Acessibilidade / Reportar erro

Reconstrução de face e couro cabeludo após mordeduras caninas em crianças

RESUMO

Objetivo:

avaliar a conduta de reconstrução imediata de face e couro cabeludo após mordedura canina em crianças.

Métodos:

série prospectiva de casos atendidos na Unidade de Emergência do Hospital Regional da Asa Norte, Brasília/DF, no período de janeiro de 1999 até dezembro de 2014. No momento da admissão do paciente à emergência, foi realizado o fechamento primário da ferida proveniente de mordedura em face e couro cabeludo, independente da hora ou dia da agressão. O tratamento primário das mordeduras foi realizado por meio de sutura direta, retalhos ou enxerto, conforme o tipo da ferida e da decisão do cirurgião.

Resultados:

o estudo compreendeu 146 crianças, sendo que a região zigomática e o couro cabeludo foram os principais sítios das mordeduras na cabeça. Todos os pacientes receberam tratamento cirúrgico dentro das primeiras 24 horas após a admissão. Não houve complicações infecciosas nos casos estudados.

Conclusão:

os achados sugerem que o fechamento imediato das mordeduras caninas em face e couro cabeludo em crianças é seguro, mesmo quando realizado várias horas após a lesão.

Descritores:
Face; Couro Cabeludo; Mordeduras e Picadas; Cães; Criança; Procedimentos Cirúrgicos Reconstrutivos.

ABSTRACT

Objective:

to evaluate the immediate reconstruction of face and scalp after canine bites in children.

Methods:

we conducted a prospective series of cases treated at the Emergency Unit of the Asa Norte Regional Hospital, Brasília - DF, from January 1999 to December 2014. At the time of patient admission to the emergency, the primary wound closure of the face and scalp bite was performed, regardless of the time or day of the event. The primary treatment of the bites was by means of direct suture, flaps rotation or grafting, depending on the type of wound and surgeon's decision.

Results:

the study comprised 146 children, with the zygomatic region and scalp being the main sites of head bites. All patients received surgical treatment within the first 24 hours after admission. There were no infectious complications in the cases studied.

Conclusion:

the findings suggest that the immediate closure of canine bites on the face and scalp in children is safe, even when carried out several hours after injury.

Keywords:
Face; Scalp; Bites and Stings; Dogs; Child; Reconstructive Surgical Procedures.

INTRODUÇÃO

As mordeduras representam lesões comuns, geralmente vistas nas emergências dos hospitais, e correspondem de 0,3% a 1,1% dos atendimentos11. Weiss HB, Friedman DI, Coben JH. Incidence of dog bite injuries treated in emergency departments. JAMA. 1998;279(1):51-3.. Representam um problema de saúde pública, pois, além da ameaça à integridade física das pessoas, as mordeduras caninas podem transmitir raiva e propiciar o surgimento de infecções graves. Esse fato tem mobilizado a opinião pública, os políticos e profissionais da área de saúde para que sejam feitas mudanças na legislação brasileira e campanhas de prevenção e tratamento dessas lesões11. Weiss HB, Friedman DI, Coben JH. Incidence of dog bite injuries treated in emergency departments. JAMA. 1998;279(1):51-3.,22. Macedo JLS, Camargo LM, Almeida PF. Estudo prospectivo do fechamento primário das mordeduras caninas e humanas na face e no couro cabeludo. Rev Soc Bras Cir Plást. 2006;21(1):23-9..

Estima-se que 36,5% dos lares americanos possuam pelo menos um cão e 30,4% possuam ao menos um gato33. Ward MA. Bite wound infections. Clin Pediatr Emerg Med. 2013;14(2):88-94.. Além disso, são estimados que ocorram 4,5 milhões de vítimas de mordeduras anualmente nos Estados Unidos33. Ward MA. Bite wound infections. Clin Pediatr Emerg Med. 2013;14(2):88-94.. Destas, 6000 a 13.000 pacientes/ano necessitam de tratamento especializado e internação devido a mordeduras caninas, com média anual de 19 mortes, com variação de 11 a 33 mortes por ano, no período de 1979 a 200544. Langley RL. Human fatalities resulting from dog attacks in the United States, 1979-2005. Wilderness Environ Med. 2009;20(1):19-25..

