Acessibilidade / Reportar erro

Síndrome dos ovários policísticos: implicações da disfunção metabólica

Resumos

OBJETIVO:

estabelecer a prevalência da síndrome metabólica (SM) e as respectivas inter-relações clínicas no contexto da síndrome dos ovários policísticos (SOP).

MÉTODO:

estudo transversal, prospectivo, em 100 pacientes portadoras de SOP diagnosticada com base no consenso de Rotterdam (2003). Investigam-se, principalmente, as interrelações da SM, com os dados intrínsecos à SOP. O perfil dermatológico analisado consiste, além da acantose nigricante (AN), na presença de hirsutismo e da acne. O emprego do HOMA-IR (homeostatic model assessment of insulin resistance

-

modelo matemático de aferição da resistência insulínica) objetivou a correlação com a SM a fim de legitimar a disfunção metabólica com o estado de RI.

RESULTADOS:

Os valores médios e respectivos desvios-padrões relativos à idade, ao índice de massa corporal e a circunferência abdominal foram respectivamente 25,72 (±4,87), 30,63 (±9,31) e 92,09 (±18,73). A prevalência da SM, 36%, mostrou correlação significativa com o IMC, prevalecido pela constituição do sobrepeso e obesidade, a AN e, em 51% das pacientes, o estado de resistência à insulina (HOMA-IR). No que concerne ao perfil dérmico, apenas a AN evidenciou correlação significativa com a SM.

CONCLUSÃO:

propõe-se a inspeção rotineira dos componentes metabólicos relacionados ao quadro grave da SOP. Tais parâmetros configuram o risco cardiovascular e tal conduta se constitui de indubitável importância no que tange à saúde pública.

Síndrome do ovário policístico; Metabolismo; Acantose nigricans; Resistência à insulina; Prevalência


OBJECTIVE:

To determine the prevalence of metabolic syndrome (MS) and its clinical interrelations in polycystic ovary syndrome (PCOS).

METHODS:

This was a cross-sectional, prospective study with 100 patients with diagnosed PCOS based on the consensus of Rotterdam (2003). We investigated the interrelationships of MS, with intrinsic PCOS data. Dermatological profile was analyzed, in addition to acanthosis nigricans (AN) in the presence of hirsutism and acne. The use of HOMA-IR (homeostatic model assessment of insulin resistance) aimed at the correlation with MS in order to establish the metabolic dysfunction with the state of insulin resistance.

RESULTS:

The mean and standard deviations corresponding figures for age, body mass index and waist circumference were, respectively, 25.72 (± 4.87), 30.63 (± 9.31) and 92.09 (± 18.73). The prevalence of MS was 36% and significantly correlated with BMI, AN, and in 51% of patients the state of insulin resistance (HOMA-IR). Regarding skin profile, only AN significant correlation with MS.

CONCLUSION:

We propose the routine inspection of metabolic components related to severe PCOS. These parameters configure the cardiovascular risk and such conduct is of undoubted importance to public health.

Polycystic ovary syndrome; Metabolism; Acanthosis nigricans; Insulin resistance; Prevalence


INTRODUÇÃO

Pródiga em interpretações, a década de 60 (Século XX) cunhou a denominação "síndrome dos ovários policísticos" aplicada ao hiperandrogenismo funcional ovariano incidente em grau variável, tanto na expressão dos sinais cutâneos como na trama dos níveis de androgênios circulantes, influenciados pelo acréscimo de insulina consecutivo às interrelações glandulares que propiciam, a partir da adolescência, a plenitude endócrina.

Entretanto, os recentes procedimentos de investigação transcendem as premissas tão somente endócrinas, de tal maneira que se contrapõem ao texto clássico, à descrição de Stein e Leventhal11. Stein IF, Leventhal ML. Amenorrhea associated with bilateral polycystic ovaries. Am J Obstet Gynecol. 1935;29:181-91., cingida à heterogeneidade fenotípica que, do ponto de vista clínico, compreende, o mais das vezes, a irregularidade menstrual, o hirsutismo e a infertilidade. À luz dos conhecimentos em curso, a síndrome dos ovários policísticos (SOP) se amplia e compreende um ingente campo de intricadas perturbações metabólicas inerentes ao amplo conceito de doença vascular.

Parte da constituição diagnóstica, o desenvolvimento de manifestações dérmicas associadas à SOP não se exime de questionamentos. Tem-se que os fatores hormonais e metabólicos interagem, de tal maneira que alterações da homeostase se põem em linha com o agravamento dos aspectos que integram o perfil dermatológico da SOP. A importante participação dos androgênios, a despeito de associações positivas e negativas com o dado cutâneo, leva em conta, efetivamente, a possibilidade de não se detectar a hiperandrogenemia.

