RESUMO
Relatamos um caso de aneurisma da artéria hepática direita conduzido de forma multidisciplinar pelos Serviços de Cirurgia Geral, Endoscopia e Radiologia. Em se tratando de caso de incidência baixíssima, é importante mostrar o enfoque diagnóstico e terapêutico usado em seu manejo.
Descritores:
Aneurisma; Vísceras; Artéria Hepática; Hemobilia
ABSTRACT
We report a case of an aneurysm of the right hepatic artery and its multidisciplinary management by general surgery, endoscopy and radiology services. Being a case of extremely low incidence, it is important to show its diagnostic and therapeutic approach.
Keywords:
Aneurysm; Viscera; Hepatic Artery; Hemobilia
INTRODUÇÃO
O primeiro caso relatado de aneurisma de artéria hepática (AAH) atribui-se ao anatomista James Wilson, no ano de 1809, e o primeiro reparo com sucesso foi atribuído ao cirurgião alemão Dr. Hans Kehr, no ano de 190311. Merrell SW, Schneider PD. Hemobilia, evolution of current diagnosis and treatment. West J Med. 1991;155(6):621-5..
Trata-se de uma doença potencialmente fatal quando apresenta ruptura. A taxa de ruptura é controversa e varia entre 20 e 80%, claramente determinada pela incapacidade de detectar aneurismas assintomáticos. Os aneurismas da artéria hepática (AAH) e seus ramos são lesões vasculares incomuns, correspondendo a aproximadamente 21 a 44 % de todos os aneurismas viscerais11. Merrell SW, Schneider PD. Hemobilia, evolution of current diagnosis and treatment. West J Med. 1991;155(6):621-5..
RELATO DO CASO
Paciente de sexo feminino, 89 anos, internada com quadro de dor abdominal de longa data e piora nos dias prévios à internação, associado à anemia grave e a um episódio de hematêmese estudado com endoscopia digestiva alta (EDA) que não evidenciou sangramento ativo nem sinal de sangramento recente. A tomografia computadorizada de abdome (TC) mostrou dilatação das vias biliares, aerobilia, assim como vesícula biliar com paredes espessadas. Foi sugerido diagnóstico de colecistite aguda complicada. Procedeu-se à internação e iniciado tratamento clinico.
Três dias após a internação, a paciente persistiu com o quadro anêmico e necessidade de transfusão sanguínea. Foi realizada nova EDA que evidenciou hemobilia e nova TC abdominal, sem contraste, que mostrou dilatação das vias biliares intra e extra-hepáticas, principalmente no lobo direito, com conteúdo heterogêneo. Mostrava ainda colédoco intrapancreático de 14mm de diâmetro, vesícula de paredes espessadas e conteúdo heterogêneo com focos de gás de permeio. Havia líquido livre na cavidade peritoneal de densidade heterogênea nas goteiras parietocólicas, sugerindo hemoperitoneo e questionável ectasia vascular intra-hepática do lobo direito. Completou-se o estudo da TC com contraste venoso, que mostrou hemoperitônio e formação hiperdensa em relação ao parênquima nos segmentos VII e VIII medindo aproximadamente 2,32x5,44 cm, com aspecto sugestivo de malformação da artéria hepática direita (Figuras 1 e 2). Comparada com a TC anterior, apresentou aumento do hematoma intraparenquimatoso hepático com ruptura da cápsula hepática e extravasamento para a cavidade peritoneal (Figura 3).
Tomografia computadorizada de abdome com contraste venoso mostrando malformação arterial hepática direita (círculo menor) e hematoma intraparenquimatoso (círculo maior).
Persistiu a queda do hematócrito, pelo qual foi novamente transfundida nesse mesmo dia. Levando em conta a impossibilidade de se efetuar uma angiografia hepática e a instabilidade da paciente, decidiu-se pela realização de laparotomia exploradora. O inventário da cavidade revelou volumoso hemoperitôneo, hepatomegalia, vesícula biliar com paredes espessadas, contendo múltiplos cálculos, colédoco com dilatação importante e hematoma intra-hepático roto com sangramento ativo.
Foi realizada aspiração do hemoperitoneo, compressão do hematoma, dissecção do hilo hepático com identificação da bifurcação da artéria hepática comum e ligadura da artéria hepática direita. Procedeu-se ainda à colecistectomia com exploração da via biliar de onde foi retirado um cálculo grande e um volumoso coágulo.
