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Curativo com filme e gel de biopolímero de celulose bacteriana no tratamento de feridas isquêmicas após revascularização de membros inferiores.

RESUMO

Objetivo:

avaliar o uso do curativo de filme e gel de biopolímero de celulose bacteriana no tratamento de pacientes com feridas isquêmicas submetidos à revascularização dos membros inferiores.

Métodos:

ensaio clínico randomizado realizado no ambulatório de Angiologia e Cirurgia Vascular do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco, entre janeiro de 2017 e dezembro de 2018. Foram acompanhados 24 pacientes após revascularização de membros inferiores, divididos em dois grupos: Experimental, tratado com filme e gel de biopolímero de celulose bacteriana, e Controle, tratado com ácidos graxos essenciais. Os pacientes foram acompanhados em consultas semanais para troca dos curativos e o processo de cicatrização das feridas foi avaliado em um período de 90 dias.

Resultados:

a redução da área das feridas isquêmicas no período de 30 dias foi de 4,3cm2 (55%), em média, para o grupo experimental, e de 5,5cm2 (48,5%) para o grupo controle (p>0,05). A taxa de cicatrização completa, em 90 dias, foi de 34,8%, sendo 50% no grupo experimental e 18,2% no grupo controle (p=0,053).

Conclusão:

o filme de biopolímero de celulose bacteriana associada a gel pode ser utilizado como curativo no tratamento de feridas isquêmicas de pacientes submetidos à revascularização de membros inferiores

Descritores:
Doença Arterial Periférica; Saccharum; Celulose; Biopolímeros; Úlcera da Perna; Extremidade Inferior; Curativos Biológicos.

ABSTRACT

Objective:

to evaluate the use of a bacterial cellulose biopolymer film and gel dressing in the treatment of patients with ischemic wounds submitted to lower limb revascularization.

Methods:

we conducted a randomized clinical trial in the Angiology and Vascular Surgery outpatient clinic of the Clinics Hospital of the Federal University of Pernambuco, between January 2017 and December 2018. We followed 24 patients after lower limb revascularization, divided into two groups: Experimental, treated with bacterial cellulose biopolymer film and gel, and Control, treated with essential fatty acids. Patients attended weekly appointments to change dressings and had their wound healing processes evaluated over a period of 90 days.

Results:

the reduction of the ischemic wounds’ areas after 30 days was 4.3cm2 (55%) on average for the experimental group, and the 5.5cm2 (48.5%) for the control group (p>0.05). The complete healing rate at 90 days was 34.8%, 50% in the experimental group and 18.2% in the control group (p=0.053).

Conclusion:

the bacterial cellulose biopolymer film associated with gel can be used as a dressing in the treatment of ischemic wounds of patients undergoing revascularization of the lower limbs.

Keywords:
Peripheral Arterial Disease; Saccharum; Cellulose; Biopolymers; Leg Ulcer; Lower Extremity; Biological Dressings.

INTRODUÇÃO

A manifestação mais grave da doença arterial obstrutiva periférica (DAP) dos membros inferiores (MMII) é a ferida isquêmica (FI). Esta ocorre mais frequentemente no pé e perna e estão associadas a alto risco de perda do membro11 Gerhard-Herman MD, Gornik HL, Barrett C, Barshes NR, Corriere MA, Drachman DE, et al. 2016 AHA/ACC Guideline on the Management of Patients With Lower Extremity Peripheral Artery Disease: Executive Summary: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Clinical Practice Guidelines. J Am Coll Cardiol. 2017;69(11):1465-508. Erratum in: J Am Coll Cardiol. 2017;69(11):1520.. A maioria dos pacientes que apresentam FI são candidatos à cirurgia de revascularização arterial, seja ela aberta ou por via endovascular, que tem o objetivo de restabelecer o fluxo de sangue para o membro inferior e, desta forma, evitar as amputações maiores (acima da articulação do tornozelo), que causam importante piora na qualidade de vida e aumento da mortalidade. Apesar de já existir terapia alternativa, pouco acessível, como o uso de células-tronco, esta ainda não foi capaz de substituir os procedimentos de revascularização11 Gerhard-Herman MD, Gornik HL, Barrett C, Barshes NR, Corriere MA, Drachman DE, et al. 2016 AHA/ACC Guideline on the Management of Patients With Lower Extremity Peripheral Artery Disease: Executive Summary: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Clinical Practice Guidelines. J Am Coll Cardiol. 2017;69(11):1465-508. Erratum in: J Am Coll Cardiol. 2017;69(11):1520.

