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Uso de retalhos musculares locais para cobertura de exposições ósseas na perna

Resumos

Objetivo:

avaliar o uso de retalhos de porção medial do músculo gastrocnêmio e/ou de músculo sóleo como tratamento cirúrgico de exposição óssea da perna.

Métodos:

foram analisados, retrospectivamente, os prontuários de pacientes submetidos à transposição dos músculos gastrocnêmio medial e/ou sóleo para tratar exposição óssea na perna, no período de janeiro de 1976 a julho de 2009. Foram avaliados, além dos dados epidemiológicos, a etiologia da lesão, o intervalo de tempo decorrido entre a lesão inicial e a transposição muscular, o músculo utilizado para cobrir a lesão, a evolução da cicatrização da cobertura cutânea e a função da unidade gastrocnêmio-sóleo.

Resultados:

foram operados 53 pacientes, variando a faixa etária entre 09 e 84 anos (média de idade de 41 anos), sendo 42 do sexo masculino e 11 do sexo feminino. A lesão inicial principal foi de origem traumática (84,8%), consistindo de fratura de tíbia e/ou fíbula. O músculo utilizado com maior frequência foi o sóleo em 40 casos (75,5%). Classificou-se 49 pacientes (92,5%) como resultado excelente ou bom, 03 (5,6%) como regular e 01 (1,9%) como insatisfatório.

Conclusão:

o tratamento da exposição óssea com retalhos musculares locais (gastrocnêmio e ou sóleo) possibilita a obtenção de resultados satisfatórios na cobertura das estruturas expostas, favorecendo a vascularização local e melhora da lesão inicial. Apresenta como vantagens a realização do tratamento em um só tempo cirúrgico, uma recuperação mais precoce e diminuição do tempo de internação.

Extremidade inferior; Músculo esquelético; Retalho miocutâneo; Pernas - cirurgia


Objective:

To evaluate the use of the medial gastrocnemius muscle and/or soleus muscle flaps as surgical treatment of the leg bone exposure.

Methods:

We retrospectively analyzed the medical records of patients undergoing transposition of the medial gastrocnemius and / or soleus for treating exposed bone in the leg, from January 1976 to July 2009, gathering information on epidemiological data, the etiology the lesion, the time between the initial injury and muscle transposition, the muscle used to cover the lesion, the healing evolution of the skin coverage and the function of the gastrocnemius-soleus unit.

Results:

53 patients were operated, the ages varying between nine and 84 years (mean age 41); 42 were male and 11 female. The main initial injury was trauma (84.8%), consisting of tibia and / or fibula fracture. The most frequently used muscle was the soleus, in 40 cases (75.5%). The rank of 49 patients (92.5%) was excellent or good outcome, of three (5.6%) as regular and of one (1.9%) as unsatisfactory.

Conclusion:

the treatment of bone exposure with local muscle flaps (gastrocnemius and/or soleus) enables obtaining satisfactory results in covering of exposed structures, favoring local vascularization and improving the initial injury. It offers the advantage of providing a treatment in only one surgical procedure, an earlier recovery and reduced hospital stay.

Lower extremity; muscle - skeletal; myocutaneous flap; leg - surgery


INTRODUÇÃO

A face anterior da tíbia é revestida pelo tegumento comum, que apresenta uma tela subcutânea bastante escassa e pouco elástica. Os traumatismos e infecções que ocorrem nesta região frequentemente se transformam em lesões ulcerativas, com consequente exposição óssea, podendo levar à necrose tecidual.

Entre as lesões traumáticas, as fraturas expostas da tíbia constituem a principal etiologia das lesões ulcerativas, a despeito do tratamento cirúrgico adequado no atendimento de urgência. O trauma direto e a manipulação cirúrgica para realização de vias de acesso determinam grande sofrimento tecidual de partes moles, evoluindo, com frequência, para a exposição óssea.

A osteomielite crônica da tíbia continua ocupando lugar de destaque, devido à frequência e à dificuldade de tratamento, visto que podemos encontrar fístulas, cicatrizes e aderências ao plano ósseo. A via de acesso para as sequestrectomias pode resultar em deiscência de sutura e necrose, o que compromete o sucesso terapêutico. Por estes motivos, faz-se a operação reconstrutora fundamental como parte integrante deste tratamento.