As crianças são as principais vítimas em morbidade e letalidade dos ataques caninos55. Sacks JJ, Lockwood R, Hornreich J, Sattin RW. Fatal dog attacks, 1989-1994. Pediatrics. 1996; 9(6 Pt 1):891-5.. Acredita-se que metade das crianças, em alguma fase de suas vidas, foi mordida por cães, e um dos principais sítios de lesão nesta faixa etária é a cabeça, o que aumenta a morbidade11. Weiss HB, Friedman DI, Coben JH. Incidence of dog bite injuries treated in emergency departments. JAMA. 1998;279(1):51-3.. A conduta usualmente recomendada é que as feridas causadas por mordeduras não devem ser fechadas e a reconstrução retardada até depois de passado o período de maior risco de infecção. Entretanto, nos últimos anos, vários autores têm preconizado o tratamento cirúrgico primário de mordeduras caninas que ocorrem na face e no couro cabeludo66. Mcheik JN, Vergnes P, Bondonny JM. Treatment of facial dog injuries in children: a retrospective study. J Pediatr Surg. 2000;35(4):580-3.,77. Fleisher GR. The management of bite wounds. N Engl J Med. 1999; 340(2):138-40..

O objetivo deste estudo foi avaliar a conduta de reconstrução imediata de face e couro cabeludo após mordedura canina em crianças.

MÉTODOS

O estudo foi uma série prospectiva de casos e compreendeu 146 pacientes que foram atendidos inicialmente na Unidade de Emergência do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Regional da Asa Norte (Brasília-DF), no período de janeiro de 1999 a dezembro de 2014. Os pacientes foram admitidos no estudo de forma consecutiva. Os critérios de exclusão foram: pacientes que já apresentavam sinais de infecção no local das mordeduras à admissão; pacientes com acompanhamento ambulatorial inferior a 30 dias e pacientes com idade igual ou superior a 13 anos.

Os dados foram coletados por meio de questionário com o paciente ou responsável legal. As variáveis analisadas foram: idade, sexo, procedência, intervalo de tempo da agressão ao atendimento hospitalar, agente agressor, local dos ferimentos, características das lesões e tratamento. O seguimento pós-operatório foi feito por meio de consultas semanais por pelo menos 30 dias. As suturas foram retiradas entre o sétimo e o décimo dia de pós-operatório.

A conduta nos casos de mordedura em face e couro cabeludo foi irrigação copiosa da ferida e limpeza com solução degermante de polivinilpirrolidona a 1% (PVPI) ou de clorexidine a 2% e soro fisiológico. O fechamento primário no dia do atendimento foi feito por meio de sutura direta, retalho local ou enxerto. Não havia limite de horas ou dias entre o momento da agressão e o procedimento cirúrgico, ou seja, no momento em que o paciente chegava à emergência do hospital era realizado o procedimento, independente da hora ou dia da agressão. Os tecidos desvitalizados foram desbridados e não havia sinal de infecção da ferida no momento do fechamento. Em casos de lesão próxima ao duto parotídeo principal ou ao canal lacrimal, foi avaliada a integridade dessas estruturas e realizada a reparação, quando necessário.

A profilaxia do tétano e da raiva foi realizada conforme o caso. A utilização de antimicrobianos foi feita em todos os pacientes do estudo, durante sete dias. O antibiótico de escolha foi uma cefalosporina de primeira geração (cefalexina).

O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria de Estado em Saúde do Distrito Federal sob o número CAAE: 52737216.2.0000.5553.

