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Fraturas de esterno em uma unidade de tratamento intensivo especializada em trauma

RESUMO

Objetivo:

avaliar epidemiologia, características anatômicas, manejo e prognóstico de pacientes críticos com fraturas de esterno.

Métodos:

análise retrospectiva de pacientes internados em unidade de terapia intensiva (UTI) de emergências cirúrgicas e trauma de um centro de trauma Tipo III em São Paulo, Brasil.

Resultados:

foram admitidos 1552 pacientes traumatizados no período de janeiro de 2012 a abril de 2016. Desses, 439 apresentavam trauma torácico e 13 apresentavam fratura de esterno, configurando 0,9% das admissões de trauma e 3% dos traumas torácicos. Desses pacientes, três apresentavam tórax instável e dois foram submetidos à conduta cirúrgica para fixação da fratura. A mortalidade de pacientes com fratura de esterno foi de 29% (três pacientes). Em um dos óbitos pôde-se atribuir a fratura do esterno como contribuinte principal para o desfecho.

Conclusão:

a fratura de esterno foi diagnosticada em 0,9% dos pacientes críticos vítimas de trauma em UTI especializada. Somente 15% dos pacientes necessitaram de conduta cirúrgica específica na fase aguda e a mortalidade foi decorrente das outras lesões na maior parte dos casos.

Descritores:
Traumatismos Torácicos; Cuidados Críticos; Parede Torácica; Unidades de Terapia Intensiva

ABSTRACT

Objective:

to evaluate epidemiology, anatomical characteristics, management, and prognosis of critical patients with sternum fractures.

Methods:

retrospective analysis of patients admitted to intensive care unit (ICU) of a Level III trauma center in Sao Paulo, Brazil.

Results:

1552 trauma patients were admitted from January 2012 to April 2016. A total of 439 patients had thoracic trauma and among these, 13 patients had sternum fracture, making up 0.9% of all trauma admissions and 3% of all thoracic trauma cases. Three of these 13 patients had unstable chest, two underwent surgical management for fracture fixation, and three died (mortality was of 29%). In one of the deaths, sternum fracture was assessed as the main contributor to the outcome.

Conclusion:

sternum fracture was diagnosed in 0.9% of critical trauma patients in a specialized ICU. Only 15% of patients required specific surgical management in the acute phase. In most cases, mortality was due to other injuries.

Keywords:
Thoracic Injuries; Critical Care; Flail Chest; Intensive Care Units

INTRODUÇÃO

Lesões da caixa torácica são um tipo comum de injúria em pacientes vitimas de trauma11 Majercik S, Pieracci FM. Chest wall trauma. Thorac Surg Clin. 2017;27(2):113-21. e sua presença está relacionada a um aumento da morbimortalidade, com taxas que chegam a 60% nessa população22 Clark GC, Schecter WP, Trunkey DD. Variables affecting outcome in blunt chest trauma: flail chest vs. pulmonary contusion. J Trauma. 1988; 28(3):298-304.. O mecanismo de trauma mais comum é o acidente automobilístico e o trauma de tórax fechado o tipo predominante de lesão11 Majercik S, Pieracci FM. Chest wall trauma. Thorac Surg Clin. 2017;27(2):113-21.. Dentro desse subgrupo de pacientes, fraturas de esterno eram consideradas incomuns, com uma incidência variando entre 0,3% e 3,7%33 Racine S, Émond M, Audette-Côté JS, Le Sage N, Guimont C, Moore L, et al. Delayed complications and functional outcome of isolated sternal fracture after emergency department discharge: a prospective, multicentre cohort study. CJEM. 2018;18(5):349-57.. Entretanto, essa incidência vem aumentando nas últimas décadas, o que pode estar relacionado ao maior uso de cintos de segurança44 Scheyerer MJ, Zimmermann SM, Bouaicha S, Simmen HP, Wanner GA, Werner CM. Location of sternal fractures as a possible marker for associated injuries. Emerg Med Int. 2013;2013:407589..

