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Tratamento da fístula anal com extrato de Baccharis dracunculifolia. Estudo experimental em ratos.

RESUMO

Objetivo:

avaliar a eficácia do extrato de Baccharis dracunculifolia no tratamento de fístulas anais em ratos.

Métodos:

vinte ratos Wistar machos foram submetidos à confecção de fístula anal e, após 30 dias, foram distribuídos em três grupos: Grupo Controle, com cinco animais; Grupo Carbopol, com cinco animais; e Grupo Baccharis dracunculifolia, com dez animais. No Grupo Controle, não se realizou nenhum tratamento. No Grupo Carbopol, realizou-se infusão diária de carbopol, e no Grupo Baccharis dracunculifolia, infusão de extrato de Baccharis dracunculifolia com carbopol, ambos por 30 dias. Foram retirados espécimes para análise histológica após a eutanásia.

Resultados:

não houve fechamento completo do trajeto fistuloso em nenhum dos animais. A média da área do trajeto resultante foi de 847,2µm2, 565,6µm2 e 372,7µm2, respectivamente, nos Grupos Controle, Carbopol e Baccharis dracunculifolia (p=0,001). A média do escore de processo inflamatório foi de 2,4, 2,4 e 2,1, respectivamente, nos Grupos Controle, Carbopol e Baccharis dracunculifolia (p=0,285), enquanto a média de congestão vascular foi de 1,6, 1,4 e 1,1, respectivamente, nos Grupos Controle, Carbopol e Baccharis dracunculifolia (p=0,031).

Conclusão:

o extrato de Baccharis dracunculifolia foi capaz de reduzir o lúmen dos trajetos fistulosos e a congestão vascular, sem reduzir, no entanto, o processo inflamatório local ou fechar totalmente os trajetos fistulosos.

Descritores:
Baccharis; Inflamação; Plantas Medicinais; Medicamentos Fitoterápicos; Fístula Retal.

ABSTRACT

Objective:

to evaluate the efficacy of Baccharis dracunculifolia extract in the treatment of anal fistulas in rats.

Methods:

twenty male Wistar rats were submitted to anal fistula and, after 30 days, were divided into three groups: Control Group, with five animals; Carbopol Group, with five animals; and Baccharis dracunculifolia Group, with ten animals. In the Control Group, no treatment was performed. In the Carbopol Group, a daily infusion of Carbopol was performed for 30 days. In the Baccharis dracunculifolia Group, a daily infusion of Carbopol plus Baccharis dracunculifolia extract was performed for 30 days. Specimens were taken for histological analysis after euthanasia.

Results:

there was no complete closure of the fistulous tract in any of the animals. The mean area of the remaining tract was of 847.2µm2, 565.6µm2 and 372.7µm2, in the Control Group, Carbopol Group, and Baccharis dracunculifolia Group, respectively, (p=0.001). The mean of the inflammatory process score was of 2.4, 2.4, and 2.1, in the Control Group, Carbopol Group, and Baccharis dracunculifolia Group, respectively, (p=0.285), while the mean values of vascular congestion were of 1.6, 1.4, and 1.1, in the Control Group, Carbopol Group, and Baccharis dracunculifolia Group, respectively, (p=0.031).

Conclusion:

Baccharis dracunculifolia extract was able to reduce the lumen of the fistulous tracts and the degree of vascular congestion, without, however, reducing the local inflammatory process or totally closing the fistulous tracts.

Keywords:
Baccharis; Inflammation; Plants, Medicinal; Phytotherapeutic Drugs; Rectal Fistula.