Evidências expressivas apontam para o risco acentuado de diabete tipo 2 em pacientes com SOP 22. Dokras A, Bochner M, Hollinrake E, Sanford M, Vanvoorhis B, Jagasia DH. Screening women with polycystic ovary syndrome for metabolic syndrome. Obstet Gynecol. 2005;106(1):131-7., ao mesmo passo que presumível o acometimento de longo termo no âmbito cardiovascular33. Wild RA, Carmina E, Diamanti-Kandaris E, Dokras A, Escobar-Morreale HF, Futterweit W, et al. Assessment of cardiovascular risk and prevention of cardiovascular disease in women with the polycystic ovary syndrome: a consensus statement by the Androgen Excess and Polycystic Ovary Syndrome (AE-PCOS) Society. J Clin Endocrinol Metab. 2010;95(5):2038-49. , 44. Akram T, Hasan S, Imran M, Karim A, Arslan M. Association of polycystic ovary syndrome with cardiovascular risk factors. Gynecol Endocrinol. 2010;26(1):47-53.. Todavia, o prognóstico se exprime, em síntese, por intermédio da conjunção de fatores de risco que compõem o conceito de síndrome metabólica (SM), pertinente à criteriosa apreciação da SOP, acompanhada, em regra, pelo estado de resistência à insulina (RI) de par com a hiperinsulinemia compensatória. Conclui-se que o reconhecimento oportuno de pacientes susceptíveis a desenvolver a hipertensão, o metabolismo glicídico alterado e o processo aterosclerótico, entre outros parâmetros julgados por maior gravidade, proporciona incontestável benefício no que tange a esfera da saúde pública.

A experiência que ora se revela pretende estabelecer a prevalência da SM e as respectivas interrelações clínicas no contexto da SOP. Em simultâneo, o propósito de estimar a possível conexão da SM com a condição homeostática adversa, prevalecida pelo estado de resistência insulínica, o dado ponderal elevado e a presença da acantose nigricante (AN), a fim de refletir o impacto atribuído à SOP como marcador precoce de doença cardiovascular.

MÉTODOS

Selecionadas no Setor de Ginecologia Endócrina do Instituto de Ginecologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) as 100 pacientes que, acometidas pela SOP, diagnosticada pelo critério de Rotterdam55. Rotterdam ESHRE/ASRM-Sponsored PCOS Consensus Workshop Group. Revised 2003 consensus on diagnostic criteria and long-term health risks related to polycystic ovary syndrome. Fertil Steril. 2004;81(1):19-25. e assistidas no período compreendido entre abril de 2002 e maio de 2009, integram o estudo transversal, prospectivo. O agrupamento de fatores de risco cardiovascular enseja a classificação de SM de acordo com a proposição estipulada por Grundy et al.66. Grundy SM, Cleeman JI, Daniels SR, Donato KA, Eckel RH, Franklin BA, et al. Diagnosis and management of the metabolic syndrome: an American Heart Association/National Heart, Lung, and Blood Institute Scientific Statement. Circulation. 2005;112(17):2735-52.. O diagnóstico se confirma pela presença de pelo menos três componentes alterados, inclusive frente à existência de diabete tipo 2. A descrição do exame cutâneo, tirante a AN77. Moura HH, Costa DLM, Bagatin E, Sodré CT, Manela-Azulay M. Polycystic ovary syndrome: a dermatologic approach. An Bras Dermatol. 2011;86(1):111-9., resumiu-se à presença de hirsutismo (índice>8) segundo o critério de Ferriman e Gallwey modificado, Hatch et al.88. Hatch R, Rosefield RL, Kim MH, Tredway D. Hirsutism: implications, etiology, and management. Am J Obstet Gynecol. 1981;140(7):815-30. e da acne99. Slayden SM, Moran C, Sarns WM, Boots LR, Azziz R. Hyperandrogenemia in patients presenting with acne. Fertil Steril. 2001;75(5):889-92.. Definiu-se como amenorreia a ausência de sangramento vaginal superior a seis meses e como oligomenorreia o intervalo menstrual superior a 45 dias. A ovulação irregular foi detectada entre os 20o e o 24o dias do ciclo por meio da dosagem de progesterona (<3ng/ml), após dois ciclos consecutivos. Todas as pacientes com amenorreia foram submetidas à ultrassonografia, e quando apresentavam espessamento endometrial inferior a 5mm eram submetidas às dosagens hormonais.

