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Análise do perfil lipídico de pacientes submetidos à gastrectomia vertical e à derivação gástrica em Y de Roux.

RESUMO

Objetivo:

comparar as melhorias no perfil lipídico de pacientes submetidos à gastrectomia vertical (GV) e à derivação gástrica em Y de Roux (DGYR).

Metódos:

estudo de coorte misto, em que foram avaliados 334 pacientes submetidos à GV e 178 pacientes submetidos à DGYR no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco e no Real Hospital Português de Beneficência, Recife, PE, Brasil. Foram realizadas dosagens séricas de colesterol total, LDL, HDL e triglicerídeos no pré-operatório e com três, seis, 12 e 24 meses de seguimento.

Resultados:

o grupo submetido à GV foi composto por 58 homens e 276 mulheres. No grupo submetido à DGYR, foram analisados 64 homens e 114 mulheres. A média de idade foi de 37,2±20,5 anos no grupo da GV e de 41,9±11,1 anos no grupo da DGYR. O IMC médio pré-operatório foi de 39,4±2,6kg/m2 e 42,7±5,8kg/m2, para o grupo da GV e da DGYR, respectivamente. No pré-operatório, 80% dos pacientes tinha, no mínimo, uma anormalidade no perfil lipídico. Dois anos após a cirurgia houve melhora do colesterol total, LDL, HDL e triglicerídeos no grupo submetido à DGYR. No grupo submetido à GV, após dois anos houve melhora dos níveis de colesterol total, HDL e triglicerídeos, apenas.

Conclusão:

ambas as técnicas resultaram em melhorias no perfil lipídico, porém a DGYR foi mais efetiva.

Descritores:
Obesidade; Cirurgia Bariátrica; Derivação Gástrica; Dislipidemias

ABSTRACT

Objective:

to compare the improvements in lipid profile in patients undergoing sleeve gastrectomy (SG) and Roux-en-Y gastric bypass (RYGB).

Methods:

in a mixed cohort study, we evaluated 334 patients undergoing SG and 178 patients undergoing RYGB at the University Hospital of the Federal University of Pernambuco and at the Real Hospital Português de Beneficência, Recife, PE, Brazil. We measured serum levels of total cholesterol, LDL, HDL and triglycerides preoperatively and at three, six, 12 and 24 months follow-up.

Results:

the SG group consisted of 58 men and 276 women. In the group submitted to RYGB, there were 64 men and 114 women. The mean age was 37.2±20.5 years in the SG group and 41.9±11.1 years in the RYGB group. The preoperative mean BMI was 39.4±2.6kg/m2 and 42.7±5.8kg/m2 for the SG and RYGB groups, respectively. In the preoperative period, 80% of the patients had at least one abnormality in the lipid profile. Two years after surgery, there was improvement in total cholesterol, LDL, HDL and triglycerides in the group submitted to RYGB. In the group submitted to SG, after two years there was improvement in total cholesterol, HDL and triglyceride levels.

Conclusion:

both techniques resulted in improvements in the lipid profile, but the RYGB was more effective.

Keywords:
Obesity; Bariatric Surgery; Gastric Bypass; Dyslipidemias

INTRODUÇÃO

A aterosclerose é uma doença crônica de etiologia multifatorial, que acomete a camada íntima de artérias de médio e grande calibres, sendo mais comum em pacientes com fatores de risco, como tabagismo, hipertensão arterial e dislipidemias. A gênese da formação da placa aterosclerótica se inicia com agressão ao endotélio e consequente exposição da camada íntima ao depósito de lipoproteínas plasmáticas, especialmente ao LDL colesterol11 Xavier HT, Izar MC, Faria Neto JR, Assad MH, Rocha VZ, Sposito AC, et al. V Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose. Arq Bras Cardiol. 2013;101(4 Suppl 1):1-20..