RESULTADOS

O estudo compreendeu 146 crianças, com média de idade de sete anos (variação de 1 a 12 anos). A maioria dos pacientes era do sexo masculino (60,3%) e 105 (70,9%) eram procedentes do Distrito Federal. As crianças com nove anos de idade ou menos foram as principais vítimas, representando 79,4% da amostra. Em relação ao tempo de atendimento, 91 (62,3%) pacientes foram atendidos nas primeiras seis horas após o acidente (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição das crianças vítimas de mordeduras caninas, em face e couro cabeludo, atendidas no HRAN, Brasília/DF, quanto ao tempo para atendimento após o trauma, ao local da lesão e ao tipo de tratamento.

A região zigomática foi o principal sítio das mordeduras na face em crianças, seguido pelo couro cabeludo (Figuras 1 e 2). Nenhuma ferida apresentou sinais de infecção na admissão. Todos os pacientes receberam tratamento cirúrgico dentro das primeiras 24 horas após a admissão hospitalar.

Figura 1
A e B) Criança com lesão extensa de couro cabeludo por mordedura canina, sem perda de substância, submetida ao fechamento imediato da lesão; C) Evolução com dois meses de pós-operatório.

Figura 2
A) Criança de cinco anos de idade, com fratura de osso temporal por mordedura canina, submetida ao tratamento neurocirúrgico e fechamento imediato das lesões em face; B) Evolução com dois meses de pós-operatório; C) Evolução com um ano de pós-operatório.

Quanto à gravidade das lesões, 44 (30,1%) pacientes apresentavam perda de substância. Houve dois casos de fratura de ossos da face e do crânio. Um dos pacientes apresentou lesões extensas de couro cabeludo, associadas à fraturas de osso occipital, temporal e zigomático, tendo sido submetido ao tratamento neurocirúrgico e das partes moles (Figura 2).

O tipo de tratamento mais comum foi a sutura direta em 102 (69,8%) casos, seguida por enxerto de pele (26,1%) ou retalho local (4,1%). O tipo de anestesia mais utilizado foi a anestesia geral devido ao fato de serem crianças com lesões extensas. Nenhum caso de raiva humana ou animal ocorreu; assim como não houve mortes ou casos de infecção no estudo (Figura 3 e 4).

Figura 3
A) Criança com quatro anos de idade, vítima de mordedura canina na face e couro cabeludo, submetida à sutura imediata da lesão; B) Evolução com sete dias de pós-operatório.

Figura 4
Criança de seis anos de idade, com avulsão parcial do couro cabeludo por mordedura canina, submetida à enxertia imediata do segmento avulsionado. Após seis meses de enxertia, foi submetida à ressecção da área enxertada com alopecia (A, B e C) e fechamento direto do couro cabeludo (D).

DISCUSSÃO

Os ataques caninos a crianças são uma importante causa de morbidade e, em menor proporção, de letalidade, representando 80 a 90% de todas as mordeduras atendidas nas unidades de emergência1. Estima-se que a taxa de atendimento de mordeduras caninas nas emergências americanas seja de 1,3 por 1000 habitantes, levando a 44.000 lesões faciais por mordeduras caninas anualmente88. Chang YF, McMahon JE, Hennnon DL, LaPorte RE, Coben JH. Dog bite incidence in the city of Pittsburgh: a capture-recapture approach. Am J Public Health. 1997;87(10):1703-5.. Entretanto, essa taxa está abaixo da realidade, pois apenas 36% das mordeduras caninas são atendidas nos hospitais ou informadas às autoridades88. Chang YF, McMahon JE, Hennnon DL, LaPorte RE, Coben JH. Dog bite incidence in the city of Pittsburgh: a capture-recapture approach. Am J Public Health. 1997;87(10):1703-5.,99. Rosado B, García-Belenguer S, Léon M, Palacio J. A comprehensive study of dog bites in Spain, 1995-2004. Vet J. 2009;179(3):383-91. Eub 2008 Apr 10..