As particularidades clínicas avaliadas consistiram na idade e" 16 anos, peso (kg), altura (m), índice de massa corporal (IMC) com base na relação kg/m2 e a mensuração (cm) da circunferência abdominal (CA) com fita métrica não elástica disposta entre a porção inferior da última costela e a borda superior da crista ilíaca, com a paciente em posição ereta, durante a expiração. Foram definidos os grupamentos ponderais de acordo com o IMC: normal (18,5Kg/m2 - 24,9Kg/m2), sobrepeso (25Kg/m2 - 30Kg/m2) e obesidade (>30Kg/m2). A pressão arterial (mmHg) foi mensurada no braço direito, com a paciente sentada, após cerca de dez minutos em repouso.

As estimativas hormonais, metabólicas, assim como a ultrassonografia transvaginal (imagem interpretada segundo os preceitos de Balen et al.1010. Balen AH, Laven JSE, Tan SL, Dewailly D. Ultrasound assessment of the polycystic ovary: international consensus definitions. Hum Reprod Update. 2003;9(6):505-14., foram realizadas entre o terceiro e o sétimo dias do ciclo menstrual e a coleta de sangue (até às 9h da manhã) precedida de jejum (12h). O HOMA-IR (homeostatic model assessment of insulin resistance - modelo matemático de aferição da resistência insulínica) refletiu a sensibilidade à insulina, com ponto de corte e"1,811 11. Geloneze B, Vasques ACJ, Stabe CFC, Pareja JC, Rosado LEFPL, Queiroz EC, et al. Índices HOMA1-IR e HOMA2-IR para a identificação de resistência à insulina e síndrome metabólica: Estudo Brasileiro de Síndrome Metabólica (BRAMS). Arq Bras Endocrinol Metab. 2009;53(2):281-7.e aferição pelo HOMA Calculator 1212. HOMA Calculator Oxford University. 2004. Available on: http://www.dtu.ox.ac.uk/homa.
Available on: http://www.dtu.ox.ac.uk/ho...
. Os parâmetros metabólicos se completaram com a dosagem de glicose de jejum, da hemoglobina glicada e o teste oral de tolerância à glicose (TOTG). Para avaliar a glicemia de jejum, a intolerância glicídica e atestar o estado diabético, foram utilizados os critérios extraídos de publicação referencial1313. Sacks DB, Arnold M, Bakris GL, Bruns DE, Horvath AR, Kirkman MS, et al. Guidelines and recommendations for laboratory analysis in the diagnosis and management of diabetes mellitus. Diabetes Care. 2011;34(6):e61-99.. A investigação endocrinometabólica complementa-se com a adição de parâmetros hormonais, tais como: FSH (hormônio folículo-estimulante), LH (hormônio luteinizante), estradiol, progesterona, 17-hidroxiprogesterona, prolactina, cortisol, hormônio estimulante da tireóide (TSH), insulina, cujos níveis serviram de modo a excluir outras causas semelhantes à SOP, bem como a estimativa das testosteronas, total e livre, a fim de complementar no campo bioquímico os elementos que ensejam o diagnóstico da SOP. Em relação aos hormônios, utilizou-se o processo de quimiluminescência ACS: 180 D Ciba-Corning Diagnostics; a insulina, por meio do radioimunoensaio com contador gama e, quanto à bioquímica, os aparelhos, Selectra-um ou Express-plus.

O critério de exclusão diz respeito a endocrinopatias e enfermidades afins, passíveis de causar direta ou indiretamente distúrbios do ciclo menstrual, que propiciam analogia ou vínculo com a SOP. A restrição se estende ao uso de hormônios 60 dias antes da seleção das pacientes. Preceito idêntico quando do emprego de medicações, a exemplo da sinvastatina cálcica e da metformina; substâncias que interferem com o metabolismo lipídico. Não se convencionou como princípio diagnóstico da SOP a relação LH/FSH anômala. Excluídas, por igual, as pacientes com história de tratamento com antibióticos (>1 semana) nos últimos seis meses, tabagismo, adictos de álcool e drogas em geral. O impedimento se deu, ainda, em face de comprovada a doença vascular (renal ou coronária).

