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Cirurgia bariátrica e o escore de cálcio coronariano.

RESUMO

Objetivo:

investigar o impacto da cirurgia bariátrica no escore de cálcio coronariano (ECC) e estabelecer fatores preditivos de progressão desse escore em pacientes obesos.

Métodos:

estudo prospectivo de 18 pacientes obesos antes e depois da cirurgia bariátrica. Todos os pacientes foram submetidos à tomografia computadorizada e a exames laboratoriais com dosagens sanguíneas de colesterol total, LDL, HDL, triglicerídeos, glicose de jejum, A1C, insulina, cálcio sérico, peptídeo C e proteína C-reativa, para determinar o ECC e o escore de risco de Framingham (ERF).

Resultados:

o ERF reduziu 50% entre as avaliações pré e pós-operatórias. O ECC médio aumentou significativamente no período pós-operatório, aumentando de 8,5 para 33,1. Os níveis de HDL também aumentaram no pós-operatório. Todas as outras variáveis quantitativas reduziram significativamente no pós-operatório. Ao estratificar o ECC em quatro categorias, foi observado que 22,2% da amostra apresentou ECC=0 no pós-operatório. A prevalência de ECC leve reduziu de 77,8% para 50%, enquanto que ECC moderado permaneceu igual no pré e no pós-operatório (11,1%). ECC grave aumentou de 11,1% para 16,7%. Idade avançada foi associada à progressão do ECC, e essa foi a única variável que apresentou correlação estatística com a progressão do ECC.

Conclusão:

cirurgia bariátrica produz desfechos cardiovasculares positivos, que, aparentemente, ocorrem de forma independente do ECC.

Descritores:
Obesidade; Cirurgia Bariátrica; Aterosclerose; Doença da Artéria Coronariana

ABSTRACT

Objective:

to investigate the impact of bariatric surgery on the coronary artery calcium score (CACS), and to establish predictors of progression of this score in patients with obesity.

Methods:

prospective study that evaluated 18 obese patients before and after bariatric surgery. All patients were submitted to computed tomography scans and blood tests (total cholesterol, LDL, HDL, triglycerides, fasting plasma glucose, A1C, insulin, serum calcium, C-peptide and C-Reactive Protein) in order to determine CACS and Framingham risk score (FRS).

Results:

the FRS decreased 50% between the pre and postoperative evaluations. The mean CACS increased significantly at the late postoperative period, going from 8.5 to 33.1. HDL levels had also increased between the pre and postoperative periods. All of the other quantitative variables reduced significantly at the postoperative evaluation. When dividing CACS into four degrees, it was observed that 22.2% presented CACS=0 at the postoperative evaluation. The prevalence of mild CACS decreased from 77.8% to 50%, while moderate CACS remained the same (11.1%). Severe CACS increased from 11.1% to 16.7%. Older ages were linked to CACS progression, and this was the only variable that presented statistical association with progression.

Conclusion:

bariatric surgery leads to positive cardiovascular outcomes, apparently regardless of CACS.

Keywords
Obesity; Bariatric Surgery; Atherosclerosis; Coronary Artery Disease

INTRODUÇÃO

A obesidade é uma condição associada ao desenvolvimento de fatores de risco para doença cardiovascular, como hipertensão arterial sistêmica (HAS), dislipidemia, resistência insulínica e diabetes mellitus tipo 2 (DM2)11 Kirkil C, Aygen E, Korkmaz MF, Bozan MB. Quality of life after laparoscopic sleeve gastrectomy using BAROS system. Arq Bras Cir Dig. 2018;31(3):e1385.,22 Emerging Risk Factors Collaboration, Wormser D, Kaptoge S, Di Angelantonio E, Wood AM, Pennells L, Thompson A, Sarwar N, Kizer JR, Lawlor DA, Nordestgaard BG, Ridker P, Salomaa V, Stevens J, Woodward M, Sattar N, Collins R, Thompson SG, Whitlock G, Danesh J. Separate and combined associations of body-mass index and abdominal adiposity with cardiovascular disease: collaborative analysis of 58 prospective studies. Lancet. 2011;377(9771):1085-95.. Ainda, vários estudos têm demonstrado que a obesidade por si só já está relacionada com o aumento do risco cardiovascular, favorecendo eventos, como angina, infarto agudo do miocárdio, insuficiência cardíaca e morte súbita33 Remígio MI, Santa Cruz F, Ferraz Á, Remígio MC, Parente G, Nascimento I, et al. The impact of bariatric surgery on cardiopulmonary function: analyzing VO2 recovery kinetics. Obes Surg. 2018;28(12):4039-44.