INTRODUÇÃO

A fístula anal é um ducto formado entre uma abertura interna no ânus e um orifício externo na pele perianal, formando um trato de fibrose epitelial ou preenchido por tecido de granulação, quase sempre resultante de um abscesso de origem criptoglandular11 Owen HA, Buchanan GN, Schizas A, Cohen R, Williams AB. Quality of life with anal fistula. Ann R Coll Surg Engl. 2016;98(5):334-8.. Dependendo da disseminação do abscesso em relação aos espaços anal e retal, a fístula resultante pode ter um trajeto que atravessa maior ou menor espessura de músculo esfincteriano. Assim, o tratamento com melhor índice de cura das fístulas anais, a fistulotomia, que consiste na abertura e curetagem do trato fistuloso, não pode ser aplicado em todos os casos, pois quanto maior o número de fibras musculares seccionadas, maior o risco de incontinência fecal22 Parks AG, Gordon PH, Hardcastle JD. A classification of fistula-in-ano. Br J Surg. 1976;63(1):1-12.,33 Tomiyoshi SD, Santos CH. Effectiveness of the ligation of intersphincteric fistula tract (LIFT) in the treatment of anal fistula: initial results. ABCD, arq bras cir dig. 2014:27(2):101-3.. Estas fístulas transesfincterianas, que se apresentam em menor frequência, são desafiadoras, pois necessitam de um tratamento capaz de curá-las sem causar incontinência fecal. Por outro lado, ainda não há uma técnica padronizada para estas situações.

O uso de extratos e formulações de plantas medicinais dos diferentes biomas brasileiros na medicina popular, principalmente como anti-inflamatório e cicatrizante no tratamento de fístulas anais, vem aumentando, principalmente em pesquisas experimentais, mas com grande potencial de uso na prática clínica44 Comparin BC, Santos CHM, Dourado DM, Reichel PMG, Paola RS, Pontes ERJ. Treatment of rats anal fistula with glycerin Aloe barbadensis Miller extract. J Coloproctol (Rio J.). 2018;38(4):283-9.. Dentre estas espécies há a Baccharis dracunculifolia (Asteraceae), popularmente conhecida como "Alecrim do Campo". Não há, ainda, na literatura médica publicações em que esta planta medicinal tenha sido utilizada no tratamento de fístulas anais, mas, de modo semelhante ao que tem sido observado em relação a outros fitoterápicos, seu extrato parece ter grande potencial terapêutico. Isto porque, acredita-se, a fístula anal representa a fase crônica do abscesso criptoglandular e, assim, o controle local da inflamação poderia ser útil para o seu tratamento55 Arakaki MS, Santos CHM, Falcão GR, Cassino PC, Nakamura RK, Gomes NF, et al. Experimental model of anal fistula in rats. J Coloproctol. 2013;33(3):135-8..

Há evidências de que a B. dracunculifolia seja eficaz no tratamento de infecções causadas por bactérias do trato gastrointestinal, além de modular seletivamente as funções efetoras dos neutrófilos humanos, inibir a atividade de enzimas-chave e eliminar espécies fisiológicas oxidantes, exercendo assim, ação imunomoduladora contra neutrófilos, útil no tratamento de fístulas anais66 Pereira CA, Costa AC, Liporoni PC, Rego MA, Jorge AO. Antibacterial activity of Baccharis dracunculifolia in planktonic cultures and biofilms of Streptococcus mutans. J Infect Public Health. 2016;9(3):324-30.,77 Figueiredo-Rinhel ASG, de Melo LL, Bortot LO, Santos EOL, Andrade MF, Azzolini AECS, et al. Baccharis dracunculifolia DC (Asteraceae) selectively modulates the effector functions of human neutrophils. J Pharm Pharmacol. 2017;69(12):1829-45..

O efeito anti-inflamatório de B. dracunculifolia também foi demonstrado em um estudo experimental de úlceras gástricas em ratos, tendo sido observado que recupera o tecido ulcerado, elevando os níveis de muco e enzimas antioxidantes, e reduzindo a atividade da H+/K+-ATPase88 Costa P, Boeing T, Somensi LB, Cury BJ, Espíndola VL, França TCS, et al. Hydroalcoholic extract from Baccharis dracunculifolia recovers the gastric ulcerated tissue, and p-coumaric acid is a pivotal bioactive compound to this action. Biofactors. 2019;45(3):479-89.. Embora a fisiopatologia da úlcera gástrica e da fístula anal seja diferente, elas têm em comum o processo inflamatório crônico, que precisa ser controlado. Outro efeito da planta foi prevenir o dano colônico induzido pelo ácido trinitrobenzenosulfônico em ratos com colite aguda ou crônica. Este efeito anti-inflamatório pode estar associado a um menor estresse oxidativo intestinal, determinado por constituintes químicos, como ácido cafeico, ácido p-cumárico, aromadendrina-4-O-metil-éter, ácido 3-prenil-p-cumárico, ácido 3,5-difenil-p-cumárico e baccarina, detectados no extrato de B. dracunculifolia99 Cestari SH, Bastos JK, Di Stasi LC. Intestinal anti-inflammatory activity of Baccharis dracunculifolia in the trinitrobenzenesulphonic acid model of rat colitis. Evid Based Complement Alternat Med. 2011;2011:524349..

