Acessibilidade / Reportar erro

Análise retrospectiva de 103 casos de lesão diafragmática operados em um centro de trauma

RESUMO

Objetivo:

analisar os fatores associados ao óbito em pacientes com lesão diafragmática atendidos em hospital de referência para o trauma.

Métodos:

estudo retrospectivo de pacientes com lesão do diafragma atendidos no Hospital Risoleta Tolentino Neves da Universidade Federal de Minas Gerais entre janeiro de 2010 e dezembro de 2014. Foi utilizado o Banco de Registros de Trauma Collector® (MD, USA). Utilizaram-se dados demográficos, localização da lesão diafragmática, lesões associadas de outros órgãos, número de lesões associadas, tipo de abordagem terapêutica, complicações e o escore de gravidade Injury Severity Score (ISS). A variável de interesse foi a ocorrência de óbito.

Resultados:

foram identificados 103 pacientes e a incidência de óbito foi de 16,5%. Lesões penetrantes ocorreram em 98% dos pacientes. Em análise univariada a mortalidade foi maior em pacientes cujo tratamento foi não operatório, sem rafia (p=0,023), e menor em pacientes submetidos à rafia diafragmática (p<0,001). O aumento do número de lesões associou-se ao aumento da incidência de óbitos (p=0,048). Em análise multivariada, ISS>24 (OR=4,0; p=0,029) e rafia do diafragma (OR=0,76; p<0,001) associaram-se à mortalidade.

Conclusão:

os achados indicam que a ruptura traumática do diafragma raramente se apresenta como lesão isolada, estando associada frequentemente à lesão de outros órgãos, especialmente fígado e vísceras ocas. Pode-se afirmar que a mortalidade foi mais elevada entre aqueles com ISS>24.

Descritores:
Diafragma; Ferimentos e Lesões; Morte

ABSTRACT

Objective:

to analyze the factors associated with death in patients with diaphragmatic injury treated at a trauma reference hospital.

Methods:

we conducted a retrospective study of patients with diaphragm injury attended at the Risoleta Tolentino Neves Hospital of the Federal University of Minas Gerais, between January 2010 and December 2014. We used The Collector® database of trauma records (MD, USA). We gathered data on demographics, location of the diaphragmatic lesion, site and number of associated lesions, type of therapeutic approach, complications and Injury Severity Score (ISS). The variable of interest was the occurrence of death.

Results:

we identified 103 patients and mortality was 16.5%. Penetrating lesions occurred in 98% of patients. Univariate analysis showed a mortality higher in patients whose treatment was non-operative, without closing of the defect (p=0.023), and lower in patients submitted to diaphragmatic suturing (p<0.001). The increase in the number of lesions was associated with an increase in mortality (p=0.048). In multivariate analysis, ISS>24 (OR=4.0, p=0.029) and diaphragmatic suturing (OR=0.76, p<0.001) were associated with mortality.

Conclusion:

The findings indicate that the traumatic rupture of the diaphragm rarely presents as an isolated lesion, being frequently associated with injuries of other organs, especially the liver and hollow viscera. Mortality was higher among those with ISS>24.

Keywords:
Diaphragm; Wounds and Injuries; Death

INTRODUÇÃO

A ruptura traumática do diafragma está presente em 1% a 7% das vítimas de traumatismo tóraco-abdominal contuso e em 10% a 15% dos pacientes com traumatismo penetrante. Contudo, a real incidência é desconhecida devido à presença de lesões não diagnosticadas11 Scharff JR, Naunheim KS. Traumatic diaphragmatic injuries. Thorac Surg Clin. 2007;17(1):81-5.

2 Kuo IM, Liao CH, Hsin MC, Kang SC, Wang SY, Ooyang CH, et al. Blunt diaphragmatic rupture--a rare but challenging entity in thoracoabdominal trauma. Am J Emerg Med. 2012;30(6):919-24.
-33 Okada M, Adachi H, Kamesaki M, Mikami M, Ookura Y, Yamakawa J, et al. Traumatic diaphragmatic injury: experience from a tertiary emergency medical center. Gen Thorac Cardiovasc Surg. 2012;60(10):649-54.. No traumatismo contuso, ocorre aumento súbito da pressão abdominal que pode levar à ruptura da porção muscular ou membranosa do diafragma, especialmente quando o traumatismo está associado a grande energia de impacto22 Kuo IM, Liao CH, Hsin MC, Kang SC, Wang SY, Ooyang CH, et al. Blunt diaphragmatic rupture--a rare but challenging entity in thoracoabdominal trauma. Am J Emerg Med. 2012;30(6):919-24.

