetagem uterina. Os objetivos secundários foram: calcular os dados demográficos e laboratoriais da população estudada, o number needed for treatment (NNT) e o number needed for harm (NNH).

MÉTODOS

Pacientes analisadas

Nessa coorte retrospectiva, foi realizada a revisão de prontuários de todos as pacientes que foram submetidas à curetagem uterina por abortamento no Hospital de Clínicas de Porto Alegre entre agosto de 2008 até Janeiro de 2012. Foram incluídas no estudo todas as pacientes submetidas ao procedimento de curetagem uterina por abortamento no HCPA, com ou sem infecção na admissão, e que tiveram consultas ambulatoriais de revisão pós esvaziamento uterino. Os casos de abortamento foram definidos como idade gestacional menor ou igual a 20 semanas conforme a data da última menstruação, ou por ecografia obstétrica realizada no primeiro trimestre. Foram incluídas todas as pacientes que possuíam diagnóstico de abortamento (conforme a Classificação Internacional das Doenças - CID - O02.1, O03, O04, O05, O06, O07 e O08, com as suas subclassificações). Os casos com abortamento com infecção não foram considerados na incidência de endometrite pós-curetagem, mas foram considerados para identificar o perfil laboratorial (hemograma, HIV, VDRL) e epidemiológico. O diagnóstico de aborto infectado/séptico foi feito de acordo com os critérios publicados previamente99. Savaris RF, de Moraes GS, Cristovam RA, Braun RD. Are antibiotics necessary after 48 hours of improvement in infected/septic abortions? A randomized controlled trial followed by a cohort study. Am J Obstet Gynecol. 2011;204(4):301.e1-5 .. Os dados foram verificados por dois pesquisadores independentemente (CP, MB), no caso de dúvidas ou discrepâncias, um terceiro pesquisador (RFS) era consultado para chegar a um consenso.

A infecção pós-abortamento foi definida pela presença de dor pélvica, associada com pelo menos um dos seguintes sinais ou sintomas: sangramento vaginal aumentado segundo o relato da paciente, febre (e"37,8ºC), secreção piossanguinolenta fluindo de dentro do colo uterino, dor à mobilização do colo uterino, dor anexial, leucocitose (> 14000 leucócitos/mL) com ou sem aumento de bastões, ou pela necessidade do uso de antimicrobianos para tratar infecção pélvica identificada nos primeiros sete dias após o procedimento. As pacientes que usaram antimicrobianos para tratar outras doenças além de infecção pélvica (p.e. vaginite fúngica, infecção urinária baixa, vaginose bacteriana) não foram incluídas como casos de infecção pós-aborto. As seguintes variáveis integraram o questionário padronizado da pesquisa: idade no momento da curetagem, raça (branca, indígena, negra, parda e amarela), níveis de hemoglobina (g/dL), contagem total de leucócitos com diferencial, número de plaquetas, sorologias para VDRL e anti-HIV, grau de instrução escolar e estado civil.

Custos com a medicação

Os diferentes tratamentos para a doença inflamatória pélvica foram revistos na literatura 1010. Penney GC. Preventing infective sequelae of abortion. Hum Reprod. 1997;12(11 Suppl):107-12. , 1111. Heisterberg L. Preventive antibiotics in induced first-trimester abortion. Ugeskr Laeger. 1992;154(44):3056-60.. Os custos dos medicamentos da profilaxia (doxiciclina), e do tratamento da doença inflamatória pélvica (doxiciclina, azitromicina, ceftriaxona, clindamicina, gentamicina) foram obtidos a partir dos sites da Prefeitura de Porto Alegre (http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/smf/usu_doc/_acs_pe_085_12_medicamentos_humanos.doc) para o cálculo do custo da profilaxia e do tratamento conforme descrito.

Aspectos éticos e análise estatística

Esse estudo foi submetido e aprovado pelo comitê em ética e pesquisa do HCPA sob o número 11-0248. A análise descritiva com intervalo de confiança de 95%, o teste U de Mann-Whitney e o teste exato de Fisher foram utilizados para a análise estatística.