Sabe-se que a dislipidemia é o maior fator de risco para doença arterial coronariana. Estima-se que, entre obesos, a prevalência de hipertrigliceridemia seja duas vezes maior do que em não obesos22 Jellinger PS, Mehta AE, Smith DA, Handelsman Y, Ganda, O, Handelsman MD, Rodbard HW, Shepherd MD, Seibel JA; AACE Task Force for Management of Dyslipidemia and Prevention of Atherosclerosis. American Association of Clinical Endocrinologists' Guidelines for management of dyslipidemia and prevention of atherosclerosis. Endocr Pract. 2012;18 Suppl 1:1-78.. Também, a prevalência da chamada "dislipidemia aterogênica", caracterizada pela combinação de hipertrigliceridemia com LDL elevado e HDL baixo, é mais prevalente em pacientes obesos e com sobrepeso. Para evitar o risco de manifestações da doença aterosclerótica, o terceiro relatório do National Cholesterol Education Program (NCEP), orienta que pacientes sem outros fatores de risco para doença arterial coronariana devem manter níveis séricos de LDL colesterol menores do que 130mg/dl, colesterol total menor do que 200mg/dl e triglicerídeos menor do que 150mg/dl. O nível sérico desejável de HDL colesterol deve ser maior do que 50mg/dl para mulheres e maior do que 40mg/dl para homens33 National Cholesterol Education Program (NCEP) Expert Panel on Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Cholesterol in Adults (Adult Treatment Panel III). Third Report of the National Cholesterol Education Program (NCEP) Expert Panel on Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Cholesterol in Adults (Adult Treatment Panel III) final report. Circulation. 2002;106(25):3143-421..

Outro fator de risco para infarto e doença vascular periférica é a resistência à insulina. Também frequente em obesos, devido aos elevados níveis séricos de ácidos graxos - liberados pelo tecido adiposo - que diminuem a sensibilidade do fígado à insulina, estimulando a glicogenólise e gliconeogênese. Como resultado, o fígado libera mais glicose para a corrente sanguínea, perpetuando a resistência insulínica não só hepática, mas também dos músculos44 Kopelman PG. Obesity as a medical problem. Nature. 2000;404(6778):635-43.. A resistência à insulina está diretamente relacionada à dislipidemia aterogênica, típica dos obesos22 Jellinger PS, Mehta AE, Smith DA, Handelsman Y, Ganda, O, Handelsman MD, Rodbard HW, Shepherd MD, Seibel JA; AACE Task Force for Management of Dyslipidemia and Prevention of Atherosclerosis. American Association of Clinical Endocrinologists' Guidelines for management of dyslipidemia and prevention of atherosclerosis. Endocr Pract. 2012;18 Suppl 1:1-78..

Bons resultados da cirurgia bariátrica para tratamento da obesidade e de comorbidades, como diabetes, resistência insulínica, redução de ácidos graxos livres, e de interleucinas pró-inflamatórias, já foram amplamente demonstrados, especialmente para a derivação gástrica em Y de Roux (DGYR)55 Sjöström L, Lindroos A, Peltonem M, Orgerson J, Bouchard C, Carlsson B, Dahlgren S, Larsson B, Narbro K, Sjöström CD, Sullivan M, Wedel H; Swedish Obese Subjects Study Scientific Group. Lifestyle, diabetes, and cardiovascular risk factors 10 years after bariatric surgery. N Engl J Med. 2004;351(26):2683-93.,66 Pajecki D, Dalcanalle L, Souza de Oliveira CP, Zilberstein B, Halpern A, Garrido AB Jr, et al. Follow-up of Roux-en-Y gastric bypass patients at 5 or more years postoperatively. Obes Surg. 2007;17(5):601-7. Erratum in: Obes Surg. 2007;17(7):996.. Para a gastrectomia vertical (GV), apesar dos bons resultados para perda de peso, ainda se questiona se essa técnica teria bons resultados no controle de dislipidemias em pacientes obesos no longo prazo.

Existem algumas hipóteses que poderiam justificar a melhora do metabolismo lipídico pela GV. Acredita-se que, além da saciedade mais precoce alcançada com a redução dos níveis de grelina, a GV provoca redução do tempo de esvaziamento gástrico e da quantidade de suco gástrico77 Bužga M, Zavadilová V, Holéczy P, Švagera Z, Švorc P, Foltys A, et al. Dietary intake and ghrelin and leptin changes after sleeve gastrectomy. Wideochir Inne Tech Maloinwazyjne. 2014;9(4):554-61.. A chegada de alimentos pouco digeridos ao intestino delgado, semelhante ao que acontece nas técnicas disabsortivas, aumentam a secreção de GLP-1 pelo íleo, que estimula a secreção pancreática de insulina88 de Sa VC, Ferraz AA, Campos JM, Ramos AC, Araujo JG Jr, Ferraz EM. Gastric bypass in the treatment of type 2 diabetes in patients with a BMI of 30 to 35 kg/m2. Obes Surg. 2011;21(3):283-7.. A melhora dos índices glicêmicos e da resistência periférica à insulina contribui para a melhora do perfil lipídico99 Gill RS, Birch DW, Shi X, Sharma AM, Karmali S. Sleeve gastrectomy and type 2 diabetes mellitus: a systematic review. Surg Obes Relat Dis. 2010;6(6):707-13..