DISCUSSÃO
Os AAH são clinicamente importantes devido à sua alta taxa de mortalidade (25 a 70 %), quando ocorre a ruptura. A incidência mais comum é entre a quinta e sexta décadas de vida e a localização mais comum é a extra-hepática. Nos aneurismas hepáticos, entre 70 e 80 % dos casos comprometem a artéria hepática comum. Várias etiologias foram descritas, incluindo aterosclerose, trauma abdominal, procedimentos cirúrgicos, doenças degenerativas, infecções, doença vascular do colágeno e anomalias congênitas.
Para o diagnóstico se dispõe de múltiplos exames complementares, tais como ecografia abdominal, TC, angio-TC, ressonância magnética, endoscopia e a angiografia. Esta última, não só como ferramenta diagnóstica, mas também como modalidade terapêutica de eleição nos aneurismas esplâncnicos, através de embolização. Pode ainda delinear circulação colateral, determinar o tamanho e a forma do aneurisma, demonstrar fístulas artério-portais e fornecer informação anatômica exata necessária para embolização ou cirurgia.
Em linhas gerais, a localização do aneurisma elege sua indicação terapêutica: AAH intra-hepáticos - preferentemente devem ser tratados por embolização seletiva ou ressecção parcial do fígado; AAH extra-hepáticos - pode ser usada a obliteração percutânea nos pacientes com alto risco operatório, mas o tratamento ideal é a ressecção e reconstrução arterial. Quando o AAH está localizado na artéria hepática comum, pode ser usada a embolização ou a ligadura do aneurisma sem reconstrução arterial, mas quando na artéria hepática própria, necessita reconstrução vascular para evitar a isquemia hepática secundária à interrupção da circulação colateral que chega pelas artérias gastroduodenal e gástrica direita11. Merrell SW, Schneider PD. Hemobilia, evolution of current diagnosis and treatment. West J Med. 1991;155(6):621-5.
2. Jaunoo SS, Tang TY, Uzoigwe C, Walsh SR, Gaunt ME. Hepatic artery aneurysm repair: a case report. J Med Case Reports. 2009;3:18.
3. Morisse D, Musante C, Heredia P. Aneurisma de arteria hepática. Rev Argent Cardiol. 2011;79(3):255.
4. Parolim MB, Lopes RW. Doenças vasculares do fígado. In: Kalil AN, Coelho JUC, Strauss E. Fígado e vias biliares: clínica e cirurgia. Rio de Janeiro: Revinter, 2001.-55. Garcia RG, Kamya CA, Ishikawa WY, Menezes MR, Cerri GG. Aneurismas arteriais esplâncnicos - experiência do Serviço de Radiologia de Emergência - Departamento de Radiologia da Faculdade de Medicina da USP. Disponível em: http://www.hcnet.usp.br/inrad/departamento/radiops.htm
http://www.hcnet.usp.br/inrad/departamen...
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REFERENCES
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1Merrell SW, Schneider PD. Hemobilia, evolution of current diagnosis and treatment. West J Med. 1991;155(6):621-5.
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2Jaunoo SS, Tang TY, Uzoigwe C, Walsh SR, Gaunt ME. Hepatic artery aneurysm repair: a case report. J Med Case Reports. 2009;3:18.
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3Morisse D, Musante C, Heredia P. Aneurisma de arteria hepática. Rev Argent Cardiol. 2011;79(3):255.
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4Parolim MB, Lopes RW. Doenças vasculares do fígado. In: Kalil AN, Coelho JUC, Strauss E. Fígado e vias biliares: clínica e cirurgia. Rio de Janeiro: Revinter, 2001.
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5Garcia RG, Kamya CA, Ishikawa WY, Menezes MR, Cerri GG. Aneurismas arteriais esplâncnicos - experiência do Serviço de Radiologia de Emergência - Departamento de Radiologia da Faculdade de Medicina da USP. Disponível em: http://www.hcnet.usp.br/inrad/departamento/radiops.htm
» http://www.hcnet.usp.br/inrad/departamento/radiops.htm
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Fonte de financiamento: nenhuma.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Sep-Oct 2016
Histórico
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Recebido
11 Fev 2016 -
Aceito
01 Maio 2016