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Prevalência do câncer de vesícula biliar em pacientes submetidos à colecistectomia: experiência do Hospital de Clínicas da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP

RESUMO

Objetivo:

estudar a prevalência do câncer de vesícula biliar em pacientes submetidos à colecistectomia no Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas.

Métodos:

estudo de prevalência retrospectivo a partir da análise de laudos de espécimes histopatológicos de pacientes submetidos à colecistectomia, no período de janeiro de 2010 a maio de 2015.

Resultados:

foram analisados 893 laudos de pacientes submetidos à colecistectomia, dos quais 144 de urgência e 749 eletivas (16,2% e 83,8%, respectivamente). Segundo o sexo, 72,8% correspondiam ao feminino e 27,2%, ao masculino. Em 12 pacientes (1,3%) foi evidenciado o diagnóstico de adenocarcinoma de vesícula biliar e, em um (0,1%), o diagnóstico de linfoma não Hodgkin. Dos 13 pacientes com neoplasia, sete (53,8%) apresentaram colecistolitíase associada. Em dois doentes (15,3%) foi constatado pólipo de vesícula biliar. Sete (53,8%) doentes foram operados com a hipótese diagnóstica de neoplasia de vesícula biliar.

Conclusão:

a prevalência do adenocarcinoma de vesícula biliar no presente estudo foi semelhante à dos estudos ocidentais e o principal fator de risco foi a colecistolitíase, seguido pela presença de pólipos de vesícula biliar.

Descritores:
Neoplasias da Vesícula Biliar; Colecistolitíase; Cálculos Biliares; Prevalência

ABSTRACT

Objective:

to evaluate the prevalence of gallbladder carcinoma in patients submitted to cholecystectomy for chronic cholecystitis at the University Hospital of the State University of Campinas.

Methods:

we conducted a retrospective prevalence study through the analysis of histological specimens from January 2010 to May 2015.

Results:

we analyzed 893 patient reports. Emergency cholecystectomies amounted to 144, and elective ones, 749 (16.2% and 83.8%, respectively). Regarding gender, 72.8% were female and 27.2% male. Gallbladder adenocarcinoma occurred in 12 patients (1.3%) and non-Hodgkin's lymphoma in one (0.1%). In patients with cancer, seven (53.8%) were associated with cholelithiasis and two (15.3%) with gallbladder polyps.

Conclusion:

prevalence results of gallbladder adenocarcinoma in this study were similar to those of Western studies and the main risk factor was cholelithiasis, followed by the presence of gallbladder polyps.

Keywords:
Gallbladder Neoplasms; Cholelithiasis; Gallstones; Prevalence

INTRODUÇÃO

O câncer de vesícula biliar (CVB) é uma afecção rara e ocupa o quinto lugar das neoplasias do trato gastrointestinal. No entanto, é a neoplasia maligna mais frequente que acomete as vias biliares11 Siegel R, Naishadham D, Jemal A. Cancer statistics, 2013. CA Cancer J Clin. 2013;63(1):11-30.. O tipo histológico mais comum é o adenocarcinoma, representando aproximadamente 90% dos casos e classificado como papilar, tubular e mucinoso. A frequência dos demais tipos histológicos (carcinoma anaplásico, escamoso e adenoescamoso) é extremamente baixa22 Gallbladder. In: Edge S, Byrd DR, Compton CC, Fritz AG, Greene FL, Trotti A, editors. AJCC Cancer staging manual. 7th ed. New York: Springer; 2010. p. 211-7.. O CVB acomete preferencialmente pacientes com idade acima dos 60 anos. Segundo o sexo, o acometimento em mulheres é maior quando comparado a pacientes do sexo masculino, na proporção aproximada de 3:133 Castro FA, Koshiol J, Hsing AW, Devesa SS. Biliary tract cancer incidence in the United States - Demographic and temporal variations by anatomic site. Int J Cancer. 2013;133(7):1664-71.,44 Devor EJ, Buechley RW. Gallbladder cancer in Hispanic New Mexicans: I. General population, 1957-1977. Cancer. 1980;45(7):1705-12.. Dentre seus fatores de risco, citam-se como principais a colecistolitíase, seguida da presença de pólipos em vesícula biliar e a vesícula em porcelana55 Strom BL, Soloway RD, Rios-Dalenz JL, Rodriguez-Martinez HA, West SL, Kinman JL, et al. Risk factors for gallbladder cancer and international collaborative case-control study. Cancer. 1995;76(10):1747-56.. Diversos estudos demonstraram que a infecção das vias biliares por Salmonella sp. e por Helicobacter pylori teriam relação com o aumento da incidência da doença. O componente genético é também fator de risco importante para o desenvolvimento desta neoplasia66 Albores-Saavedra J, Alcántra-Vazquez A, Cruz-Ortiz H, Herrera-Goepfert R. The precursor lesions of invasive gallbladder carcinoma. Hyperplasia, atypical hyperplasia and carcinoma in situ. Cancer. 1980;45(5):919-27.