Diante deste cenário, o objetivo do presente estudo foi avaliar o perfil lipídico de pacientes no pós-operatório de cirurgia bariátrica, comparando a efetividade da DGYR com a GV no que concerne ao controle lipídico em longo prazo.

MÉTODOS

Foram analisados os prontuários de pacientes submetidos à DGYR ou GV no período de fevereiro de 2010 a abril de 2017, num total de 512 indivíduos. Os critérios empregados para indicação da cirurgia foram os do consenso do National Institutes of Health (NIH), que determina que pacientes com IMC maior do que 40kg/m2 ou maior do que 35kg/m2 associado à comorbidades graves relacionadas à obesidade podem ser candidatos ao tratamento cirúrgico1010 Gastrointestinal Surgery for Severe Obesity. NIH Consens Statement Online. 1991;9(1):1-20.. Foram incluídos pacientes de ambos os sexos, com idades entre 18 e 60 anos, submetidos à DGYR ou à GV. Pacientes apresentando gravidez, obesidade decorrente de distúrbios psiquiátricos ou endocrinológicos, dependência química, antecedentes de tratamento oncológico e/ou risco cirúrgico elevado foram excluídos do estudo.

Foram analisadas as seguintes variáveis: IMC pré-operatório; tipo de cirurgia realizada; percentual de perda do excesso de peso; dosagem sérica de Colesterol total, LDL, HDL e Triglicerídeos. Foram considerados com dislipidemia os pacientes que apresentaram um ou mais lipídeos séricos acima dos níveis considerados desejáveis pelo terceiro relatório do NCEP (National Cholesterol Education Program): Colesterol total= 200mg/dl; LDL=130mg/dl; triglicerídeos= 150mg/dl; HDL<50mg/dl para mulheres ou HDL<40mg/dl para homens33 National Cholesterol Education Program (NCEP) Expert Panel on Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Cholesterol in Adults (Adult Treatment Panel III). Third Report of the National Cholesterol Education Program (NCEP) Expert Panel on Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Cholesterol in Adults (Adult Treatment Panel III) final report. Circulation. 2002;106(25):3143-421..

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde (CCS) do Hospital das Clínicas da UFPE e Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) do Ministério da Saúde (CAAE: 11258913.3.0000.5208).

A comparação das prevalências das dislipidemias foi feita através do teste Qui-quadrado para comparação de proporção. Ainda, essas medidas foram avaliadas através de média e desvio padrão para cada grupo em estudo. Na comparação dois a dois das médias dos lipídeos entre o pré-operatório e os demais momentos, aplicou-se o teste t-Student para amostras pareadas (no caso de indicação de normalidade da variável) e o teste de Wilcoxon (nos casos de a variável não seguir uma distribuição normal). Todas as conclusões foram tiradas considerando um nível de significância de 5%.

RESULTADOS

O grupo submetido à GV foi composto por 334 pacientes, sendo 58 homens e 276 mulheres. O grupo da DGYR foi composto por 178 pacientes sendo 64 homens e 114 mulheres. A média de idade foi de 37,2±20,5 anos no grupo da GV e de 41,9±11,1 anos no grupo da DGYR. O IMC médio pré-operatório foi de 39,4±2,6kg/m2 e 42,7±5,8kg/m2 para o grupo da GV e DGYR, respectivamente. Os percentuais de perda de excesso de peso foram de 49,1±13,0% (GV) e 43,9±13,7% (DGYR) aos três meses de pós-operatório e de 81,1±22,9% (GV) e 88,1±18,3% (DGYR) aos 24 meses de pós-operatório.

No grupo da GV, antes da intervenção cirúrgica, apenas 17% das mulheres e 19% dos homens tinham níveis séricos de lipídeos considerados desejáveis. No grupo da DGYR, esses valores foram de 5% entre as mulheres e de 17% entre os homens. Assim, em toda a amostra, no pré-operatório, 85% dos pacientes apresentava dislipidemia.

