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Impacto nutricional da cirurgia bariátrica: estudo comparativo do Bypass gástrico em Y de Roux e do Sleeve entre pacientes dos sistemas público e privado de saúde.

RESUMO

Objetivos:

Comparar a evolução do perfil nutricional de pacientes submetidos ao bypass gástrico em Y de Roux (BGYR) e ao Sleeve, em hospitais dos setores público e privado da Saúde de Pernambuco.

Método:

O estudo incluiu pacientes submetidos à cirurgia bariátrica nos setores público e privado de saúde de Pernambuco no período de 2008 a 2016. Foram avaliados dados antropométricos e bioquímicos (Hemoglobina, Vitamina B12, Ferro e Ferritina) no período pré-operatório e com 3, 6 e 12 meses de pós-operatório.

Resultados:

Não foram registradas diferenças significativas entre os pacientes internados nos dois setores da Saúde no tocante às variáveis: níveis hemoglobina, anemia por deficiência de ferro e vitamina B12 em nenhuma das avaliações e conforme o tipo de cirurgia. Entre os pacientes submetidos ao BGYR, os níveis de ferro sérico foram significativamente menores nos pacientes do setor privado da Saúde apenas na primeira avaliação. Baixos níveis de ferritina sérica foram observados na segunda avaliação, sendo os pacientes do setor privado os que apresentaram menores valores. O sucesso cirúrgico foi significativamente maior no grupo que realizou o BGYR na rede privada.

Conclusões:

Com um seguimento de 12 meses pós-cirurgia bariátrica, não foi observada diferença estatisticamente significante no que diz respeito às deficiências de micronutrientes entre pacientes usuários dos setores público e privado de Saúde.

Descritores:
Cirurgia Bariátrica; Deficiências Nutricionais; Necessidades Nutricionais; Estado Nutricional; Saúde Suplementar; Saúde Pública

ABSTRACT

Purpose:

To compare the nutritional status follow up of patients who underwent Roux-en-Y gastric bypass (BGYR) and Sleeve gastrectomy (SG) in hospitals of the private and public health systems, in Pernambuco.

Methods:

This study included patients who underwent bariatric surgery in the public and private health systems, in Pernambuco, from 2008 to 2016. Anthropometric and biochemical (hemoglobin, B12, iron and ferritin) data were evaluated in the preoperative period and at 3, 6 and 12 months after the operation.

Results:

There were no significant difference between patients seen at the two health systems regarding the levels of hemoglobin, iron, anemia and vitamin B12. Patients who underwent the RYGB, presented with iron deficiency which was significantly lower for those in the private system, but only at the 3 month evaluation. Low levels of ferritin were observed at the 6 month evaluation, and patients in the private health system presented with the highest ferritin deficiency. The rate of surgical success was significantly higher in those patients undergoing the RYGB at the private system.

Conclusions:

After a 12-month bariatric surgery follow-up, there was no statistically significant difference regarding micronutrient deficiency between patients followed up at the private and public health systems.

Headings:
Bariatric Surgery; Deficiency Diseases; Nutritional Requirements; Nutritional Status; Supplemental Health; Public Health

INTRODUÇÃO

Atualmente, tem se observado crescimento exponencial no número de pacientes obesos, e a cirurgia bariátrica apresenta-se como terapêutica eficiente, tanto para a perda do excesso de peso como para a resolução das comorbidades. Apesar de trazer diversos benefícios para a saúde, este procedimento apresenta algumas potenciais complicações, como alterações nutricionais e metabólicas, as quais variam de acordo com o grau de restrição e de má absorção dos nutrientes, a depender técnica realizada11 Santos HN, Lima JMS, Souza MFC. Estudo comparativo da evolução nutricional de pacientes candidatos à cirurgia bariátrica assistidos pelo Sistema Único de Saúde e pela Rede Suplementar de Saúde. Ciênc Saúde Coletiva. 2014;19(5):1359-65..