Considerando que a B. dracunculifolia é uma planta amplamente encontrada na vegetação brasileira, de baixo custo, de fácil extração, com eficácia comprovada na redução do processo inflamatório, e que há necessidade de se encontrar um tratamento eficaz para fístulas anais complexas sem causar incontinência fecal, houve grande interesse na pesquisa desta planta.

O objetivo deste estudo foi avaliar a eficácia do extrato etanólico de folhas de B. Dracunculifolia no fechamento de fístulas anais e na redução do processo inflamatório local.

MÉTODOS

Este estudo foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Experimentação Animal da Universidade Anhanguera-Uniderp (protocolo nº 341/2018) e foram seguidas as normas internacionais para uso de animais em cirurgia experimental do Colégio Brasileiro de Experimentação Animal.

Coleta e identificação dos compostos vegetais

As folhas novas e maduras de B. dracunculifolia, intactas, foram coletadas na Fazenda Escola Três Barras, Uniderp, Campo Grande, MS, Brasil (S20º26'20.64" O54º32'26.78"), de 15 matrizes, e uma cópia arquivada no Herbário da Uniderp (RG: 6766). Para fins de coleta e pesquisa, o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGPG) obteve autorização para acessar o patrimônio genético sob número de registro 010579/2013-3.

Extração, prospecção fitoquímica e perfil cromatográfico (cromatografia em camada delgada e cromatografia líquida de eficiência)

As folhas, após secagem em estufa com circulação de ar (40ºC), foram trituradas, peneiradas e o pó (980g) extraído com álcool etílico em banho ultrassônico (Ultrasonic Cleaner®) por 60 minutos, seguido de maceração estática por 24 horas à temperatura de 28ºC a 30ºC ± 2ºC. A solução foi filtrada e o solvente foi removido num evaporador rotativo. O processo foi repetido durante sete dias e o líquido extraído de cada processo foi reunido e separado em um evaporador, o extrato de etanol foi seco sob pressão reduzida. As análises fitoquímicas foram realizadas em triplicatas e comparadas com a amostra controle (extratos etanólicos)1010 Harborne AJ. Phytochemical methods: a guide to modern techniques of plant analysis. 3rd ed. Netherlands: Springer; 1998.. As leituras dos resultados foram feitas observando-se a mudança de cor e a precipitação do filtrado, segundo Fontoura et al.1111 Fontoura FM, Matias R, Ludwig J, Oliveira AKM, Bono JAM, Martins PFRB, et al. Seasonal effects and antifungal activity from bark chemical constituents of Sterculia apetala (Malvaceae) at Pantanal of Miranda, Mato Grosso do Sul, Brazil. Acta Amaz. 2015;45(3):283-92..

As análises confirmatórias das classes dos constituintes químicos do extrato etanólico das espécies investigadas foram realizadas utilizando cromatografia em camada delgada (CCD) com padrões, eluentes e desenvolvedores citados por Wagner e Bladt1212 Wagner H, Bladt S. Plant drug analysis: a thin layer chromatography atlas. 2nd ed. Berlin, Heidelberg, New York: Springer-Verlag; 2009., e os fatores de retenção das bandas formadas nas zonas cromatográficas dos padrões e as bandas obtidas a partir do extrato etanólico foram calculados. A varredura ocorreu em um espectrofotômetro UV-visível na região entre 200nm a 700nm e os resultados comparados com a literatura1313 Silverstein RM, Webster FX, Kiemle DJ. Spectrometric identification of organic compounds. 7th ed. New Jersey: John Wiley & Sons; 2005..

