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Consequências do uso excessivo de antimicrobianos no pós-operatório: o contexto de um hospital público

Resumos

OBJETIVO:

avaliar o emprego de antimicrobianos relacionado ao seu uso inadequado e impacto econômico durante o período pós-operatório.

MÉTODOS:

foi desenvolvido um estudo de coorte prospectivo por meio da coleta de dados de 237 prontuários de pacientes operados entre 01/11/08 e 31/12/08.

RESULTADOS:

dos 237 pacientes com informações coletadas no estudo 217 (91,56%) fizeram uso de antimicrobianos. Durante o pós-operatório, 125 (57,7%) pacientes utilizaram mais de dois antimicrobianos. Foi prescrito, em média, 1,7 ± 0,6 antimicrobianos por paciente, sendo o antimicrobiano mais prescrito a cefalotina, em 41,5% (154) dos casos. O custo direto da terapia antimicrobiana representou 63,78% de toda a terapia farmacológica, sendo esta grande porcentagem atribuída em parte ao prolongamento da profilaxia antimicrobiana. No caso das operações limpas, onde houve um tempo médio de uso de antimicrobianos de 5,2 dias, os gastos com antimicrobianos representaram 44,3% do custo total da terapia. .

CONCLUSÃO:

os dados exemplificam o impacto do uso excessivo de antimicrobianos, com indicações questionáveis e criando situações que comprometem a segurança dos pacientes e aumento os custos no hospital avaliado.

Anti-infecciosos; Uso de medicamentos; Antibacterianos/administração & dosagem; Custos de cuidados de saúde; Economia médica


OBJECTIVE:

To evaluate the improper use of antimicrobials during the postoperative period and its economic impact.

METHODS:

We conducted a prospective cohort study by collecting data from medical records of 237 patients operated on between 01/11/08 and 31/12/08.

RESULTS:

from the 237 patients with the information collected, 217 (91.56%) received antimicrobials. During the postoperative period, 125 (57.7%) patients received more than two antimicrobials. On average, 1.7 ± 0.6 antimicrobials were prescribed to patients, the most commonly prescribed antibiotic being cephalothin, in 41.5% (154) of cases. The direct cost of antimicrobial therapy accounted for 63.78% of all drug therapy, this large percentage being attributed in part to the extended antimicrobial prophylaxis. In the case of clean operations, where there was a mean duration of 5.2 days of antibiotics, antimicrobials represented 44.3% of the total therapy cost.

CONCLUSION:

The data illustrate the impact of overuse of antimicrobials, with questionable indications, creating situations that compromise patient safety and increasing costs in the assessed hospital.

Anti-infective agents; Drug utilization; Anti-bacterial agents/administration & dosage; Health care costs; Economics, medical


INTRODUÇÃO

No ambiente hospitalar, os antimicrobianos estão entre os fármacos mais prescritos, responsáveis por 20-50% dos gastos com medicamentos11. Louro E, Lieber NSR, Ribeiro E. Eventos adversos a antimicrobianos em pacientes internados em um hospital universitário. Rev Saúde Pública. 2007;41(6):1042-48.. O seu uso racional é definido como a prática de prescrição que resulta na ótima indicação, dosagem, via de administração e duração de um esquema terapêutico ou profilático, proporcionando alcance de sucesso clínico com mínima toxicidade para o paciente e reduzido impacto sobre a resistência microbiana22. Dellit TH, Owens RC, McGowan JE. Infectious Disease Society of America and the Society for Healthcare Epidemiology of America Guidelines for developing an Institutional program to enhance antimicrobial stewardship. Clin Infec Dis. 2007;44(2):159-77..

O aumento da resistência bacteriana a vários agentes antimicrobianos acarreta dificuldades nos cuidados terapêuticos individuais e contribui para aumento das taxas de infecções hospitalares. A utilização dos mesmos deve ser criteriosa e restrita a algumas circunstâncias, pois o uso inadequado pode trazer como consequências: falha do tratamento ou da profilaxia, interações medicamentosas indesejáveis, erros de medicação e aumento da resistência bacteriana aos antimicrobianos33. Tavares W. Antibióticos e quimioterápicos para o clínico. Rio de Janeiro: Atheneu; 2009.