Colesterol Total

No grupo da GV, 53% dos pacientes apresentava elevados níveis de colesterol total no pré-operatório. Esse índice caiu para 32,5% após 12 meses da intervenção cirúrgica. Na avaliação com 24 meses, o percentual de pacientes com hipercolesterolemia foi de 36,4%. A média do colesterol total pré-operatório foi de 204,0±39,0mg/dl. Houve redução dos níveis dessa lipoproteína em todas as avaliações pós-operatórias. Após 24 meses, o nível médio de colesterol total encontrado foi 190,2±39,9mg/dl.

No grupo submetido à DGYR, 57,3% dos pacientes apresentava colesterol total maior do que 200mg/dl antes da cirurgia. No seguimento de 24 meses, este percentual se limitou a 10,2% dos indivíduos analisados. A média pré-operatória do colesterol total foi 205,4±40,2mg/dl. No pós-operatório houve redução de seus níveis, em relação ao basal, em todas as aferições. Após 24 meses da intervenção, a média de colesterol total encontrada foi de 155,8±32,1mg/dl - redução de 25% em relação ao pré-operatório (Tabelas 1 e 2).

Tabela 1
Análise dos níveis séricos dos lipídeos nos períodos pré e pós-operatório (3, 6, 12 e 24 meses após a cirurgia).
Tabela 2
Prevalência das dislipidemias nos períodos pré e pós-operatório (3, 6, 12 e 24 meses após a cirurgia).

A prevalência de hipercolesterolemia no pré-operatório não diferiu significativamente entre as técnicas, contudo, em todas as avaliações subsequentes, esta prevalência se mostrou significativamente maior no grupo submetido à GV.

Colesterol LDL

Cerca de 42,1% dos pacientes submetidos à GV apresentava LDL=130mg/dl no pré-operatório, com média de 124,6±34,9g/dl. Houve redução dos níveis de LDL colesterol após três e 12 meses da cirurgia - média de 110,8±32,7mg/dl aos 12 meses.

No grupo da DGYR, 40,8% dos pacientes apresentava LDL elevado antes da cirurgia, com média de 121,1±31,6mg/dl. No pós-operatório, houve redução nos níveis séricos de LDL em todas as aferições. Após 24 meses da intervenção, o LDL médio foi 84,3±25,3mg/dl, mostrando-se, portanto, menor do que os níveis do pré-operatório. Só 7% dos indivíduos permaneceu com LDL=130mg/dl após 24 meses da cirurgia (Tabelas 1 e 2).

Na avaliação pré-operatória, não houve diferença significativa entre a prevalência de níveis elevados de LDL entre as duas técnicas, contudo, nas avaliações subsequentes, a prevalência foi significativamente maior no grupo da GV.

Colesterol HDL

Das mulheres submetidas à GV, 52,2% apresentava HDL=50mg/dl no pré-operatório, com média de 50,6±11,7mg/dl. Houve melhora dos níveis séricos de HDL na análise após três, 12 e 24 meses de seguimento. Contudo, ainda persistiram com baixos níveis de HDL 28,9% das mulheres, aos 24 meses de pós-operatório. Quanto aos homens, 51,1% apresentava HDL basal= 40mg/dl, com média de 41,9±10,4mg/dl. As médias encontradas com seis, 12 e 24 meses de seguimento foram maiores do que a basal. Após 24 meses da cirurgia a média de HDL colesterol encontrada foi 50,2±10mg/dl.

No grupo da DGYR, 63,7% das mulheres tinha HDL baixo antes da cirurgia, com média de 48,6±12,9mg/dl. No pós-operatório, houve redução do HDL colesterol aos três meses de seguimento, porém com elevação de seus níveis aos 12 e 24 meses. Após 24 meses da intervenção, o HDL médio foi de 61,2±13,9mg/dl, mostrando-se, portanto, melhor do que o nível do pré-operatório, com elevação percentual de 25,9%. Persistiram com HDL baixo 23,8% das mulheres após 24 meses da cirurgia.

Dos homens submetidos à DGYR, 37,1% apresentava HDL basal menor do que 40mg/dl, com média de 42,9±9,3mg/dl. No seguimento de 24 meses, 6,3% dos homens ainda apresentava baixos níveis desta lipoproteína. Foi observado também que, após três meses da cirurgia, houve piora do nível sérico de HDL, com média de 36,5±7,5mg/dl (Tabelas 1 e 2).