3 Okada M, Adachi H, Kamesaki M, Mikami M, Ookura Y, Yamakawa J, et al. Traumatic diaphragmatic injury: experience from a tertiary emergency medical center. Gen Thorac Cardiovasc Surg. 2012;60(10):649-54.

4 Fair KA, Gordon NT, Barbosa RR, Rowell SE, Watters JM, Schreiber MA. Traumatic diaphragmatic injury in the American College of Surgeons National Trauma Data Bank: a new examination of a rare diagnosis. Am J Surg. 2015;209(5):864-69.
-55 van der Werken C, Lubbers EJ, Goris RJ. Rupture of the diaphragm by blunt trauma as a marker of injury severity. Injury 1983;15(3):149-52. A maior parte dessas lesões ocorre no aspecto póstero-lateral do lado esquerdo, devido à existência de uma área de fraqueza originada da membrana pleuro-peritoneal. O lado direito é mais resistente e é parcialmente protegido pelo fígado11 Scharff JR, Naunheim KS. Traumatic diaphragmatic injuries. Thorac Surg Clin. 2007;17(1):81-5.,44 Fair KA, Gordon NT, Barbosa RR, Rowell SE, Watters JM, Schreiber MA. Traumatic diaphragmatic injury in the American College of Surgeons National Trauma Data Bank: a new examination of a rare diagnosis. Am J Surg. 2015;209(5):864-69.,66 Panda A, Kumar A, Gamanagatti S, Patil A, Kumar S, Gupta A. Traumatic diaphragmatic injury: a review of CT signs and the difference between blunt and penetrating injury. Diagn Interv Radiol. 2014;20(2):121-8.. As lesões penetrantes podem ocorrer por arma branca ou por arma de fogo77 Zandomenighi RC, Mouro DL, Martins EAP. Ferimento por arma branca: perfil epidemiológico dos atendimentos em um pronto socorro. Rev Rene. 2011;12(4):669-77.. Os projéteis de alta velocidade determinam ondas de choque laterais, amplas, e cavidades temporárias, que, por vezes, são difíceis de serem percebidas externamente88 Medeiros GA. Ferimentos penetrantes de tórax. In: Sociedade Brasileira de Cirurgia Torácica. Tópicos de atualização em cirurgia torácica [Internet].Disponível em: http://itarget.com.br/newclients/sbct/wp-content/uploads/2015/03/ferimentos_penetrantes_torax.pdf
http://itarget.com.br/newclients/sbct/wp...
.

Todas as lesões penetrantes tóraco-abdominais possuem um risco aumentado para ruptura diafragmática11 Scharff JR, Naunheim KS. Traumatic diaphragmatic injuries. Thorac Surg Clin. 2007;17(1):81-5.,44 Fair KA, Gordon NT, Barbosa RR, Rowell SE, Watters JM, Schreiber MA. Traumatic diaphragmatic injury in the American College of Surgeons National Trauma Data Bank: a new examination of a rare diagnosis. Am J Surg. 2015;209(5):864-69.. Estas tendem a ser menores, sendo potencialmente mais perigosas pelo risco de passarem despercebidas e evoluírem com hérnia diafragmática e estrangulamento em uma fase mais tardia. Rupturas maiores possuem maior probabilidade de herniação de órgãos intra-abdominais para o tórax na fase aguda, sendo seu diagnóstico mais fácil tanto à esquerda quanto à direita pela possibilidade de se seguir a trajetória da lesão e pela observação de lesões contíguas66 Panda A, Kumar A, Gamanagatti S, Patil A, Kumar S, Gupta A. Traumatic diaphragmatic injury: a review of CT signs and the difference between blunt and penetrating injury. Diagn Interv Radiol. 2014;20(2):121-8.,99 Dirican A, Yilmaz M, Unal B, Piskin T, Ersan V, Yilmaz S. Acute traumatic diaphragmatic ruptures: a retrospective study of 48 cases. Surg Today. 2011;41(10):1352-6..

