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Efeitos da suplementação suprafisiológica de b-caroteno em ratos espontaneamente hipertensos (SHR e SHR-sp)

Resumos

Objetivo:

investigar o efeito da administração suprafisiológica de bcaroteno sobre parâmetros biológicos, laboratoriais e histológicos dos ratos espontaneamente hipertensos com tendência ao acidente vascular encefálico (SHR-sp).

Métodos:

utilizaram-se 36 ratos machos, distribuídos em três grupos, contendo cada um dos 12 ratos das linhagens Wistar, SHR e SHR-sp, subdivididos em seis animais controle e seis animais tratados com doses suprafisiológicas de âcaroteno por dois períodos de dez semanas, intercalados por uma semana de interrupção. No experimento foram avaliados diariamente o exame físico e a pressão arterial. Foi coletado sangue para dosagem sérica de malondialdeído; o fígado e as artérias carótidas para exame histológico.

Resultados:

alteração provisória na coloração dos pelos, diminuição significativa (p<0,0001) da pressão arterial (suplementação de 20mg de bcaroteno) e dos níveis séricos de malondialdeído (p<0,05) e aumento da quantidade de fibras elásticas na parede carotídea dos ratos SHR e SHR-sp.

Conclusão:

A suplementação suprafisiológica de bcaroteno não causou efeitos tóxicos, apresentou resposta positiva na modulação da pressão arterial e diminuição na concentração sérica de malondialdeído. Não foram encontradas alterações morfológicas significativas nos grupos estudados, exceto um aumento no número de fibras elásticas da camada muscular carotídea sugerindo elastose nos ratos SHR e SHR-sp.

Estresse oxidativo; Malondialdeído; Betacaroteno; Ratos


Objective:

to investigate the effect of administration of supraphysiological âcaroteno on biological parameters (ectoscopy and blood pressure), laboratory (malondialdehyde) and histological (liver and carotid arteries) of spontaneously hypertensive rats prone to stroke (SHR-sp).

Methods:

we used 36 male rats were divided into three groups, each containing 12 rats Wistar, SHR and SHR-sp, subdivided into six control animals and six animals treated with supraphysiological doses of âcaroteno for two periods of ten weeks interspersed with one week interruption. In the experiment were assessed daily physical examination and blood pressure (plethysmography). At sacrifice, blood was collected for measurement of serum malondialdehyde, liver and carotid arteries for histological examination.

Results:

temporary change in color of the fur, decreased significantly (p<0.0001) blood pressure (20mg supplementation âcaroteno) and serum levels of malondialdehyde (p<0.05) and increased amount of elastic fibers in the carotid wall of SHR and SHR-sp.

Conclusion:

supplementation of supraphysiological âcaroteno caused no toxic effects, showed positive response in the modulation of blood pressure and lower serum malondialdehyde. No significant morphological changes were found in both groups, except an increase in the number of elastic fibers in the muscle layer carotid suggesting elastosis in SHR and SHR-sp.

Oxidative stress; Malondialdehyde; Betacarotene; Rats


INTRODUÇÃO

O acidente vascular encefálico (AVE) constitui um dos mais relevantes problemas de Saúde Pública na atualidade devido à sua alta incidência e mortalidade, à invalidez que ocasiona, aos altos custos que gera e à carência de estratégias terapêuticas11. Baéz PMS, Parra FG, Monsalve RJ, Garrido I. Accidente cerebrovascular: análisis de la casuística en el servicio de medicina de un hospital de baja complejidad. Bol Hosp Viña del Mar. 2004;60(2):91-7..

Os efeitos da hipertensão arterial sistêmica (HAS) na estrutura dos vasos ocorrem tanto nas artérias maiores, onde há remodelamento da parede do vaso com aumento de sua luz, o que ocasiona aumento da força de fricção entre o sangue e a parede do vaso, predispondo a arteriosclerose, como nas artérias de pequeno calibre, onde ocorre realinhamento das células musculares e redução da luz sem alteração do conjunto dessas células, isto é, há reestruturação da musculatura lisa ao redor de luz reduzida, levando à resistência vascular sistêmica22. Fuster V, Gotto AM, Libby P, Loscalzo J, McGrill HC. 27th Bethesda Conference: matching the intensity of risk factor management with the hazard for coronary disease events. Task Force 1. Pathogenesis of coronary disease: the biologic role of risk factors. J Am Coll Cardiol. 1996;27(5):964-76..