RESULTADOS

Dos 857 prontuários das pacientes que internaram no Serviço de emergência ginecológica do HCPA, entre Agosto de 2008 e Janeiro de 2012, 378 casos foram excluídos por não terem sido submetidas à curetagem por abortamento. Dos 322 casos de curetagem uterina sem infecção que foram acompanhados, foram identificados 6 com infecção pélvica pós-curetagem (1,8% - IC95% 0,8 a 4). Dos 87 casos que chegaram com diagnóstico clínico/laboratorial de aborto infectado, 3 tiveram endometrite pós-curetagem (3,5% - IC95% 1,2 a 9,9), todos tinham persistência de restos placentários. Maiores detalhes do estudo estão descritos na figura 1.

Figura 1
Fluxograma do estudo.

Na comparação entre as pacientes que internaram com ou sem diagnóstico de aborto infectado/séptico, verificou-se que as pacientes que apresentavam aborto infectado/séptico tinham uma idade menor em comparação com as que não tinham infecção na internação, assim como uma maior prevalência de exames HIV positivos (Tabela 1). Os custos da profilaxia e do tratamento da infecção pós-abortamento, nos valores de Fevereiro/2013, variavam entre R$ 17,64 e 31,85 (Tabelas 2 e 3).

Tabela 1
Características da população estudada.
Tabela 2
Custo para prevenir um caso de Doença Inflamatória Pélvica. Valores dos medicamentos obtidos a partir do edital do pregão eletrônico da Prefeitura Municipal de Porto Alegre 085/2012*.
Tabela 3
Custo para tratar um caso de Doença Inflamatória Pélvica ambulatorialmente. Valores dos medicamentos obtidos a partir do edital do pregão eletrônico da Prefeitura Municipal de Porto Alegre 085/2012.

DISCUSSÃO

O presente estudo surgiu a partir do trabalho do grupo de Regulação da Fertilidade da Cochrane, o qual sugere que o uso de antibiótico profilático antes do esvaziamento uterino pode não ser efetivo em algumas populações, devendo ser considerado os dados epidemiológicos locais22. Low N, Mueller M, Van Vliet HA, Kapp N. Perioperative antibiotics to prevent infection after first-trimester abortion. Cochrane Database Syst Rev. 2012;3:CD005217..

Secundariamente, desejamos identificar os aspectos demográficos da população que apresentava ou não aborto infectado no momento da internação. Verificamos que as pacientes que internaram com o diagnóstico de aborto infectado eram mais jovens, com uma maior prevalência de HIV (5,7%) e com menores níveis de hemoglobina do que as que internavam sem infecção. Não foi calculada diferença estatística entre os níveis leucocitários, pois o limiar de 14.000 leucócitos/mL fazia parte dos critérios de definição de aborto infectado.

Deve-se atentar para as limitações desse estudo. O fato de ser uma coorte histórica, e que a população estudada era na sua maioria (cerca de 70%) composta por brancas e solteiras pode limitar a generalização dos dados. A perda de 14,5% no seguimento poderia elevar a incidência de infecção pós-curetagem até 16%, o que nos parece improvável.