O perfil químico foi determinado por cromatografia líquida de alta eficiência, desenvolvida em cromatógrafo líquido SCL-10AVP® (Shimadzu, Japão), ajustada para 220nm, 254nm e 340nm e equipada com bomba LC 10AD e espectral DAD SPD M10A. A coluna cromatográfica utilizada foi PR-18 (20x4,6mm ID) e a pré-coluna foi RP-18 (250x4,6mm ID, 5µm). A fase móvel foi composta dos seguintes solventes: (A) Água ultrapura acidificada com ácido acético glacial (pH 3,0) / (B) Espectrômetro grau acetonitrila - gradiente - início (A) / (B) 95/5, 80min (A) (B) 5/95, 80,01min (A) / (B) 95/5, 90min (A) / (B) 95/5. Tempo total de análise, 90min; pressão inicial, 86psi. Fluxo: 1ml/min. Temperatura do forno: 50ºC. Monitorização: 254 e 340 nm. A análise do espectro foi baseada em dados da literatura1313 Silverstein RM, Webster FX, Kiemle DJ. Spectrometric identification of organic compounds. 7th ed. New Jersey: John Wiley & Sons; 2005..

Determinação do total fenólico e flavonoide

O extrato etanólico seco (10mg) foi diluído em 1ml de metanol de grau espectroscópico, para solubilização, utilizando banho ultrassônico por cinco minutos e filtrado (0,45µm, Millipore). O extrato etanólico também foi utilizado para quantificar os fenóis totais pelo método de Folin-Ciocalteu com ácido gálico (10 a 350 mg ml -1) como padrão (Y= 1,098x-0,011 R2= 0,997), e o teor de flavonoides, pelo método alumínio cloreto e quercetina (Y= 0,0655x-0,0025 R2= 0,985), foi usado como padrão1414 Do QD, Angkawijaya AE, Tran-Nguyen PL, Huynh LH, Soetaredjo FE, Ismadji S, et al. Effect of extraction solvent on total phenol content, total flavonoid content, and antioxidant activity of Limnophila aromatica. J Food Drug Anal. 2014;22(3):296-302..

O perfil químico da B. dracunculifolia, uma planta nativa do cerrado brasileiro, considerada invasora de áreas agrícolas e de pastagens1515 Negreiros D, Esteves D, Fernandes GW, Berbara RLL, Oki Y, Vichiato M, et al. Growth-survival tradeoff in the widespread tropical shrub Baccharis dracunculifolia (Asteraceae) in response to a nutrient gradient. Trop Ecology. 2014;55(2):167-76., já foi determinado por vários autores1616 Park H, Robinson JR. Mechanism of mucoadhesion of poly (acrylic acid) hydrogels. Pharm Res. 1985;4(6):457-64.

17 Sousa JP, Leite MF, Jorge RF, Resende DO, Silva Filho AA, Furtado NA, et al. Seasonality role on the phenolics from cultivated Baccharis dracunculifolia. Evid Based Complement Alternat Med. 2011;2011:464289.
-1818 Rezende TP, do A Corrêa JO, Aarestrup BJ, Aarestrup FM, Sousa OV, Silva Filho AA. Protective effects of Baccharis dracunculifolia leaves extract against carbon tetrachloride-and acetaminophen-induced hepatotoxicity in experimental animals. Molecules. 2014;19(7):9257-72.. Ficou evidente que esta espécie tem forte influência da sazonalidade, da área geográfica e das condições ambientais1515 Negreiros D, Esteves D, Fernandes GW, Berbara RLL, Oki Y, Vichiato M, et al. Growth-survival tradeoff in the widespread tropical shrub Baccharis dracunculifolia (Asteraceae) in response to a nutrient gradient. Trop Ecology. 2014;55(2):167-76.