No setor da Saúde no Brasil, observamos duas realidades distintas no que se refere às condições sociais, a do setor público e do privado. A população usuária do sistema privado de saúde é, em geral, composta por pessoas com patamar financeiro mais elevado. Entre os idosos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), aproximadamente 6% deles possuem rendimento maior que 3 salários-mínimos per capita, enquanto esta proporção passa para 42,8% dentre os usuários de planos privados de saúde22 Indicadores Sociodemográficos e de Saúde no Brasil: 2009 [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2009 [acesso 2016 Jul]. Disponível em: <http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv42597.pdf>.
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. Ainda, segundo pesquisas nacionais, as classes com menor poder aquisitivo apresentam melhores marcadores de qualidade da dieta quando comparadas à população com maior renda33 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de orçamentos familiares 2008-2009: análise do consumo alimentar pessoal no Brasil / IBGE, Coordenação de Trabalho e Rendimento. Rio de Janeiro: IBGE; 2011. 150 p..

Considerando o cenário exposto acima, o objetivo deste estudo foi verificar se há diferenças relevantes entre os perfis nutricionais, especificamente de micronutrientes, de pacientes submetidos à cirurgia bariátrica nos setores público e privado de Saúde, no estado de Pernambuco. Nossa hipótese foi de que, dado o maior poder aquisitivo, pacientes usuários do setor privado da Saúde tenderiam a possuir melhor perfil nutricional quando comparados ao grupo do serviço público.

MÉTODOS

O estudo consiste em coorte retrospectivo, realizado a partir de informações colhidas em prontuários e bases de dados sobre a avaliação nutricional de pacientes acompanhados no ambulatório de Nutrição em gastroplastia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco e de uma clínica privada de Cirurgia Bariátrica, na cidade do Recife, durante o período compreendido entre 2008 a 2016. Foram avaliados dados antropométricos e bioquímicos após 3, 6 e 12 meses da cirurgia. Foram incluídos os pacientes adultos de ambos os sexos que possuíam registro de acompanhamento nutricional, submetidos à cirurgia bariátrica pela técnica de bypass gástrico em Y de Roux (BGYR) ou Sleeve gástrico (SG). Foram excluídos gestantes, portadores de Doença Renal Crônica, Doença Hepática Crônica e Vírus da Imunodeficiência Humana.

Para se avaliar a incidência de anemia, utilizaram-se como pontos de hemoglobina normal =13,0-17,0g/dL para homens adultos e 12,0-15,0g/dL para mulheres44 Organização Mundial de Saúde. Uso clínico do sangue - Manual de bolso [Internet]. Genebra: Organização Mundial de Saúde; [19-] [acesso 2019 Sep 18]. Disponível em: <https://www.who.int/bloodsafety/clinical_use/en/Handbook_P.pdf?ua=1>.
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Os níveis de vitamina B12 foram considerados baixos quando as concentrações estavam entre 200 e 400pg/mL55 Mancini MC, Geloneze B, Salles JEN, Lima JG, Carra MK. Tratado de obesidade. Itapevi (SP): AC Farmacêutica; 2010.. O ferro sérico baixo foi considerado quando <50µg/mL. O ponto de corte de ferritina abaixo do qual as reservas de ferro são consideradas baixas é <15µg/L66 World Health Organization. Iron deficiency anaemia: assessment, prevention, and control. A guide for programme managers. Genebra: World Health Organization; 2001.,77 Andrews M, Arredondo M. Hepatic and adipocyte cells respond differentially to iron overload, hypoxic and inflammatory challenge. Biometals. 2012;25(4):749-59.,88 Vicari P, Figueiredo MS. Diagnóstico diferencial da deficiência de ferro. Rev Bras Hematol Hemoter. 2010;32(Supl 2):29-31.. A baixa concentração de hemoglobina (Hb) em um paciente com a ferritina sérica <30g/L é diagnóstico de anemia por deficiência de ferro99 Beutler E, Hoffbrand AV, Cook JD. Iron deficiency and overload. Hematology Am Soc Hematol Educ Program. 2003:40-61..