2 AbuRahma AF. When are endovascular and open bypass treatments preferred for femoropopliteal occlusive disease? Ann Vasc Dis. 2018;11(1):25-40.
-33 Lantis JC 2nd, Boone D, Lee L, Mendes D, Benvenisty A, Todd G. The effect of percutaneous intervention on wound healing in patients with mixed arterial venous disease. Ann Vasc Surg. 2011;25(1):79-86..

Além da cirurgia de revascularização arterial, os pacientes que apresentam FI frequentemente são submetidos a desbridamentos cirúrgicos e amputações menores. Estes procedimentos são realizados após as cirurgias de revascularização e tem como objetivo promover a remoção dos tecidos desvitalizados e infectados e facilitar o processo de cicatrização11 Gerhard-Herman MD, Gornik HL, Barrett C, Barshes NR, Corriere MA, Drachman DE, et al. 2016 AHA/ACC Guideline on the Management of Patients With Lower Extremity Peripheral Artery Disease: Executive Summary: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Clinical Practice Guidelines. J Am Coll Cardiol. 2017;69(11):1465-508. Erratum in: J Am Coll Cardiol. 2017;69(11):1520.

2 AbuRahma AF. When are endovascular and open bypass treatments preferred for femoropopliteal occlusive disease? Ann Vasc Dis. 2018;11(1):25-40.
-33 Lantis JC 2nd, Boone D, Lee L, Mendes D, Benvenisty A, Todd G. The effect of percutaneous intervention on wound healing in patients with mixed arterial venous disease. Ann Vasc Surg. 2011;25(1):79-86.. Com isso, necessitam de curativos que são realizados em nível ambulatorial. Muitos são os materiais utilizados nestes curativos, a maioria também empregada em úlceras de causas venosas e linfáticas. Não há uma padronização quanto ao material a ser utilizado nos curativos destas feridas e diversos protocolos são utilizados11 Gerhard-Herman MD, Gornik HL, Barrett C, Barshes NR, Corriere MA, Drachman DE, et al. 2016 AHA/ACC Guideline on the Management of Patients With Lower Extremity Peripheral Artery Disease: Executive Summary: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Clinical Practice Guidelines. J Am Coll Cardiol. 2017;69(11):1465-508. Erratum in: J Am Coll Cardiol. 2017;69(11):1520.

2 AbuRahma AF. When are endovascular and open bypass treatments preferred for femoropopliteal occlusive disease? Ann Vasc Dis. 2018;11(1):25-40.
-33 Lantis JC 2nd, Boone D, Lee L, Mendes D, Benvenisty A, Todd G. The effect of percutaneous intervention on wound healing in patients with mixed arterial venous disease. Ann Vasc Surg. 2011;25(1):79-86..

O filme de biopolímero de celulose bacteriana associada a gel (FGBC) é um material atóxico e biocompatível que vem sendo estudado em várias áreas da medicina. Já foi utilizado em experimentos animais como substituto arterial e no preenchimento de globos oculares eviscerados. Em humanos, foi testado em diversas áreas da medicina, inclusive como curativos. Teve resultados satisfatórios em pacientes portadores de úlceras venosas, porém ainda não havia sido empregado como cobertura de FI, que apresentam comportamento distinto das úlceras venosas.

O objetivo deste trabalho é avaliar a utilização do FGBC no tratamento de FI após revascularização de MMII44 Martins AG, Lima SV, Araújo LA, Vilar Fde O, Cavalcante NT. A wet dressing for hypospadia surgery. Int Braz J Urol. 2013;39(3):408-13.

5 Lima SV, de Oliveira Rangel AE, de Melo Lira MM, Pinto FC, Campos Júnior O, Sampaio FJ, et al. The biocompatibility of a cellulose exopolysaccharide implant in the rabbit bladder when compared with dextranomer microspheres plus hyaluronic acid. Urology. 2015;85(6):1520.e1-6.

6 Pinto FCM, De-Oliveira ACAX, De-Carvalho RR, Gomes-Carneiro MR, Coelho DR, Lima SVC, et al. Acute toxicity, cytotoxicity, genotoxicity and antigenotoxic effects of a cellulosic exopolysaccharide obtained from sugarcane molasses. Carbohydr Polym. 2016;137:556-60.