16 Park H, Robinson JR. Mechanism of mucoadhesion of poly (acrylic acid) hydrogels. Pharm Res. 1985;4(6):457-64.
-1717 Sousa JP, Leite MF, Jorge RF, Resende DO, Silva Filho AA, Furtado NA, et al. Seasonality role on the phenolics from cultivated Baccharis dracunculifolia. Evid Based Complement Alternat Med. 2011;2011:464289., porém, independente dessas características, os principais constituintes são os compostos fenólicos e flavonoides1919 Silva Filho AA, Bueno PCP, Gregório LE, Silva MLA, Albuquerque S, Bastos JK. In-vitro trypanocidal activity evaluation of crude extract and isolated compounds from Baccharis dracunculifolia D. C. (Asteraceae). J Pharm Pharmacol. 2004;56(9):1195-9..

Obtenção da formulação de hidrogel

Após a obtenção do extrato etanólico, incorporou-se 3% no hidrogel, feito com Carbopol a 1%, metilparabeno a 0,1% como conservante, e água destilada como veículo.

Animais e procedimento cirúrgico

Foram estudados 20 ratos Wistar machos, adultos e albinos, pesando entre 250g e 300g cada, que receberam água e ração ad libitum durante o estudo. Os animais foram anestesiados por via intraperitoneal com uma solução de 2ml de cetamina a 10% e 1ml de xilazina a 2%, aplicando-se 0,1ml da solução para cada 100g de peso corporal.

O trajeto fistuloso foi criado introduzindo-se fio de aço número 1 na linha pectínea, com exteriorização na pele perianal, a 1cm da borda direita do ânus, cruzando o esfíncter anal. Em seguida, o fio de aço foi cortado e torcido (Figura 1), permanecendo por 30 dias.

Figura 1
Confecção do trajeto fistuloso: (A) transfixação do esfíncter anal; (B) torção do fio e manutenção por 30 dias.

Após 30 dias, o fio de aço foi removido e os animais foram distribuídos em três grupos: Grupo Controle (GCo), com cinco animais observados por 30 dias sem tratamento; Grupo Carbopol (GCa), com cinco animais tratados durante 30 dias com carbopol (veículo); e Grupo Baccharis dracunculifolia (GBD), com dez animais tratados durante 30 dias com Baccharis dracunculifolia + carbopol.

Nos animais pertencentes ao GCo nenhum tratamento foi realizado e os animais foram somente observados por um período de 30 dias. Os animais dos grupos GCa e GBD foram tratados por injeção diária de 0,3ml de solução através do orifício externo da fístula por cateter plástico 21G por 30 dias. No grupo GCa, a solução continha carbopol e no grupo GBD, a solução continha extrato de B. dracunculifolia e carbopol.

Eutanásia e coleta dos espécimes

Após o término do tratamento, sob anestesia, todos os animais foram submetidos à eutanásia pelo aprofundamento do plano anestésico. Posteriormente, os espécimes foram removidos para lâminas histológicas. Foi realizada tricotomia perianal, incisão com bisturi a frio, removendo um cubo que incluía o canal anal e todo o trato fistuloso. Os espécimes foram armazenados em frascos identificados com formaldeído a 10%, até a preparação das lâminas histológicas.

Análise histológica

As lâminas foram coradas com hematoxilina-eosina (HE) para análise histológica. As variáveis analisadas foram: fechamento do lúmen da fístula, área do trato fistuloso remanescente, processo inflamatório e congestão vascular. A área da fístula foi medida em pixels e convertida em micrômetros. O processo inflamatório foi avaliado de acordo com o seguinte escore: (0) ausência de infiltrado inflamatório; (1) infiltrado inflamatório leve; (2) infiltrado inflamatório moderado e (3) intenso infiltrado inflamatório. A congestão vascular foi classificada como: (0) ausente; (1) leve; (2) moderada e (3) intensa.

Os resultados foram submetidos à análise estatística por meio do teste não paramétrico de Kruskal-Wallis, considerando-se significante p<0,05.

RESULTADOS

Não houve fechamento completo do trato fistuloso em nenhum animal. A área média do trato fistuloso após o tratamento foi de 847,2µm2 no GCo, 565,6µm2 no GCa e 372,7µm2 no GBD (p<0,05 entre o GCo e o GBD) (Tabela 1).