A HAS também agrava o processo aterosclerótico, possivelmente por enfraquecer a parede das artérias em pontos de maior pressão, levando à lesão e invasão de colesterol e outros compostos33. Krumel D. Nutrição na doença cardiovascular. In: Mahan LK, Escott-Stump S. Krause: alimentos, nutrição e dietoterapia. 9a ed. São Paulo: Roca; 1998. p.525-68.. A doença aterosclerótica das artérias carótidas pode provocar sintomas como amaurose fugaz, cefaleia e acidente isquêmico transitório (AIT) e é responsável por 20 a 30% dos casos de AVE. A progressão da estenose assintomática de artéria carótida é imprevisível e pode ser desastrosa44. Kihara EM, Andrioli MSD, Zukerman E, Peres MFP, Porto Júnior PP, Monzillo PH, et al. Endovascular treatment of carotid artery stenosis: retrospective study of 79 patients treated with stenting and angioplasty with and without cerebral protection devices. Arq Neuro-Psiquiatr. 2004;62(4):1012-5..

Envolve principalmente a camada de células da túnica íntima (camada mais interna da parede arterial), acreditando-se que é originária de uma proliferação das estrias de gorduras em placas fibrogordurosas5. Acredita-se que o processo de aterogênese se desencadeia quando na parede arterial, no subendotélio, os macrófagos captam descontroladamente partículas de LDL oxidadas, ricas em colesterol, transformando-se em células espumosas que se acumulam na parede arterial. As modificações oxidativas das lipoproteínas de baixa densidade fazem com que sejam captadas de modo preferencial pelos macrófagos, iniciando um processo inflamatório que desencadeia a formação da placa de ateroma, elemento central na lesão vascular aterosclerótica55. Clarke R, Armitage J. Antioxidant vitamins and risk of cardiovascular disease. Review of large-scale randomized trials. Cardiovasc Drugs Ther. 2002;16(5):411-5.

6. Urquiaga I. Indicaciones y utilidad de los antioxidantes. Sociedad Chilena de Cardiología y Cirugía Cardiovascular; 1997.
- 77. Russo C, Olivieri O, Girelle D, Faccini G, Zenari ML, Lombardi S, et al. Anti-oxidant status and lipid peroxidation in patients with essential hypertension. J Hypertens. 1998;16(9):1276-1..

Evidências experimentais vêm confirmando a implicação do processo oxidativo de macromoléculas na lesão endotelial das doenças cardiovasculares, aumentando consideravelmente o interesse pela investigação da provável ação das vitaminas de poder antioxidante no combate deste processo. Da mesma forma, hipóteses recentes vêm associando o estresse oxidativo, incluindo o processo inflamatório, ao AVE88. Asplund K. Antioxidant vitamins in the prevention of cardiovascular disease: a systematic review. J Intern Med. 2002;251(5) 372-92..

Estudos em Anima Nobile demonstraram relação entre marcadores de estresse oxidativo, AVE e baixos níveis séricos de vitaminas antioxidantes (alfa tocoferol, ácido ascórbico e âcaroteno), sendo crescente o interesse pela investigação sobre a possível ação protetora desses nutrientes99. Leinonen JS, Ahonen JP, Lönnrot K, Jehkonen M, Dastidar P, Molnár G, et al. Low plasma antioxidant activity is associated with high lesion volume and neurological impairment in stroke. Stroke. 2000;31(1):33-9..

O b-caroteno possui relevante papel no combate ao estresse oxidativo sua ação antioxidante é bastante discutida1010. Kritchevsky SB. beta-Carotene, carotenoids and the prevention of coronary heart disease. J Nutr. 1999;129(1):5-8.

11. Palace V, Kumar D, Hill MF, Khaper N, Singal PK. Regional differences in non-enzymatic antioxidants in the heart under control and oxidative stress conditions. J Mol Cell Cardiol. 1999;31(1):193-202.
- 1212. Singal PK, Khaper N, Palace V, Kumar D. The role of oxidative stress in the genesis of heart disease. Cardiovasc Res. 1998;40(3):426-32.. Se a suplementação desta pró-vitamina for capaz de controlar o estresse oxidativo do AVE, poderá se tornar uma possibilidade de terapia coadjuvante e até subsequente no tratamento do AVE.