Triglicerídeos

No grupo da GV, 36,4% dos indivíduos tinha hipertrigliceridemia no pré-operatório, com média de 153,1±92,6mg/dl. No pós-operatório houve redução durante todo o período de seguimento. A média aos 24 meses de pós-operatório foi 81,1±22,9mg/dl. Apenas 11,6% dos indivíduos avaliados após dois anos da cirurgia ainda persistiu com hipertrigliceridemia.

No grupo em que foi realizada DGYR, 50% dos indivíduos tinha hipertrigliceridemia antes da cirurgia, com média de 191,3±173,0mg/dl. Houve redução na média dos triglicerídeos séricos em todas as aferições de pós-operatório. Após 24 meses de seguimento todos os pacientes apresentaram níveis de triglicerídeos normais (Tabelas 1 e 2).

No pré-operatório, a prevalência de hipertrigliceridemia foi significativamente maior no grupo submetido à GV. Entretanto, nas avaliações ao longo do seguimento pós-operatório, não houve diferença significativa entre as técnicas.

DISCUSSÃO

Como dislipidemia e obesidade estão relacionadas ao desenvolvimento de aterosclerose e aumento do risco de infarto do miocárdio, a melhora dos níveis séricos de lipídeos pode reduzir a incidência de eventos coronarianos. Já foi descrito na literatura que a resistência insulínica e o aumento do tecido adiposo, encontrados em obesos, estão associados ao aumento do estresse oxidativo, devido à maior produção de radicais livres de oxigênio. Estes contribuem para a aterogênese, uma vez que induzem à oxidação do LDL. A gastroplastia, ao reduzir o excesso de peso, induz redução do estresse oxidativo e tem efeito cardioprotetor1111 Murri M, García-Fuentes E, García-Almeida JM, Garrido-Sánchez L, Mayas MD, Bernal R, et al. Changes in oxidative stress and insulin resistance in morbidly obese patients after bariatric surgery. Obes Surg. 2010;20(3):363-8..

Estudo realizado por Julve et al. também mostrou benefícios da gastroplastia para o tratamento das dislipidemias e redução do risco cardiovascular. Nesta pesquisa, os autores encontraram aumento da expressão hepática do gene PON-1 em obesos submetidos à DGYR. Este gene codifica a enzima paraoxonase sérica, que contribui para a atividade antioxidativa e antiaterogênica do HDL1212 Julve J, Pardina E, Pérez-Cuéllar M, Ferrer R, Rossell J, Baena-Fustegueras JA, et al. Bariatric surgery in morbidly obese patients improves the atherogenic qualitative properties of the plasma lipoproteins. Atherosclerosis. 2014;234(1):200-5..

No presente estudo, observou-se que, no grupo da GV, houve melhora significativa dos níveis de colesterol total, embora mais discreta do que no grupo da DGYR. Foi encontrada redução percentual do colesterol total de 8,7% após três meses e de 6,7% após 24 meses de seguimento pós-cirúrgico. Esses resultados foram melhores do que os encontrados em estudo realizado por Ruiz-Tovar et al., em que não houve significância estatística na comparação entre níveis de colesterol total e LDL no pré-operatório e após 12 meses de seguimento após GV1313 Ruiz-Tovar J, Zubiaga L, Llavero C, Diez M, Arroyo A, Calpena R. Serum cholesterol by morbidly obese patients after laparoscopic sleeve gastrectomy and additional physical activity. Obes Surg. 2014;24(3):385-9..

No estudo atual, em relação ao grupo submetido à DGYR, a redução dos níveis séricos de colesterol total foi de 23% aos três meses e de 24% aos 24 meses de seguimento. Houve, ainda, redução do LDL de 21% e 30% também aos três e 24 meses, respectivamente. Estes achados são semelhantes aos encontrados por Jamal et al., que avaliaram 248 pacientes submetidos à mesma técnica cirúrgica, com seguimento de seis anos e redução percentual de 27% do colesterol total e de 40% do LDL colesterol1414 Jamal M, Wegner R, Heitshusen D, Liao J, Samuel I. Resolution of hyperlipidemia follows surgical weight loss in patients undergoing Roux-en-Y gastric bypass surgery: a 6-year analysis of data. Surg Obes Relat Dis. 2011;7(4):473-9..