Tabela 1
Avaliação da área dos trajetos fistulosos remanescentes nos grupos estudados de acordo com os achados histológicos (valores em µm2).

A figura 2 mostra a medida dos trajetos fistulosos remanescentes nos animais após o tratamento.

Figura 2
Fotomicrografia demonstrando a medida da área dos trajetos fistulosos após o tratamento: (A) animal do grupo controle; (B) animal do grupo Baccharis dracunculifolia; setas indicam o trajeto pérvio (HE 400X).

Em relação à inflamação, o escore médio do GCo foi 2,4, o mesmo observado no GCa, enquanto no GBD, observou-se escore médio 2,1 sem diferença estatística entre todos os grupos (Tabela 2).

Tabela 2
Escores do processo inflamatório ao redor dos trajetos fistulosos nos grupos estudados.

As médias dos escores de congestão vascular foram 1,6 no GCo, 1,4 no GCa e 1,1 no GBD (p<0,05 entre GCo e GBD), conforme se observa na tabela 3.

Tabela 3
Escores de congestão vascular ao redor dos trajetos fistulosos nos animais estudados.

DISCUSSÃO

O objetivo de qualquer tratamento para fístulas anais é levar à completa cicatrização do trato fistuloso sem causar incontinência fecal. No modelo aqui utilizado não houve fechamento completo do trajeto fistuloso em nenhum dos animais. No entanto, observou-se que no GBD houve uma redução significativa do lúmen dos trajetos, o que nos permite inferir que talvez com um tratamento mais prolongado pudesse haver oclusão total. Isso porque, como não há pesquisa semelhante sobre B. dracunculifolia no tratamento de fístulas anais, utilizou-se um período de tratamento de 30 dias baseado em pesquisas com outros medicamentos44 Comparin BC, Santos CHM, Dourado DM, Reichel PMG, Paola RS, Pontes ERJ. Treatment of rats anal fistula with glycerin Aloe barbadensis Miller extract. J Coloproctol (Rio J.). 2018;38(4):283-9.. No entanto, o período de tratamento com B. dracunculifolia poderia ter sido maior e a avaliação de sua eficácia em um tratamento prolongado deverá ser objeto de pesquisas futuras.

Considerando-se que a fístula anal é a fase crônica do abscesso22 Parks AG, Gordon PH, Hardcastle JD. A classification of fistula-in-ano. Br J Surg. 1976;63(1):1-12., ou seja, que há persistência da inflamação local, a redução do processo inflamatório poderia ser benéfica para o fechamento completo do trato fistuloso, mas a esse respeito não houve diferença entre os grupos. No entanto, como se sabe que a redução da congestão vascular é um dos estágios iniciais da redução da inflamação2020 Alabbad J, Abdul Raheem F, Alkhalifa F, Hassan Y, Al-Banoun A, Alfouzan W. Retrospective clinical and microbiologic analysis of patients with anorectal abscess. Surg Infect (Larchmt). 2019;20(1):31-4., e como houve uma diferença significativa em favor do GBD nesse aspecto, pode-se supor que um tratamento mais longo poderia levar a uma redução da inflamação e, consequentemente, ao fechamento da fístula.

A B. dracunculifolia tem ação anti-inflamatória comprovada. Em um estudo sobre inflamação tecidual com e sem B. dracunculifolia na dieta de ratos, os autores confirmaram que aqueles tratados com a planta tiveram uma redução significativa do processo inflamatório, caracterizado por uma redução na concentração de neutrófilos e uma diminuição na congestão vascular2121 Miranda MB, Lanna MF, Nascimento ALB, de Paula CA, de Souza ME, Felipetto M, et al. Hydroalcoholic extract of Brazilian green propolis modulates inflammatory process in mice submitted to a low protein diet. Biomed Pharmacother. 2019;109:610-20.,2222 Bachiega TF, de Sousa JP, Bastos JK, Sforcin JM. Immunomodulatory /anti-inflammatory effects of Baccharis dracunculifolia leaves. Nat Prod Res. 2013;27(18):1646-50.. Também na presente pesquisa foi observada redução da congestão vascular, demonstrando a efetividade do tratamento ao menos na fase inicial da redução da inflamação.