7 Aguiar JL, Lins EM, Marques SR, Coelho AR, Rossiter RdeO, Melo RJ. Sugarcane biopolymer patch in femoral artery angioplasty on dogs. Acta Cir Bras. 2007;22 Suppl 1:77-81.

8 de Barros-Marques SR1, Marques-Lins E, de Albuquerque MC, de Andrade-Aguiar JL. Sugarcane biopolymer patch in femoral vein angioplasty on dogs. J Vasc Surg. 2012;55(2):517-21.

9 Cavalcanti LM, Pinto FCM, Oliveira GM, Lima SVC, Aguiar JLA, Lins EM. Efficacy of bacterial cellulose membrane for the treatment of lower limbs chronic varicose ulcers: a randomized and controlled trial. Rev Col Bras Cir. 2017;44(1):72-80.
-1010 Coelho MCOC, Carrazoni PG, Monteiro VLC, Melo FAD, Mota RA, Tenório Filho F. Biopolímero produzido a partir da cana-de-açúcar para cicatrização cutânea. Acta Cir Bras. 2002;17(suppl 1):11-3..

MÉTODOS

Participaram deste estudo, 24 pacientes que apresentavam FI nos MMII e foram submetidos à cirurgia de revascularização dos MMII (endovascular ou aberta) no Serviço de Cirurgia Vascular do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (HC-UFPE). O estudo realizado foi o de intervenção, prospectivo e randomizado simples.

Os pacientes foram randomizados e distribuídos da seguinte forma: 13 pacientes no grupo do curativo com filme e gel de biopolímero (Grupo Experimental - GE) e 11 no grupo do curativo controle, com ácidos graxos essenciais (AGE) e gaze (Grupo Controle - GC). Todos foram acompanhados no Ambulatório de Cirurgia Vascular do HC-UFPE em consultas semanais, quando eram realizadas a avaliação clínica e a troca do curativo, por um período de 90 dias. A avaliação da FI foi feita através da metodologia do sistema MEASURE1111 Keast DH, Bowering CK, Evans AW, Mackean GL, Burrows C, D’Souza L. MEASURE: a proposed assessment framework for developing best practice recommendations for wound assessment. Wound Repair Regen. 2004;12(3 Suppl):S1-17..

Os pacientes inseridos no GC eram submetidos à aplicação de AGE na ferida e cobertura com gaze, seguidas por enfaixamento com ataduras de crepom. Já os pacientes do GE foram tratados com aplicação de um curativo primário composto de gel de biopolímero aplicado diretamente no leito da FI e coberto com o filme (membrana) do mesmo biopolímero (Figura 1). Este curativo primário era igualmente coberto por gaze e atadura de crepom, utilizadas como curativo secundário neste grupo.

Figura 1
Filme e gel de biopolímero de celulose bacteriana: facilidade em manuseio da membrana (A); apresentação esterilizada (B); gel de celulose bacteriana estéril (C); aspecto do gel de celulose bacteriana (D).

Os pacientes do GC foram orientados à troca diária e completa de curativo após o banho, com lavagem da ferida e reaplicação de AGE e nova cobertura com gaze, conforme protocolo do Serviço. Os incluídos no GE foram orientados ao mesmo procedimento, porém com a troca apenas do curativo secundário (gaze), sem a remoção da membrana aderida diretamente à úlcera (curativo primário). Todas as feridas foram submetidas a registro fotográfico com a mesma câmera digital NIKON 3200 na avaliação inicial e nas reavaliações para monitorização das respostas às medidas terapêuticas.