Tendo o exposto, além do cirurgião plástico, o papel do ortopedista no tratamento integral das exposições ósseas é essencial. Frequentemente este é o único especialista disponível, devendo estar apto a reconstruir o membro com retalhos musculares locais, uma vez que, nestas situações, pode não haver outro especialista habilitado.

Este estudo tem por objetivo avaliar o uso de retalhos de porção medial do músculo gastrocnêmio e/ou de músculo sóleo como tratamento cirúrgico de exposição óssea da perna.

MÉTODOS

Realizada análise retrospectiva através de busca ativa de prontuários de todos os pacientes submetidos, entre janeiro de 1976 a julho de 2009, à mobilização de retalhos dos músculos sóleo e gastrocnêmio ou ambos com a finalidade de cobrir a exposição de ossos da perna. Os dados foram obtidos dos arquivos do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (HUCFF/UFRJ), dos Serviços Ortopedia e Traumatologia do Hospital Municipal Miguel Couto (RJ) e do Hospital Agnelo Ciátola, da Santa Casa de Misericórdia de Barra do Piraí (RJ).

Foram avaliados, além dos dados epidemiológicos, a etiologia da lesão, o intervalo de tempo decorrido entre a lesão inicial e a transposição muscular, o músculo utilizado para cobrir a lesão, a evolução da cicatrização da cobertura cutânea e a função da unidade gastrocnêmio-sóleo.

Na avaliação pós-operatória em curto prazo (01 a 02 meses), analisamos o resultado através da observação da cobertura cutânea, considerando como excelente: a cicatrização da ferida cirúrgica sem sofrimento do enxerto; bom: sofrimento de até 1/3 do enxerto; regular: sofrimento do enxerto cutâneo até 1/3, com sinal de infecção; insatisfatório: perda do enxerto maior que 1/3 e/ou infecção.

Na análise de resultado em longo prazo, realizada com um mínimo de 12 meses de pós-operatório, foram avaliadas a função da unidade gastrocnêmio-sóleo e a cobertura cutânea.

Técnica Operatória

O ato operatório é iniciado observando-se as técnicas de assepsia e antissepsia, com preparação de todo o membro inferior em que se fará a transposição muscular e também a coxa contralateral, quando pretendemos utilizar enxerto de pele no mesmo procedimento. Após elevação do membro por alguns minutos, é feita isquemia utilizando atadura de crepom, ou faixa de Smarch, insuflando-se o manguito pneumático com pressão média de 100 mmHg acima da pressão arterial sistólica.

A incisão, que deve ser orientada para o músculo que será utilizado e pode ser modificada de acordo com a lesão pré-operatória, inclui pele e tela subcutânea, pode ser feita da seguinte forma: a) para a porção medial do gastrocnêmio, iniciamos de forma curvilínea ao longo da borda anteromedial deste, até sua inserção mais distal; b) para o músculo sóleo, iniciamos a incisão ao nível de região retromaleolar medial, junto ao tendão do tríceps da perna, continuamos até a transição com a massa muscular do gastrocnêmio e, a partir deste ponto, continuamos a incisão, em forma curvilínea, ao longo da borda anteromedial deste músculo.

A porção medial do gastrocnêmio é identificada e liberada distalmente na sua transição musculotendínea ao mesmo tempo em que seus vasos comunicantes são divulsionados e ligados com mononylon 4-0.O músculo sóleo é identificado através de sua massa muscular terminal junto ao tendão do tríceps sural. A partir desta região, começamos seu isolamento, desinserindo-o até sua transição com o músculo gastrocnêmio, ligando seus vasos comunicantes junto ao septo intermuscular.

Após a identificação dos músculos é feita a preparação, da área que será protegida, através do desbridamento cirúrgico (nos pacientes com osteomielite) e redução das fraturas, que podem ser firmadas por meio de fixação interna ou externa e, ainda, colocação de enxerto ósseo, quando houver pseudoartrose. É realizada a tunelização, através da tela subcutânea, para a passagem do músculo à área receptora, com atenção para não comprimir o retalho, comprometendo sua vascularização.

Uma bandagem compressiva é colocada sobre a ferida operatória, após ser desinsuflado o manguito pneumático. Após a retirada a bandagem compressiva, faz-se hemostasia por eletrocoagulação. Nesta fase, é necessária a observação da vitalidade da extremidade distal do músculo a ser transposto, já em seu leito definitivo.