7 Wernberg JA, Lucarelli DD. Gallbladder cancer .Surg Clin N Am. 2014; 94(2):343-60.
-88 Serra I, Calvo A, Báez S, Yamamoto M, Endoh K, Aranda W. Risk factors for gallbladder cancer. An in-ternational collaborative case control study. Cancer. 1996;78(7):1515-7..

A incidência do CVB é variável quando analisado em diferentes regiões geográficas e em determinados grupos étnicos. É baixa em países ocidentais, como nos EUA, onde é de 0,9 mulheres e 0,5 homens para cada 100.000 habitantes. O Reino Unido também apresenta incidência semelhante. Entretanto, populações de reservas indígenas dos EUA, países hispano-americanos, como México, Chile, Peru, norte da Argentina e Bolívia, Equador, Colômbia, alguns países do Leste Europeu, como Polônia e Eslováquia e na Ásia, o Japão, Índia e o Paquistão, apresentam alta incidência do CVB99 Randi G, Franceschi S, La Vecchia C. Gallbladder cancer worldwide: geographical distribution and risk factors. Int J Cancer. 2006;118(7):1591-602..

Devido às características próprias da doença, a inespecificidade do quadro clínico e, fundamentalmente, ao seu diagnóstico tardio, o prognóstico do câncer de vesícula biliar é reservado1010 De Aretxabala X, Roa IS, Burgos LA, Araya JC, Villaseca MA, Silva JA. Curative resection in potentially resectable tumours of the gallbladder. Eur J Surg. 1997;163(6):419-26.. Na grande maioria dos casos, o diagnóstico é realizado tardiamente e em estágios avançados, comprometendo assim, os resultados do seu tratamento e, consequentemente, aumentando a morbimortalidade1111 Perpetuo MD, Valdivieso M, Heilbrun LK, Nelson RS, Connor T, Bodey GP. Natural history study of gallbladder cancer: a review of 36 years experience at M.D. Anderson Hospital and Tumor Institute. Cancer. 1978;42(1):330-5.. Estima-se que 85% dos pacientes morram um ano após terem sido diagnosticados1212 Hawkins WG, DeMatteo RP, Jarnagin WR, Ben-Porat L, Blumgart LH, Fong Y. Jaundice predicts advanced disease and early mortality in patients with gallbladder cancer. Ann Surg Oncol. 2004;11(3):310-5..

No Brasil, não há estudos populacionais que analisem a incidência do câncer de vesícula biliar. Há, no entanto, alguns estudos de prevalência e de diagnóstico incidental regionais, com resultados diferentes quando comparados entre si1313 Conci FM, Zanette M, Paviani MS, Tesch TP. Carcinoma de vesícula biliar: incidência em 10 anos. Rev Cient AMECS. 1993;2(2):133-6.

14 Carneiro PCA, Oliveira DP, Sales Filho R, Ferreira MAM. Colelitíase e câncer primário da vesícula biliar. Rev Bras Cancerol. 1994;40(2):87-90.

15 Jukemura J, Leite KRM, Machado MCC, Montagnini AL, Penteado S, Abdo EE, et al. Frequency of inci-dental gallbladder carcinoma in Brazil. Arq Bras Cir Dig. 1997;12(1/2):10-3.

16 Weston AC, De Carli LA, Fuhrmeister CA, Tang M, Cerato MM, Ting HY, et al. Achado ocasional de carcinoma de vesícula biliar. Rev Bras Cancerol. 1997;43(4):269-71.
-1717 Torres OJM, Caldas LRA, Azevedo RP, Palácio RL, Rodrigues MLS, Lopes JAC. Colelitíase e câncer de vesícula biliar. Rev Col Bras Cir. 2002;29(2):88-91.. Desta forma, a real incidência do câncer de vesícula biliar permanece desconhecida.

O objetivo deste estudo é analisar a prevalência do câncer de vesícula biliar em pacientes submetidos à colecistectomia, bem como, os fatores de risco para CVB associados, no Hospital de Clínicas da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas.