No que se refere ao estudo experimental do AVE, a linhagem SHR-sp (espontaneamente hipertensos com tendência ao acidente vascular encefálico) descrita por Maguire et al.1313. Maguire S, Strittmatter R, Chandra S, Barone FC. Stroke-prone rats exhibit prolonged behavioral deficits without increased brain injury: an indication of disrupted post-stroke brain recovery of function. Neurosci Lett. 2004;354(3):229-33. e Ikeda et al.1414. Ikeda K, Negishi H, Yamori Y. Antioxidant nutrients and hypoxia/ischemia brain injury in rodents. Toxicology. 2003;189(1-2):55-61. vem sendo eleita como modelo experimental de estudo do AVE humano, por desenvolvê-los espontaneamente, resultando em danos cerebrais similares ao do AVE humano e apresentar hipertensão acentuada, que pode atingir 300mmHg, em contraste à pressão sanguínea dos ratos normotensos das linhagens Wistar Kyoto (WKY) e Wistar que estabilizam-se entre 140-150 mmHg e 90-110 mmHg, respectivamente1515. Fukuda S, Tsuchikura S, Iida H. Age-related changes in blood pressure, hematological values, concentrations of serum biochemical constituents and weights of organs in the SHR/Izm, SHRSP/Izm and WKY/Izm. Exp Anim. 2004;53(1):67-72.. A hipertensão, nessa linhagem de ratos, ocorre em torno da oitava semana de idade, e pode atingir, nos machos adultos, aproximadamente 250mmHg de pressão sistólica, sendo mais hipertensos do que o SHR (espontaneamente hipertensos)1616. Noguchi T, Ikeda K, Sasaky Y, Yamori Y. Nutritional prevention on hipertension, cerebral hemodynamics and thrombosis in stroke-prone spontaneously hypertensive rats. Cell Mol Neurobiol. 2004;24(5):599-638.. A suscetibilidade ao AVE nesse modelo também está associada a fatores genéticos independentes da pressão sistólica, motivo pelo qual usa-se essa linhagem preferencialmente ao SHR na investigação da doença cerebral1515. Fukuda S, Tsuchikura S, Iida H. Age-related changes in blood pressure, hematological values, concentrations of serum biochemical constituents and weights of organs in the SHR/Izm, SHRSP/Izm and WKY/Izm. Exp Anim. 2004;53(1):67-72. , 1717. Yamori Y. Overview: studies on spontaneously hypertension-developent from animal models toward man. Clin Exp Hypertens A. 1991;13(5):631-44.

18. Yamori Y, Horie R, Handa H, Sato M, Fukase M. Pathogenetic similarity of stroke in stroke-prone spontaneously hypertensive rats and humans. Stroke. 1976;7(1):46-53.

19. Yamori Y. The stroke-prone spontaneously hypertensive rat: Contribution to risk factor analysis and preventioamsterdam: Elsevier; 1984. p.240-55.
- 2020. Takemori K, Ishida H, Ito H. Continuous inhibition of the renin-angiotensin system and protection from hypertensive end-organ damage by brief treatment with angiotensin II type 1 receptor blocker in stroke-prone spontaneously hypertensive rats. Life Sci. 2005;77(18):2233-45..

O objetivo desse estudo é avaliar o efeito da administração suprafisiológica de b-caroteno sobre parâmetros biológicos, laboratoriais e histológicos dos ratos espontaneamente hipertensos com tendência ao acidente vascular encefálico (SHR-sp).

MÉTODOS

Para realização deste estudo experimental foram utilizados 36 ratos machos jovens, pesando entre 272 e 356 gramas, distribuídos em três grupos distintos, contendo cada um 12 ratos das raças Wistar, SHR e SHR-sp, respectivamente, sendo que cada grupo era composto por seis animais controles e seis tratados escolhidos aleatoriamente, obtidos de colônias mantidas pelo Biotério da Escola de Nutrição da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. No início do experimento a faixa etária dos animais foi aproximadamente sete semanas em ambos os grupos, atingindo, respectivamente, 28 semanas ao final da pesquisa.

Os protocolos experimentais utilizados neste estudo foram aprovados pelo Comitê de Ética para Experiência com Animais, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e os ensaios foram realizados nos Laboratório de Investigação em Nutrição e Doenças Crônico-Degenerativas (LINDCD) e no Laboratório de Anatomia Patológica, ambos da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

Os animais foram mantidos em biotério com condições controladas de luminosidade (ciclo claro-escuro/12h), temperatura (21 ± 2ºC), umidade (60 ± 10%) e ciclo de exaustão de ar (15min/h), em gaiolas metabólicas individuais.