O IMC (Índice de Massa Corporal) teve como pontos de corte para adultos os estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS)1010 World Health Organization. Obesity: preventing and managing the global epidemic. Report of a World Health Organization Consultation. Geneva: World Health Organization; 2000. p. 256. WHO Obesity Technical Report Series, n. 284.: 18,5-24,99kg/m2 para eutrofia, >25,00kg/m2 para excesso de peso, 30,00-34,99Kg/m2 para obesidade grau I; com IMC 35,00-39,99Kg/m2 grau II, e >40,00Kg/m2 como grau III.

Considerou-se sucesso cirúrgico quando se constatou perda do excesso de peso (%PEP) de no mínimo 50%1111 Ferraz AAB, Carvalho MRC, Siqueira LT, Santa-Cruz F, Campos JM. Deficiências de micronutrientes após cirurgia bariátrica: análise comparativa entre gastrectomia vertical e derivação gástrica em Y de Roux. Rev Col Bras Cir. 2018;45(6):e2016.. O valor do IMC 24,9kg/m2 foi utilizado para determinar o peso ideal, uma vez que tal índice é o valor máximo considerado dentro da normalidade segundo a OMS1010 World Health Organization. Obesity: preventing and managing the global epidemic. Report of a World Health Organization Consultation. Geneva: World Health Organization; 2000. p. 256. WHO Obesity Technical Report Series, n. 284..

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Pernambuco (CEP/CCS/UFPE), sob o CAAE 5807016.4.00000.5.5208.

Análise estatística

Os dados foram analisados descritivamente e inferencialmente. As técnicas de estatística descritiva utilizadas foram frequências absolutas e percentuais para as variáveis categóricas e das medidas: média, desvio-padrão e mediana para as variáveis numéricas. As técnicas de estatística inferencial corresponderam aos testes estatísticos e intervalos de confiança. Os testes utilizados foram: Qui-quadrado de uma amostra para a comparação de percentuais entre as categorias das variáveis, Qui-quadrado ou teste Exato de Fisher quando a condição para utilização do teste Qui-quadrado não foi verificada na comparação entre gestões ou entre tipos de cirurgia, no caso das variáveis categóricas. Os intervalos de confiança foram utilizados para as médias das variáveis numéricas e para o valor do OR no caso do teste Qui-quadrado ou Exato de Fisher. A margem de erro utilizada na decisão dos testes estatísticos foi de 5% e os intervalos foram obtidos com 95,0%. Os dados foram digitados na planilha EXCEL e o programa utilizado para obtenção dos cálculos estatísticos foi o IMB SPSS na versão 23.

RESULTADO(S)

Na Tabela 1 estão expostas as características demográficas dos pacientes. Desta tabela se destaca que: a faixa etária 30 a 39 anos foi a mais prevalente com 37,6% da amostra; a maioria era do sexo feminino (75,1%) e tinha obesidade grau III (67,9%); um pouco mais da metade (54,9%) tinha hipertensão arterial, aproximadamente ¼ (25,3%) tinha diabetes mellitus; 54,6% foram provenientes do setor privado e o restante do público. A maioria (84,2%) foi submetida a cirurgia do tipo BGYR e os 15,2% restantes foram submetidos ao Sleeve. O IMC pré-operatório foi de 43,3 ± 6,1Kg/m2 e, dentre os pacientes que foram avaliados com um ano (avaliação final), 93,8% apresentaram sucesso cirúrgico (perda de peso igual ou superior a 50% do excesso de peso). Houve diferença significativa entre os percentuais referentes aos enfermos de todas as categorias (p<0,001).

Tabela 1
Avaliação das características basais e avaliação do sucesso da cirurgia bariátrica nos sistemas público e privado de saúde de Pernambuco.

O maior percentual de cirurgias foi do tipo BGYR, entretanto a frequência percentual foi mais elevada nos pacientes do setor privado em relação ao público (93,2% x 73,2%), diferença esta que se mostrou significativa (p<0,001), conforme resultados apresentados na Tabela 2.

Tabela 2
Avaliação do tipo de cirurgia segundo a gestão nos sistemas público e privado de saúde de Pernambuco (2008 a 2016).