No que se refere aos procedimentos estatísticos, levou-se em consideração o valor bruto, a percentagem, a média e o desvio-padrão com os valores máximos e mínimos encontrados (para variáveis contínuas). Os dados descritivos valeram-se do teste do qui-quadrado (÷22. Dokras A, Bochner M, Hollinrake E, Sanford M, Vanvoorhis B, Jagasia DH. Screening women with polycystic ovary syndrome for metabolic syndrome. Obstet Gynecol. 2005;106(1):131-7.) para variáveis categóricas. Em relação à diferença entre as médias de variáveis contínuas (para categorias distintas) utilizou-se o teste t de Student. O critério adotado para o coeficiente de significância (p<0,05) corroborou a análise.

O protocolo obteve aprovação pelas Comissões de Ética em Pesquisa dos Institutos de Ginecologia e Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) sob o número 23079. O Consentimento Pós-Informação (livre e esclarecido), assentido de todas as pacientes, conforme resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, foi aplicado.

RESULTADOS

Análise dos dados clínicos (Tabela 1) mostra a média de idade das pacientes, preponderante em torno de 25 anos. Conquanto predominantes os valores do IMC e da CA alterados, vigorou o padrão de normalidade ponderal em 35,6% das estimativas, assim como a CA inferior a 80cm em 37,5% das pacientes.

Tabela 1
Dados clínicos, bioquímicos, cutâneos e perfil metabólico (síndrome metabólica) relacionados ao total de cem pacientes com SOP. Verifica-se a percentagem, as médias e desvios-padrões (variáveis contínuas) e incidências relativas e absolutas (variáveis categóricas).

Os distúrbios do ciclo menstrual, conforme expostos, reconhecem a preeminência das irregularidades no âmbito da SOP. Assim sendo, nota-se o realce revelado pela amenorreia (63%), ao exceder de modo significativo a presença de oligomenorréia (28%). A SM atingiu 36% das pacientes, com manifestação expressiva de apenas três componentes da classificação alterados. As manifestações cutâneas estiveram restritas, tirante a AN, à observação do hirsutismo e da acne. A incidência da AN foi maior do que 95%, predominante no pescoço (face posterior e lateral), isoladamente ou em combinação com outras áreas. Fato incomum a AN sobrepujar a acne, mesmo em proporção reduzida, não obstante a presença marcante do hirsutismo, como de hábito a manifestação cutânea preponderante no decurso da SOP, em tese tão somente superada no computo clínico pela oligomenorreia. As incidências relativas ao hirsutismo, à acne e à AN foram 72%, 49%, 53%, respectivamente. A análise estatística não demonstrou diferença significativa em relação à média de idade dos grupos investidos ou livres da SM (Tabela 2). Entretanto, o acometimento pela SM mostrou correlação significativa com o IMC, prevalecido pela constituição do sobrepeso e obesidade, a AN e, em 51% das pacientes, o estado de resistência à insulina (HOMA-IR). Além do mais, as prevalências referentes às manifestações cutâneas conferem significância exclusivamente a AN combinada à SM. A correlação significativa restrita à AN se deve ao vínculo previsível da dermatose com a RI e a obesidade. Por sua vez, a amenorreia, em que pese mais assídua, não obteve, a semelhança da oligomenorréia e da normalidade do ciclo menstrual, correlação significativa com a SM.

Tabela 2
Dados descritivos para os grupos de pacientes com e sem acantose nigricante (AN).

Convém precisar a ausência de diabetes melito tipo 2 e a incidência de intolerância à glicose em oito pacientes, o que se atribui, ao menos em parte, à média de idade das pacientes. Contudo, independentemente do fator etário, as alterações precitadas ensejam à inspeção rotineira dos fatores que se coadunam com o risco cardiovascular pressuposto à medida que se verifica a intercorrência gradativa do distúrbio metabólico.

DISCUSSÃO

A resistência à insulina parece ser o fator comum, responsável pelo desenvolvimento ou aceleração dos muitos distúrbios que não raro se reúnem e para os quais se propõem uma notável conjuntura de mecanismos etiológicos. Em 1988, Reaven formalizou as implicações da RI de par com a intolerância à glicose, os distúrbios dos lipídeos e a hipertensão1414. Reaven GM. Banting lecture 1988. Role of insulin resistance in human disease. Diabetes. 1988;37(12):1595-607.. Tais combinações mantêm correspondências de causa e efeito, sem que para tanto alcancem definições categóricas. No tocante aos sucessivos critérios diagnósticos da SM66. Grundy SM, Cleeman JI, Daniels SR, Donato KA, Eckel RH, Franklin BA, et al. Diagnosis and management of the metabolic syndrome: an American Heart Association/National Heart, Lung, and Blood Institute Scientific Statement. Circulation. 2005;112(17):2735-52. , 1515. Alberti KG, Zimmet PZ. Definition, diagnosis and classification of diabetes mellitus and its complications. Part 1: diagnosis and classification of diabetes mellitus provisional report of a WHO consultation. Diabet Med. 1998;15(7):539-53.