4 Hubert HB, Feinleib M, McNamara PM, Castelli WP. Obesity as an independent risk factor for cardiovascular disease: a 26-year follow-up of participants in the Framingham Heart Study. Circulation. 1983;67(5):968-77.
-55 Ndumele CE, Matsushita K, Lazo M, Bello N, Blumenthal RS, Gerstenblith G, et al. Obesity and subtypes of incident cardiovascular disease. J Am Heart Assoc. 2016;5(8):pii. e003921.. Essa maior propensão para desenvolver doenças cardiovasculares (DCV) parece ser consequência da disfunção endotelial e inflamação subclínica características da obesidade66 Rossi R, Iaccarino D, Nuzzo A, Chiurlia E, Bacco L, Venturelli A, et al. Influence of body mass index on extent of coronary atherosclerosis and cardiac events in a cohort of patients at risk of coronary artery disease. Nutr Metab Cardiovasc Dis. 2011;21(2):86-93..

Levando-se em conta este cenário, é de suma importância o estabelecimento de um diagnóstico precoce e não invasivo de DCV e suas complicações na população portadora de obesidade. Uma série de escores clínicos tem sido usada para estimar o risco de desenvolvimento de DCV, sendo escore de risco de Framingham (ERF) um dos mais disseminados na prática clínica77 Joshi PH, Patel B, Blaha MJ, Berry JD, Blankstein R, Budoff MJ, et al. Coronary artery Calcium predicts cardiovascular events in participants with a low lifetime risk of Cardiovascular disease: the Multi-Ethnic Study of Atherosclerosis (MESA). Atherosclerosis. 2016;246:367-73.. Esse escore consiste de um modelo estatístico multivariado que leva em consideração: idade, sexo, tabagismo, diabetes, hipertensão, colesterol total, HDL e LDL em pacientes assintomáticos, sem história de doença arterial coronariana (DAC) prévia, objetivando predizer o risco de DCV em 10 anos88 Jahangiry L, Farhangi MA, Rezaei F. Framingham risk score for estimation of 10-years of cardiovascular diseases risk in patients with metabolic syndrome. J Health Popul Nutr. 2017;36(1):36..

Contudo, a aplicação de escores clínicos, isoladamente, para predizer o risco cardiovascular futuro é limitada99 Greenland P, LaBree L, Azen SP, Doherty TM, Detrano RC. Coronary artery calcium score combined with Framingham score for risk prediction in asymptomatic individuals. JAMA. 2004;291(2):210-5.. Dessa forma, há uma necessidade de se incorporar, na prática clínica, métodos mais objetivos, que sejam capazes de quantificar o risco futuro de desenvolvimento de DCV1010 Polak JF, Szklo M, O'Leary DH. Carotid intima-media thickness score, positive coronary artery calcium score, and incident coronary heart disease: the Multi-Ethnic Study of Atherosclerosis. J Am Heart Assoc. 2017;6(1):pii. e004612.. Nesse contexto, o escore de cálcio das artérias coronárias (ECC), medido através de tomografia computadorizada (TC), aparece como uma ferramenta útil, sendo capaz de detectar, de forma não invasiva, calcificações vasculares in vivo1111 Arad Y, Spadaro LA, Goodman K, Newstein D, Guerci AD. Prediction of coronary events with electron beam computed tomography. J Am Coll Cardiol. 2000;36(4):1253-60.,1212 Budoff MJ, Young R, Lopez VA, Kronmal RA, Nasir K, Blumenthal RS, et al. Progression of coronary calcium and incident coronary heart disease events: MESA (Multi-Ethnic Study of Atherosclerosis). J Am Coll Cardiol. 2013;61(12):1231-9.. O ECC tem se mostrado como um fator preditivo independente para a ocorrência de eventos cardiovasculares no futuro77 Joshi PH, Patel B, Blaha MJ, Berry JD, Blankstein R, Budoff MJ, et al. Coronary artery Calcium predicts cardiovascular events in participants with a low lifetime risk of Cardiovascular disease: the Multi-Ethnic Study of Atherosclerosis (MESA). Atherosclerosis. 2016;246:367-73..