A seguir realiza-se a ancoragem do músculo à tela subcutânea ou à pele, com mononylon 5-0, e o fechamento da incisão operatória, feito com mononylon 4-0. Se necessário, retira-se o enxerto de pele da região lateral da coxa oposta, com dermátomo elétrico ou faca de enxerto, para cobrir a massa muscular transposta.O curativo é realizado com gaze furacinada ou vaselinada, acompanhada de coxim levemente compressivo.

No pós-operatório imediato, o paciente é imobilizado com tala gessada cruropodálica, elevando-se o membro com uma férula de Braun. O primeiro curativo é realizado no 5º dia de pós-operatório e a retirada dos pontos é feita em torno do 15º dia. Na área doadora do enxerto de pele pode-se utilizar gaze vaselinada ou creme de sulfadiazina de prata 1% para acelerar o processo de cicatrização.

RESULTADOS

Foram operados 53 pacientes, sendo 42 do sexo masculino e 11 do sexo feminino, a faixa etária variou entre 09 a 84 anos,com média de idade de 41 anos. A lesão inicial mais frequente foi de origem traumática (84,4%), consistindo de fratura de tíbia e/ou fíbula. Um paciente apresentava sequela de erisipela e outro tinha grande tumoração cutânea (Tabela 1).

Tabela 1 -
Diagnóstico antes da transposição muscular.

O tratamento básico inicial das fraturas abertas constou, em todos os casos, de limpeza mecânico-cirúrgica associada à tração transesquelética em 21 casos (39,6%), à fixação bipolar em 5 (9,4%), à imobilização com aparelho gessado em 2 (3,8%) eà fixação externa em 10(18,8%)

Nos casos das fraturas fechadas, foram usadas placas e parafusos em 5 casos (9,4%), foram realizadas osteossínteses com fios cruzados de Kirschner em 2 casos (3,8%) e empregou-se fixação bipolar em 2 casos (3,8%).

O tempo transcorrido entre a lesão inicial e a transposição muscular variou de 01 a 46 meses, com tempo médio de 6,8 meses. O músculo utilizado com maior frequência foi o sóleo, empregado em 40 pacientes (75,5%) dos quais 31 (58,5%), nas lesões do terço médio da perna, 05 (9,4%) nas lesões do terço proximal e 04 (7,5%) nas lesões terço distal (Figuras 1, 2, 3). A porção medial do músculo gastrocnêmiofoi empregada em 12 (22,6%) casos, 10 (18,8%) dos quais para as lesões do terço proximal e 02 (3,8%) para as do médio (Figuras 4, 5, 6). A transposição de ambos os músculos foi realizada em 01 (1,9%) paciente (Tabela 2).

Figura 1 -
Área cruenta em terço inferior de perna.

Figura 2 -
Via de acesso para isolamento do músculo sóleo.

Figura 3 -
Músculo sóleo já transposto e coberto por enxertia de pele.

Figura 4 -
Ferida em terço médio de perna.

Figura 5 -
Ventre medial de músculo gastrocnêmio isolado e pronto para rotação.

Figura 6 -
Músculo gastrocnêmio coberto por enxertia cutânea.

Tabela 2 -
Retalho utilizado e nível da lesão.

A avaliação, em curto prazo, da cobertura cutânea evidenciou que 49 (92,5%) pacientes tiveram resultado excelente ou bom, três (5,6%), regular e um (1,9%), insatisfatório (Tabela 3). A avaliação em longo prazo foi realizada em 26 pacientes (49%). Deste total, 25 pacientes (96,2%) não apresentaram alteração. No paciente submetido à transposição de ambos os músculos, houve diminuição da força muscular, embora sua marcha tenha se mantido normal.

DISCUSSÃO

O tratamento das perdas de substância de pele decorrentes de processos traumáticos, infecciosos e vasculares (ulcerações), é um desafio aos cirurgiões que se deparam com estas situações e que necessitam frequentemente do auxílio de técnicas especializadas de cirurgia plástica e microcirurgia.

As condições vasculares do membro inferior, tanto arteriais quanto venosas, devem ser avaliadas com cuidado, tanto no pré quanto no pós-operatório. As doenças que alteram a microcirculação ou as lesões vasculares são frequentes e podem inviabilizar retalhos aparentemente bem planejados. Por outro lado, a imobilização pós-operatória, fundamental na maioria dos casos, é fator predisponente de complicações tromboembólicas.