4. Oliveira WL, Branco AB. Avaliação da antibioticoterapia em pacientes internados no Hospital Regional do Guará - DF. Comun ciênc saúde. 2007;18(2):107-15.
- 55. Holloway K, Green T. Drug and therapeutics committees? A practical guide. Genebra: WHO; 2003.. Essas questões estão ainda diretamente relacionadas ao aumento dos custos de tratamento e, consequentemente, dos gastos em saúde.

Segundo Abrantes et al.66. Abrantes PM, Magalhães SMS, Acúrcio FA, Sakurai E. Avaliação da qualidade das prescrições de antimicrobianos dispensadas em unidades públicas de saúde de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, 2002. Cad Saúde Pública. 2007;23(1):95-104., à parte as consequências clínicas, existe ainda um custo social e pessoal do uso inadequado desses medicamentos, que envolve acréscimo do tempo de internação, dias não trabalhados, faltas escolares, invalidez e morte. Tais implicações justificam esforços empreendidos no sentido de conhecer e racionalizar a utilização de antimicrobianos. Portanto, reverter essa situação é hoje um dos mais complexos desafios na reforma do cuidado em saúde77. Management Sciences for Health. Rational Pharmaceutical Management Plus 2007 [acessado em novembro de 2012]. Disponível em: http://www.msh.org/projects/rpmplus/
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A infecção do sitio operatório é um problema relevante de saúde. Estima-se que nos EUA 23 milhões de operações são realizadas por ano, com o desenvolvimento de, no mínimo, 920.000 infecções da ferida operatória88. Kluytmans J. Surgical infections including burns. In: Wenzel PR, editor. Prevention and control of nosocomial infections. Baltimore: Williams and Wilkins; 1997. p. 841-65.. Uma das alternativas que visam minimizar esse problema é a utilização de antimicrobianos.

O uso de antimicrobianos no período perioperatório apesar de consagrado como fator adjuvante na prevenção das infecções não tem demonstrado o grande impacto esperado. Pelo contrário, observou-se em alguns casos um aumento da infecção da ferida cirúrgica, além do aparecimento de cepas resistentes. No entanto, programas de melhoria do uso de antibioticoprofilaxia, demonstram a redução da incidência de infecções em operações limpas de 5,1% a 0,8%, nas potencialmente contaminadas de 10,1% a 1,3% e nas contaminadas de 21,9% a 10,2%. Apesar de simples, a profilaxia é, muitas vezes, inadequada, particularmente quanto ao início do uso de antimicrobianos, a repetição de doses no transoperatório e, principalmente, a duração muito prolongada no pós-operatório99. Dias MBS, Torggler F. Padronização da profilaxia antimicrobiana no período peri-operatório. In: Comitê de Implementação de Diretrizes Assistenciais do Hospital Sírio-Libanês. Diretrizes Assistenciais do Hospital Sírio-Libanês. Rio de Janeiro: HSL; 2005..

Estudos de revisões sistemáticas1010. William GJ, Geert WHIM. Antibiotic prophylaxis for surgery for proximal femoral and other closed long bone fractures. Cochrane Database Syst Rev. 2010; (3):CD000244. , 1111. Nelson RL, Glenny AM, Song F. Antimicrobial prophylaxis for colorectal surgery. Cochrane Database Syst Rev. 2009; (1):CD001181. demonstram que o prolongamento das doses profiláticas de antimicrobianos e o uso de associação de antibióticos, na maioria das vezes, não acarretam qualquer benefício individual para os pacientes de diversas especialidades cirúrgicas, ampliando os custos hospitalares e expondo os usuários a riscos desnecessários.

A utilização indiscriminada dessa classe terapêutica de medicamentos, aliada à grande capacidade adaptativa dos microrganismos, possibilita o surgimento de cepas resistentes, o que exige, por sua vez, a pesquisa e a síntese de drogas cada vez mais onerosas, acarretando importantes incrementos nos custos assistenciais. Em função da grande participação dos antimicrobianos no conjunto dos gastos assistenciais, em especial em instituições de alta complexidade, os programas de controle e uso racional de antimicrobianos intencionam reduzir os custos diretos com esses medicamentos e seus custos secundários relacionados ao desenvolvimento de multirresistência, como o aumento do tempo e despesas de internação, uso de exames e procedimentos de maior complexidade e transferências para unidades de tratamento intensivo1212. Dellit TH, Owens RC, McGowan JE Jr, Gerding DN, Weinstein RA, Burke JP, et al. Infectious Diseases Society of America and the Society for Healthcare Epidemiology of America guidelines for developing an institutional program to enhance antimicrobial stewardship. Clin Infect Dis. 2007;44(2):159-77. , 1313. Silva EU. A importância do controle da prescrição de antimicrobianos em hospitais para melhoria da qualidade, redução de custos e controle da resistência bacteriana. Pratica Hospitalar. 2008;10(57):101-6..