Cirurgia bariátrica, tida como um dos métodos mais eficazes para perda de peso, tem apresentado resultados interessantes quanto ao risco cardiovascular, reduzindo os fatores de risco e prevenindo futuros eventos deletérios dessa natureza, como observado em estudos anteriores1313 Sjöström L, Peltonen M, Jacobson P, Sjöström CD, Karason K, Wedel H, et al. Bariatric surgery and long-term cardiovascular events. JAMA. 2012;307(1):56-65.. Essa cirurgia está associada à melhora da disfunção endotelial e redução da inflamação subclínica, presentes na obesidade1414 Lupoli R, Di Minno MN, Guidone C, Cefalo C, Capaldo B, Riccardi G, et al. Effects of bariatric surgery on markers of subclinical atherosclerosis and endothelial function: a meta-analysis of literature studies. Int J Obes (Lond). 2016;40(3):395-402.. Frente à redução da mortalidade e do risco cardiovascular com a cirurgia bariátrica, é de se esperar que esses pacientes apresentem melhora ou, ao menos, progressão mais lenta do ECC durante o período pós-operatório1515 Sturm W, Tschoner A, Engl J, Kaser S, Laimer M, Ciardi C, et al. Effect of bariatric surgery on both functional and structural measures of premature atherosclerosis. Eur Heart J. 2009;30(16):2038-43..

Esse estudo objetivou investigar o impacto da cirurgia bariátrica no ECC, e estabelecer fatores preditivos de progressão do referido escore em pacientes obesos. Além disso, o ERF também foi estudado antes e depois da cirurgia, visando a determinar, mais precisamente, a modificação do risco cardiovascular futuro.

MÉTODOS

Estudo prospectivo realizado no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco durante o período compreendido entre 2014 e 2018. Consistiu na determinação do ECC através de TC sem contraste nos períodos pré e pós-operatório tardio de pacientes submetidos à cirurgia bariátrica, tanto pelo bypass gástrico em Y de Roux (BGYR) quanto pela gastrectomia vertical (GV).

A amostra foi selecionada de acordo com os critérios da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM): IMC entre 30 e 34,9 Kg/m22 Emerging Risk Factors Collaboration, Wormser D, Kaptoge S, Di Angelantonio E, Wood AM, Pennells L, Thompson A, Sarwar N, Kizer JR, Lawlor DA, Nordestgaard BG, Ridker P, Salomaa V, Stevens J, Woodward M, Sattar N, Collins R, Thompson SG, Whitlock G, Danesh J. Separate and combined associations of body-mass index and abdominal adiposity with cardiovascular disease: collaborative analysis of 58 prospective studies. Lancet. 2011;377(9771):1085-95. associado ao menos a uma comorbidade grave; IMC entre 35 e 40 Kg/m22 Emerging Risk Factors Collaboration, Wormser D, Kaptoge S, Di Angelantonio E, Wood AM, Pennells L, Thompson A, Sarwar N, Kizer JR, Lawlor DA, Nordestgaard BG, Ridker P, Salomaa V, Stevens J, Woodward M, Sattar N, Collins R, Thompson SG, Whitlock G, Danesh J. Separate and combined associations of body-mass index and abdominal adiposity with cardiovascular disease: collaborative analysis of 58 prospective studies. Lancet. 2011;377(9771):1085-95. associado a qualquer comorbidade; ou IMC>40Kg/m22 Emerging Risk Factors Collaboration, Wormser D, Kaptoge S, Di Angelantonio E, Wood AM, Pennells L, Thompson A, Sarwar N, Kizer JR, Lawlor DA, Nordestgaard BG, Ridker P, Salomaa V, Stevens J, Woodward M, Sattar N, Collins R, Thompson SG, Whitlock G, Danesh J. Separate and combined associations of body-mass index and abdominal adiposity with cardiovascular disease: collaborative analysis of 58 prospective studies. Lancet. 2011;377(9771):1085-95. independente de comorbidades.