A análise estatística foi realizada com os sofwares GraphPad Prism 4.0 (GraphPad Software Inc., USA) e SigmaPlot 12.0 (Systat Software, Inc., Germany). As variáveis contínuas foram expressas em média e desvio padrão ou mediana e intervalo interquartil 25%-75%, e diferença de média e intervalo de confiança de 95%. As variáveis categóricas foram expressas em número de casos e frequência por grupo estudado. Para análise de distribuição dos dados foi realizado o teste de normalidade Shapiro-Wilk. Para comparação de variáveis categóricas entre grupos foi usado o teste Qui-quadrado de Pearson ou o teste exato de Fisher. Para comparação de variáveis contínuas entre grupos foram utilizados teste t-Student ou teste de Mann-Whitney para amostras independentes e teste t-Student pareado ou Wilcoxon para dados pareados para comparação entre avaliações. Foi realizado o teste ANOVA two-way com pós-teste de múltiplas comparações de Holm-Sidak, utilizados para comparação entre as intervenções (Controle e FGBC) e efeito do tempo dentro de cada intervenção (pré e pós-intervenção). Foram considerados significativos valores de p<0,05.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos da UFPE (parecer número 1.117.265). Todos os pacientes foram informados e esclarecidos sobre todos os detalhes da pesquisa. Os que concordaram em participar assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS

Entre os 24 pacientes avaliados, a idade variou de 49 a 90 anos (média de 67,4), sendo que 12 (50%) eram do sexo feminino. Quanto aos fatores risco para a DAP, o mais frequentemente encontrado foi a hipertensão arterial sistêmica (HAS), presente em 20 (83,3%) pacientes, sendo dez (90,3%) pacientes do GC e dez (76,9%) do GE (p=0,59). Tabagismo, diabetes mellitus (DM) e dislipidemia estiveram presentes em 19 (79,2%), 18 (75%) e 16 (66,6%) pacientes, respectivamente, sem diferença significativa entre os grupos (p>0,05) (Tabela 1).

Tabela 1
Perfil de comorbidades e antecedentes clínicos.

Houve predominância de realização do tratamento cirúrgico endovascular (angioplastia transluminal percutânea) nos dois grupos, sendo mais frequente no GE, em dez (76,9%) pacientes, em relação ao GC, em seis (54,5%) pacientes, porém sem significado estatístico (p=0,39) (Tabela 2).

Tabela 2
Tratamentos cirúrgicos empregados no tratamento da FI (dados expressos em mediana com intervalo interquartil 25%-75%).

Quanto à avaliação através do MEASURE, não houve qualquer diferença estatística entre os dois grupos no primeiro dia de avaliação (Tabela 3).

Tabela 3
Aspectos relacionados ao MEASURE no primeiro dia de avaliação. Dados expressos em média ± desvio padrão ou mediana (intervalo interquartil 25%-75%).

Não houve diferença estatística em nenhum parâmetro do MEASURE entre os grupos em um período de 30 dias. Os dois curativos apresentaram redução relevante de comprimento e largura (GE de -0,7cm e -0,7cm e GC -0,9cm e -0,9cm, respectivamente) (p<0,05). O GE teve redução de profundidade de 0,4cm, enquanto o GC teve redução de 0,1cm, tendo havido significância estatística em favor do GE (p=0,046) (Figuras 2 e 3). Não houve diferença estatística na redução da área da FI no período de 30 dias. Foi de 4,3cm2 (55%), em média, para o GE, e de 5,5cm2 (48,5%) para o GC (p>0,05). Os dois grupos apresentaram redução significativa da área (Tabelas 4 e 5).

Figura 2
Ferida isquêmica após revascularização de membro e de amputação de hálux esquerdo. Já há predominância de tecido de granulação.

Figura 3
Aspecto da úlcera após 30 dias de acompanhamento ambulatorial: houve aumento de tecido de granulação no GC.

Tabela 4
Comparação evolutiva após 30 dias de dados quantitativos relacionados ao MEASURE entre os dois grupos. Dados expressos em média ± desvio padrão e diferença de média (intervalo de confiança de 95%).
Tabela 5
Comparação evolutiva após 30 dias de dados qualitativos relacionados ao MEASURE entre os dois grupos. Dados expressos em mediana (intervalo interquartil 25-75%).

A taxa de cicatrização completa em 90 dias foi de 34,8% (8 casos), sendo 50% (6 casos) no GE e 18,2% (2 casos) no GC, porém, sem significância estatística (p=0,193). Um paciente do GE não pode ser avaliado por ter falecido por complicações cardíacas (infarto agudo do miocárdio) com 45 dias de acompanhamento (Figuras 4 e 5).

Figura 4
Ferida isquêmica em calcanhar após revascularização de membro inferior esquerdo.

Figura 5
Ferida cicatrizada após seis semanas de acompanhamento ambulatorial (GE).