Zlabek et al., avaliando pacientes submetidos à DGYR, encontraram redução percentual do colesterol total de 12,5% após um ano e de 7,5% após dois anos da cirurgia1515 Zlabek JA, Grimm MS, Larson CJ, Mathiason MA, Lambert PJ, Kothari SN. The effect of laparoscopic gastric bypass surgery on dyslipidemia in severely obese patients. Surg Obes Relat Dis. 2005;1(6):537-42.. Esses resultados, assim como os encontrados no presente estudo, em que a GV foi menos eficaz do que a DGYR para redução dos lipídeos séricos reforçam a hipótese de que a disabsorção está associada a maior controle das dislipidemias. Outras pesquisas já apontam que há associação entre diminuição da área absortiva e redução da absorção intestinal de colesterol1616 Pihlajamäki J, Grönlund S, Simonen M, Käkelä P, Moilanen L, Pääkkönen M, et al. Cholesterol absorption decreases after Roux-en-Y gastric bypass but not after gastric banding. Metabolism. 2010;59(6):866-72..

Em investigação sobre o metabolismo do colesterol em pacientes submetidos à gastroplastia, Benetti et al. encontraram que, nas técnicas disabsortivas, houve diminuição da absorção de colesterol, implicando em redução dos níveis séricos de LDL. Essa redução é devida à menor reabsorção de colesterol e sais biliares pelo intestino. Como compensação, houve aumento do catabolismo hepático do colesterol, o que contribuiu para a manutenção de níveis séricos mais baixos do LDL. Essas alterações não foram encontradas no grupo de pacientes tratados com técnica restritiva através de banda gástrica ajustável1717 Benetti A, Del Puppo M, Crosignani A, Veronelli A, Masci E, Frigè F, et al. Cholesterol metabolism after bariatric surgery in grade 3 obesity: differences between malabsorptive and restrictive procedures. Diabetes Care. 2013;36(6):1443-7..

Quanto ao LDL, a redução percentual encontrada no grupo da GV do presente estudo foi de 5% aos três meses e 10% aos 24 meses. Benaiges et al., avaliando 51 pacientes submetidos à GV, encontraram diferença estatisticamente significante entre a média pré-operatória do LDL e a obtida 12 meses após a cirurgia. Entretanto, a redução percentual do LDL também foi baixa, ficando em torno de 5%1818 Benaiges D, Flores-Le-Roux JA, Pedro-Botet J, Ramon JM, Parri A, Villatoro M, Carrera MJ, Pera M, Sagarra E, Grande L, Goday A; Obemar Group. Impact of restrictive (sleeve gastrectomy) vs hybrid bariatric surgery (Roux-en-Y gastric bypass) on lipid profile. Obes Surg. 2012;22(8):1268-75.. Em relação aos níveis de HDL 12 meses após a GV, encontraram elevação percentual de 33% dessa lipoproteína. Em igual tempo de seguimento, Tovar et al. encontraram aumento de 28% do HDL1313 Ruiz-Tovar J, Zubiaga L, Llavero C, Diez M, Arroyo A, Calpena R. Serum cholesterol by morbidly obese patients after laparoscopic sleeve gastrectomy and additional physical activity. Obes Surg. 2014;24(3):385-9..

Na presente casuística observa-se que, na primeira aferição pós-cirúrgica, houve queda do HDL entre as mulheres submetidas à GV, e entre homens e mulheres submetidos à DGYR. Esta queda dos níveis de HDL coincidiu com o período de mais rápida perda de peso. Passada essa fase inicial, houve aumento significativo do HDL tanto no grupo das mulheres quanto no grupo dos homens submetidos à DGYR no seguimento de 24 meses, sendo este aumento de 22,3% para os homens e de 25,9% para as mulheres. No grupo da GV, houve aumento mais discreto (17,2%) do HDL após seguimento de 24 meses das mulheres. No subgrupo do sexo masculino, a elevação percentual do HDL foi de 19,8%.

Zvintzou et al. também descrevem declínio dos níveis séricos de HDL em observação de pacientes submetidos à gastroplastia através de técnica disabsortiva. Os autores verificaram que, a despeito da queda inicial do HDL, houve melhora qualitativa desta lipoproteína, com aumento da expressão do HDL rico em apoliproteína A-1(Apo A-1), que tem ação antioxidante, e redução da expressão do HDL com apolipoproteína E (Apo E), que tem ação hiperlipemiante. Para os autores, esta queda inicial do HDL representa um período de conversão do HDL rico em Apo E em HDL rico em Apo A-11919 Zvintzou E, Skroubis G, Chroni A, Petropoulou PI, Gkolfinopoulou C, Sakellaropoulos G, et al. Effects of bariatric surgery on HDL structure and functionality: results from a prospective trial. J Clin Lipidol. 2014;8(4):408-17..