Na fase aguda do trauma, o exame clínico dificilmente contribui para o diagnóstico e as lesões diafragmáticas podem facilmente passar despercebidas na avaliação primária, em uma frequência que varia de 7% a 66%22 Kuo IM, Liao CH, Hsin MC, Kang SC, Wang SY, Ooyang CH, et al. Blunt diaphragmatic rupture--a rare but challenging entity in thoracoabdominal trauma. Am J Emerg Med. 2012;30(6):919-24.,55 van der Werken C, Lubbers EJ, Goris RJ. Rupture of the diaphragm by blunt trauma as a marker of injury severity. Injury 1983;15(3):149-52,66 Panda A, Kumar A, Gamanagatti S, Patil A, Kumar S, Gupta A. Traumatic diaphragmatic injury: a review of CT signs and the difference between blunt and penetrating injury. Diagn Interv Radiol. 2014;20(2):121-8.,1010 Beigi AA, Masoudpour H, Sehhat S, Khademi EF. Prognostic factors and outcome of traumatic diaphragmatic rupture. Ulus Travma Acil Cerrahi Derg. 2010;16(3):215-9.. A tomografia computadorizada com multidetectores (MDCT) é o método de escolha para os pacientes estáveis e possui sensibilidade e especificidade de 87% e 72 a 100%, respectivamente, sendo mais sensível para detecção do lado esquerdo1111 Melo ASA, Moreira LBM, Damato SD, Martins EML, Marchiori E. Ruptura traumática do diafragma: aspectos na tomografia computadorizada. Radiol Bras. 2002;35(6):341-4.. A visualização da descontinuidade do diafragma depende do contraste com o tecido adiposo, sendo mais difícil do lado direito, pois o fígado é isoatenuante com o diafragma88 Medeiros GA. Ferimentos penetrantes de tórax. In: Sociedade Brasileira de Cirurgia Torácica. Tópicos de atualização em cirurgia torácica [Internet].Disponível em: http://itarget.com.br/newclients/sbct/wp-content/uploads/2015/03/ferimentos_penetrantes_torax.pdf
http://itarget.com.br/newclients/sbct/wp...
. A tendência atual quanto ao tratamento não operatório de lesões contusas de órgãos intra-abdominais pode resultar em um maior atraso para o diagnóstico, sendo essencial o diagnóstico por imagem para garantir o reparo cirúrgico adequado22 Kuo IM, Liao CH, Hsin MC, Kang SC, Wang SY, Ooyang CH, et al. Blunt diaphragmatic rupture--a rare but challenging entity in thoracoabdominal trauma. Am J Emerg Med. 2012;30(6):919-24.,66 Panda A, Kumar A, Gamanagatti S, Patil A, Kumar S, Gupta A. Traumatic diaphragmatic injury: a review of CT signs and the difference between blunt and penetrating injury. Diagn Interv Radiol. 2014;20(2):121-8..

Devido à alta incidência de lesões intra-abdominais associadas, a abordagem primária é preferencialmente realizada por laparotomia, que é padrão-ouro para identificação de lesões do diafragma após traumatismos penetrantes55 van der Werken C, Lubbers EJ, Goris RJ. Rupture of the diaphragm by blunt trauma as a marker of injury severity. Injury 1983;15(3):149-52,1212 Freeman RK, Al-Dossari G, Hutcheson KA, Huber L, Jessen ME, Meyer DM, et al. Indications for using video-assisted thoracoscopic surgery to diagnose diaphragmatic injuries after penetrating chest trauma. Ann Thorac Surg. 2001;72(2):342-7.. A videotoracoscopia tem sido proposta como um método seguro para avaliação do diafragma quando o diagnóstico não foi confirmado e a laparotomia não é necessária, com sensibilidade e especificidade próximas a 100%, tendo como fatores limitantes a presença de instabilidade hemodinâmica e a necessidade de anestesia geral99 Dirican A, Yilmaz M, Unal B, Piskin T, Ersan V, Yilmaz S. Acute traumatic diaphragmatic ruptures: a retrospective study of 48 cases. Surg Today. 2011;41(10):1352-6..

O prognóstico da ruptura traumática do diafragma geralmente é bom com o tratamento imediato, porém o diagnóstico tardio está associado ao aumento de morbidade e mortalidade, devido à herniação e estrangulamento de órgãos intra-abdominais para o tórax, com comprometimento respiratório e incidência de morte que varia de 30 a 60%44 Fair KA, Gordon NT, Barbosa RR, Rowell SE, Watters JM, Schreiber MA. Traumatic diaphragmatic injury in the American College of Surgeons National Trauma Data Bank: a new examination of a rare diagnosis. Am J Surg. 2015;209(5):864-69.,66 Panda A, Kumar A, Gamanagatti S, Patil A, Kumar S, Gupta A. Traumatic diaphragmatic injury: a review of CT signs and the difference between blunt and penetrating injury. Diagn Interv Radiol. 2014;20(2):121-8.,99 Dirican A, Yilmaz M, Unal B, Piskin T, Ersan V, Yilmaz S. Acute traumatic diaphragmatic ruptures: a retrospective study of 48 cases. Surg Today. 2011;41(10):1352-6..

O objetivo deste estudo foi identificar as lesões relacionadas à ruptura traumática do diafragma e os fatores associados ao óbito em pacientes atendidos em hospital universitário de referência para o trauma em Belo Horizonte, Minas Gerais em um período de cinco anos.