O estudo incluiu pacientes com obesidade classes II e III, de ambos os sexos, com idades entre 18 e 75 anos, que apresentaram ECC positivo na avaliação pré-operatória. Pacientes que apresentaram DAC manifestada, incluindo angina, infarto do miocárdio e revascularização coronariana prévia foram excluídos da amostra. Pacientes com ECC negativo na avaliação pré-operatória e os que se negaram a realizar a TC também foram excluídos.

Todos os pacientes foram submetidos a uma avaliação pré-operatória quando foram questionados sobre a presença de fatores de risco cardiovascular, como HAS, DM2, hipercolesterolemia, tabagismo e uso de medicações. Amostras de sangue foram coletadas com jejum de 12 horas para análise das variáveis bioquímicas do presente estudo, que incluíram: colesterol total, HDL, LDL, triglicerídeos, glicemia de jejum (GJ), hemoglobina glicosilada (A1C), insulina, cálcio sérico, peptídeo-C e proteína C-reativa (PCR). Essas análises foram realizadas nos períodos pré e pós-operatório tardio, objetivando determinar o ERF dos pacientes.

Hipertensão arterial foi definida como pressão arterial sistólica >130mmHg ou pressão diastólica >80mmHg. Diabetes foi definida como glicemia de jejum >126mg/dl, A1C=6,5%, ou uso de drogas antidiabéticas. Hipercolesterolemia foi definida como colesterol total >200mg/dl ou uso de medicações hipolipemiantes. Hipertrigliceridemia foi definida como triglicerídeos >150mg/dl.

Todos os pacientes foram submetidos à TC para determinação do ECC. Quarenta e oito cortes contíguos foram obtidos, com intervalos de 3mm, iniciando 1cm abaixo da carina e progredindo no sentido caudal, objetivando cobrir toda a árvore coronária. A aquisição das imagens foi realizada entre 60% e 80% do intervalo eletrocardiográfico R-R. As imagens foram interpretadas por um radiologista experiente, utilizando-se do método de Agatson para cálculo do ECC. Um foco de cálcio coronariano foi definido como a presença de três ou mais pixels contíguos com mais de 130 unidades Hounsfield. O ECC total foi calculado através da soma do escore de cada uma das três principais artérias coronárias epicárdicas (descendente anterior esquerda, circunflexa e coronária direita). Os resultados do ECC foram estratificados em quatro categorias (0: ausente; 0,1-99: leve; 100-400: moderado; >400: grave).

Todas as avaliações foram realizadas em dois momentos distintos: antes e depois (pós-operatório tardio) da cirurgia bariátrica, e, então, comparadas entre si.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Pernambuco (CEP/CCS/UFPE), conforme a Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, sob o CAAE 00895712.5.0000.5208

Os resultados foram expressos através de frequências absolutas e percentuais para as variáveis categóricas; e média, mediana, desvio padrão e percentis 25º e 75º foram usados para as variáveis quantitativas. O teste Shapiro-Wilk foi aplicado para a normalidade da distribuição. As comparações entre as avaliações pré e pós-operatórias foram comparadas através de um teste T para amostras pareadas quando a normalidade da distribuição foi confirmada. O teste de Wilcoxon foi utilizado para os casos em que a hipótese de normalidade da distribuição foi refutada; os testes exato de Fischer, Mann-Whitney, t-Student, para as variâncias iguais, e o t-Student, para as variâncias diferentes, foram usados para analisar as variáveis categóricas. A fim de confirmar se duas distribuições apresentavam a mesma variância, o teste de Levene (teste F) foi aplicado. O nível de significância estatística foi definido pelo valor-p <0,05.

RESULTADOS

Um total de 202 pacientes, todos candidatos à cirurgia bariátrica, foram recrutados em nosso centro. Dentre eles, apenas 18 preencheram os critérios para participar do estudo. Dez pacientes foram submetidos ao BGYR, e oito à GV. A amostra foi composta por 55,6% de homens e 44,4% de mulheres. A média de idade foi de 55,3 anos, variando de 31 a 71 anos. O tempo médio de seguimento pós-operatório foi de 2,2 anos, variando de 1,5 a 4,0 anos. Acerca da presença de comorbidades, 83,3% apresentaram DM2, 83,3%, HAS e 38,9%, hipercolesterolemia.