A tomografia computadorizada (TC), nesse contexto, aumentou a precisão diagnóstica, já que até 94% de todas as fraturas de esterno não são diagnosticadas no exame de radiografia simples de tórax inicial55 Perez MR, Rodriguez RM, Baumann BM, Langdorf MI, Anglin D, Bradley RN, et al. Sternal fracture in the age of pan-scan. Injury. 2015;46(7):1324-7.. O uso de protocolos de TC de corpo inteiro permite o diagnóstico acurado de traumas associados e outras complicações66 Ahmad K, Katballe N, Pilegaard H. Fixation of sternal fracture using absorbable plating system, three years follow-up. J Thorac Dis. 2015;7(5):E131-4.. As lesões associadas mais comuns nesses pacientes são fratura de arcos costais, traumatismo cranioencefálico (TCE), lesões de coluna e contusões pulmonares44 Scheyerer MJ, Zimmermann SM, Bouaicha S, Simmen HP, Wanner GA, Werner CM. Location of sternal fractures as a possible marker for associated injuries. Emerg Med Int. 2013;2013:407589.. Dados dos Estados Unidos mostram que, em pacientes com fratura isolada de esterno, a taxa de mortalidade é baixa (2,4%). Entretanto, essa taxa pode aumentar para até 8,8% na presença de outras lesões associadas77 Yeh DD, Hwabejire JO, DeMoya MA, Alam HB, King DR, Velmahos GC. Sternal fracture--an analysis of the National Trauma Data Bank. J Surg Res. 2014;186(1):39-43.. Nessa população, os fatores de risco independentes associados com mortalidade são lesão torácica, contusões pulmonares, síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA), idade e dias de ventilação mecânica.

A literatura descreve uma divisão topográfica do esterno em quatro regiões anatômicas distintas e, ainda, uma subdivisão específica para as fraturas de manúbrio44 Scheyerer MJ, Zimmermann SM, Bouaicha S, Simmen HP, Wanner GA, Werner CM. Location of sternal fractures as a possible marker for associated injuries. Emerg Med Int. 2013;2013:407589.,88 Schulz-Drost S, Krinner S, Oppel P, Grupp S, Schulz-Drost M, Hennig FF, et al. Fractures of the manubrium sterni: treatment options and a possible classification of different types of fractures. J Thorac Dis. 2018;10(3):1394-405.,99 Otremski I, Wilde BR, Marsh JL, McLardy Smith PD, Newman RJ. Fracture of the sternum in motor vehicle accidents and its association with mediastinal injury. Injury. 1990;21(2):81-3. (fraturas tipo A, B e C, dependendo da instabilidade gerada, respectivamente, sagital, rotacional ou combinada), e corpo esternal, dividido em porções superior (Parte I), médio (Parte II) e distal, incluindo o processo xifoide (Parte III). Essa divisão se torna relevante, pois fraturas em determinadas áreas do esterno são mais relacionadas à lesões associadas específicas44 Scheyerer MJ, Zimmermann SM, Bouaicha S, Simmen HP, Wanner GA, Werner CM. Location of sternal fractures as a possible marker for associated injuries. Emerg Med Int. 2013;2013:407589.. Notavelmente, fraturas do manúbrio esternal são associadas à lesões da coluna torácica, escapulares e TCE, enquanto fraturas da Parte III estão mais relacionadas à fraturas da coluna lombar.