MÉTODOS

Estudo do tipo transversal descritivo, com coleta retrospectiva de dados. Foi realizada revisão dos laudos de espécimes do histopatológico de pacientes submetidos à colecistectomia de urgência ou eletiva no período compreendido entre janeiro de 2010 e maio de 2015, no Departamento de Patologia do Hospital de Clínicas da Universidade de Campinas (UNICAMP). Em laudos com diagnóstico de neoplasia de vesícula biliar, foi realizado análise do prontuário médico no Serviço de Arquivo Médico. O presente projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa e está registrado na Plataforma Brasil sob o número CAAE 48103614.6.0000.5404. Os dados obtidos foram coletados em fichas de protocolo e organizados em planilhas de Excel. A análise estatística dos dados investigados foi realizada pelo SPSS Statistics 20.0. As variáveis quantitativas foram apresentadas como média ± desvio padrão e as variáveis qualitativas como frequência e porcentagem.

RESULTADOS

No período estudado, foram realizadas 893 colecistectomias. Destas, 749 (83,8%) foram realizadas de forma eletiva e 144 (16,2%) de urgência. Segundo o sexo, o grupo foi distribuído da seguinte maneira: 650 (72,8%) corresponderam a pacientes do sexo feminino e 243 (27,2%), ao masculino.

Após a análise dos laudos de histopatologia das peças cirúrgicas, 13 (1,4%) tiveram o diagnóstico de neoplasia de vesícula biliar. Segundo o tipo histológico, 12 (92,3%) pacientes tiveram o diagnóstico de adenocarcinoma de vesícula biliar e, em um (7,7%), de linfoma não Hodgkin (Tabela 1). O grupo estudado teve uma média de idade de 60,23 anos, com uma variabilidade de 35 a 85 anos (mediana de 59 anos e desvio padrão de ±12,93). Segundo o sexo, dez (77%) doentes corresponderam a mulheres e três (23%) a pacientes do sexo masculino (Tabela 2).

Tabela 1
Tipo histológico das neoplasias.
Tabela 2
Características gerais da população analisada.

A análise do quadro clínico destes doentes no pré-operatório mostrou que sete pacientes (53,84%), tiveram como principal queixa a dor abdominal de moderada intensidade e localizada no hipocôndrio direito; dois doentes (15,38) apresentavam quadro dispéptico inespecífico; outros dois (15,38%), além da queixa de dor abdominal, tinham icterícia e colúria. Um paciente (7,7%) ingressou ao Serviço de Pronto Atendimento com quadro de colangite aguda e um paciente (7,7%) encontrava-se totalmente assintomático.

Sobre os achados ultrassonográficos no pré-operatório, quatro doentes (30,8%) tiveram o diagnóstico de colecistolitíase e dois (15,4%) de pólipo em vesícula biliar. Em quatro (30,8%) foi levantada a suspeita de neoplasia de vesícula biliar. Finalmente, outros três pacientes (23%) tiveram a suspeita de neoplasia de vesícula biliar e colecistolitíase. No grupo estudado, sete pacientes tiveram a suspeita de câncer de vesícula biliar no pré-operatório, correspondendo a 53,84%. No entanto, seis doentes (46,16%) somente tiveram seu diagnóstico confirmado após a análise histopatológica da peça cirúrgica no pós-operatório. Todas as cirurgias do grupo estudado foram realizadas de maneira eletiva.

DISCUSSÃO

As neoplasias das vias biliares são situações raras que, na grande maioria das vezes, se originam a partir do epitélio de revestimento, sendo classificadas de acordo com a sua localização em intra-hepáticas, extra-hepáticas e da vesícula biliar, sendo esta última a mais comum de todas. O tipo histológico predominante é o adenocarcinoma1818 Ishak G, Ribeiro FS, Dias EM, Bahia LAC, Costa DS, Assumpção PP. Câncer de vesícula biliar: experiência de 10 anos em um hospital de referência da Amazônia. Rev Col Bras Cir. 2011;38(2):100-4.,1919 Randi G, Malvezzi M, Levi F, Ferlay J, Negri E, Franceschi S, et al. Epidemiology of biliary tract cancers: an update. Ann Oncol. 2009;20(1):146-59.. Na presente casuística, somente um paciente (7,7%) apresentou tipo histológico diferente. Devido ao seu diagnóstico tardio e ao comportamento biológico do tumor, o CVB continua com prognóstico sombrio e com baixa sobrevida em longo prazo2020 Pais-Costa SR, Farah JFM, Artigiani-Neto R, Franco MIF, Martins SJ, Golderberg A. Adenocarcinoma da vesícula biliar: avaliação dos fatores 25(1):13-9.,2121 Fong Y, Jarnagin W, Blumgart LH. Gallbladder cancer: comparison of patients presenting initially for definitive operation with those presenting after prior noncurative intervention. Ann Surg. 2000;232(4):557-69.. O diagnóstico incidental de CVB aparentemente tem aumentado, oscilando de 0,3 até 2 % das colecistectomias por colecistolitíase2222 Daines WP, Rajagopalan V, Grossbard ML, Kozuch P. Gallbladder and biliary tract carcinoma: a com-prehensive update. Part 2. Oncology (Williston Park). 2004;18(8):1049-59; discussion 1060, 1065-6, 1068..