Na avaliação da anemia, por meio dos níveis de hemoglobina, não foram observadas diferenças estatisticamente significantes entre os pacientes dos setores público e privado em nenhum dos períodos de avaliação (3, 6 e 12 meses), nem entre as técnicas cirúrgica (Tabela 3).

Tabela 3
Avaliação da hemoglobina segundo o tipo de cirurgia e o setor da Saúde do qual o paciente depende.

Na avaliação da deficiência de ferro, foi observado que, aos 3 meses, os pacientes submetidos ao BGYR e os usuários do serviço público de saúde apresentaram maior prevalência de deficiência desse micronutriente, com significância estatística (p=0,003). Não houve diferenças significantes em nenhumas das outras avaliações para o ferro (Tabela 4).

Tabela 4
Avaliação do ferro segundo o tipo de cirurgia e o setor da Saúde do qual o paciente depende.

Na avaliação dos níveis de ferritina, foi observado que, no grupo submetido ao BGYR, 6 meses após a cirurgia, os pacientes usuários do setor privado da Saúde apresentaram maior incidência de deficiência desse micronutriente do que os usuários do setor público (p=0,006) (Tabela 5).

Tabela 5
Avaliação da ferritina segundo o tipo de cirurgia e o setor da Saúde do qual o paciente depende.

Na avaliação da deficiência de B12, não foram observadas diferenças estatisticamente significantes entre os usuários dos setores público e privado em nenhum momento de avaliação. Como já era de se esperar, houve diferença significativa nos valores da vitamina entre os tipos de cirurgia nas avaliações de 6 e 12 meses, com os pacientes submetidos ao BGYR apresentando maior incidência de deficiência desse micronutriente (Tabela 6).

Tabela 6
Avaliação da vitamina B12 segundo o tipo de cirurgia e o setor da Saúde do qual o paciente depende.

DISCUSSÃO

As deficiências nutricionais são comuns, após cirurgias bariátricas. Apesar da utilização de suporte nutricional suplementar, parcela considerável dos pacientes apresenta tal complicação pós-operatória88 Vicari P, Figueiredo MS. Diagnóstico diferencial da deficiência de ferro. Rev Bras Hematol Hemoter. 2010;32(Supl 2):29-31..

O perfil do paciente submetido a cirurgia bariátrica, encontrado por Castanha et al., é de maioria do sexo feminino (89,3%), com idade média de 44,2 anos, IMC inicial de obesidade grau III, com 42,4% apresentando hipertensão e 18,2% diabetes1212 Castanha CR, Ferraz AAB, Castanha AR, Queiroz G, Lacerda RML. Vilar L. Avaliação da qualidade de vida, perda de peso e comorbidades de pacientes submetidos à cirurgia bariátrica. Rev Col Bras Cir. 2018;45(3):e1864.. Em nossa amostra, tivemos perfil similar em relação ao perfil de pacientes submetidos ao procedimento. A revisão sistemática de Kelles et al., também identificou perfil similar do paciente submetido a cirurgia bariátrica pelo SUS. Foi verificado que 79% dos indivíduos eram do sexo feminino, que pacientes hipertensos representavam 60,8% da amostra e os diabéticos 22,3%1313 Kelles SMB, Machado CJ, Barreto SM. Ten-years of bariatric surgery in Brazil: in-hospital mortality rates for patients assisted by universal health system or a health maintenance organization. ABCD. Arq Bras Cir Dig. 2014;27(4):261-7..

Durante o acompanhamento, não foram identificadas diferenças significativas dos níveis séricos de hemoglobina, vitamina B12, ferro e ferritina entre os pacientes usuários dos setores público e privado da Saúde. Tal achado justifica-se, possivelmente pelo curto período de follow-up, de apenas 12 meses, pois observa-se, na literatura, resultados contrastantes em períodos maiores de acompanhamento. Alguns autores demonstram esse fato, como os achados de Rolim et al., os quais mostram que após 10 anos de cirurgia em pacientes de baixa renda, 52,3% dos pacientes apresentam anemia e 47,6% deficiência de ferro1414 Rolim FFA, Santa-Cruz F, Campos JM, Ferraz AAB. Repercussões em longo prazo da derivação gástrica em Y de Roux em população de baixa renda: avaliação após dez anos de cirurgia. Rev Col Bras Cir. 2018;45(4):e1916..