As crianças são as mais prejudicadas, pois 26% das mordeduras na infância necessitam de cuidados médicos, comparado com 12% em adultos. As crianças são as principais vítimas fatais dos ataques caninos, pois 80% das mordeduras caninas em crianças ocorrem na cabeça e pescoço, enquanto essa região é afetada nos adultos em menos de 10% dos casos55. Sacks JJ, Lockwood R, Hornreich J, Sattin RW. Fatal dog attacks, 1989-1994. Pediatrics. 1996; 9(6 Pt 1):891-5.. A alta prevalência de mordedura na cabeça em crianças é atribuída à baixa estatura e à exposição aumentada da face, associada à espontaneidade de levar a face próxima aos cães99. Rosado B, García-Belenguer S, Léon M, Palacio J. A comprehensive study of dog bites in Spain, 1995-2004. Vet J. 2009;179(3):383-91. Eub 2008 Apr 10.

10. Mitchell RB, Nañez G, Wagner JD, Kelly J. Dog bites of the scalp, face, and neck in children. Laryngoscope. 2003;113(3):492-5.
-1111. Lee YG, Jeong SH, Kim WK. An analytical study of Mammalian bite wounds requiring inpatient management. Arch Plast Surg. 2013;40(6):705-10. Epub 2013 Nov 8.. Na maioria dos casos, os ataques envolvem cães conhecidos ou da família, normalmente longe da presença física de um adulto e não há uma raça de cão específica que esteja mais envolvida nos ataques22. Macedo JLS, Camargo LM, Almeida PF. Estudo prospectivo do fechamento primário das mordeduras caninas e humanas na face e no couro cabeludo. Rev Soc Bras Cir Plást. 2006;21(1):23-9.,44. Langley RL. Human fatalities resulting from dog attacks in the United States, 1979-2005. Wilderness Environ Med. 2009;20(1):19-25.,1212. Cruz GAO. Sutura primária no tratamento de mordedura canina: avalição de resultados. Rev Méd Paraná. 2003;61(1):8-11..

É essencial a realização de um exame clínico completo, associado a uma exploração detalhada da ferida sob anestesia geral conforme o caso. Principalmente em crianças, há possibilidade de lesões associadas como de vias aéreas, coluna cervical, vasos, nervos, globo ocular, aparelho lacrimal, fraturas cranianas e faciais, que devem ser lembradas e pesquisadas1313. Macedo JLS, Rosa SC. Reconstrução de couro cabeludo após mordedura canina. Rev Col Bras Cir. 2004;31(1):27-33.,1414. Varela JE, Dolich MO, Fernandez LA, Kane A, Henry R, Livingston J, et al. Combined carotid artery injury and laryngeal fracture secondary to dog bite: case report. Am Surg. 2000;66(11):1016-9.. No nosso estudo, havia uma criança com múltiplas fraturas cranianas e faciais que exigiu intervenção neurocirúrgica durante o reparo das lesões de face e couro cabeludo.

O local mais comum dos ataques caninos na cabeça em crianças foi a região zigomática. Outros estudos apontam o lábio ou a orelha como sítio mais frequente, mas são estudos que também envolvem adultos22. Macedo JLS, Camargo LM, Almeida PF. Estudo prospectivo do fechamento primário das mordeduras caninas e humanas na face e no couro cabeludo. Rev Soc Bras Cir Plást. 2006;21(1):23-9.,1515. Donkor P, Bankas DO. A study of primary closure of human bite injuries to the face. J Oral Maxillofac Surg. 1997;55(5):479-81; discussion 481-2..

O antibiótico de escolha após mordeduras em face e couro cabeludo é a amoxicilina com ácido clavulânico ou a cefalexina (cefalosporina de primeira geração). O uso da cultura para escolher o antibiótico só é feito em casos em que a infecção já está estabelecida, sendo os estreptococos e os estafilococos os germes mais frequentes77. Fleisher GR. The management of bite wounds. N Engl J Med. 1999; 340(2):138-40.. Nas agressões caninas, é obrigatória a profilaxia do tétano e da raiva1616. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Normas técnicas de profilaxia da raiva humana. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2011..