A incidência de 1,8% (IC95% 0,8 a 4) de endometrite pós-curetagem dentro de um período de 7 dias após o procedimento está dentro dos limites da incidência encontrada em três estudos Europeus que utilizaram antibiótico profilático: Penny et al. encontraram 3%1212. Darj E, Strålin EB, Nilsson S. The prophylactic effect of doxycycline on postoperative infection rate after first-trimester abortion. Obstet Gynecol. 1987;70(5):755-8., Heisterberg et al., 3 a 5%1313. Brewer C. Prevention of infection after abortion with a supervised single dose of oral doxycycline. Br Med J. 1980;281(6243): 780-1. e Darj et al., 2,1%1414. Guidugli F, Castro AA, Atallah AN. Antibiotics for preventing leptospirosis. Cochrane Database Syst Rev. 2000;(4):CD001305.. No estudo randomizado publicado por Darj et al. com 769 mulheres, onde a profilaxia universal com 400mg de doxiciclina por via oral foi comparada com placebo, verificou-se que o número necessário para se obter o benefício (em inglês - Number Needed to Treat -NNT) seria de 24 pacientes1414. Guidugli F, Castro AA, Atallah AN. Antibiotics for preventing leptospirosis. Cochrane Database Syst Rev. 2000;(4):CD001305.. Isso representa uma redução do risco relativo de 66,9%. Brewer, num ensaio clínico randomizado com 2950 mulheres, identificou uma incidência de 0,1% (IC95% 0 a 0,4) de infecção pélvica pós-curetagem no grupo que usou profilaxia (500mg de doxiciclina por via oral no dia da curetagem) e de e 0,6% (IC95% 0,3 a 1,1) no grupo que usou placebo. Isso representa um NNT de 203 mulheres e uma redução do risco relativo de 88,2%1515. Reeves MF, Lohr PA, Hayes JL, Harwood BJ, Creinin MD. Doxycycline serum levels at the time of dilation and evacuation with two dosing regimens. Contraception. 2009;79(2):129-33..

Esses dois estudos1212. Darj E, Strålin EB, Nilsson S. The prophylactic effect of doxycycline on postoperative infection rate after first-trimester abortion. Obstet Gynecol. 1987;70(5):755-8. , 1313. Brewer C. Prevention of infection after abortion with a supervised single dose of oral doxycycline. Br Med J. 1980;281(6243): 780-1. utilizaram profilaxia universal em comparação com placebo e as incidências de infecção pós-esvaziamento uterino com o uso de antibiótico foram semelhantes às encontradas no nosso estudo sem o uso de antimicrobiano. A explicação para a baixa incidência de infecção pós-curetagem no HCPA pode estar relacionada com os critérios utilizados para indicar a terapêutica, como o limiar de 14.000 leucócitos/mL.

Com os valores da redução do risco relativo descrito por Darj et al 1414. Guidugli F, Castro AA, Atallah AN. Antibiotics for preventing leptospirosis. Cochrane Database Syst Rev. 2000;(4):CD001305. (67%) e por Brewer et al 1515. Reeves MF, Lohr PA, Hayes JL, Harwood BJ, Creinin MD. Doxycycline serum levels at the time of dilation and evacuation with two dosing regimens. Contraception. 2009;79(2):129-33. (88%), e a incidência de 1,8% no HCPA, poderíamos esperar uma redução absoluta entre 1,1 a 1,6% dos casos de infecção pós-curetagem, o que levaria a uma incidência final entre 0,2 a 0,7%, se tratássemos todas as pacientes com antimicrobiano profilático. Isso reduziria a prevalência para um nível abaixo do intervalo de confiança encontrado na presente população estudada. Com isso, teríamos um NNT (NNT = 1/Redução do Risco Absoluto) entre 63 a 91.

Ao se utilizar uma medicação profilática, além de verificar os seus benefícios, é necessário verificar os efeitos colaterais com o seu uso (número para causar dano, em inglês - Number Needed to Harm - NNH). Uma meta-análise demonstrou que o uso de doxiciclina como profilaxia para leptospirose produziu efeitos colaterais em 3%, resultando em um NNH de 39 casos na população estudada1616. Heisterberg L, Hebjørn S, Andersen LF, Petersen H. Sequelae of induced first-trimester abortion. A prospective study assessing the role of postabortal pelvic inflammatory disease and prophylactic antibiotics. Am J Obstet Gynecol. 1986;155(1):76-80.. Logo, para cada 2 pacientes tratadas (NNT=63; NNH=39), teríamos cerca de 1 efeito colateral. Esses efeitos colaterais, náuseas e vômitos na sua maioria, diminuem, se a medicação for ingerida com alimentos1717. Ness RB, Soper DE, Holley RL, Peipert J, Randall H, Sweet RL, et al. Effectiveness of inpatient and outpatient treatment strategies for women with pelvic inflammatory disease: results from the Pelvic Inflammatory Disease Evaluation and Clinical Health (PEACH) Randomized Trial. Am J Obstet Gynecol. 2002;186(5):929-37..