MÉTODOS

Trata-se de estudo retrospectivo de série de casos, de caráter descritivo e analítico. Foi consultado o Banco de Registros de Trauma do Hospital Risoleta Tolentino Neves (Collector®, MD, USA), para identificação de pacientes com diagnóstico de lesão traumática do diafragma admitidos entre 1º de janeiro de 2010 e 31 de dezembro de 2014. O Hospital Risoleta Tolentino Neves é um centro terciário de referência em urgência e cirurgia do trauma do município de Belo Horizonte (MG).

O diagnóstico foi baseado nos dados obtidos após o ato cirúrgico. Informações sobre sexo e idade, localização da lesão diafragmática (lado direito, esquerdo, bilateral), lesões associadas de outros órgãos (fígado, baço ou víscera oca), quantas foram as lesões associadas (nenhuma, uma, duas, três ou mais), tipo de abordagem terapêutica (dreno de tórax; lavagem transdiafragmática; rafia; tratamento não operatório, isto é, ausência de rafia) e complicações (empiema, pneumonia). O escore de gravidade Injury Severity Score (ISS) foi utilizado com o ponto de corte 25, sendo o valor 25 ou superior considerado trauma grave ou gravíssimo. A variável resposta de interesse foi a ocorrência do óbito. A análise estatística univariada incluiu os cálculos de médias e proporções e foram utilizados os testes t de Student e Qui-quadrado e teste de Fisher. Para identificação de fatores preditivos para o desfecho dos pacientes, foram utilizados os fatores que se revelaram significativos ao nível de significância igual ou inferior a 0,10 (p<0,10) na análise univariada, que formaram um modelo multivariado inicial, em que foi feita deleção sequencial dos fatores cujo nível de significância não atingisse nível inferior a 5% (p<0,05) pelo teste de Wald. A análise de regressão logística binária múltipla utilizada foi aquela com verossimilhança penalizada, conforme já utilizado em outros estudos na área de cirurgia do trauma. Foram reportados, na análise de regressão, intervalos de 95% de confiança. Os dados foram analisados com o programa Stata for Mac, versão 12.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG e do Hospital Risoleta Tolentino Neves e submetido à Plataforma Brasil (CAAE: 44349515.5.0000.5149).

RESULTADOS

Foram analisados 103 registros de pacientes para os quais se identificou a presença de lesão traumática do diafragma entre janeiro de 2010 e dezembro de 2014, dos quais 93 (90,3%) eram do sexo masculino, com idades de 15 a 58 anos (média e mediana de 28,3 e 26, respectivamente, e desvio padrão, percentis 25 e 75 iguais a 9,9, 20 e 35, respectivamente). O mecanismo do trauma foi predominantemente penetrante (n=101; 98,1%), e contuso em apenas dois casos (1,9%). A lesão diafragmática foi localizada à esquerda, à direita e bilateralmente em 56 (54,4%), 39 (37,9%) e sete (6,7%) pacientes, respectivamente. Em apenas dois casos (1,9%) a lesão do diafragma se apresentou como lesão isolada, estando mais comumente associada às lesões de um ou mais órgãos (Tabelas 1 e 2). O ISS médio e mediano foram 18,8 e 18, respectivamente e desvio padrão, percentis 25 e 75 foram iguais a 6,7, 13 e 25, respectivamente. O ISS variou de um mínimo de 8 a um máximo de 36.

Tabela 1
Presença de lesões múltiplas associadas à lesão diafragmática.
Tabela 2
Lesão associada de outros órgãos.

Quanto à abordagem, 86 (83,5%) pacientes tiveram a lesão diafragmática suturada contra 13 (12,6%) que não tiveram a lesão reparada, seja pela não identificação da lesão ou por terem sido operados em um contexto de controle de danos. Quatro pacientes (3,9%) morreram no período transoperatório. Somente um paciente, que não teve a lesão diafragmática reparada, necessitou ser reabordado no quinto dia de pós-operatório devido à fístula tóraco-biliar. A drenagem torácica em selo d'água foi realizada em 82 pacientes (79,6%) e a lavagem pleural transdiafragmática em 13 (12,6%). As complicações identificadas foram pneumonia (n=8; 7,8%), empiema (n=5; 4,9%) e fístula tóraco-biliar (n=1; 0,9%). Ocorreram 17 óbitos no período (16,5%).

A tabela 3 mostra a análise univariada e indica os percentuais de ocorrência de sobreviventes e de óbitos de pacientes segundo cada característica avaliada. O maior número de lesões esteve associado com a maior incidência de óbitos, sendo que o percentual de óbitos entre aqueles sem lesões foi nulo. Observa-se que a incidência de óbito subiu gradualmente com o aumento do número de lesões e, entre aqueles com três ou mais lesões chegou a 37,5%. O óbito foi menos incidente entre os pacientes que foram submetidos à rafia do diafragma (p<0,001) e mais frequente entre aqueles que não foram (p=0,023). Finalmente, a incidência de óbito foi maior entre os pacientes com ISS igual ou superior a 25 (p=0,058), embora com significância limiar (p<0,10) (Tabela 3).