Toh et al. encontraram, comparando os dois procedimentos, GV e BGYR, que os pacientes submetidos ao BGYR apresentaram maior incidência de anemia do que os submetidos à GV, após 12 meses de pós-operatório1515 Toh SY, Zarshenas N, Jorgensen J. Prevalence of nutrient deficiencies in bariatric patients. Nutrition. 2009;25(11-12):1150-6.. Entretanto tal achado vai de encontro ao nosso estudo e outros reportados na literatura como o de Ferraz et al., em que a incidência de anemia foi similar entre os pacientes submetidos a ambos procedimentos1111 Ferraz AAB, Carvalho MRC, Siqueira LT, Santa-Cruz F, Campos JM. Deficiências de micronutrientes após cirurgia bariátrica: análise comparativa entre gastrectomia vertical e derivação gástrica em Y de Roux. Rev Col Bras Cir. 2018;45(6):e2016..

Souza e Lima buscaram avaliar o estado nutricional de ferro e anemia ferropriva em pacientes submetidos ao BGYR ou GV, em hospital universitário, não sendo encontradas diferenças significativas no perfil hematológico e nos níveis de ferro e ferritina entre obesos submetidos ao BGYR ou GV1616 Souza NMM, Lima DSC. Estado nutricional de ferro e anemia ferropriva em pacientes submetidos à cirurgia bariátrica em um hospital universitário. Nutr Clín Diet Hosp. 2018;38(1):97-101.. Quando comparadas as técnicas cirúrgicas, também não foram observadas diferenças significativas entre a prevalência de anemia e deficiência de ferro.

É importante levar em consideração o estado inflamatório crônico nos pacientes obesos, o que, por meio da liberação de citocinas pró-inflamatórias, têm o mecanismo de absorção do ferro no intestino alterado1717 Aigner E, Feldman A, Datz C. Obesity as an emerging risk factor for iron deficiency. Nutrients. 2014;6(9):3587-600.. A deficiência de ferro parece ser a mais importante causa de anemia após cirurgia bariátrica1818 de Cleva R, Cardia L, Riccioppo D, Kawamoto M, Kanashiro N, Santo MA. Anemia before and after Roux-en-Y Gastric Bypass: prevalence and evolution on long-term follow-up. Obes Surg. 2019;29(9):2790-4.. Em nosso estudo, a deficiência dessa substância mostrou queda com o passar dos meses de acompanhamento.

O estudo de Salgado et al. envolvendo pacientes obesos submetidos ao BGYR, evidenciou que, dos 102 pacientes avaliados, 21,5% apresentavam anemia pré-cirúrgica e 20% deficiência de ferro. Assim como nesta pesquisa, tais autores observaram que não houve variação no quantitativo de pacientes anêmicos durante o período avaliado, porém, os níveis séricos de ferritina diminuíram significativamente ao longo da pesquisa. Também foi visto que o sexo feminino está relacionado com maior incidência de deficiência de ferro, e que pacientes que tiveram maior perda de peso também tiveram maior incidência de anemia1919 Salgado W Jr, Modotti C, Nonino CB, Ceneviva R. Anemia and iron deficiency before and after bariatric surgery. Surg Obes Relat Dis. 2014;10(1):49-54..

Ao se analisar a ferritina, busca-se avaliar a relação com o déficit de ferro. Alexandrou et al. reportaram deficiência de ferritina, 5 anos após cirurgia bariátrica, em até 30% dos pacientes, sem diferenças entre pacientes submetidos a GV ou BGYR2020 Alexandrou A, Armeni E, Kouskouni E, Tsoka E, Diamantis T, Lambrinoudaki I. Cross-sectional long-term micronutrient deficiencies after sleeve gastrectomy versus Roux-en-Y gastric bypass: a pilot study. Surg Obes Relat Dis. 2014;10(2):262-8.. Nosso estudo encontrou também elevação na incidência de pacientes deficientes em ferritina com o passar do acompanhamento. Até mesmo diferença estatisticamente significativa entre a incidência de deficiência de ferritina entre pacientes do serviço público e privado após 6 meses foi observada, porém a mesma não se mantém ao final do primeiro ano de acompanhamento.