Se levarmos em consideração os custos dos medicamentos da profilaxia (doxiciclina), e do tratamento da doença inflamatória pélvica (doxiciclina, azitromicina, ceftriaxona, clindamicina, gentamicina) e as diferentes formas de tratamento para doença inflamatória pélvica, podemos calcular o custo da profilaxia e do tratamento conforme descrito nas (Tabelas 2 e 3). Como se pode verificar, seria necessário gastar, nos valores de Fevereiro/2013, entre R$ 17,64 e 31,85 para economizar um tratamento de doença inflamatória pélvica, o qual custaria entre R$ 1,78 e 19,34.

Um outro aspecto a ser considerado é a incidência e a gravidade das complicações, caso a paciente desenvolvesse uma endometrite pós-curetagem. A incidência de complicações a longo prazo para mulheres que não fizeram profilaxia é de 22% para aborto espontâneo, 20% para dispareunia e 10% para infertilidade. Esses dados foram obtidos a partir de uma amostra de 38 casos na Suécia1818. Workowski KA, Berman S; Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Sexually transmitted diseases treatment guidelines, 2010. MMWR Recomm Rep. 2010;59(RR-12):1-110., o que está de acordo com os dados publicados por Ness et al., numa amostra com mais de 800 pacientes que foram acompanhadas por mais de 6 meses1919. Savaris RF, Teixeira LM, Torres TG, Edelweiss MI, Moncada J, Schachter J. Comparing ceftriaxone plus azithromycin or doxycycline for pelvic inflammatory disease: a randomized controlled trial. Obstet Gynecol. 2007;110(1):53-60. Na presente população estudada, houve 6 casos de infecção pós-aborto na população que não recebeu antibiótico pré-esvaziamento uterino. Essas pacientes foram contatadas após 3 anos do procedimento e somente uma delas teve um novo aborto espontâneo nesse período. As demais pacientes negaram problemas como infertilidade, dispareunia, ou dor pélvica. Apesar desses dados não fazerem parte do estudo original, parece que essas complicações (cerca de 17% de 6 casos) estão de acordo com o descrito na literatura 1818. Workowski KA, Berman S; Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Sexually transmitted diseases treatment guidelines, 2010. MMWR Recomm Rep. 2010;59(RR-12):1-110. , 1919. Savaris RF, Teixeira LM, Torres TG, Edelweiss MI, Moncada J, Schachter J. Comparing ceftriaxone plus azithromycin or doxycycline for pelvic inflammatory disease: a randomized controlled trial. Obstet Gynecol. 2007;110(1):53-60.

O último aspecto a ser calculado são as perdas e gastos relacionadas com o absenteísmo. Esses valores teriam que ser descontados do custo da profilaxia (p.e.,R$17,64), mas são cálculos complexos que não fazem parte do objetivo do presente estudo.

Em conclusão, infecção pós-aborto entre agosto de 2008 a janeiro de 2012 foi de 1,8%. Esse dado provê as bases para calcular o tamanho da amostra de um ensaio clínico randomizado e para a formação de políticas sobre o uso rotineiro ou não da profilaxia antimicrobiana no casos de abortamento.