Este estudo teve como objetivo avaliar o emprego de antimicrobianos relacionados ao seu uso inadequado e impacto econômico durante o período pós-operatório.

MÉTODOS

Foi realizado um estudo de coorte prospectivo não controlado, onde se analisou a utilização de antimicrobianos por pacientes que se encontravam internados nas alas pós-operatórias do Hospital de Urgências de Sergipe, hospital de grande porte que atende exclusivamente pacientes do Sistema Único de Saúde.

Para compor a amostra foram acompanhados todos os pacientes que passaram por algum procedimento operatório, foram transferidos e permaneceram por no mínimo de 48 horas nas alas pós-operatórias entre o período de 01 de novembro e 31 de dezembro de 2008. Os dados foram coletados dos prontuários do paciente e transcritos para formulário desenvolvido para a pesquisa, com itens compostos por questões fechadas, pré-codificadas e questões abertas que foram codificadas posteriormente.

O protocolo do estudo foi aprovado pela Comissão de Ética e Pesquisa da Secretaria de Estado da Saúde de Sergipe. Os propósitos do estudo e sua metodologia foram informados à Comissão de Controle de Infecção Hospitalar e Serviço de Assistência Farmacêutica do hospital, inclusive o compromisso de confidencialidade dos dados.

As variáveis estudadas referiam-se ao perfil epidemiológico e a parâmetros de tratamento da população estudada: sexo, idade, diagnóstico, tempo de internamento, potencial de contaminação da ferida operatória, parâmetros baseados no Programa de Controle de Infecção Hospitalar1414. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria no 2616, de 12 de maio de 1998. Expede na forma de anexos às diretrizes e normas para prevenção e controle das infecções hospitalares. Diário Oficial da União, Brasília, DF, Seção 1, p.133; 1998., antimicrobianos utilizados, tempo de utilização dos antimicrobianos, interação medicamentosa, quebra no esquema terapêutico e custos diretos da terapia antimicrobiana por tipo de operação que incluiu apenas os valores de aquisição dos medicamentos, não sendo contabilizados os gastos com materiais auxiliares (seringas, cateteres, diluentes), ou qualquer tipo de despesa com recursos humanos e manutenção do local de internamento. Para codificação dos medicamentos alvos do estudo foi utilizado o modelo Anatomical Therapeutical Chemical Classification- ATC1515. World Health Organization Collaborating Centre for Drug Statistics Methodologhy. Guideline for ATC classification and DDD assignment 2010. Oslo: WHO; 2009.. Para as doenças referidas o código em uso foi a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - CID-101616. Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas relacionados à Saúde. 10a revisão (Cid 10)..

Foi considerada "quebra do esquema terapêutico" as discordâncias entre o que foi prescrito e o que foi administrado, que resultaram em não administração/interrupção de pelo menos uma dose do medicamento. Para avaliação das interações medicamentosas foi utilizado como referência a base de dados Micromedex1717. Klasco RK, editor. DRUGDEX System [Database on the Internet]. Greenwood Village (Colorado): Thomson MICROMEDEX; 1974-2012. Acessado em dezembro de 2011. Disponível em: http://www.periodicos.capes.gov.br
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. Foram avaliadas a frequência e a proporção dos dados coletados em estatística descritiva.

RESULTADOS

Foram acompanhados 237 pacientes com uma média de permanência de aproximadamente nove dias, com mínimo de dois dias e máximo de 58 dias. Destes, 180 (75%) eram do sexo masculino. A média de idade dos pacientes foi 39 anos, variando entre 12 e 85 anos. Foi observado que 68,2% dos diagnósticos foram referentes às categorias S, T e X definidas como "lesões, envenenamento e consequências de causas externas".

Dos 237 pacientes acompanhados no estudo 217 (91,56%) fizeram uso de antimicrobianos no pós-operatório, com média de 1,709 ± 0,6 medicamentos por paciente.

O custo direto total das terapias farmacológicas empregado nos pacientes avaliados representou um montante de R$33.545,49, sendo a terapia antimicrobiana responsável por aproximadamente 64% deste valor (R$ 21.395,86).