DISCUSSÃO

A DAP acomete pacientes de maior idade, sendo a média de idade dos pacientes avaliados nesse estudo de 67,4 anos. Esse resultado é semelhante aos encontrados na literatura e justifica-se porque a DAP apresenta maior prevalência a partir da sexta década de vida1212 Norgren L, Hiatt WR, Dormandy JA, Nehler MR, Harris KA, Fowkes FG; TASC II Working Group. Inter-Society Consensus for the Management of Peripheral Arterial Disease (TASC II). J Vasc Surg. 2007;45 Suppl S:S5-67.

13 Makdisse M, Pereira AC, Brasil DP, Borges JL, Machado-Coelho GLL, Krieger JE, et al. Prevalência e fatores de risco associados à doença arterial periférica no projeto corações do Brasil. Arq Bras Cardiol. 2008;91(6):402-14.
-1414 Conte SM, Vale PR. Peripheral arterial disease. Hear Lung Circ. 2018;27(4):427-32..

A amostra avaliada apresentou número igual de pacientes em ambos os sexos. Sabe-se que a aterosclerose acomete os homens mais precocemente, porém, após a menopausa, a incidência nas mulheres tende a se igualar à do sexo oposto. Esses fatos fazem com que os grupos se igualem quanto à prevalência da DAP nas faixas etárias mais avançadas, como revelado nesta pesquisa. Outro aspecto a ser comentado é que os homens morrem mais precocemente do que as mulheres por doença aterosclerótica1212 Norgren L, Hiatt WR, Dormandy JA, Nehler MR, Harris KA, Fowkes FG; TASC II Working Group. Inter-Society Consensus for the Management of Peripheral Arterial Disease (TASC II). J Vasc Surg. 2007;45 Suppl S:S5-67.

13 Makdisse M, Pereira AC, Brasil DP, Borges JL, Machado-Coelho GLL, Krieger JE, et al. Prevalência e fatores de risco associados à doença arterial periférica no projeto corações do Brasil. Arq Bras Cardiol. 2008;91(6):402-14.
-1414 Conte SM, Vale PR. Peripheral arterial disease. Hear Lung Circ. 2018;27(4):427-32..

Os fatores de risco para DAP mais prevalentes na amostra estudada foram HAS, DM e tabagismo. Estes resultados são semelhantes aos descritos na literatura e estão relacionados ao desenvolvimento da aterosclerose. Além disto, vários estudos atrelam o tabagismo e a DM à progressão para formas mais graves da DAP. Desta forma, pacientes diabéticos e/ou tabagistas apresentam risco aumentado de desenvolver FI ou gangrena1212 Norgren L, Hiatt WR, Dormandy JA, Nehler MR, Harris KA, Fowkes FG; TASC II Working Group. Inter-Society Consensus for the Management of Peripheral Arterial Disease (TASC II). J Vasc Surg. 2007;45 Suppl S:S5-67.

13 Makdisse M, Pereira AC, Brasil DP, Borges JL, Machado-Coelho GLL, Krieger JE, et al. Prevalência e fatores de risco associados à doença arterial periférica no projeto corações do Brasil. Arq Bras Cardiol. 2008;91(6):402-14.
-1414 Conte SM, Vale PR. Peripheral arterial disease. Hear Lung Circ. 2018;27(4):427-32..

A cirurgia de revascularização de membro inferior é escolhida de acordo com o tipo, a localização e a extensão da DAP. As lesões mais proximais e mais curtas apresentam boa resposta tanto à ponte arterial direta quanto ao tratamento endovascular, sendo este último menos invasivo. O mais importante consenso que comparou a cirurgia aberta com a endovascular (Transatlantic Intersociety Consensus II) apresentou critérios anatômicos para seleção do tipo de revascularização. Além disso, condições clínicas dos pacientes devem ser consideradas. Pacientes com elevado risco cardiovascular devem ser selecionados para tratamento menos invasivo, endovascular1212 Norgren L, Hiatt WR, Dormandy JA, Nehler MR, Harris KA, Fowkes FG; TASC II Working Group. Inter-Society Consensus for the Management of Peripheral Arterial Disease (TASC II). J Vasc Surg. 2007;45 Suppl S:S5-67..