REFERENCES

  • 1
    World Health Organization (WHO). Unsafe abortion: global and regional estimates of the incidence of unsafe abortion and associated mortality in 2008. 6th ed. Geneva: WHO; 2011.
  • 2
    Low N, Mueller M, Van Vliet HA, Kapp N. Perioperative antibiotics to prevent infection after first-trimester abortion. Cochrane Database Syst Rev. 2012;3:CD005217.
  • 3
    Sawaya GF, Grady D, Kerlikowske K, Grimes DA. Antibiotics at the time of induced abortion: the case for universal prophylaxis based on a meta-analysis. Obstet Gynecol. 1996;87(5 Pt 2):884-90.
  • 4
    Cameron ST, Sutherland S. Universal prophylaxis compared with screen-and-treat for Chlamydia trachomatis prior to termination of pregnancy. BJOG. 2002;109(6):606-9.
  • 5
    Soper DE. Pelvic inflammatory disease. Obstet Gynecol. 2010;116(2 Pt 1):419-28.
  • 6
    Achilles SL, Reeves MF; Society of Family Planning. Prevention of infection after induced abortion: release date October 2010: SFP guideline 20102. Contraception. 2011;83(4):295-309.
  • 7
    Adadevoh BK, Ogunnaike IA, Bolodeoku JO. Serum levels of doxycycline in normal subjects after a single oral dose. Br Med J. 1976;1(6014):880.
  • 8
    Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Área Técnica de Saúde da Mulher. Parto, aborto e puerpério: assistência humanizada à mulher. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2001.
  • 9
    Savaris RF, de Moraes GS, Cristovam RA, Braun RD. Are antibiotics necessary after 48 hours of improvement in infected/septic abortions? A randomized controlled trial followed by a cohort study. Am J Obstet Gynecol. 2011;204(4):301.e1-5 .
  • 10
    Penney GC. Preventing infective sequelae of abortion. Hum Reprod. 1997;12(11 Suppl):107-12.
  • 11
    Heisterberg L. Preventive antibiotics in induced first-trimester abortion. Ugeskr Laeger. 1992;154(44):3056-60.
  • 12
    Darj E, Strålin EB, Nilsson S. The prophylactic effect of doxycycline on postoperative infection rate after first-trimester abortion. Obstet Gynecol. 1987;70(5):755-8.
  • 13
    Brewer C. Prevention of infection after abortion with a supervised single dose of oral doxycycline. Br Med J. 1980;281(6243): 780-1.
  • 14
    Guidugli F, Castro AA, Atallah AN. Antibiotics for preventing leptospirosis. Cochrane Database Syst Rev. 2000;(4):CD001305.
  • 15
    Reeves MF, Lohr PA, Hayes JL, Harwood BJ, Creinin MD. Doxycycline serum levels at the time of dilation and evacuation with two dosing regimens. Contraception. 2009;79(2):129-33.
  • 16
    Heisterberg L, Hebjørn S, Andersen LF, Petersen H. Sequelae of induced first-trimester abortion. A prospective study assessing the role of postabortal pelvic inflammatory disease and prophylactic antibiotics. Am J Obstet Gynecol. 1986;155(1):76-80.
  • 17
    Ness RB, Soper DE, Holley RL, Peipert J, Randall H, Sweet RL, et al. Effectiveness of inpatient and outpatient treatment strategies for women with pelvic inflammatory disease: results from the Pelvic Inflammatory Disease Evaluation and Clinical Health (PEACH) Randomized Trial. Am J Obstet Gynecol. 2002;186(5):929-37.
  • 18
    Workowski KA, Berman S; Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Sexually transmitted diseases treatment guidelines, 2010. MMWR Recomm Rep. 2010;59(RR-12):1-110.
  • 19
    Savaris RF, Teixeira LM, Torres TG, Edelweiss MI, Moncada J, Schachter J. Comparing ceftriaxone plus azithromycin or doxycycline for pelvic inflammatory disease: a randomized controlled trial. Obstet Gynecol. 2007;110(1):53-60
  • Como citar este artigo: Panke CL, Bonilha MM, Loreto MS, Savaris RF. Incidência de infecção pós-abortamento no Hospital de Clínicas de Porto Alegre. O antibiótico profilático é necessário? Rev Col Bras Cir. [periódico na Internet] 2014;41(2). Disponível em URL: http://www.scielo.br/rcbc

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2014

Histórico

  • Recebido
    01 Fev 2013
  • Aceito
    02 Ago 2013
Colégio Brasileiro de Cirurgiões Rua Visconde de Silva, 52 - 3º andar, 22271- 090 Rio de Janeiro - RJ, Tel.: +55 21 2138-0659, Fax: (55 21) 2286-2595 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revista@cbc.org.br