Os animais receberam ração e água ad libitum e, após um período basal de dez dias, foram submetidas à suplementação suprafisiológica de b-caroteno ou veículo por gavagem oral via sonda de polietileno PE 190.

Inicialmente, foi estabelecida a curva dose-efeito para os ratos das linhagens Wistar e SHR. Os animais dos grupos Wistar e SHR tratados foram suplementados com doses crescentes de b-caroteno, de 2,5 a 5 mg/dia, diluídos em 0,3ml de óleo de coco. Cada dose foi administrada pelo período de dez semanas. O tratamento foi dividido em duas fases, com interrupção de uma semana para estabelecer a cinética do bcaroteno.

Concomitantemente, foi feita a suplementação do grupo SHR-sp tratado com administração de b-caroteno na dose de 5 a 20 mg. A dose inicial neste grupo foi a mesma que apresentou resultado hipotensor na linhagem de ratos SHR, isto é, 5mg. Os animais dos grupos controle foram suplementados apenas com óleo de coco.

Diariamente, os animais foram submetidos a exame físico, seguindo protocolo do LINDCD21 para detecção da ocorrência de sinais de toxicidade ou de interação entre nutrientes. Concomitantemente, foram avaliados os parâmetros biológicos gerais (ingesta de ração, água, diurese, fezes e peso corporal). A pressão sistólica foi aferida através de pletismógrafo, mensurada duas vezes na semana, seguindo metodologia de Magaldi et al. modificada por Vianna et al.2222. Vianna LM, Paiva ACM, Paiva TB. Treatment with vitamin D3 reduces blood pressure of spontaneously hypertensive rats. Gen Hypertens. 1992;218:589-91.. A mensuração da pressão sanguínea é feita duas vezes por semana, mantendo-se sempre o mesmo horário para evitar alterações provenientes do ritmo circadiano. A pletismografia foi realizada no período basal e ao longo do experimento.

Para a dosagem de malondialdeído sérico, obtido a partir da centrifugação do sangue coletado em tubo descartável sem anticoagulante, foi utilizado o método colorimétrico para a dosagem de MDA e o ácido tiobarbitúrico. A concentração de malondialdeído foi calculada pela absorção a 532nm e os resultados expressos em nmol.

Os animais foram anestesiados por indução de coma profundo, por anestesia inalatória com éter sulfúrico e administração de barbitúrico (tiopental sódico), via intraperitoneal, com doses superiores a 25mg/kg. Realizou-se a coleta de 5ml de sangue por punção cardíaca para dosagem de MDA.

Foram retiradas as carótidas, direita e esquerda, aorta, coração e fígado e armazenados em solução de formol a 10% e enviados para análise histológica. As peças foram corados por hematoxilina-eosina, ou por orceína e tricrômico de Massom. A análise morfométrica foi realizada utilizando-se um microscópio óptico sob aumento de 10x, 40x, 100x, 160x e 200x.

A determinação do peso do fígado foi realizada usando o método de Scherle, que se baseia no Princípio de Arquimedes2323. Scherle W. A simple method for volumetry of organs in quantitative stereology. Mikroskopie. 1970;26(1):57-63..

Foi realizado ANOVA One Way para avaliar a significância dos resultados obtidos com as diferentes doses administradas, considerando p<0,05 como significância. Para comparações de valores entre grupos distintos (controle x tratado) utilizamos teste T-Student.

RESULTADOS

A avaliação dos exames físicos dos animais não atestou ocorrência de alterações nos parâmetros biológicos gerais: peso, ingestão hídrica e de ração, diurese e excreção fecal. Observou-se apenas alteração na coloração do pelo dos animais, o qual retornava à coloração normal durante período de interrupção do tratamento. Da mesma forma, mantiveram-se a coordenação motora e o comportamento dos animais dentro dos padrões de normalidade. Quanto ao peso do fígado, obtivemos peso médio do órgão igual a 7,25 ± 3,2g e relação entre a média do peso do fígado e o corpóreo igual a 0,0192g, configurando que não ocorreu hepatotoxicidade.

A pressão arterial sistólica, no grupo tratado SHR-sp não apresentou redução dos valores no decurso do tratamento com as doses de 5mg e 10mg de â-caroteno, entretanto, ao receber a suplementação com 20mg de b-caroteno, apresentou decréscimo significativo (p<0,0001) da pressão de 233,7 ± 1,39mmHg para 227,5 ± 1,96mmHg na primeira suplementação com essa dose.