Tabela 3
Fatores relacionados ao desfecho dos pacientes com lesão diafragmática.

O modelo final encontrado revelou que houve associação negativa e independente entre óbito e ter sido submetido à rafia do diafragma (OR=0,76; IC95% 0,67-0,87; p<0,001). O ISS igual ou superior a 25 revelou-se como fator de risco independente associado ao óbito (OR=4,02; IC95% 1,15-14,0; p=0,029).

DISCUSSÃO

No presente trabalho, a incidência de óbitos foi de 16,5% do total de pacientes com lesão diafragmática, sendo 15,8% para pacientes com trauma penetrante. O trauma penetrante representou mais de 98% da amostra. Pode-se citar como possíveis razões para esta alta proporção de trauma penetrantes a frequência elevada de lesões diafragmática não diagnosticadas e o crescente índice de mortalidade relacionado a lesões por arma de fogo em nosso meio1414 Rezende R, Avanzi O. Importância do Índice Anatômico de Gravidade do Trauma no manejo das fraturas toracolombares do tipo explosão. Rev Col Bras Cir. 2009;36(1) 9-13.

15 Abreu EMS, Machado CJ, Pastore Neto M, Rezende Neto JB, Sanches MD. Impacto de um protocolo de cuidados a pacientes com trauma torácico drenado. Rev Col Bras Cir. 2015;42(4):231-7.
-1616 Trindade RFC, Costa FAMM, Silva PPAC, Caminiti GB, Santos CB. Map of homicides by firearms: profile of the victims and the assaults. Rev Esc Enferm USP. 2015;49(5):748-52..

Os achados sobre a incidência de morte estão em concordância com outros estudos que avaliaram traumas contusos e penetrantes e encontraram incidência de óbito variando de 7,8% a 32,1%33 Okada M, Adachi H, Kamesaki M, Mikami M, Ookura Y, Yamakawa J, et al. Traumatic diaphragmatic injury: experience from a tertiary emergency medical center. Gen Thorac Cardiovasc Surg. 2012;60(10):649-54.,44 Fair KA, Gordon NT, Barbosa RR, Rowell SE, Watters JM, Schreiber MA. Traumatic diaphragmatic injury in the American College of Surgeons National Trauma Data Bank: a new examination of a rare diagnosis. Am J Surg. 2015;209(5):864-69.,1313 Ties JS, Peschman JR, Moreno A, Mathiason MA, Kallies KJ, Martin RF, et al. Evolution in the management of traumatic diaphragmatic injuries: a multicenter review. J Trauma Acute Care Surg. 2013;76(4):1024-8.,1717 Zellweger R, Navsaria PH, Hess F, Omoshoro-Jones J, Kahn D, Nicol A. Transdiaphragmatic pleural lavage in penetrating thoracoabdominal trauma. Br J Surg. 2004;91(12):1619-23.

18 Saad JúniorR, Gonçalves R. Toda lesão do diafragma por ferimento penetrante deve ser suturada? Rev Col Bras Cir. 2012;39(3):222-5.
-1919 Chughtai T, Ali S, Sharkey P, Lins M, Rizoli S. Update on managing diaphragmatic rupture in blunt trauma: a review of 208 consecutive cases. Can J Surg. 2009;52(3):177-81.. Estes mesmos trabalhos encontraram incidências de óbito que variaram de 4% a 20,1% para traumas penetrantes33 Okada M, Adachi H, Kamesaki M, Mikami M, Ookura Y, Yamakawa J, et al. Traumatic diaphragmatic injury: experience from a tertiary emergency medical center. Gen Thorac Cardiovasc Surg. 2012;60(10):649-54.,44 Fair KA, Gordon NT, Barbosa RR, Rowell SE, Watters JM, Schreiber MA. Traumatic diaphragmatic injury in the American College of Surgeons National Trauma Data Bank: a new examination of a rare diagnosis. Am J Surg. 2015;209(5):864-69.,1313 Ties JS, Peschman JR, Moreno A, Mathiason MA, Kallies KJ, Martin RF, et al. Evolution in the management of traumatic diaphragmatic injuries: a multicenter review. J Trauma Acute Care Surg. 2013;76(4):1024-8.,1717 Zellweger R, Navsaria PH, Hess F, Omoshoro-Jones J, Kahn D, Nicol A. Transdiaphragmatic pleural lavage in penetrating thoracoabdominal trauma. Br J Surg. 2004;91(12):1619-23.,1919 Chughtai T, Ali S, Sharkey P, Lins M, Rizoli S. Update on managing diaphragmatic rupture in blunt trauma: a review of 208 consecutive cases. Can J Surg. 2009;52(3):177-81..