No hospital onde o presente estudo foi realizado, o antimicrobiano usualmente utilizado em profilaxia cirúrgica foi a cefalotina. Os medicamentos mais prescritos durante o período pós-operatório foram: cefalotina 41,5% das prescrições, gentamicina com 15% e a clindamicina com 12,9% (Tabela 1).

Tabela 1
Proporção de medicamentos utilizados e tempo médio de uso.

Quanto à classificação das operações por potencial de contaminação da incisão cirúrgica descrita nos prontuários observou-se um maior número de procedimentos cirúrgicos classificados como potencialmente contaminados em 24% (57) e como contaminados em 20,5% (48) dos casos (Tabela 2). Em 24% dos prontuários avaliados não constava esse tipo de informação. A notificação de detecção de infecção da incisão bem como seu prognóstico também não foram condutas observadas.

Tabela 2
Proporção de operações, tempo médio de uso e custo direto total da terapia com antimicrobianos.

Durante o internamento ocorreu interação medicamentosa em 23% (89) das 371 prescrições de antimicrobianos (Tabela 3). Das interações 89,9% (80) foram classificadas como do tipo farmacodinâmica de maior gravidade. Observou-se que 57 (26,2%) pacientes tiveram quebra do esquema terapêutico em algum momento do internamento.

Tabela 3
Tempo de utilização de antimicrobianos e exposição a riscos potenciais relacionados ao uso destes medicamentos e custos.

DISCUSSÃO

A maioria dos pacientes, 91,56%, fez uso de antimicrobianos durante o período pós-operatório, o que demonstra um uso generalizado deste instrumento terapêutico no hospital alvo do estudo.

Hoje, não restam dúvidas a respeito da validade conceitual de restrição ao uso de antimicrobianos como estratégia para controle de emergência de resistência bacteriana, cujo controle está relacionado à redução de custos, de eventos adversos e principalmente redução de mortalidade1818. Camargo LFA. Controle de antibióticos: mais que retórica, necessidade baseada em evidências. Einstein. 2003;1:135-6..

Aproximadamente 30 a 50% dos antimicrobianos utilizados em meio hospitalar se destinam à profilaxia cirúrgica, sendo estimada em 30 a 90% a taxa de uso inadequado, nesses casos1919. Munckhof W. Antibiotics for surgicals prophylaxis. Aust Presc. 2005;28:38-40.. Segundo as Diretrizes para Prevenção de Infecção Hospitalar propostas pela Sociedade Brasileira de Infectologia2020. Machado A, Ferraz AAB, Ferraz E, Arruda E, Nobre J, Konkewicz LR, et al. Prevenção da Infecção Hospitalar. In: AMB, CFM. Projeto Diretrizes. Acessado em: dezembro de 2012. Disponível em: http://www.projetodiretrizes.org.br/projeto_diretrizes/065.pdf
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, o antibiótico utilizado na profilaxia cirúrgica deve ter apresentação parenteral, possuir mínima toxicidade e custo, ser fraco indutor de resistência e possuir atividade contra a maior parte dos patógenos causadores de infecção do sítio cirúrgico na instituição. Para o Consenso de Uso Racional de Antimicrobianos2121. Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. A profilaxia antimicrobiana é feita em cirurgia? In: Brasil. Ministério da Saúde. Consenso Sobre o Uso Racional de Antimicrobianos. Brasília: Ministério da Saúde, 1998. p.27-31., as cefalosporinas de primeira geração são antimicrobianos com o perfil mais próximo do descrito e devem ser escolha para a maioria das especialidades cirúrgicas.

De acordo com as alternativas disponíveis no referido hospital, observamos que o medicamento mais utilizado, a cefalotina, está de acordo com as recomendações da Sociedade Brasileira de Infectologia2020. Machado A, Ferraz AAB, Ferraz E, Arruda E, Nobre J, Konkewicz LR, et al. Prevenção da Infecção Hospitalar. In: AMB, CFM. Projeto Diretrizes. Acessado em: dezembro de 2012. Disponível em: http://www.projetodiretrizes.org.br/projeto_diretrizes/065.pdf
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e do Ministério da Saúde2121. Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. A profilaxia antimicrobiana é feita em cirurgia? In: Brasil. Ministério da Saúde. Consenso Sobre o Uso Racional de Antimicrobianos. Brasília: Ministério da Saúde, 1998. p.27-31., por se tratar de uma cefalosporina de primeira geração. Porém, ambas as referências indicam a cefazolina, não disponível na instituição durante o estudo, como melhor alternativa por possuir meia vida mais longa (duas horas) cobrindo, portanto, operações de até 3-4 horas de duração. Já a cefalotina possui meia vida mais curta (28 minutos) obrigando à reutilização a cada duas horas de operação.