O tempo de cicatrização médio da FI costuma ser de 90 a 180 dias, apesar de haver grande divergência de resultados na literatura. Neste estudo, a cicatrização após 90 dias de acompanhamento ocorreu em cerca de metade dos pacientes do GE e em menos de 20% do pacientes do GC, porém sem diferença estatística. A amostra pequena pode ter influenciado na não significância estatística, apesar da importante diferença obtida no percentual de cicatrização total no GE1515 Mayor JM, Valentin W, Sharath S, Barshes NR, Chung J, Kougias P, et al. The impact of foot infection on infrainguinal bypass outcomes in patients with chronic limb-threatening ischemia. J Vasc Surg. 2018;68(6):1-7.

16 Hunt TK, Hopf H, Hussain Z. Physiology of wound healing. Adv Skin Wound Care. 2000;13(2 Suppl):6-11.

17 Barrientos S, Stojadinovic O, Golinko MS, Brem H, Tomic-Canic M. Growth factors and cytokines in wound healing. Wound Repair Regen. 2008;16(5):585-601.

18 Campos ACL, Borges-Branco A, Groth AK. Cicatrização de feridas. ABCD Arq Bras Cir Dig. 2007;20(1):51-8.
-1919 Furuyama T, Onohara T, Yamashita S, Yoshiga R, Yoshiya K, Inoue K, et al. Prognostic factors of ulcer healing and amputation-free survival in patients with critical limb ischemia. Vascular. 2018;26(6):626-33..

A avaliação através do protocolo MEASURE1111 Keast DH, Bowering CK, Evans AW, Mackean GL, Burrows C, D’Souza L. MEASURE: a proposed assessment framework for developing best practice recommendations for wound assessment. Wound Repair Regen. 2004;12(3 Suppl):S1-17. foi melhor aplicado no período de 30 dias, em que houve maior presença dos pacientes incluídos no estudo. Alguns pacientes não conseguiram comparecer a todas as consultas, tornando os atendimentos mais espaçados nos 90 dias de observação, o que possibilitou apenas a avaliação da taxa de cicatrização, não sendo possível obter dados quantitativos de parte considerável da amostra neste período.

O principal fator para cicatrização da FI é uma boa perfusão distal do membro. A área das lesões, os critérios de reintervenção cirúrgica utilizados e a forma de acompanhamento da perviedade do enxerto ou da artéria tratada também podem influenciar a cicatrização da FI2020 Okazaki J, Matsuda D, Tanaka K, Ishida M, Kuma S, Morisaki K, et al. Analysis of wound healing time and wound-free period as outcomes after surgical and endovascular revascularization for critical lower limb ischemia. J Vasc Surg. 201;67(3):817-25.

21 Mohapatra A, Henry JC, Avgerinos ED, Boitet A, Chaer RA, Makaroun MS, et al. Bypass versus endovascular intervention for healing ischemic foot wounds secondary to tibial arterial disease. J Vasc Surg. 2018;68(1):168-75.
-2222 Uccioli L, Meloni M, Izzo V, Giurato L, Merolla S, Gandini R. Critical limb ischemia: current challenges and future prospects. Vasc Health Risk Manag. 2018;14:63-74..

O método MEASURE foi utilizado para uniformizar a forma de avaliação da FI. Foi encontrada uma predominância de feridas delimitadas, com pouco exsudato, rico em tecido de granulação e sem descolamento. Após a revascularização adequada do membro acometido por DAP e desbridamento cirúrgico para a retirada de tecidos desvitalizados é esperado uma diminuição da frequência de feridas exsudativas, mais superficiais e com progressão de granulação. Neste trabalho, os pacientes eram randomizados apenas após o tratamento cirúrgico da isquemia e das feridas e, por isso, características como boa granulação, pouco exsudato e delimitação da FI foram similares nos dois grupos2323 Dias E. Angiossomas do pé e do tornozelo - implicações no tratamento da isquemia crítica dos membros inferiores. Angiol Cir Vasc. 2011:7(4);204-7..