O tratamento primário das mordeduras foi realizado por meio de sutura direta, enxerto ou retalhos locais, conforme o tipo da ferida e a decisão do cirurgião, independente do tempo decorrido da agressão. É importante efetuar um desbridamento adequado da ferida e minimizar o uso de suturas profundas ou subdérmicas. Sempre que possível, as feridas suturadas são mantidas sem curativo fechado1313. Macedo JLS, Rosa SC. Reconstrução de couro cabeludo após mordedura canina. Rev Col Bras Cir. 2004;31(1):27-33.. A sutura direta foi o tratamento de escolha na maioria dos pacientes, mas em casos de avulsão de parte do couro cabeludo, procedeu-se ao enxerto do segmento avulsionado (Figura 4). Posteriormente, após a integração do enxerto, o cirurgião pode iniciar a expansão do couro cabeludo remanescente para a cobertura da área de alopécia do enxerto.

A sutura primária das lesões apresenta vantagens sobre o fechamento retardado. As lesões abertas exigem curativos diários, e altas doses de analgésicos são necessárias durante e após a troca de curativos. Essas desvantagens são evitadas pelo reparo cirúrgico imediato, além de resolução do dano estético1313. Macedo JLS, Rosa SC. Reconstrução de couro cabeludo após mordedura canina. Rev Col Bras Cir. 2004;31(1):27-33.,1717. Low DW. Modified chondrocutaneous advancement flap for ear reconstruction. Plast Reconstr Surg. 1998;102(1):174-7.

18. Franciosi LFN, Weber ES, Righesso R, Pizzoni VRS, Molon MP, Piccoli MC. Reparação do escalpo por retalhos livres microcirúrgicos. Rev Bras Cir Plást. 2010;25(4):624-9.
-1919. Talan DA, Citron DM, Abrahamian FM. Bacteriologic analysis of infected dog and cat bites. Emergency Medicine Animal Bite Infection Study Group. N Engl J Med . 1999;340(2):85-92..

As recomendações pós-mordeduras com ou sem realização de tratamento cirúrgico, devem incluir a descrição para os pacientes e seus responsáveis dos sinais e sintomas de infecção com indicação de reavaliação imediata em caso de surgimento desses sinais. Com exceção de casos triviais, todas as vítimas de mordeduras devem ser reavaliadas dentro de 48 horas do evento33. Ward MA. Bite wound infections. Clin Pediatr Emerg Med. 2013;14(2):88-94..

A infecção da ferida é a complicação mais comum após mordeduras. A probabilidade de infecção é influenciada por diversos fatores, como: o animal agressor, a localização da ferida, os fatores inerentes ao indivíduo, as características das lesões e o tempo para atendimento médico22. Macedo JLS, Camargo LM, Almeida PF. Estudo prospectivo do fechamento primário das mordeduras caninas e humanas na face e no couro cabeludo. Rev Soc Bras Cir Plást. 2006;21(1):23-9..

Os agentes etiológicos mais frequentemente isolados de ferimentos infectados por mordeduras são aqueles da flora oral do animal agressor ou da pele da vítima. Nas mordeduras caninas, os micro-organismos aeróbios mais isolados são estafilococos, Pasteurella spp. (principalmente P. canis Pasteurella multocida), estreptococos, Neisseria spp. e Corynebacterium spp. Entre os anaeróbios, destacam-se Fusobacterium, Porphyromonas, Prevotella, Propionibacterium, Bacteroides e Peptostreptococus77. Fleisher GR. The management of bite wounds. N Engl J Med. 1999; 340(2):138-40.,1919. Talan DA, Citron DM, Abrahamian FM. Bacteriologic analysis of infected dog and cat bites. Emergency Medicine Animal Bite Infection Study Group. N Engl J Med . 1999;340(2):85-92..