O uso de enxertos de pele nestas lesões, de forma isolada, é dificultado pelo leito vascular escasso e pela pobre granulação das feridas, muitas vezes associadas à exposição prolongada de estruturas profundas como osso, tendão e vasos sanguíneos, podendo ainda ser agravado por infecções, como a osteomielite. Quando se optava pela realização destes enxertos, havia a necessidade de se esperar o desenvolvimento do tecido de granulação para cobertura da superfície óssea exposta, servindo de leito receptor. Sabemos que a exposição óssea prolongada leva à necrose do osso e, consequentemente, favorece a instalação dos processos infecciosos, que acarretam a necrose tecidual11. Paccola CAJ. Fraturas expostas. RevBras Ortop. 2001;36(8):283-291.. No nosso estudo o intervalo de tempo, entre a lesão inicial e a transposição muscular variou de um a 46 meses. Observamos que a partir de 1980, o intervalo de tempo foi menor, pois passamos a indicar mais precocemente a transposição muscular, diferente do que acontecia antes, quando os pacientes eram submetidos a diversos tratamentos (enxerto cutâneo, curetagem óssea, retalhos tipo perna cruzada) e evoluíam de forma insatisfatória.

Os retalhos fasciocutâneos ou fasciais de pedículo distal podem ser uma boa alternativa para as regiões distais, embora dependente de uma boa circulação local22. Franco T, Couto P, Gonçalves LFF, Franco D, Silva CC. Tratamento das exposições ósseas e tendinosas no terço distal da perna e no pé utilizando retalho fasciossubcutâneo reverso de panturrilha. Ver Bras Ortop. 1996;31(3):247-52.

3. Vendramin FS, Silva, Claudio-da-Silva CS. Retalho sural estendido de pedículo distal. Rer Col Bras Cir. 2004;31(4):248-52.
- 44. Vendramin FS. Retalho sural de fluxo reverso: 10 anos de experiência clínica e modificações. Ver Bras Cir Plást. 2012;27(2):309-15.. O retalho livre microcirúrgico tornou-se uma indicação frequente. Porém, as técnicas microcirúrgicas exigem treinamento especializado e não há, na maioria dos hospitais, especialista disponível para executá-las. Além disto, costumam necessitar de operações complementares para o seu refinamento55. Zumiotti AV, Teng HW, Ferreira MC. Treatment of post-traumatic tibial osteomyelitis using microsurgical flaps. J Reconstr Microsurg. 2003;19(3):163-71.

6. Rezende MR, Rabelo NTA, Benabou JE, Wei TH, Mattar Junior R, Zumiotti AV, et al. Cobertura do terço distal da perna com retalhos de perfurantes pediculados. Acta Ortop Bras. 2008;16(4):223-9.
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Os músculos gastrocnêmios e sóleo, por apresentarem vascularização predominante na sua região proximal, permitem sua rotação em torno do eixo de seu pedículo (bom arco de rotação), sem comprometimento da vitalidade do músculo transposto. Oferecendo, desta maneira, uma boa opção para a cobertura óssea e de partes moles dos terços proximal e médio da perna, são as mais utilizadas e, habitualmente, de forma individualizada88. Bacelar TH. Utilização do músculo sóleo para perdas musculocutâneas de terço médio da perna. Rev Bras Cir Plást. 2011;26(2):211-20.

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- 1616. Souza Filho MVP, Teixeira JCEO, Castro OC. Retalho hemissolear reverso na reconstrução de defeito do terço distal da perna. RevBrasCirPlást. 2011;26(4):710-3.. Em algumas situações, podemos empregar o uso do sóleo associada a um dos ventres do gastrocnêmio1717. Sundell B, Asko-Seljavaara S. Transposition of muscle flaps for covering exposed bone in the leg. Ann ChirGynaecol. 1979;68(1):1-5.. Não é o mais frequente, mas, mantendo-se pelo menos um dos ventres do gastrocnêmio funcionante, podemos preservar parte da função do segmento.Utilizamos a porção medial do gastrocnêmio para as lesões do terço proximal da tíbia e o músculo sóleo para as lesões dos terços médio e distal.