O efeito imunomodulador/anti-inflamatório da B. dracunculifolia e de seu principal composto, o ácido cafeico, na produção de citocinas (IL-1ß, IL-6 e IL-10) por macrófagos murinos, foi investigado. Observou-se aumento da concentração sérica de IL-1ß e inibição da produção de IL-6 e IL-1022. Como essas interleucinas estão implicadas no processo inflamatório das doenças intestinais, como a fístula anal, é possível que esse fato explique a ação benéfica da planta na fase inicial de redução da inflamação na presente pesquisa.

Existe uma série de evidências de que as fístulas anais podem ser completamente curadas com o uso de células-tronco, que foram testadas principalmente em fístulas complexas na doença de Crohn2323 Panes J, Reinisch W, Rupniewska E, Khan S, Forns J, Khalid JM, et al. Burden and outcomes for complex perianal fistulas in Crohn’s disease: systematic review. World J Gastroenterol. 2018;24(42):4821-34.. Uma pesquisa muito interessante mostrou que a B. dracunculifolia pode promover a proliferação, diferenciação e migração in vitro de células-tronco para o sítio aplicado2424 Elkhenany H, El-Badri N, Dhar M. Green propolis extract promotes in vitro proliferation, differentiation, and migration of bone marrow stromal cells. Biomed Pharmacother. 2019;115:108861., o que poderia, teoricamente, contribuir para o fechamento dos tratos fistulosos. Embora isso não tenha ocorrido na presente pesquisa, houve uma redução significativa de lúmens, o que pode ter ocorrido devido à influência desse fator. Houve também uma redução no processo inflamatório pulmonar de ratos tratados com B. dracunculifolia, confirmado pela inibição de citocinas pró-inflamatórias e aumento de citocinas anti-inflamatórias, sugerindo uma atividade imunomoduladora2525 Machado JL, Assunção AK, da Silva MC, dos Reis AS, Costa GC, Arruda DS, et al. Brazilian green propolis: anti-inflammatory property by an immunomodulatory activity. Evid Based Complement Alt Med. 2012;2012:157652..

Observando-se estas evidências em favor da B. dracunculifolia como um agente anti-inflamatório e cicatrizante, o fato de não ter havido redução na inflamação no GBD talvez possa ser explicado pelo método utilizado na aplicação do extrato. O modelo experimental de fístula anal em ratos é relativamente novo, portanto, pesquisas com fitoterápicos com este modelo são muito limitadas. Assim, o melhor método de aplicação do tratamento ainda não está bem definido. Optou-se por injetar diariamente o extrato através do orifício externo da fístula, sem o uso de sedenho, de acordo com outras investigações semelhantes. O trauma da aplicação diária também pode ter contribuído para a persistência do processo inflamatório, apesar da redução do lúmen dos trajetos. Talvez um intervalo de sete a dez dias entre a última aplicação e a eutanásia pudesse eliminar a inflamação do trauma do tratamento, persistindo apenas a inflamação das fístulas anais.

A redução do lúmen das fístulas anais isoladamente já é um bom resultado, pois leva a menor drenagem de secreção purulenta, uma vez que esta é proporcional ao lúmen do trato. Mas, certamente, esse resultado serve mais como um estímulo para pesquisas futuras com B. dracunculifolia com períodos de tratamento mais longos, já que o resultado encontrado aqui é muito promissor. A redução da congestão vascular também observada aqui, etapa inicial no controle da inflamação, é outro resultado estimulante para o uso dessa droga no tratamento das fístulas anais, e cabe à pesquisas futuras demonstrarem o melhor método de seu uso.

Concluímos, assim, que o extrato de B. dracunculifolia foi capaz de reduzir o lúmen dos tratos fistulosos e a congestão vascular sem, no entanto, diminuir o processo inflamatório local ou fechar completamente as fístulas.

  • Fonte de financiamento: nenhuma.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jan 2020
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    05 Jul 2019
  • Aceito
    10 Ago 2019
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