Julve et al., embora não tenham encontrado alteração significativa nas dosagens séricas de HDL em pacientes no pré e pós-operatório de DGYR, também encontraram alterações qualitativas destas lipoproteínas. No pós-operatório, houve aumento da expressão do HDL-2, um subtipo de HDL com maior conteúdo de colesterol, que tem maior efeito cardioprotetor1212 Julve J, Pardina E, Pérez-Cuéllar M, Ferrer R, Rossell J, Baena-Fustegueras JA, et al. Bariatric surgery in morbidly obese patients improves the atherogenic qualitative properties of the plasma lipoproteins. Atherosclerosis. 2014;234(1):200-5..

Em relação às dosagens de triglicerídeos no presente estudo, houve redução significativa após a DGYR, durante todo o período de acompanhamento. Após 24 meses, a redução dos níveis de triglicerídeos foi de 62%. Nguyen et al., no seguimento de uma coorte de 95 pacientes submetidos à mesma técnica cirúrgica, observaram semelhante redução percentual (63%) de triglicerídeos no seguimento de 12 meses2020 Nguyen NT, Varela E, Sabio A, Tran CL, Stamos M, Wilson SE. Resolution of hyperlipidemia after laparoscopic Roux-en-Y gastric bypass. J Am Coll Surg. 2006;203(1):24-9.. Valor similar (60,5%) também foi relatado em revisão sistemática com 29 estudos sobre DGYR2121 Puzziferri N, Roshek TB 3rd, Mayo HG, Gallagher R, Belle SH, Livingston EH. Long-term follow-up after bariatric surgery: a systematic review. JAMA. 2014;312(9):934-42..

Também houve redução dos níveis séricos de triglicerídeos no grupo da GV. Esta redução percentual foi de 40% aos 24 meses de seguimento pós-cirúrgico. Strain et al. também encontraram redução da trigliceridemia numa coorte após um ano da GV: no pré-operatório a média foi de 128,7±66,7mg/dl e, após um ano, caiu para 97,1±43,5mg/dl. Contudo, após cinco anos da cirurgia, o valor médio encontrado foi de 119,8±68,2, ainda menor do que no pré-operatório, porém mostrando tendência à elevação dos triglicerídeos no longo prazo2222 Strain GW, Saif T, Ebel F, Dakin GF, Gagner M, Costa R, et al. Lipid profile changes in the severely obese after laparoscopic sleeve gastrectomy (LSG), 1, 3, and 5 years after surgery. Obes Surg. 2015;25(2):285-9..

É digno de nota observar que, no presente estudo, foi encontrado um percentual de perda de peso semelhante entre os dois grupos de estudo. Estes percentuais foram de 81,1±22,9% no grupo da GV e de 88,1±18,3% no grupo da DGYR. Esses resultados mostram que a GV foi eficaz para a perda de peso, alcançando níveis similares à DGYR. Entretanto, o percentual de perda de peso não pareceu ser o único fator envolvido no controle das dislipidemias, uma vez que a GV produziu resultados inferiores no tratamento desta comorbidade.

Os resultados do presente estudo mostraram que a DGYR é nitidamente mais eficaz do que a GV na melhora do perfil lipídico dos pacientes. Esta última técnica, apesar de ter diminuído de maneira significativa o percentual de pacientes com valores indesejáveis de triglicerídeos e colesterol total, exibiu uma tendência de elevação das lipoproteínas com dois anos de seguimento. Além disso, a GV restaurou o HDL colesterol no sexo feminino de maneira mais efetiva do que no sexo masculino.

Com isso, os autores concluem que a DGYR leva a um melhor controle do perfil lipídico do que a GV, devendo ser considerada ao planejar o tratamento de um paciente portador de dislipidemia de difícil controle.

  • Fonte de financiamento: nenhuma.

REFERÊNCIAS

  • 1
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Dez 2018
  • Data do Fascículo
    2018

Histórico

  • Recebido
    01 Ago 2018
  • Aceito
    31 Out 2018
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