16. Einhorn D, Reaven GM, Cobin RH, Ford E, Ganda OP, Handelsman Y, et al. American College of Endocrinology position statement on the insulin resistance syndrome. Endocr Pract. 2003;9(3):237-52.

17. Grundy SM, Brewer HB Jr, Cleeman JI, Smith SC Jr, Lenfant C ; American Heart Association; National Heart. Lung, and Blood Institute. Definition of metabolic syndrome: Report of the National Heart Lung, and Blood Institute/American Heart Association conference on scientific issues related to definition. Circulation. 2004;109(3):433-8.

18. Alberti KG, Zimmet P, Shaw J ; IDF Epidemiology Task Force Consensus Group. The metabolic syndrome-a new worldwide definition. Lancet. 2005;366(9491):1059-62.
- 1919. Alberti KG, Eckel RH, Grundy SM, Zimmet PZ, Cleeman JL, Donato KA, et al. Harmonizing the metabolic syndrome: a joint interim statement of the International Diabetes Federation Task Force on Epidemiology and Prevention; National Heart, Lung, and Blood Institute; American Heart Association; World Heart Federation; International Atherosclerosis Society; and International Association for the Study of Obesity. Circulation. 2009;120(16):1640-5., com base nos variados agrupamentos de fatores de risco cardiovascular, importa referir os diferentes aspectos clínicos, bem como imprecisos os devidos ajustes entre os diferentes componentes advindos, ao menos em parte, da ação insulínica prejudicada e a concomitante hiperinsulinemia compensatória. Além disso, considera-se a RI isoladamente como núcleo motriz e independente quanto aos fatores de risco cardiovasculares, uma vez presente ou ausente o estado diabético. A RI acompanhada principalmente pela hiperinsulinemia altera a homeostase, e contribui para o risco cardiovascular mediado pela coexistência da síndrome metabólica que se combina aos estigmas clássicos da SOP. Ademais, a obesidade e o acúmulo de gordura visceral tendem a maior ênfase, posto que comumente sobreporem-se em termos de incidência frente aos demais integrantes das classificações diagnósticas.

Enfatiza-se a autonomia da SOP como fator de risco vascular, sobretudo em relação à diabete tipo 2, distinguindo-se a convergência para a diabete e a dislipidemia independentemente do IMC2020. Wang ET, Calderon-Margalit R, Cedars MI, Daviglus ML, Merkin SS, Schreiner PJ, et al. Polycystic ovary syndrome and risk for long-term diabetes and dyslipidemia. Obstet Gynecol. 2011;117(1):6-13.. As experiências mostram que a persistência da sintomatologia relacionada à síndrome exige a pesquisa sistemática da diabete não obstante inalterada a glicemia de jejum. Observou-se, também, a irrelevância do hiperandrogenismo na composição de complicações de monta. Independentemente das manifestações clínicas da SOP tenderem a se atenuar com o avanço da idade2121. Elting MW, Korsen TJ, Rekers-Mombarg LT, Shoemaker J. Women with polycystic ovary syndrome gain regular menstrual cycles when ageing. Hum Reprod. 2000;15(1):24-8., exemplificadas, nesse particular, segundo a supressão da irregularidade menstrual e do hiperandrogenismo, comprova-se, em contrapartida, a propensão de instituírem-se a diabete e perturbações decorrentes2020. Wang ET, Calderon-Margalit R, Cedars MI, Daviglus ML, Merkin SS, Schreiner PJ, et al. Polycystic ovary syndrome and risk for long-term diabetes and dyslipidemia. Obstet Gynecol. 2011;117(1):6-13. , 2222. Norman RJ, Dewailly D, Legro RS, Hickey TE. Polycystic ovary syndrome. Lancet. 2007;370(9588):685-97. , 2323. Chang RJ. Defining risk in women with polycystic ovary syndrome: a need for constant vigilance. Obstet Gynecol. 2011;117(1):1-2.. Nesse campo, foi documentado o incremento de 3,3 vezes no tocante ao maior risco de morte por alteração cardiovascular ou infarto do miocárdio em pacientes na pós-menopausa, desde que perdurem os caracteres clínicos intrínsecos a SOP2424. Shaw LJ, Bairey Merz CN, Azziz R, Stanczyk FZ, Sopko G, Braunstein GD, et al. Postmenopausal women with a history of irregular menses and elevated androgen measurements at high risk for worsening cardiovascular event-free survival: results from the National Institutes of Health-National Heart, Lung, and Blood Institute sponsored Women's Ischemia Syndrome Evaluation. J Clin Endocrinol Metab. 2008;93(4):1276-84..