Em nosso estudo evidenciou-se aumento progressivo da deficiência de vitamina B12 ao longo das avaliações do primeiro ano pós-cirúrgico em ambos os serviços de saúde e técnica cirúrgica, o que contrasta com o achado por Alexandrou et al., que apontaram incidência do déficit maior em pacientes submetidos à BGYR quando comparados aos de GV2020 Alexandrou A, Armeni E, Kouskouni E, Tsoka E, Diamantis T, Lambrinoudaki I. Cross-sectional long-term micronutrient deficiencies after sleeve gastrectomy versus Roux-en-Y gastric bypass: a pilot study. Surg Obes Relat Dis. 2014;10(2):262-8.. O risco de deficiência de vitamina B12 é maior entre pacientes submetidos ao BGYR do que ao GV, devido à menor produção de ácido clorídrico no pouch gástrico, com consequente menor produção de fator intrínseco, responsável pelo carreamento da vitamina B12 até o sítio de absorção no íleo terminal. A absorção de B12 também pode ser comprometida após GV, mas ainda há produção de secreção ácida e produção de fator intrínseco remanescente após a cirurgia2121 Kornerup LS, Hvas CL, Abild CB, Richelsen B, Nexo E. Early changes in vitamin B12 uptake and biomarker status following Roux-en-Y gastric bypass and sleeve gastrectomy. Clin Nutr. 2019;38(2):906-911..

Como o BGYR é considerado padrão ouro no que se refere à cirurgia bariátrica, Zaparolli et al. buscaram analisar a ingestão de macronutrientes no pós-operatório desta cirurgia. Como resultado, observou-se modificação no consumo de macronutrientes quando comparados os períodos pré-operatório com as avaliações de 6 meses e um ano após a cirurgia. A partir do sexto mês, notou-se tendência ao retorno do padrão alimentar pré-operatório dos pacientes, com aumento do consumo de grãos e cereais, que são alimentos com baixo teor de ferro e alto teor de carboidratos. Os autores associam o surgimento de intolerâncias alimentares pós-cirúrgicas com o favorecimento do consumo de carboidratos, cuja aceitação e a digestibilidade são mais toleráveis2222 Zaparolli M, Reichmann MTF, Cruz MRR, Schieferdecker MEM, Pereira G, Taconeli C, et al. Ingestão alimentar após cirurgia bariátrica: uma análise dos macronutrientes e adequação dos grupos alimentares à pirâmide específica. Nutr Clín Diet Hosp. 2018;38(1):36-9..

Os achados do estudo supracitado podem justificar o fato de pacientes submetidos ao BGYR apresentarem diferença significativa em relação à perda do excesso de peso quando comparados o serviço público e a rede privada de saúde. Isso se explica pelo fato de tais alimentos encontrarem-se mais inseridos nos hábitos alimentares ordinários quando comparados a alimentos mais ricos nutricionalmente, o que possivelmente se justifica devido ao custo mais baixo, tornando-se mais acessível à população usuária do SUS. Ferreira e Magalhães relataram a exclusão do consumo rotineiro do grupo de frutas e verduras na dieta das mulheres obesas de baixa renda em comunidade do Rio de Janeiro, o que relaciona-se, quase sempre, ao alto custo desses itens2323 Ferreira VA, Magalhães R. Obesidade e pobreza: o aparente paradoxo. Um estudo com mulheres da favela da Rocinha, Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saúde Pública. 2005;21(6):1792-800..