Além de maior segurança na utilização intraoperatória, o uso de cefazolina em detrimento da cefalotina é melhor também do ponto de vista econômico. Segundo dados disponíveis no banco de preços do Ministério da Saúde2222. Brasil. Ministério da Saúde. Banco de preços em saúde. [acessado em 2009 Nov 29]. Disponível em: http://bpreco.saude.gov.br/bprefd/owa/consulta.inicio
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, o custo médio da cefalotina para os hospitais públicos alimentadores do sistema varia em torno de R$0,96, já a cefazolina custa em média R$1,24. Considerando que o tempo de repetição posológica da cefalotina é duas vezes maior que o da cefazolina, ter-se-ia uma economia de, aproximadamente, 35% no uso, se fosse utilizada a segunda opção terapêutica.

A profilaxia antimicrobiana, em cirurgia, é definida como o uso de antimicrobianos para prevenção de infecções no sítio cirúrgico2121. Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. A profilaxia antimicrobiana é feita em cirurgia? In: Brasil. Ministério da Saúde. Consenso Sobre o Uso Racional de Antimicrobianos. Brasília: Ministério da Saúde, 1998. p.27-31.. Após o encerramento da operação, a contaminação do sítio operatório é rara, embora não impossível. Portanto, em teoria, doses adicionais de antimicrobianos não seriam indicadas2323. Hoefel R, Vidotti CCF, Menezes ES, Pinheiro S. Ações que estimulam o uso racional de antimicrobianos. Bol Farmacot. 2006;11(4):1-4.. Foi observado neste estudo, porém que o prolongamento do uso do mesmo antimicrobiano usado na profilaxia é uma conduta frequente.

Apesar de não haver qualquer registro de diagnóstico de infecção nos prontuários, o tempo de uso médio da cefalotina após a operação foi 6,32 ± 4,6 dias. O tempo médio dos antimicrobianos em geral foi 6,6 ± 5,6 dias. Mesmo em operações declaradas como "limpas" a média de uso de antimicrobiano foi 5,2 ± 4,1 dias (Tabela 2). Apenas sete (15,5%) pacientes que passaram por procedimentos cirúrgicos declarados como limpos não tiveram uso de antimicrobiano no pós-operatório. Esse uso prolongado de antimicrobianos em operações limpas representou 44,33% (R$1.803,07) dos custos diretos com tratamento medicamentoso.

Sabe-se que o prolongamento da utilização do antibiótico para além da duração do ato cirúrgico não acrescenta qualquer benefício à terapia, pelo contrário, acarreta aumento nos custos da profilaxia e, eventualmente, os riscos de desenvolvimento de resistência bacteriana. Aceita-se, também, que a utilização de profilaxia não está indicada em muitos tipos de intervenção cirúrgica, principalmente nas operações chamadas limpas e naquelas em que não haja perfuração de víscera oca ou colocação de próteses2424. Caldeira L, Teixeira I, Vieira I, Marques FB, Santiago LM, Rodrigues V, et al. Monitorização do consumo de antibióticos: nos serviços de cirurgia e de ortopedia de seis hospitais. Acta Med Port. 2006;19(1):55-66..