As mordeduras puntiformes, mordeduras nas mãos, mordeduras humanas, lesões com mais de oito horas e ferimentos em pacientes imunocomprometidos (portadores de diabetes mellitus ou lupus eritematoso sistêmico, renais crônicos, esplenectomizados, uso prolongado de corticosteroides) apresentam maior risco de infecção. Considerando-se que os casos do estudo envolviam apenas mordedura canina e pacientes imunocompetentes, esses fatores podem ter contribuído para a inexistência de infecção na população analisada. Além disso, as mordeduras em face e couro cabeludo têm menor chance de infecção do que em outros locais do corpo devido à rica vascularização e drenagem postural desse segmento do corpo2020. Stefanopoulos PK, Tarantzopoulou AD. Facial bite wounds: management update. Int J Oral Maxilofac Surg. 2005;34(5):464-72..

Em feridas infectadas menores, a amoxacilina com clavulanato por via oral garante excelente cobertura para mordeduras infectadas por cães, gatos ou humanos. Nos casos de alergia à penicilina, pode-se usar a clindamicina. Nas infecções mais importantes, o tratamento deve ser intravenoso com o uso de ampicilina com sulbactan. Em casos de infecção por S. aureus resistentes à meticilina ou à oxacilina (MARSA ou ORSA), a associação com vancomicina é recomendada33. Ward MA. Bite wound infections. Clin Pediatr Emerg Med. 2013;14(2):88-94..

Existem relatos de infecções disseminadas, choque séptico, meningite e endocardite após mordeduras por cães e gatos. Os agentes etiológicos mais envolvidos nestes tipos de complicações infecciosas são Capnocytophaga canimorsus e Pasterurella multocida2121. Oehler RL, Velez AP, Mizrachi M, Lamarche J, Gompf S. Bite-related and septic syndromes caused by cats and dogs. Lancet Infect Dis. 2009;9(7):439-47. Erratum in: Lancet Infect Dis . 2009;9(9):536..

Atenção especial deve ser dada à sepse por Capnocytophaga canimorsus em casos de doença febril após mordeduras caninas, principalmente em pacientes com esplenectomia prévia ou alcoolismo crônico. Os casos de infeções sistêmicas graves são mais comuns após mordeduras nas mãos ou dedos, e raramente após mordeduras na cabeça2121. Oehler RL, Velez AP, Mizrachi M, Lamarche J, Gompf S. Bite-related and septic syndromes caused by cats and dogs. Lancet Infect Dis. 2009;9(7):439-47. Erratum in: Lancet Infect Dis . 2009;9(9):536.

22. Ong YS, Levin LS. Hand infections. Plast Reconstr Surg . 2009;124(4):225e-233e.
-2323. Pers C, Gahrn-Hansen B, Frederiksen W. Capnocytophaga canimorsus septicemia in Denmark, 1982-1995: review of 39 cases. Clin Infect Dis. 1996, 23(1):71-5..

Nosso trabalho demonstra que as lesões de face e couro cabeludo produzidas por mordeduras caninas podem ser reparadas primariamente. Com essa conduta, alcança-se um melhor resultado estético com mínimo ou nenhum risco de infecção, diminuindo os procedimentos cirúrgicos posteriores e melhorando a morbidade. O fechamento primário dessas lesões pode ser feito através de sutura direta, retalho local ou enxerto, conforme o tipo da ferida e a decisão do cirurgião.