Assim, como observado em outros estudos44 Fair KA, Gordon NT, Barbosa RR, Rowell SE, Watters JM, Schreiber MA. Traumatic diaphragmatic injury in the American College of Surgeons National Trauma Data Bank: a new examination of a rare diagnosis. Am J Surg. 2015;209(5):864-69.,77 Zandomenighi RC, Mouro DL, Martins EAP. Ferimento por arma branca: perfil epidemiológico dos atendimentos em um pronto socorro. Rev Rene. 2011;12(4):669-77.,1313 Ties JS, Peschman JR, Moreno A, Mathiason MA, Kallies KJ, Martin RF, et al. Evolution in the management of traumatic diaphragmatic injuries: a multicenter review. J Trauma Acute Care Surg. 2013;76(4):1024-8.,1717 Zellweger R, Navsaria PH, Hess F, Omoshoro-Jones J, Kahn D, Nicol A. Transdiaphragmatic pleural lavage in penetrating thoracoabdominal trauma. Br J Surg. 2004;91(12):1619-23., a mortalidade também esteve associada à presença de lesões em outros órgãos. Observou-se uma relação dose-resposta evidente e sustentada na análise univariada: quando não havia lesão associada à lesão do diafragma, a mortalidade era nula, ficando essa incidência aumentada para 11,1% (uma lesão), 20,5% (duas lesões) e 37,5% (três ou mais lesões). Contudo, na análise multivariada não foi observado efeito independente do número de lesões e tal resultado não surpreende, uma vez que, na presença de ISS igual ou superior a 25 - indicador de trauma grave ou gravíssimo1414 Rezende R, Avanzi O. Importância do Índice Anatômico de Gravidade do Trauma no manejo das fraturas toracolombares do tipo explosão. Rev Col Bras Cir. 2009;36(1) 9-13. - não seria esperado que as lesões exercessem efeito independente sobre o óbito.

Fair et al.44 Fair KA, Gordon NT, Barbosa RR, Rowell SE, Watters JM, Schreiber MA. Traumatic diaphragmatic injury in the American College of Surgeons National Trauma Data Bank: a new examination of a rare diagnosis. Am J Surg. 2015;209(5):864-69. identificaram 3783 pacientes com lesão traumática do diafragma, no ano de 2012, após análise de 833.309 registros do Banco de Dados Nacional sobre Trauma do Colégio Americano de Cirurgiões (NTDB), tendo observado que os pacientes com trauma contuso tiveram maior associação de lesões na aorta torácica, pulmões, baço e bexiga, enquanto no trauma penetrante houve maior frequência de lesão de vísceras ocas, hemotórax, pâncreas e fígado. No presente estudo, os dados, de maioria de trauma penetrante, são concordantes com esses achados, uma vez que a maioria foi víscera oca e fígado.

Uma vez que o tratamento não operatório de lesões tóraco-abdominais contusas ou penetrantes tem aumentado, há evidências de que o uso adicional de técnicas, como laparoscopia e toracoscopia, é necessário para evitar que lesões importantes deixem de ser diagnosticadas44 Fair KA, Gordon NT, Barbosa RR, Rowell SE, Watters JM, Schreiber MA. Traumatic diaphragmatic injury in the American College of Surgeons National Trauma Data Bank: a new examination of a rare diagnosis. Am J Surg. 2015;209(5):864-69.,1717 Zellweger R, Navsaria PH, Hess F, Omoshoro-Jones J, Kahn D, Nicol A. Transdiaphragmatic pleural lavage in penetrating thoracoabdominal trauma. Br J Surg. 2004;91(12):1619-23.,1919 Chughtai T, Ali S, Sharkey P, Lins M, Rizoli S. Update on managing diaphragmatic rupture in blunt trauma: a review of 208 consecutive cases. Can J Surg. 2009;52(3):177-81.. Atualmente, a ideia de que a laparoscopia está associada ao maior risco de complicações é considerada desatualizada, uma vez que a laparoscopia exploratória pode evitar atrasos em tratamentos mais resolutivos2020 Mandriolli M, Inaba K, Piccinini A, Biscardi A, Sartelli M, Agresta F, et al. Advances in laparoscopy for acute care surgery and trauma. World J Gastroenterol. 2016;22(2):668-80..