As variáveis clínicas e laboratoriais estão expressas na tabela 1. IMC, cálcio, insulina, peptídeo C, glicemia de jejum, A1C, colesterol total, LDL e triglicerídeos apresentaram redução estatisticamente significativa no pós-operatório. Os valores médios de HDL e do ECC apresentaram elevação estatisticamente significativa na avaliação pós-operatória.

Tabela 1
Parâmetros clínicos e laboratoriais nos períodos pré e pós-operatório tardio da cirurgia bariátrica.

Na avaliação do ERF - escore que estima o risco de desenvolver doenças cardiovasculares em 10 anos -, foi possível observar uma redução significativa no valor médio desse escore na amostra, indo de 6% no pré-operatório para 3% no pós-operatório tardio (p<0,001) (Figura 1).

Figura 1
Escore de risco de Framingham dos pacientes antes e depois da cirurgia bariátrica.

A tabela 2 mostra a avaliação do ECC nos períodos pré e pós-operatório tardio. É possível observar que, na avaliação inicial, a maioria dos pacientes (77,8%) foi estratificada como risco leve, nenhum como risco ausente, e os demais como risco moderado (11,1%) ou grave (11,1%). Na avaliação pós-operatória, metade dos pacientes foi estratificada como risco leve, 22,2% se enquadrou como risco ausente, 11,1% como risco moderado e os 16,7% restantes como risco grave. Não houve diferença estatisticamente significativa entre as avaliações pré e pós-operatória (p=0,414).

Tabela 2
Avaliação do escore de cálcio coronariano (ECC) nos períodos pré e pós-operatório de cirurgia bariátrica

A tabela 3 mostra a relação da progressão do ECC com as seguintes variáveis: idade, sexo, tipo de cirurgia e tempo de seguimento. Nenhum dos parâmetros, exceto a idade, apresentou significância estatística na comparação entre os que apresentaram progressão do escore e aqueles que não apresentaram. A idade foi mais avançada no grupo que apresentou progressão do ECC (p=0,034).

Tabela 3
Progressão do escore de cálcio coronariano de acordo com idade, sexo, tipo de cirurgia e tempo de seguimento pós-operatório.

A tabela 4 exibe a análise dos parâmetros clínicos e laboratoriais de acordo com a progressão ou não do ECC. Não houve associação estatisticamente significante entre a progressão do ECC e os parâmetros avaliados.

Tabela 4
Avaliação dos parâmetros antropométricos e bioquímicos de acordo com a progressão ou não do escore de cálcio coronariano.

DISCUSSÃO

Já é bem estabelecido que a cirurgia bariátrica reduz, de forma significativa, a ocorrência de eventos cardiovasculares33 Remígio MI, Santa Cruz F, Ferraz Á, Remígio MC, Parente G, Nascimento I, et al. The impact of bariatric surgery on cardiopulmonary function: analyzing VO2 recovery kinetics. Obes Surg. 2018;28(12):4039-44.,1616 Cardoso L, Rodrigues D, Gomes L, Carrilho F. Short- and long-term mortality after bariatric surgery: A systematic review and meta-analysis. Diabetes Obes Metab. 2017;19(9):1223-32.,1717 Shin SH, Lee YJ, Heo YS, Park SD, Kwon SW, Woo SI, et al. Beneficial effects of bariatric surgery on cardiac structure and function in obesity. Obes Surg. 2017;27(3):620-5.. Adams et al. mostraram, em um estudo retrospectivo, que a mortalidade em longo prazo foi significativamente mais baixa no grupo submetido à cirurgia bariátrica do que em um grupo controle, composto por indivíduos obesos, havendo uma redução de 56% na prevalência de DAC1818 Adams TD, Gress RE, Smith SC, Halverson RC, Simper SC, Rosamond WD, et al. Long-term mortality after gastric bypass surgery. N Engl J Med. 2007;357(8):753-61..