REFERENCES

  • 1
    Weiss HB, Friedman DI, Coben JH. Incidence of dog bite injuries treated in emergency departments. JAMA. 1998;279(1):51-3.
  • 2
    Macedo JLS, Camargo LM, Almeida PF. Estudo prospectivo do fechamento primário das mordeduras caninas e humanas na face e no couro cabeludo. Rev Soc Bras Cir Plást. 2006;21(1):23-9.
  • 3
    Ward MA. Bite wound infections. Clin Pediatr Emerg Med. 2013;14(2):88-94.
  • 4
    Langley RL. Human fatalities resulting from dog attacks in the United States, 1979-2005. Wilderness Environ Med. 2009;20(1):19-25.
  • 5
    Sacks JJ, Lockwood R, Hornreich J, Sattin RW. Fatal dog attacks, 1989-1994. Pediatrics. 1996; 9(6 Pt 1):891-5.
  • 6
    Mcheik JN, Vergnes P, Bondonny JM. Treatment of facial dog injuries in children: a retrospective study. J Pediatr Surg. 2000;35(4):580-3.
  • 7
    Fleisher GR. The management of bite wounds. N Engl J Med. 1999; 340(2):138-40.
  • 8
    Chang YF, McMahon JE, Hennnon DL, LaPorte RE, Coben JH. Dog bite incidence in the city of Pittsburgh: a capture-recapture approach. Am J Public Health. 1997;87(10):1703-5.
  • 9
    Rosado B, García-Belenguer S, Léon M, Palacio J. A comprehensive study of dog bites in Spain, 1995-2004. Vet J. 2009;179(3):383-91. Eub 2008 Apr 10.
  • 10
    Mitchell RB, Nañez G, Wagner JD, Kelly J. Dog bites of the scalp, face, and neck in children. Laryngoscope. 2003;113(3):492-5.
  • 11
    Lee YG, Jeong SH, Kim WK. An analytical study of Mammalian bite wounds requiring inpatient management. Arch Plast Surg. 2013;40(6):705-10. Epub 2013 Nov 8.
  • 12
    Cruz GAO. Sutura primária no tratamento de mordedura canina: avalição de resultados. Rev Méd Paraná. 2003;61(1):8-11.
  • 13
    Macedo JLS, Rosa SC. Reconstrução de couro cabeludo após mordedura canina. Rev Col Bras Cir. 2004;31(1):27-33.
  • 14
    Varela JE, Dolich MO, Fernandez LA, Kane A, Henry R, Livingston J, et al. Combined carotid artery injury and laryngeal fracture secondary to dog bite: case report. Am Surg. 2000;66(11):1016-9.
  • 15
    Donkor P, Bankas DO. A study of primary closure of human bite injuries to the face. J Oral Maxillofac Surg. 1997;55(5):479-81; discussion 481-2.
  • 16
    Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Normas técnicas de profilaxia da raiva humana. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2011.
  • 17
    Low DW. Modified chondrocutaneous advancement flap for ear reconstruction. Plast Reconstr Surg. 1998;102(1):174-7.
  • 18
    Franciosi LFN, Weber ES, Righesso R, Pizzoni VRS, Molon MP, Piccoli MC. Reparação do escalpo por retalhos livres microcirúrgicos. Rev Bras Cir Plást. 2010;25(4):624-9.
  • 19
    Talan DA, Citron DM, Abrahamian FM. Bacteriologic analysis of infected dog and cat bites. Emergency Medicine Animal Bite Infection Study Group. N Engl J Med . 1999;340(2):85-92.
  • 20
    Stefanopoulos PK, Tarantzopoulou AD. Facial bite wounds: management update. Int J Oral Maxilofac Surg. 2005;34(5):464-72.
  • 21
    Oehler RL, Velez AP, Mizrachi M, Lamarche J, Gompf S. Bite-related and septic syndromes caused by cats and dogs. Lancet Infect Dis. 2009;9(7):439-47. Erratum in: Lancet Infect Dis . 2009;9(9):536.
  • 22
    Ong YS, Levin LS. Hand infections. Plast Reconstr Surg . 2009;124(4):225e-233e.
  • 23
    Pers C, Gahrn-Hansen B, Frederiksen W. Capnocytophaga canimorsus septicemia in Denmark, 1982-1995: review of 39 cases. Clin Infect Dis. 1996, 23(1):71-5.
  • Fonte de financiamento: nenhum.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    11 Ago 2016
  • Aceito
    01 Out 2016
Colégio Brasileiro de Cirurgiões Rua Visconde de Silva, 52 - 3º andar, 22271- 090 Rio de Janeiro - RJ, Tel.: +55 21 2138-0659, Fax: (55 21) 2286-2595 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revista@cbc.org.br