A interrupção do tratamento por sete dias evidenciou um aumento do valor de pressão arterial sistólica, que atingiu 252,3 ± 0,36mmHg, porém com o reinício da suplementação este valor apresentou uma queda significativa (p<0,0001) para 232,08 ± 1,34mmHg (Figura 1).

Figura 1 -
Os valores representam a pressão sistólica de ratos SHR-sp (n=12). Significância p<0,05

A dosagem de substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico revelou que os níveis séricos de malondialdeído (MDA) foram significativamente (p<0,05) menores nos ratos tratados com b-caroteno (1,97 ± 0,32nmol) em comparação com os animais dos grupos controles (3,50 ±1,19nmol) (Figura 2).

Figura 2 -
Os valores representam os níveis séricos de Malondialdeído dos ratos SHR-sp.

A análise histológica evidenciou que a estrutura do fígado estava conservada, sem esteatose ou qualquer outra particularidade. A avaliação morfológica das artérias carótidas evidenciou diferenciação estrutural entre grupos controle e tratado.

Em ambos os grupos não se observou a presença de infiltrado inflamatório na parede das artérias, assim como, não foi detectada formação de placas ateromatosas. Entretanto, foi observado um aumento discreto da quantidade de fibras elásticas que constituem a parede das artérias carótidas dos ratos SHR e SHR-sp do grupo controle em comparação aos ratos Wistar normotensos (Figuras 3 e 4).

Figura 3 -
Parede da artéria carótida com cinco camadas de fibras elásticas, sem anormalidades (ratos Wistar); Orceína, 200x.

Figura 4 -
Parede da artéria carótida com nove camadas de fibras elásticas: elastose (ratos SHR-sp); Orceína, 200x.

DISCUSSÃO

A hepatotoxicidade resultante da administração crônica de vitamina A em doses suprafisiológicas ocasionando hepatomegalia (com hipertrofia e hiperplasia), fibrose portal e periportal foi relatada por Milksad et al., que constataram hipertensão portal em um caso, mesmo após cinco anos de interrupção da suplementação com a vitamina A2424. Miksad R, de Lédinghen V, McDougall C, Fiel I, Rosenberg H. Hepatic hidrotorax associated with vitamin A toxicity. J Clin Gastroenterol. 2002;34(3):275-9.. Ainda em relação ao uso excessivo dessa vitamina, Seiferty et al. descreveram sintomas respiratórios causados por hidrotórax hepático, o que sugere a possibilidade de associação com outras manifestações clínicas2525. Seifert WF, Bosma A, Hendriks HF, van Leeuwen RE, van Thiel-de Ruiter GC, Seifert-Bock I, Knook DL, et al. Beta-carotene (provitamin A) decreases the severity of CCl4-induced hepatic inflammation and fibrosis in rats. Liver. 1995;15(1):1-8..

Entretanto, nosso trabalho demonstrou que mesmo com o uso de doses suprafisiológicas, não houve efeitos colaterais. O estudo do parênquima hepático, visando verificar potencial infiltração gordurosa ou desenvolvimento de tecido fibroso, não evidenciou nenhuma alteração ou presença de esteatose nos ratos tratados. A análise macroscópica do fígado dos animais, também não evidenciou alterações, corroborando resultados prévios de nosso laboratório2626. Vianna LM, Oliveira GS. Resposta pressórica de ratos espontaneamente hipertensos ao beta-caroteno. Rev SOCERJ. 2004;17(A)., uma vez que o peso médio do órgão e a média da relação peso/órgão e peso corpóreo estavam dentro dos padrões de normalidade, isto é, 4g para cada 100g de peso corpóreo2727. Baker H, Lindsey RJ. The Laboratory Rat. Research Application. New York: Academic Press; 1980..

Recente estudo de sua cinética sugere que sua toxicidade deve ser muito reduzida, uma vez que altas doses são necessárias para manutenção do status nutricional da vitamina A, e tem sido, inclusive, atribuído ao b-caroteno um efeito hepatoprotetor em animais portadores de fibrose hepática2525. Seifert WF, Bosma A, Hendriks HF, van Leeuwen RE, van Thiel-de Ruiter GC, Seifert-Bock I, Knook DL, et al. Beta-carotene (provitamin A) decreases the severity of CCl4-induced hepatic inflammation and fibrosis in rats. Liver. 1995;15(1):1-8.. Adicionalmente, a administração das doses suprafisiológicas de b-caroteno não provocou alterações dos parâmetros biológicos gerais, descartando assim, a ocorrência de possível interação entre vitaminas lipossolúveis.