A maioria das fraturas de esterno é estável e sem desalinhamentos óbvios, e têm manejo conservador1010 Zhao Y, Yang Y, Gao Z, Wu W, He W, Zhao T. Treatment of traumatic sternal fractures with titanium plate internal fixation: a retrospective study. J Cardiothorac Surg. 2017;12(1):22.. Em pacientes com fraturas instáveis de esterno, controle não satisfatório da dor a despeito de tratamento clínico otimizado ou dificuldade de desmame ventilatório atribuído à fratura, opções cirúrgicas podem ser consideradas. Uma estratégia de abordagem cirúrgica tardia pode ser útil em casos de pacientes com dor crônica, não consolidação da fratura ou razões estéticas1111 Elkhayat H, Nousseir H. Fixing a traumatic sternal fracture using stainless steel wires. Trauma Mon. 2016;21(2):e27231.. Entretanto, em um grupo selecionado de pacientes, como naqueles com derrame pericárdico e possíveis lesões vasculares devido ao trauma de esterno, a estabilização cirúrgica de emergência é indicada.

MÉTODOS

Foi realizada uma análise retrospectiva dos pacientes adultos vítimas de trauma admitidos na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de emergências cirúrgicas e trauma de um centro de trauma Tipo III em São Paulo, Brasil, entre janeiro de 2012 e abril de 2016. Esse estudo observacional teve o objetivo de descrever a epidemiologia, características e desfechos de pacientes com fratura de esterno nessa população.

Variáveis contínuas foram descritas como mediana e intervalo interquartil (IQR) ou média e desvio padrão, conforme apropriado. Dados categóricos foram expressos como porcentagens e valores absolutos. Devido à natureza descritiva epidemiológica do estudo nenhuma outra análise estatística foi efetuada.

Este trabalho foi aprovado previamente pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição, tendo o parecer número 63077116.6.0000.0068.

RESULTADOS

No período do estudo, um total de 2667 pacientes foi admitido em nossa UTI, dos quais 1522 eram vitimas de trauma. Destes, 439 pacientes tiveram lesões da caixa torácica, sendo 13 com fratura de esterno, o que representou 0,9% de todos os casos de trauma e 3% de todas as lesões torácicas. As fraturas de esterno foram mais comuns em homens (84,6%), com mediana de idade de 32 anos. Os mecanismos de trauma mais comuns foram acidente com veículo automotor (46%), queda de altura (38%) e atropelamento (15%). Associado às lesões torácicas, 38% dos pacientes tiveram TCE, 38% trauma de pelve, 38% trauma de extremidades, 31% trauma de coluna e 23% trauma abdominal. As características de admissão desses pacientes se encontram na tabela 1. A mediana do Simplified Acute Physiology Score (SAPS III) foi 54, do Injury Severity Score (ISS) foi 34 e do New Injury Severity Score (NISS) foi 43. A duração da ventilação mecânica nesses pacientes teve mediana de seis dias, com a duração da internação em UTI mediana de dez dias e hospitalar de 29 dias. A mortalidade hospitalar foi de 23%.

Tabela 1
Características dos pacientes.

A maioria das fraturas acometeu o manúbrio esternal (62%), seguido do corpo (30%) e junção esterno-clavicular (8%). Somente três pacientes (23%) tiveram tórax instável atribuído à fratura esternal, e dois foram submetidos à fixação cirúrgica da fratura. Ambos os pacientes tiveram desfechos satisfatórios na alta hospitalar (Tabela 2).

Tabela 2
Localização da fratura, tórax instável e fixação cirúrgica.

Três pacientes com fratura de esterno morreram durante o período de observação, dois por complicações não respiratórias. Um desses pacientes teve diagnóstico de morte encefálica no 12º dia de internação na UTI devido à TCE, e um paciente faleceu nove dias após a internação devido à encefalopatia anóxica-isquêmica após parada cardiorrespiratória na cena. O terceiro paciente apresentou hematoma retroesternal causado pela fratura de esterno e faleceu no primeiro dia de internação devido ao choque e insuficiência respiratória (Tabela 3).

Tabela 3
Pacientes com lesões fatais.