Em nossa casuística, todos os doentes foram tratados de maneira eletiva. Em dois pacientes a abordagem foi por via vídeo-laparoscópica e, em 11, por via laparotômica. Em sete pacientes (53,84%) houve a suspeita diagnóstica de neoplasia ainda no pré-operatório, dos quais em quatro foi realizada colecistectomia com linfadenectomia regional associada à ressecção da via biliar extra-hepática com derivação biliodigestiva em "Y" de Roux e em três doentes, além dos procedimentos anteriormente mencionados, foi realizada a ressecção em cunha do leito hepático da vesícula biliar. Em seis pacientes (46,16%), o diagnóstico foi definido após estudo histopatológico de pacientes submetidos à colecistectomia por colecistolitíase, e destes, cinco possuíam neoplasia restrita à mucosa (carcinoma in situ) e um teve o diagnóstico de Linfoma não Hodgkin, sendo encaminhado ao Serviço de Oncologia para terapia adjuvante. O diagnóstico incidental em pacientes submetidos de maneira eletiva à colecistectomia por colecistolitíase nesta amostra foi 0,67%, semelhante aos publicados em outros países ocidentais2323 Varshney S, Butturini G, Gupta R. Incidental carcinoma of the gallbladder. Eur J Surg Oncol. 2002;28(1):4-10.

24 Zhang WJ, Xu GF, Zou XP, Wang WB, Yu JC, Wu GZ, et al. Incidental gallbladder carcinoma diagno-sed during or after laparoscopic cholecystectomy. World J Surg. 2009;33(12):2651-6.
-2525 Kwon AH, Imamura A, Kitade H, Kamiyama Y. Unsuspected gallbladder cancer diagnosed during or after laparoscopic cholecystectomy. J Surg Oncol. 2008;97(3):241-5.. Recentemente, Martins-Filho et al. em estudo na população do Estado de Pernambuco, relatou prevalência para o CVB incidental de 0,34% 2626 Martins-Filho ED, Batista TP, Kreimer F, Martins AC, Iwanaga TC, Leão CS. Prevalence of incidental gallbladder cancer in a tertiary-care hospital from Pernambuco, Brazil. Arq Gastroenterol. 2015;52(3):247-9..

O câncer de vesícula biliar acomete predominantemente pacientes com idade acima dos 50 anos em aproximadamente 90% das vezes e do sexo feminino. Em nosso estudo, 77% dos pacientes foram do sexo feminino, com uma média de 60,23 anos de idade. Destes, 84% apresentaram idade superior a 50 anos.

Devido à inespecificidade do quadro clínico e à ausência de sintomas sugestivos da doença em estádios precoces, o diagnóstico do CVB, na grande maioria das vezes, é realizado de forma tardia e em estádio avançado, o que, invariavelmente, compromete o seu prognóstico, aumenta a morbidade do tratamento e diminui a sobrevida em longo prazo, que é de 5% quando analisada de forma global. Nos pacientes deste estudo, em 53,8% dos casos, o diagnóstico foi feito em estádio avançado, no momento da cirurgia. Dentre os sintomas que habitualmente apresentam estes doentes, a dor abdominal localizada principalmente em hipocôndrio direito, de caráter contínuo associado ao emagrecimento, são os mais frequentes. A presença de sintomas colestáticos geralmente sugere doença avançada. Neste estudo, a dor abdominal esteve presente em todos aqueles em que foi suspeitada a neoplasia ainda no pré-operatório, seguido da presença de sintomas dispépticos em 15,38%. Em três pacientes, os sintomas colestáticos foram predominantes.