A prevalência de diabete tipo 2 vigente a SOP diz respeito ao aumento de cerca de oito vezes2525. Apridonidze T, Essah PA, Iuorno MJ, Nestler JE. Prevalence and characteristics of the metabolic syndrome in women with polycystic ovary syndrome. J Clin Endocrinol Metab. 2005;90(4):1929-35.. Entretanto, não se restringem os riscos cardiovasculares, visto que sensíveis, por exemplo, à evolução da aterosclerose subclínica e no que concerne aos parâmetros ecocardiográficos anômalos. Incluí-se, da mesma forma, o perfil relativo às anormalidades do sistema imunitário, a princípio compatível com inflamação crônica de baixo grau sob o esteio da RI2626. Tarkun I, Arslan BC, Cantürk Z, Türemen E, Sahin T, Duman C. Endothelial dysfunction in young women with polycystic ovary syndrome: relationship with insulin resistance and low-grade chronic inflammation. J Clin Endocrinol Metab. 2004;89(11):5592-6..

Análise da presente investigação demonstra o impacto da SM, passível de associar-se aos componentes clássicos da SOP. A prevalência da SM - 36% - assemelha-se aos dados anteriores22. Dokras A, Bochner M, Hollinrake E, Sanford M, Vanvoorhis B, Jagasia DH. Screening women with polycystic ovary syndrome for metabolic syndrome. Obstet Gynecol. 2005;106(1):131-7. , 2727. Cheung LP, Ma RC, Lam PM, Lok IH, Haines CJ, So WY, et al. Cardiovascular risks and metabolic syndrome in Hong Kong Chinese women with polycystic ovary syndrome. Hum Reprod. 2008;23(6):1431-8. , 2828. Ehrmann DA, Lijenquist DR, Kasza K, Azzis R, Legro RS, Ghazzi MN ; PCOS/Troglitazone Study Group. Prevalence and predictors of the metabolic syndrome in women with polycystic ovary syndrome. J Clin Endocrinol Metab. 2006;91(1):48-53. e aos mais recentes33. Wild RA, Carmina E, Diamanti-Kandaris E, Dokras A, Escobar-Morreale HF, Futterweit W, et al. Assessment of cardiovascular risk and prevention of cardiovascular disease in women with the polycystic ovary syndrome: a consensus statement by the Androgen Excess and Polycystic Ovary Syndrome (AE-PCOS) Society. J Clin Endocrinol Metab. 2010;95(5):2038-49. , 2929. March WA, Moore VM, Willson KJ, Phillips DI, Norman RJ, Davies MJ. The prevalence of polycystic ovary syndrome in a community sample assessed under contrasting diagnostic criteria. Hum Reprod. 2010;25(2):544-51.. A coexistência significativa com o HOMA-IR alterado corrobora, em parte, os argumentos de cunho patogênico sob o escrutínio das evidências.

Por outro lado, a gama de comprometimentos inerentes à fisiopatologia da SOP tem nas manifestações cutâneas, por meio da AN, importante vínculo com a resistência à insulina, a obesidade e a diabete tipo 2. Cabe, assim, assinalar a extraordinária prevalência da AN, 53%, associada de maneira significativa à SM conforme a experiência que se descreve. Além disso, a detecção da AN sobrepujou as frações comumente relatadas3030. Ozdemir S, Ozdemir M, Görkemli H, Kiyici A, Bodur S. Specific dermatologic features of the polycystic ovary syndrome and its association with biochemical markers of the metabolic syndrome and hyperandrogenism. Acta Obstet Gynecol Scand. 2010;89(2):199-204., demais de predominante em comparação com a acne.

A despeito da SM interagir com a SOP, há que se levar em conta a disfunção metabólica incipiente ou compreendida com base na presença de diversos marcadores. Desse modo, a ocorrência de anovulação e hiperandrogenismo requer a pesquisa concomitante de componentes que não integram as diferentes formulações de escores clínicos de risco. Propõe-se, assim, independentemente do fator etário, à inspeção rotineira da AN, o signo visível (por vezes discreto), associada à obesidade, em razão de suposta coexistência com o elenco invisível, metabólico, ambos inerentes à gravidade fenotípica da SOP infligida, em tese, pela RI.