DISCUSSÃO

Existe uma escassez de estudos nacionais sobre a epidemiologia de fraturas de esterno em pacientes críticos vítimas de trauma. Em nossa série a prevalência de fraturas de esterno foi de 0,9% do total de traumas, o que está em concordância com a literatura internacional, na qual a prevalência varia entre 0,3% e 3,7%33 Racine S, Émond M, Audette-Côté JS, Le Sage N, Guimont C, Moore L, et al. Delayed complications and functional outcome of isolated sternal fracture after emergency department discharge: a prospective, multicentre cohort study. CJEM. 2018;18(5):349-57.. Nossos dados não nos permitem avaliar possíveis tendências históricas de aumento na incidência dessas fraturas. Esse aumento da incidência nas últimas décadas descrito na literatura estrangeira se deve tanto a uma maior acurácia diagnóstica como a obrigatoriedade da utilização de cinto de segurança de três pontos para os motoristas e passageiros dianteiros, o que ocasiona ponto de maior pressão na região anterior do tórax durante a desaceleração.

As características epidemiológicas de nossa série também seguem em consonância com a literatura internacional, em que a maioria das lesões é de corpo do esterno, com mecanismo de trauma predominante o acidente com veículo automotor. Entretanto, uma parcela considerável de nossos pacientes teve outros mecanismos de trauma de alta energia como agente causal, notavelmente queda de altura e atropelamento. Isso reforça que tais mecanismos não devem ser subestimados como fatores de risco para lesão traumática de esterno, principalmente tendo em vista a alta prevalência desse mecanismo de trauma, tanto em países desenvolvidos quanto em desenvolvimento1212 DiMaggio C, Ayoung-Chee P, Shinseki M, Wilson C, Marshall G, Lee DC, et al. Traumatic injury in the United States: In-patient epidemiology 2000-2011. Injury. 2016;47(7):1393-1403.,1313 Stewart KA, Groen RS, Kamara TB, Farahzard M, Samai M, Yambasu SE, et al. Traumatic injuries in developing countries: report from a nationwide cross-sectional survey of Sierra Leone. JAMA Surg. 2013;148(5):463-9..

Como nosso estudo tinha como critérios de inclusão somente pacientes admitidos em unidade de terapia intensiva, os índices de gravidade e escores prognóstico, como SAPS III, ISS e NISS, foram mais altos do que os encontrados na literatura, mesmo motivo pelo qual a mortalidade em nossa população foi mais alta que em outras séries. Entretanto, a maioria dos óbitos ocorreu em pacientes com outras lesões associadas, que tiveram contribuição direta na causa de óbito. De fato, somente em um paciente a causa da morte foi atribuída diretamente à fratura do esterno. Consideramos, assim, que fraturas de esterno são um marcador de gravidade em pacientes admitidos em UTI. Pelo mecanismo de trauma de alta cinemática, na maioria das vezes estas fraturas se associam a outras lesões de alta gravidade, como TCE e trauma de pelve e abdome.

Para uma população muito selecionada de pacientes com trauma de esterno, principalmente aqueles com instabilidade clínica da fratura e tórax instável, a fixação cirúrgica, embora pouco estudada em ensaios clínicos, parece trazer benefícios para esses pacientes, sendo o principal deles a facilitação do desmame da ventilação mecânica invasiva.

Nossa série de caso apresenta algumas limitações: trata-se de estudo retrospectivo, sem uma análise individual da realização de tomografia de corpo inteiro na nossa população, o que pode aumentar a prevalência de lesões. O número baixo de eventos não permite nenhuma análise de associação de fatores de risco ou preditores prognóstico em nossa população. Esta é a primeira série histórica nacional, de que temos conhecimento, que avalia a prevalência de fraturas de esterno em população de pacientes vítimas de trauma. A presença de fratura de esterno e, principalmente, de lesões associadas pode estar relacionada ao desfecho desses pacientes. Para um grupo muito específico, a fixação cirúrgica pode ser indicada e benéfica, entretanto, mais estudos nesse tópico são necessários.

  • Fonte de financiamento: nenhum.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Mar 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    09 Nov 2018
  • Aceito
    02 Jan 2019
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