Batsis et al. utilizaram o ERF e o escore PROCAM para avaliar o risco de desenvolver doenças cardiovasculares em 197 pacientes submetidos ao BGYR, comparando com um grupo controle composto por 163 indivíduos do Rochester Epidemiology Project1919 Batsis JA, Sarr MG, Collazo-Clavell ML, Thomas RJ, Romero-Corral A, Somers VK, et al. Cardiovascular risk after bariatric surgery for obesity. Am J Cardiol. 2008;102(7):930-7.. O ERF reduziu mais no seguimento do grupo pós-BGYR (de 7% para 3,5%, p<0,001) do que no controle (7,1% para 6,5%. p=0,13)1919 Batsis JA, Sarr MG, Collazo-Clavell ML, Thomas RJ, Romero-Corral A, Somers VK, et al. Cardiovascular risk after bariatric surgery for obesity. Am J Cardiol. 2008;102(7):930-7.. Vogel et al., também utilizando o ERF, encontraram uma redução no risco de desenvolver doenças cardiovasculares em 10 anos de 39% em homens e 25% em mulheres2020 Vogel JA, Franklin BA, Zalesin KC, Trivax JE, Krause KR, Chengelis DL, et al. Reduction in predicted coronary heart disease risk after substantial weight reduction after bariatric surgery. Am J Cardiol. 2007;99(2):222-6..

No presente estudo, houve uma redução de 50% do ERF, decaindo de 6% no pré-operatório para 3% no pós-operatório tardio de cirurgia bariátrica. Esses resultados estão de acordo com aqueles reportados por Batsis et al.1919 Batsis JA, Sarr MG, Collazo-Clavell ML, Thomas RJ, Romero-Corral A, Somers VK, et al. Cardiovascular risk after bariatric surgery for obesity. Am J Cardiol. 2008;102(7):930-7., contudo o presente estudo fornece uma avaliação com maior tempo de seguimento.

Priester et al. compararam o ECC de pacientes submetidos ao BGYR (grupo teste) com um grupo controle composto por indivíduos obesos2121 Priester T, Ault TG, Davidson L, Gress R, Adams TD, Hunt SC, et al. Coronary calcium scores 6 years after bariatric surgery. Obes Surg. 2015;25(1):90-6.. Utilizando essa metodologia, eles encontraram ECC=0 em 72% do grupo teste e de apenas 49% no grupo controle. Eles também observaram que o grupo teste apresentou menor valor médio do ECC em relação ao controle (30±109 x 103±325).

No presente estudo, foi possível observar que 22,2% da amostra apresentava ECC=0 no pós-operatório. Esse dado é importante, pois fortalece a hipótese de que a cirurgia bariátrica reduziria o ECC dos pacientes, uma vez que não houve nenhum caso de ECC=0 no período pré-operatório. Por outro lado, houve progressão do ECC médio no pós-operatório (indo de 8,5 para 33,1, p=0,002) apesar de melhoras em todas as comorbidades e no ERF. Esse dado é intrigante devido ao fato de que já está demonstrado na literatura que cirurgia bariátrica reduz o risco cardiovascular, e que a progressão do ECC é considerada, por si só, um fator preditivo de doença cardiovascular futura e de mortalidade1818 Adams TD, Gress RE, Smith SC, Halverson RC, Simper SC, Rosamond WD, et al. Long-term mortality after gastric bypass surgery. N Engl J Med. 2007;357(8):753-61.,2222 Gadelha PS, Campos JM, Moraes F, da F S Leão M, Ferraz ÁA. Altered coronary artery calcium scores before bariatric surgery. Springerplus. 2014;3:199.. De forma semelhante, outros estudos têm mostrado que o uso de estatinas também não reduz a progressão do ECC, mas, ainda assim, essas drogas contribuem por reduzir o risco cardiovascular no longo prazo dos pacientes2323 Miyoshi T, Kohno K, Asonuma H, Sakuragi S, Nakahama M, Kawai Y, Uesugi T, Oka T, Munemasa M, Takahashi N, Mukohara N, Habara S, Koyama Y, Nakamura K, Ito H; PEACH Investigators. Effect of intensive and standard pitavastatin treatment with or without eicosapentaenoic acid on progression of coronary artery calcification over 12 months - prospective multicenter study. Circ J. 2018;82(2):532-40..