A abordagem não operatória da ruptura diafragmática diagnosticada clinicamente, não é recomendada. O tratamento cirúrgico pode ser feito por laparotomia, toracotomia ou pela combinação de ambos, tradicionalmente com a utilização de suturas com fio inabsorvível99 Dirican A, Yilmaz M, Unal B, Piskin T, Ersan V, Yilmaz S. Acute traumatic diaphragmatic ruptures: a retrospective study of 48 cases. Surg Today. 2011;41(10):1352-6.,1313 Ties JS, Peschman JR, Moreno A, Mathiason MA, Kallies KJ, Martin RF, et al. Evolution in the management of traumatic diaphragmatic injuries: a multicenter review. J Trauma Acute Care Surg. 2013;76(4):1024-8.,1919 Chughtai T, Ali S, Sharkey P, Lins M, Rizoli S. Update on managing diaphragmatic rupture in blunt trauma: a review of 208 consecutive cases. Can J Surg. 2009;52(3):177-81.,2121 Zarour AM, El-Menyar A, Al-Thani H, Scalea TM, Chiu WC. Presentations and outcomes in patients with traumatic diaphragmatic injury: a 15-year experience. J Trauma Acute Care Surg. 2013;74(6):1392-8.. A correção cirúrgica de uma ruptura diafragmática é simples se realizada imediatamente, sendo esta a principal justificativa para a abordagem operatória.

Contudo, existe controvérsia e, estudos experimentais em animais, observaram a ocorrência de cicatrização espontânea em um percentual de lesões diafragmáticas, especialmente quando pequenas e localizadas no lado direito2222 Caiel BA, Scapulatempo Neto C, Souza Júnior AS, Saad Júnior R. Analysis of natural history of the diaphragmatic injury on the right in mice. Rev Col Bras Cir. 2015;42(6):386-92.. Mas, em nosso estudo, em análise univariada, a maior incidência de óbitos esteve significativamente associada aos casos em que a lesão não foi rafiada, incidência esta que foi maior (38,5%) do que incidência em caso de rafia (9,2%), drenagem torácica (15,9%) e lavagem pleural transdiafragmática (15,4%). Em análise multivariada, a realização da rafia do diafragma mostrou ser um fator preditor independente de sobrevida, sendo que a chance de óbito entre aqueles com rafia foi 24% menor comparativamente àqueles sem rafia (OR=0,76), independente de ser trauma grave ou não. Talvez nesse achado resida a maior contribuição do presente estudo.

Apesar das evidências contidas nos dados apresentados, é necessária cautela. O presente estudo não permite inferir se suturar o diafragma ou não implica em menor mortalidade e morbidade, isto porque como a lesão diafragmática por si não é causa de morte, esta causa está relacionada muito mais ao número de lesões viscerais. O fato é que a lesão diafragmática na fase aguda, por si só, não pode ser considerada causa de óbito, seja a lesão suturada ou não.

Pode-se citar como limitações a este trabalho o fato de representar uma análise retrospectiva e do banco de dados ser baseado apenas em registros provenientes do ato cirúrgico. Assim, pacientes submetidos ao tratamento não operatório não foram contemplados no estudo. O número pequeno de casos em que foi realizada a lavagem pleural transdiafragmática também não possibilitou uma associação relevante com o desfecho ou outras possíveis complicações, sendo necessário mais estudos para estabelecer sua importância nos casos de lesão diafragmática associada à contaminação gastro-bilio-entérica.

Concluímos que a ruptura traumática do diafragmática raramente se apresenta como lesão isolada, estando comumente associada à lesão de outros órgãos, principalmente fígado e vísceras ocas. A mortalidade se mostrou mais elevada entre aqueles com ISS igual ou superior a 25.