Outro fator a ser levado em consideração é o comprimento das alças comum e biliodigestiva pós-operatórias no BGYR. Ahuja et al. realizaram análise retrospectiva para avaliar e relacionar o efeito do comprimento da alça biliodigestiva com a perda ponderal, resolução de comorbidades e deficiências nutricionais após 1 ano de cirurgia bariátrica, e concluíram que até 150cm de comprimento resulta em complicações nutricionais mínimas e bons resultados2424 Ahuja A, Tantia O, Goyal G, Chaudhuri T, Khanna S, Poddar A, et al. MGB-OAGB: effect of biliopancreatic limb length on nutritional deficiency, weight loss, and comorbidity resolution. Obes Surg. 2018;28(11):3439-445.. Abellan et al. estudaram a influência do comprimento da alça comum após o BGYR em pacientes de hospital universitário espanhol e verificaram que o percentual de alça comum não teve efeito na perda de peso nestes pacientes, porém havia relação inversa entre menor tamanho remanescente e maiores complicações nutricionais2525 Abellan I, Luján J, Frutos MD, Abrisqueta J, Hernández Q, López V, et al. The influence of the percentage of the common limb in weight loss and nutritional alterations after laparoscopic gastric bypass. Surg Obes Relat Dis. 2014;10(5):829-33..

Além do tamanho das alças intestinais pós-cirúrgicas, Savassi-Rocha et al. relembram a variação do comprimento intestinal do ser humano (4 a 9 metros), o qual não é considerado, ainda que haja correlação com a grande variação do comprimento da alça comum2626 Savassi-Rocha AL, Diniz MT, Savassi-Rocha PR, Ferreira JT, Sanches SRA, Diniz Mde F, et al. Influence of jejunoileal and common limb length on weight loss following Roux-en-Y gastric bypass. Obes Surg. 2008;18(11):1364-8..

Não foi viável verificar qual o padrão do comprimento da alça comum pós-cirúrgica no BRYG em pacientes provenientes de ambas as gestões, para avaliar possíveis correlações entre a maior perda do excesso de peso e menores níveis de ferro sérico em pacientes da gestão privada de saúde.

Como viés deste estudo, enfatiza-se a redução significativa do seguimento do acompanhamento desse perfil de pacientes, corroborando com o encontrado por Belo et al. que avaliaram os fatores preditivos do seguimento em pacientes submetidos a cirurgia bariátrica em período de 4 anos. Tal estudo evidenciou que houve redução progressiva da frequência às consultas principalmente a partir do segundo ano pós-operatório, mas que o número de perda do seguimento, quase dobra do primeiro para o segundo ano2727 Belo GQMB, Siqueira LT, Melo Filho DAA, Kreimer F, Ramos VP, Ferraz AAB. Fatores preditivos da perda de seguimento de pacientes submetidos à cirurgia bariátrica. Rev Col Bras Cir. 2018;45(2):e1779..

Sant’Helena e Dal Prá verificaram pacientes submetidos a gastroplastia na rede pública de saúde, e declaram que o abandono do acompanhamento multidisciplinar pós-cirúrgico se dá em virtude dos pacientes se considerarem com alta ambulatorial a partir do momento em que alcançam a meta de perda ponderal. Fatores geográficos e institucionais também são referidos como agravantes na impossibilidade do acesso ao acompanhamento pós-operatório2828 Sant'Helena MM, Dal Prá KR. Um olhar social para a fase pós-operatória da cirurgia bariátrica: contribuição do Serviço Social. Sociedade em Debate, Pelotas. 2013;19(2):152-73..

CONCLUSÃO

No presente estudo, com seguimento de 12 meses pós-cirurgia bariátrica, não foi observada diferença estatisticamente significante no que diz respeito às deficiências de micronutrientes entre pacientes usuários dos setores público e privado de Saúde. A utilização da cirurgia bariátrica como medida terapêutica para a obesidade é eficaz e contribui efetivamente para a melhoria da qualidade de vida tanto dos usuários do setor público quanto do privado. O acompanhamento nutricional é a medida necessária para bom desfecho clínico, que traz benefícios de caráter profilático e terapêutico, pois as carências nutricionais e o sucesso cirúrgico estão diretamente ligados ao comportamento alimentar.

  • Fonte de financiamento: Não

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    02 Nov 2019
  • Aceito
    28 Fev 2020
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