Observou-se a prevalência do uso de dois ou mais medicamentos durante o período avaliado, que representou 57,7% (125) dos casos. Dados semelhantes em auditorias de enfermarias cirúrgicas demonstraram prevalência de politerapia antimicrobiana em 53% dos pacientes2525. Souza HP, Vilhordo DW, Breigeiron R, Alessandretti MB, Dotti E, Silva TGB. Auditoria no uso de antimicrobianos em enfermaria cirúrgica. Rev Col Bras Cir. 2008;35(4):216-20.. O uso de monoterapia para antibioticoprofilaxia ou para tratamento de infecções é considerada como situação ideal do ponto de vista do uso racional e deve ser objetivo do prescritor. Embora existam indicações para a terapia de associação, é frequente o uso excessivo destas na prática clinica, sem respaldo de protocolos, com maior exposição do paciente a erros de medicação2626. Fuchs FD, Wannmacher L. Farmacologia clínica: fundamentos da terapêutica racional. 4a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2010. , 2727. Brasil. Ministério da Saúde. Agencia Nacional de Vigilância Sanitária. Protocolo de segurança na prescrição, uso e administração de Medicamentos. Acessado em abril de 2014. Disponível em http://www.anvisa.gov.br/hotsite/segurancadopaciente
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A chamada "polifarmácia" ou consumo múltiplo de medicamentos é um dos principais fatores de risco associados à prevalência de interações medicamentosas nas prescrições. A principal interação encontrada nos prontuários foi entre a cefalotina e gentamicina em 86,5% (77) das interações com antimicrobianos. Esta associação está relacionada a efeito nefrotóxico. Ensaio clínico randomizado, duplo cego em pacientes sépticos mostrou maior incidência de nefrotoxicidade no uso combinado de gentamicina com cefalotina2828. Gosselin RA, Roberts I, Gillespie WJ. Antibiotics for preventing infection in open limb fractures. Cochrane Database Syst Rev. 2004;(1):CD003764..

Outro grave problema detectado foi a quebra do esquema terapêutico dos pacientes acompanhados, observada em 26% dos usuários durante o estudo. O controle rigoroso dos horários, das diluições e dos intervalos entre doses de antibióticos é necessário para que o efeito entre o pico máximo de ação e o nível mínimo requerido para morte bacteriana seja o esperado para terapêutica eficaz, evitando seleção de organismos resistentes2828. Gosselin RA, Roberts I, Gillespie WJ. Antibiotics for preventing infection in open limb fractures. Cochrane Database Syst Rev. 2004;(1):CD003764.. As causas de interrupção do uso foram quantificadas e categorizadas em falhas no processo de prescrição, 31,9% dos casos, que incluem mudanças seguidas de médicos plantonistas diferentes e falta preenchimento de relatório de avaliação da CCIH com consequente não dispensação pela farmácia; falhas no processo de enfermagem (56%) que compreendem omissão de administração de alguma dose, administração inicial com posterior interrupção de antimicrobianos em pacientes sem relatório de avaliação da CCIH ou com relatório recusado, e falhas no abastecimento farmacêutico (12,1%) que compreendem as faltas de medicamentos durante o período. Os erros de medicação comprometem a segurança do paciente e a qualidade do cuidado, pois estão associados ao aumento da morbimortalidade, tempo de internação e custos assistenciais e são responsáveis por 78% das iatrogenias graves2929. Rothschild JM, Landrigan CP, Cronin JW, Kaushal R, Lockley SW, Burdick E, et al. The Critical Care Safety Study: The incidence and nature of adverse events and serious medical errors in intensive care. Crit Care Med. 2005;33(8):1694-700. , 3030. Wannmacher L. Erros: evitar o evitável. Uso Racional de Medicamentos: Temas Selecionados. 2005;2(7):1-6..

O prolongamento do uso de antimicrobianos além do período cirúrgico tende a trazer um incremento nos riscos para o paciente e também aumenta os custos da assistencia3131. Marques TC, Reis A, Silva A, Gimenes F, Optz S, Teixeira T, et al. Erros de administração de antimicrobianos identificados em estudo multicêntrico brasileiro. Rev Bras Ciênc Farm. 2008;44(2):305-314.. Quando comparamos o tempo de uso desses medicamentos num período inferior a três dias com os casos de tempo superior, é possível verificar um aumento proporcional no número de interações medicamentosas (14,6% para 35,4%), de quebras do esquema terapêutico (17,1% para 40,3%) e um acréscimo 58% no custo médio (R$11,65 para R$18,49).

Pelo exposto é possível exemplificar os danos causados pelas falhas no processo de uso de antimicrobianos em pacientes submetidos ao tratamento cirúrgico. Do ponto de vista individual, observou-se que uso extensivo de antimicrobianos esteve associado à exposição dos usuários a um maior número de interações medicamentosas e às quebras indevidas de esquema terapêutico. Do ponto de vista coletivo ouve uma associação direta desse quadro ao aumento dos custos diretos da assistência. Outras complicações relacionadas ao uso indiscriminado desses medicamentos, como reações adversas, resistência microbiana, prolongamento da internação ou aumento dos custos indiretos, não puderam ser observados e podem ser alvo de novos trabalhos acadêmicos.

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  • Fonte de financiamento: nenhuma.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2014

Histórico

  • Recebido
    21 Jan 2013
  • Aceito
    23 Mar 2013
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