O fato de o FGBC ser trocado semanalmente, sem prejuízo no resultado da cicatrização, parece ser um fator importante na adesão ao tratamento pelo paciente. Além disso, a sensação de dor durante a troca do curativo é motivo de sofrimento e até de aparecimento de angina cardíaca em pacientes arteriopatas. No presente estudo, os pacientes tiveram episódios álgicos durante a troca de curativo. Está descrito na literatura que a ansiedade às vésperas da troca do curativo pode ser gatilho para morte por IAM. Portanto, o espaçamento das trocas do curativo pode favorecer, inclusive, a maior sobrevida do paciente99 Cavalcanti LM, Pinto FCM, Oliveira GM, Lima SVC, Aguiar JLA, Lins EM. Efficacy of bacterial cellulose membrane for the treatment of lower limbs chronic varicose ulcers: a randomized and controlled trial. Rev Col Bras Cir. 2017;44(1):72-80.,2020 Okazaki J, Matsuda D, Tanaka K, Ishida M, Kuma S, Morisaki K, et al. Analysis of wound healing time and wound-free period as outcomes after surgical and endovascular revascularization for critical lower limb ischemia. J Vasc Surg. 201;67(3):817-25..

A cobertura associada ao gel favorece melhor fixação do curativo, proporcionando maior tempo de permanência e trocas mais espaçadas. Além disso, coberturas que permanecem por maior tempo sobre a lesão reduzem os custos do tratamento. Por isso, a associação da FGBC proporciona uma melhor adesividade da mesma e, por ser translúcido, mantém importante característica do curativo, que é possibilitar a avaliação das feridas, mesmo cobertas2121 Mohapatra A, Henry JC, Avgerinos ED, Boitet A, Chaer RA, Makaroun MS, et al. Bypass versus endovascular intervention for healing ischemic foot wounds secondary to tibial arterial disease. J Vasc Surg. 2018;68(1):168-75..

Tendo em vista que o FGBC já foi utilizado com bons resultados em doença venosa em estudos prévios e diante dos resultados deste estudo, o FGBC torna-se uma boa alternativa no tratamento de feridas de diversas etiologias. Úlceras com fisiopatologias distintas tratadas com FGBC demonstraram respostas similares diante do tratamento convencional99 Cavalcanti LM, Pinto FCM, Oliveira GM, Lima SVC, Aguiar JLA, Lins EM. Efficacy of bacterial cellulose membrane for the treatment of lower limbs chronic varicose ulcers: a randomized and controlled trial. Rev Col Bras Cir. 2017;44(1):72-80.,2121 Mohapatra A, Henry JC, Avgerinos ED, Boitet A, Chaer RA, Makaroun MS, et al. Bypass versus endovascular intervention for healing ischemic foot wounds secondary to tibial arterial disease. J Vasc Surg. 2018;68(1):168-75..

Os diversos materiais produzidos pela Estação Experimental de Cana-de-Açúcar de Carpina (UFRPE) apresentaram boa resposta em pesquisas clínicas aplicadas a humanos e, desta forma, credencia o material a ser explorado amplamente na prática médica99 Cavalcanti LM, Pinto FCM, Oliveira GM, Lima SVC, Aguiar JLA, Lins EM. Efficacy of bacterial cellulose membrane for the treatment of lower limbs chronic varicose ulcers: a randomized and controlled trial. Rev Col Bras Cir. 2017;44(1):72-80..

Uma limitação deste estudo foi a não classificação e comparação dos doentes segundo o critério de revasculariazação dos angiossomas, que é uma tendência atual da cirurgia vascular2323 Dias E. Angiossomas do pé e do tornozelo - implicações no tratamento da isquemia crítica dos membros inferiores. Angiol Cir Vasc. 2011:7(4);204-7.. Isto não foi realizado porque foram incluídos para avaliação apenas os pacientes que obtiveram sucesso após o tratamento cirúrgico e, provavelmente assim, o angiossoma afetado foi adequadamente revascularizado. Outra limitação a ser considerada é o pequeno número de pacientes avaliados, o que pode ter influenciado nos resultados estatísticos obtidos, como já foi descrito em parágrafo anterior.

Os bons resultados atingidos pela FGBC na cicatrização de FI e sua boa tolerância pelos pacientes aumentam a possibilidade de seu uso em larga escala em curto/médio prazo. De acordo com os resultados obtidos, é possível concluir que o curativo em forma de filme com base gelatinosa de biopolímero de cana-de-açúcar pode ser utilizado para o tratamento de ferida isquêmica após revascularização de membros inferiores.

  • Fonte de financiamento: nenhuma.

REFERÊNCIAS

  • 1
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    03 Jun 2019
  • Aceito
    15 Ago 2019
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