Depreende-se, ao encontro de complexidades afins - SOP e SM -, o propósito de compor um novo paradigma em relação à síndrome dos ovários policísticos e a constelação de enlaces que conferem uma feição mais abrangente a outrora cognominada síndrome de Stein-Leventhal.

REFERENCES

  • 1
    Stein IF, Leventhal ML. Amenorrhea associated with bilateral polycystic ovaries. Am J Obstet Gynecol. 1935;29:181-91.
  • 2
    Dokras A, Bochner M, Hollinrake E, Sanford M, Vanvoorhis B, Jagasia DH. Screening women with polycystic ovary syndrome for metabolic syndrome. Obstet Gynecol. 2005;106(1):131-7.
  • 3
    Wild RA, Carmina E, Diamanti-Kandaris E, Dokras A, Escobar-Morreale HF, Futterweit W, et al. Assessment of cardiovascular risk and prevention of cardiovascular disease in women with the polycystic ovary syndrome: a consensus statement by the Androgen Excess and Polycystic Ovary Syndrome (AE-PCOS) Society. J Clin Endocrinol Metab. 2010;95(5):2038-49.
  • 4
    Akram T, Hasan S, Imran M, Karim A, Arslan M. Association of polycystic ovary syndrome with cardiovascular risk factors. Gynecol Endocrinol. 2010;26(1):47-53.
  • 5
    Rotterdam ESHRE/ASRM-Sponsored PCOS Consensus Workshop Group. Revised 2003 consensus on diagnostic criteria and long-term health risks related to polycystic ovary syndrome. Fertil Steril. 2004;81(1):19-25.
  • 6
    Grundy SM, Cleeman JI, Daniels SR, Donato KA, Eckel RH, Franklin BA, et al. Diagnosis and management of the metabolic syndrome: an American Heart Association/National Heart, Lung, and Blood Institute Scientific Statement. Circulation. 2005;112(17):2735-52.
  • 7
    Moura HH, Costa DLM, Bagatin E, Sodré CT, Manela-Azulay M. Polycystic ovary syndrome: a dermatologic approach. An Bras Dermatol. 2011;86(1):111-9.
  • 8
    Hatch R, Rosefield RL, Kim MH, Tredway D. Hirsutism: implications, etiology, and management. Am J Obstet Gynecol. 1981;140(7):815-30.
  • 9
    Slayden SM, Moran C, Sarns WM, Boots LR, Azziz R. Hyperandrogenemia in patients presenting with acne. Fertil Steril. 2001;75(5):889-92.
  • 10
    Balen AH, Laven JSE, Tan SL, Dewailly D. Ultrasound assessment of the polycystic ovary: international consensus definitions. Hum Reprod Update. 2003;9(6):505-14.
  • 11
    Geloneze B, Vasques ACJ, Stabe CFC, Pareja JC, Rosado LEFPL, Queiroz EC, et al. Índices HOMA1-IR e HOMA2-IR para a identificação de resistência à insulina e síndrome metabólica: Estudo Brasileiro de Síndrome Metabólica (BRAMS). Arq Bras Endocrinol Metab. 2009;53(2):281-7.
  • 12
    HOMA Calculator Oxford University. 2004. Available on: http://www.dtu.ox.ac.uk/homa.
    » Available on: http://www.dtu.ox.ac.uk/homa
  • 13
    Sacks DB, Arnold M, Bakris GL, Bruns DE, Horvath AR, Kirkman MS, et al. Guidelines and recommendations for laboratory analysis in the diagnosis and management of diabetes mellitus. Diabetes Care. 2011;34(6):e61-99.
  • 14
    Reaven GM. Banting lecture 1988. Role of insulin resistance in human disease. Diabetes. 1988;37(12):1595-607.
  • 15
    Alberti KG, Zimmet PZ. Definition, diagnosis and classification of diabetes mellitus and its complications. Part 1: diagnosis and classification of diabetes mellitus provisional report of a WHO consultation. Diabet Med. 1998;15(7):539-53.
  • 16
    Einhorn D, Reaven GM, Cobin RH, Ford E, Ganda OP, Handelsman Y, et al. American College of Endocrinology position statement on the insulin resistance syndrome. Endocr Pract. 2003;9(3):237-52.
  • 17
    Grundy SM, Brewer HB Jr, Cleeman JI, Smith SC Jr, Lenfant C ; American Heart Association; National Heart. Lung, and Blood Institute. Definition of metabolic syndrome: Report of the National Heart Lung, and Blood Institute/American Heart Association conference on scientific issues related to definition. Circulation. 2004;109(3):433-8.