A incidência desta neoplasia varia de acordo com a região estudada. Populações hispano-americanas apresentam alta incidência; em nosso continente, é notável a alta incidência em países, como o Chile, onde é de 25/100.000 habitantes, em mulheres e 9/100.000, em homens, em nativos americanos do Novo México de 14,5/100.000. Na Europa, a Polônia com 14/100.000. Na Ásia, a Índia com 10/100.000 e o Japão, com 7/100.000, números totalmente diferente aos publicados em populações Ocidentais. Esta variabilidade populacional da doença reforça a teoria do componente genético que deve estar relacionado à etiologia da doença.

Não existem em nosso meio ou no Brasil, estudos populacionais que estudaram a incidência do CVB. Os poucos que existem, analisaram a prevalência da doença em determinadas regiões do país ou, o diagnóstico incidental desta neoplasia. Jukemura et al.1515 Jukemura J, Leite KRM, Machado MCC, Montagnini AL, Penteado S, Abdo EE, et al. Frequency of inci-dental gallbladder carcinoma in Brazil. Arq Bras Cir Dig. 1997;12(1/2):10-3., analisando 475 pacientes submetidos à colecistectomia por colecistopatia calculosa, em São Paulo, encontraram CVB incidental em 1,68%. Por sua vez, Weston et al.1616 Weston AC, De Carli LA, Fuhrmeister CA, Tang M, Cerato MM, Ting HY, et al. Achado ocasional de carcinoma de vesícula biliar. Rev Bras Cancerol. 1997;43(4):269-71. mostraram o diagnóstico incidental da doença de 0,012% em estudo realizado em população do Rio Grande do Sul. Torres et al.1717 Torres OJM, Caldas LRA, Azevedo RP, Palácio RL, Rodrigues MLS, Lopes JAC. Colelitíase e câncer de vesícula biliar. Rev Col Bras Cir. 2002;29(2):88-91., em estudo semelhante ao nosso, encontraram prevalência de 2,3 % em pacientes de São Luiz de Maranhão. A diferença entre os valores nas diferentes amostras populacionais estudadas sugerem mais uma vez a importância do componente étnico-genético da neoplasia. É possível inferir que a prevalência intermediária de 1,4% encontrada na amostra aqui estudada, seja explicada pelas características de miscigenação da população de Campinas semelhante à da cidade de São Paulo.

Dentre os fatores de risco associados ao câncer de vesícula biliar, o de maior importância é a colecistolitíase, que está presente em mais de 70% das vezes. Ziliotto Jr et al.2727 Ziliotto Jr A, Kunzle JE, Sgarbi EC. Carcinoma primário de vesícula biliar. Rev Bras Cancerol. 1985;31(2):103-6. encontraram associação de colecistopatia crônica calculosa e neoplasia de vesícula biliar em 40,9% dos casos. Carneiro et al.1414 Carneiro PCA, Oliveira DP, Sales Filho R, Ferreira MAM. Colelitíase e câncer primário da vesícula biliar. Rev Bras Cancerol. 1994;40(2):87-90., em 1994, de 68%. Esta associação, em nosso trabalho, foi de 53%. Outro fator de risco relacionado ao CVB é a presença de pólipos adenomatosos de vesícula biliar, consideradas lesões pré-neoplásicas para o desenvolvimento da doença, representando 30,8% dos casos e diretamente relacionados ao seu tamanho. Em nossa amostra, 15,4% tiveram o diagnóstico de pólipo de vesícula biliar ao exame ultrassonográfico e confirmado no estudo histopatológico. Outros fatores de risco, como vesícula em porcelana, anomalias anatômicas da via biliar, infecções por Salmonella sp. e por Helicobacter pylori, e alterações genéticas, não foram observadas e estudadas na nossa casuística.

O presente estudo tem como principal limitação seu desenho retrospectivo, que influencia negativamente a qualidade dos dados disponíveis para estudo. Além disto, uma vez que a incidência global de CVB é baixa, o pequeno número absoluto de pacientes com a doença também dificulta a realização de análises mais profundas. Por outro lado, a disponibilidade de grande número absoluto de espécimes histopatológicos, por se tratar de estudo realizado em serviço de referência regional e estadual, atenua parcialmente esta limitação. Devido às dimensões continentais e à diversidade étnica, há necessidade de estudos multicêntricos com amostras populacionais maiores, incluindo as diferentes regiões geográficas de nosso país, a fim de determinar-se a real incidência do câncer de vesícula biliar.

  • Fonte de financiamento: nenhuma.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    17 Out 2016
  • Aceito
    27 Dez 2016
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