  • Fonte de financiamento: nenhuma.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Scharff JR, Naunheim KS. Traumatic diaphragmatic injuries. Thorac Surg Clin. 2007;17(1):81-5.
  • 2
    Kuo IM, Liao CH, Hsin MC, Kang SC, Wang SY, Ooyang CH, et al. Blunt diaphragmatic rupture--a rare but challenging entity in thoracoabdominal trauma. Am J Emerg Med. 2012;30(6):919-24.
  • 3
    Okada M, Adachi H, Kamesaki M, Mikami M, Ookura Y, Yamakawa J, et al. Traumatic diaphragmatic injury: experience from a tertiary emergency medical center. Gen Thorac Cardiovasc Surg. 2012;60(10):649-54.
  • 4
    Fair KA, Gordon NT, Barbosa RR, Rowell SE, Watters JM, Schreiber MA. Traumatic diaphragmatic injury in the American College of Surgeons National Trauma Data Bank: a new examination of a rare diagnosis. Am J Surg. 2015;209(5):864-69.
  • 5
    van der Werken C, Lubbers EJ, Goris RJ. Rupture of the diaphragm by blunt trauma as a marker of injury severity. Injury 1983;15(3):149-52
  • 6
    Panda A, Kumar A, Gamanagatti S, Patil A, Kumar S, Gupta A. Traumatic diaphragmatic injury: a review of CT signs and the difference between blunt and penetrating injury. Diagn Interv Radiol. 2014;20(2):121-8.
  • 7
    Zandomenighi RC, Mouro DL, Martins EAP. Ferimento por arma branca: perfil epidemiológico dos atendimentos em um pronto socorro. Rev Rene. 2011;12(4):669-77.
  • 8
    Medeiros GA. Ferimentos penetrantes de tórax. In: Sociedade Brasileira de Cirurgia Torácica. Tópicos de atualização em cirurgia torácica [Internet].Disponível em: http://itarget.com.br/newclients/sbct/wp-content/uploads/2015/03/ferimentos_penetrantes_torax.pdf
    » http://itarget.com.br/newclients/sbct/wp-content/uploads/2015/03/ferimentos_penetrantes_torax.pdf
  • 9
    Dirican A, Yilmaz M, Unal B, Piskin T, Ersan V, Yilmaz S. Acute traumatic diaphragmatic ruptures: a retrospective study of 48 cases. Surg Today. 2011;41(10):1352-6.
  • 10
    Beigi AA, Masoudpour H, Sehhat S, Khademi EF. Prognostic factors and outcome of traumatic diaphragmatic rupture. Ulus Travma Acil Cerrahi Derg. 2010;16(3):215-9.
  • 11
    Melo ASA, Moreira LBM, Damato SD, Martins EML, Marchiori E. Ruptura traumática do diafragma: aspectos na tomografia computadorizada. Radiol Bras. 2002;35(6):341-4.
  • 12
    Freeman RK, Al-Dossari G, Hutcheson KA, Huber L, Jessen ME, Meyer DM, et al. Indications for using video-assisted thoracoscopic surgery to diagnose diaphragmatic injuries after penetrating chest trauma. Ann Thorac Surg. 2001;72(2):342-7.
  • 13
    Ties JS, Peschman JR, Moreno A, Mathiason MA, Kallies KJ, Martin RF, et al. Evolution in the management of traumatic diaphragmatic injuries: a multicenter review. J Trauma Acute Care Surg. 2013;76(4):1024-8.
  • 14
    Rezende R, Avanzi O. Importância do Índice Anatômico de Gravidade do Trauma no manejo das fraturas toracolombares do tipo explosão. Rev Col Bras Cir. 2009;36(1) 9-13.
  • 15
    Abreu EMS, Machado CJ, Pastore Neto M, Rezende Neto JB, Sanches MD. Impacto de um protocolo de cuidados a pacientes com trauma torácico drenado. Rev Col Bras Cir. 2015;42(4):231-7.
  • 16
    Trindade RFC, Costa FAMM, Silva PPAC, Caminiti GB, Santos CB. Map of homicides by firearms: profile of the victims and the assaults. Rev Esc Enferm USP. 2015;49(5):748-52.
  • 17
    Zellweger R, Navsaria PH, Hess F, Omoshoro-Jones J, Kahn D, Nicol A. Transdiaphragmatic pleural lavage in penetrating thoracoabdominal trauma. Br J Surg. 2004;91(12):1619-23.
  • 18
    Saad JúniorR, Gonçalves R. Toda lesão do diafragma por ferimento penetrante deve ser suturada? Rev Col Bras Cir. 2012;39(3):222-5.
  • 19
    Chughtai T, Ali S, Sharkey P, Lins M, Rizoli S. Update on managing diaphragmatic rupture in blunt trauma: a review of 208 consecutive cases. Can J Surg. 2009;52(3):177-81.
  • 20
    Mandriolli M, Inaba K, Piccinini A, Biscardi A, Sartelli M, Agresta F, et al. Advances in laparoscopy for acute care surgery and trauma. World J Gastroenterol. 2016;22(2):668-80.
  • 21
    Zarour AM, El-Menyar A, Al-Thani H, Scalea TM, Chiu WC. Presentations and outcomes in patients with traumatic diaphragmatic injury: a 15-year experience. J Trauma Acute Care Surg. 2013;74(6):1392-8.
  • 22
    Caiel BA, Scapulatempo Neto C, Souza Júnior AS, Saad Júnior R. Analysis of natural history of the diaphragmatic injury on the right in mice. Rev Col Bras Cir. 2015;42(6):386-92.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    27 Dez 2016
  • Aceito
    02 Fev 2017
Colégio Brasileiro de Cirurgiões Rua Visconde de Silva, 52 - 3º andar, 22271- 090 Rio de Janeiro - RJ, Tel.: +55 21 2138-0659, Fax: (55 21) 2286-2595 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revista@cbc.org.br