Ao analisar a amostra de acordo com a progressão do ECC, foi visto, no presente estudo, que a idade foi o único parâmetro que guardou relação significante com a progressão do escore. Naqueles pacientes em que houve progressão do escore de cálcio, as idades eram mais avançadas em relação ao grupo em que não houve progressão (58,46 x 47,2 anos, p=0.034). De forma similar, outros estudos têm apontado que o ECC tende a progredir quanto mais avançada for a idade do paciente, e que esse fenômeno é mais intenso em homens1212 Budoff MJ, Young R, Lopez VA, Kronmal RA, Nasir K, Blumenthal RS, et al. Progression of coronary calcium and incident coronary heart disease events: MESA (Multi-Ethnic Study of Atherosclerosis). J Am Coll Cardiol. 2013;61(12):1231-9.,2424 Schmermund A, Erbel R, Silber S; MUNICH Registry Study Group. Multislice Normal Incidence of Coronary Health. Age and gender distribution of coronary artery calcium measured by four-slice computed tomography in 2,030 persons with no symptoms of coronary artery disease. Am J Cardiol. 2002;90(2):168-73.. No presente estudo, contudo, não foi encontrada diferença estatisticamente significativa entre os sexos.

Contrastando com os resultados deste estudo, Gadelha et al. encontraram relação direta de DM2 e HAS com a progressão do ECC2222 Gadelha PS, Campos JM, Moraes F, da F S Leão M, Ferraz ÁA. Altered coronary artery calcium scores before bariatric surgery. Springerplus. 2014;3:199.. DM2, HAS e dislipidemia são fatores de risco cardiovascular clássico e estão associados a uma maior propensão para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares. Nesse contexto, é plausível a inferência de que pacientes obesos, apresentando as comorbidades acima listadas, apresentariam uma pior progressão do ECC. Contudo, em nossa amostra, não houve relação estatisticamente significante entre a presença dessas comorbidades e a progressão do escore de cálcio.

Em relação ao tipo de cirurgia realizada, o presente estudo também não encontrou diferença estatisticamente significante na progressão do ECC entre pacientes submetidos ao BGYR ou à GV. Ambas as técnicas apresentaram resultados similares em relação à progressão do ECC ao longo do curso pós-operatório dos pacientes.

Estudos têm analisado o impacto da cirurgia bariátrica no ECC através de estudos de corte transversal2121 Priester T, Ault TG, Davidson L, Gress R, Adams TD, Hunt SC, et al. Coronary calcium scores 6 years after bariatric surgery. Obes Surg. 2015;25(1):90-6.. O presente estudo parece ser o primeiro de coorte prospectiva que analisa os efeitos da cirurgia bariátrica no cálcio coronariano. Essa metodologia torna a análise dos dados mais fidedigna, uma vez que é feita a comparação entre a avaliação inicial, antes da cirurgia, e a avaliação final, no pós-operatório tardio.

A maior limitação desse trabalho foi o tamanho da amostra. Nossa amostra foi reduzida devido ao fato de que, entre os 202 pacientes candidatos à cirurgia, apenas 18 apresentaram ECC positivo no pré-operatório. Outra limitação importante foi a ausência de um grupo controle com indivíduos obesos sob tratamento clínico apenas. Caso tivéssemos utilizado um grupo controle, poderíamos graduar o quão mais eficaz é a cirurgia bariátrica em relação ao tratamento clínico no que diz respeito à redução do risco de eventos cardiovasculares futuros.

Houve um aumento no escore de cálcio coronariano médio no pós-operatório tardio em relação ao pré-operatório; a única variável que apresentou associação estatisticamente significante com a progressão do escore de cálcio coronariano foi a idade dos pacientes; o valor médio do escore de risco de Framingham da amostra reduziu em 50% entre os períodos pré e pós-operatório tardio.

Levando-se em consideração os resultados deste estudo, os autores concluem que a cirurgia bariátrica proporciona desfechos cardiovasculares positivos - como evidenciado pela redução no escore de Framingham - de forma independente do escore de cálcio coronariano. Contudo, estudos prospectivos futuros, com amostras maiores e seguimentos de longo prazo, são necessários para se obter conclusões mais robustas acerca dos mecanismos através dos quais a cirurgia bariátrica leva à redução na ocorrência de doença arterial coronariana.

  • Fonte de financiamento: nenhuma.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jun 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    27 Fev 2019
  • Aceito
    03 Abr 2019
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