Os retalhos musculares têm seu uso limitado na extremidade distal da perna e do pé e são pouco seguros quando comparados aos usados para os terços proximal e médio da perna. Em quatro pacientes que apresentavam lesões na parte superior do terço distal, empregamos o retalho solear com boa resolução. Apesar de não apresentar vascularização tão segura quanto o retalho de músculo sóleo com pedículo proximal, o retalho deste músculo com pedículo reverso pode solucionar várias situações1616. Souza Filho MVP, Teixeira JCEO, Castro OC. Retalho hemissolear reverso na reconstrução de defeito do terço distal da perna. RevBrasCirPlást. 2011;26(4):710-3.. Em lesões mais baixas pode ser utilizado o retalho fáscio-subcutâneo de panturrilha, desde que sua vascularização retrógrada esteja preservada33. Vendramin FS, Silva, Claudio-da-Silva CS. Retalho sural estendido de pedículo distal. Rer Col Bras Cir. 2004;31(4):248-52.. O uso de retalho de perna cruzada também pode ser empregado, entretanto devido aos transtornos causadosao paciente pela imobilização prolongada e pelas posições desconfortáveis de repouso preferimos não indicá-lo.

Sabemos que a transposição muscular melhora o aporte sanguíneo da região receptora, contribuindo de forma importante no tratamento da infecção e favorecendo o processo de cicatrização dos tecidos, inclusive a consolidação óssea. Este método permite o tratamento primário do defeito cutâneo e, em alguns casos, também o da lesão óssea. Sendo assim, está indicada no auxílio do tratamento das úlceras varicosas, fraturas, osteomielites e pseudoartroses com exposição óssea ou com cicatriz aderente ao plano ósseo11. Paccola CAJ. Fraturas expostas. RevBras Ortop. 2001;36(8):283-291. , 1818. Nejedly A, Dzupa V, Záhorka J, Tvrdek M. [Muscle flap transfer of the treatment of infected tibial and malleolar fractures and chronic osteomyelitis of the tibia]. ActaChirOrthopTraumatolCech. 2007;74(3):162-70. Czech.

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O conhecimento da anatomia da região e da técnica cirúrgica tornam a transposição destes músculos um procedimento acessível ao cirurgião que, com a prática, passa a realizá-laem menor tempo que outras técnicas, como as de retalhos microcirúrgicos.

O déficit funcional, quanto à transposição muscular da porção medial do gastrocnêmio e do sóleo, de forma independente, não foi por nós observado em 25 dos 26 pacientes que retornaram para a revisão 12 meses após a transposição muscular. A ausência de muitos pacientes para esta revisão pode, provavelmente, ser explicada pelas baixas condições socioeconômicas e procedência longínqua dos pacientes. A transposição concomitante de ambos os músculos, foi feita somente em um paciente que apresentava extensa exposição óssea quenão poderia ser protegida somente com a transposição de um dos músculos. O ventre lateral do gastrocnêmio foi preservado. A capacidade de marcha foi mantida, mas houve perda parcial da força do membro.

Respeitada a anatomia circulatória da musculatura transposta, o paciente poderá ser submetido, se necessário, a uma nova intervenção cirúrgica logo após a cicatrização da ferida operatória, como nos casos que necessitem de tratamento das lesões ósseas (perdas ósseas, pseudoartroses, osteomielites). Quanto à sequela estética, julgamos ser perfeitamente aceitável, em relação a outros procedimentos reconstrutores dentro das cirurgias reparadoras.

Consideramos que a rotação de retalhos musculares locais seja um procedimento acessível ao cirurgião assistente, com técnica simplificada. Possibilita a cobertura das estruturas expostas, favorecendo à circulação local e à melhora da lesão inicial. Frequentemente, são obtidos resultados estético e funcional adequados.

Concluindo, o tratamento da exposição óssea com retalhos musculares locais (gastrocnêmio e ou sóleo) possibilitou a obtenção de resultados satisfatórios na cobertura das estruturas expostas, favorecendo a vascularização local e a melhora da lesão inicial. Apresenta como vantagens a realização do tratamento em um só tempo cirúrgico, uma recuperação mais rápida e diminuição do tempo de internação.

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  • Fonte de financiamento: nenhuma.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2014

Histórico

  • Recebido
    02 Jan 2014
  • Aceito
    03 Mar 2014
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