  • 18
    Alberti KG, Zimmet P, Shaw J ; IDF Epidemiology Task Force Consensus Group. The metabolic syndrome-a new worldwide definition. Lancet. 2005;366(9491):1059-62.
  • 19
    Alberti KG, Eckel RH, Grundy SM, Zimmet PZ, Cleeman JL, Donato KA, et al. Harmonizing the metabolic syndrome: a joint interim statement of the International Diabetes Federation Task Force on Epidemiology and Prevention; National Heart, Lung, and Blood Institute; American Heart Association; World Heart Federation; International Atherosclerosis Society; and International Association for the Study of Obesity. Circulation. 2009;120(16):1640-5.
  • 20
    Wang ET, Calderon-Margalit R, Cedars MI, Daviglus ML, Merkin SS, Schreiner PJ, et al. Polycystic ovary syndrome and risk for long-term diabetes and dyslipidemia. Obstet Gynecol. 2011;117(1):6-13.
  • 21
    Elting MW, Korsen TJ, Rekers-Mombarg LT, Shoemaker J. Women with polycystic ovary syndrome gain regular menstrual cycles when ageing. Hum Reprod. 2000;15(1):24-8.
  • 22
    Norman RJ, Dewailly D, Legro RS, Hickey TE. Polycystic ovary syndrome. Lancet. 2007;370(9588):685-97.
  • 23
    Chang RJ. Defining risk in women with polycystic ovary syndrome: a need for constant vigilance. Obstet Gynecol. 2011;117(1):1-2.
  • 24
    Shaw LJ, Bairey Merz CN, Azziz R, Stanczyk FZ, Sopko G, Braunstein GD, et al. Postmenopausal women with a history of irregular menses and elevated androgen measurements at high risk for worsening cardiovascular event-free survival: results from the National Institutes of Health-National Heart, Lung, and Blood Institute sponsored Women's Ischemia Syndrome Evaluation. J Clin Endocrinol Metab. 2008;93(4):1276-84.
  • 25
    Apridonidze T, Essah PA, Iuorno MJ, Nestler JE. Prevalence and characteristics of the metabolic syndrome in women with polycystic ovary syndrome. J Clin Endocrinol Metab. 2005;90(4):1929-35.
  • 26
    Tarkun I, Arslan BC, Cantürk Z, Türemen E, Sahin T, Duman C. Endothelial dysfunction in young women with polycystic ovary syndrome: relationship with insulin resistance and low-grade chronic inflammation. J Clin Endocrinol Metab. 2004;89(11):5592-6.
  • 27
    Cheung LP, Ma RC, Lam PM, Lok IH, Haines CJ, So WY, et al. Cardiovascular risks and metabolic syndrome in Hong Kong Chinese women with polycystic ovary syndrome. Hum Reprod. 2008;23(6):1431-8.
  • 28
    Ehrmann DA, Lijenquist DR, Kasza K, Azzis R, Legro RS, Ghazzi MN ; PCOS/Troglitazone Study Group. Prevalence and predictors of the metabolic syndrome in women with polycystic ovary syndrome. J Clin Endocrinol Metab. 2006;91(1):48-53.
  • 29
    March WA, Moore VM, Willson KJ, Phillips DI, Norman RJ, Davies MJ. The prevalence of polycystic ovary syndrome in a community sample assessed under contrasting diagnostic criteria. Hum Reprod. 2010;25(2):544-51.
  • 30
    Ozdemir S, Ozdemir M, Görkemli H, Kiyici A, Bodur S. Specific dermatologic features of the polycystic ovary syndrome and its association with biochemical markers of the metabolic syndrome and hyperandrogenism. Acta Obstet Gynecol Scand. 2010;89(2):199-204.
  • Como citar este artigo: Ávila MAP, Bruno RV, Barbosa FC, Andrade FC, Silva ACO, Nardi AE. Síndrome dos ovários policísticos: implicações da disfunção metabólica. Rev Col Bras Cir. [periódico na Internet] 2014;41(2). Disponível em URL: http://www.scielo.br/rcbc

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2014

Histórico

  • Recebido
    19 Nov 2012
  • Aceito
    25 Jan 2013
Colégio Brasileiro de Cirurgiões Rua Visconde de Silva, 52 - 3º andar, 22271- 090 Rio de Janeiro - RJ, Tel.: +55 21 2138-0659, Fax: (55 21) 2286-2595 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revista@cbc.org.br