Em relação ao efeito modulador do âcaroteno sobre a pressão arterial, os resultados aqui apresentados mostram importante efeito hipotensor da suplementação de b-caroteno com doses de 20mg/dia durante três semanas com os ratos da linhagem SHR-sp, confirmando estudo anterior descrito por Oliveira e Vianna, em 20042626. Vianna LM, Oliveira GS. Resposta pressórica de ratos espontaneamente hipertensos ao beta-caroteno. Rev SOCERJ. 2004;17(A)., com ratos da linhagem SHR, que também apresentaram resposta positiva em relação ao efeito hipotensor do âcaroteno, porém, com doses de 5mg, o que demonstra maior resistência ao tratamento pela linhagem SHR-sp. A avaliação da cinética do b-caroteno apresentou resposta semelhante àquela observada com outras vitaminas lipossolúveis2121. Vianna LM. Manual de Nutrofisiologia Experimental. Rio de Janeiro: Difusão; 2006. , 2222. Vianna LM, Paiva ACM, Paiva TB. Treatment with vitamin D3 reduces blood pressure of spontaneously hypertensive rats. Gen Hypertens. 1992;218:589-91..

O mecanismo de ação associado ao efeito hipotensor do b-caroteno, provavelmente se liga à sua atividade antioxidante, uma vez que foram significativamente reduzidos os níveis séricos de malondialdeído. Estudos em que o estresse oxidativo (ERO) foi experimentalmente induzido, indicaram aumento do radical superóxido (O2-), do radical hidroxila (OH) e da HAS. Por outro lado, o tratamento com antioxidantes diminuiu a pressão sanguínea e o elevado nível de óxido nítrico biodisponível. Estes resultados proporcionaram fortes evidências do papel das espécies reativas de oxigênio (ERO) tanto no início quanto na sustentação da HAS2828. Manning RD Jr, Tian N, Meng S. Oxidative stress and antioxidant treatment in hypertension and the associated renal damage. Am J Nephrol. 2005;25(4):311-7. e sinalizam para o importante papel de nutrientes antioxidantes no controle da pressão arterial2929. Novo R, Azevedo PS, MinicuccI MF, Zornoff LAM, Paiva SAR. Efeito do betacaroteno sobre o estresse oxidativo e a expressão de conexina 43 cardíaca. Arq Bras Cardiol. 2013. Ahead print. , 3030. Azevedo PS, Duarte DR, Minicucci MF, et al. Papel da lipoperoxidação na intensificação da remodelação causada pelo betacaroteno após infarto. Arq Bras Cardiol. 2009;.93(1): 34-38..

A análise histológica das carótidas dos grupos controle e tratado não revelou formação de placas ateromatosas nem a presença de infiltrado inflamatório, contrariando a ideia proposta de que a linhagem SHR-sp, por apresentar hipertensão acentuada teria alterações morfológicas inflamatórias nas preparações parietais vasculares, por outro lado, confirma a inexistência de lesão ateromatosa nessa linhagem corroborando aos achados de Ogata et al.3131. Ogata J, Fujishima M, Takami K, Nakatomi Y, Ishitsuka T, Omae T. Vascular changes underlying cerebral lesions in stroke-prone spontaneously hypertensive rats. A serial section study. Acta Neuropathol. 1981;54(3):183-8. e Kritchevskt et al.3232. Kritchevsky SB, Shimakawa T, Tell GS, Dennis B, Carpenter M, Eckfeldt JH, et al. Dietary antioxidants and carotid artery wall thickness. The ARIC Study. Atherosclerosis Risk in Communities Study. Circulation 1995;92(8):2142-50..

Entretanto, morfometricamente, foi observado que o número de fibras elásticas que constituem a parede dos vasos carotídeos na linhagem SHR e SHR-sp apresentaram discreto aumento, caracterizando uma elastose da camada muscular em comparação a linhagem normotensa.

Ainda que o tratamento com b-caroteno tenha resultado em modificação da pressão arterial sistólica, não foi capaz de prevenir a elastose na artéria carótida dos ratos espontaneamente hipertensos. Acreditamos que o efeito hipotensor do b-caroteno esteja positivamente associado à sua ação antioxidante e não descartamos a possibilidade de que esse tratamento intensificado possa prevenir as alterações morfológicas das artérias observadas nas linhagens hipertensas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2014

Histórico

  • Recebido
    25 Nov 2013
  • Aceito
    05 Fev 2014
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