Acessibilidade / Reportar erro

Avaliação dos sintomas do trato urinário inferior após prostatectomia radical robótica-assistida: o comportamento dos sintomas de esvaziamento, armazenamento e pós-miccionais

RESUMO

Introdução:

apesar de infrequente, a incontinência urinária gera imenso impacto na qualidade de vida dos pacientes submetidos a prostatectomia radical, mesmo com a técnica robótica-assistida.

Objetivo:

avaliar a evolução dos sintomas urinários desde o pré-operatório até 12 meses após a prostatectomia radical robótica-assistida.

Métodos:

foram coletados os dados de 998 pacientes submetidos à prostatectomia radical robótica-assistida. Foram documentados dados demográficos, informações pré-operatórias e pós-operatórias dos pacientes. Também foram aplicados os questionários ICIQ e IPSS no pré-operatório e após 1, 3, 6 e 12 meses de pós-operatório. Resultados: de 998 pacientes, 257 preencheram corretamente todos os questionários. A idade média dos pacientes foi de 60±0,74 anos. Verificou-se que o IPSS total subia inicialmente e aos 6 meses após a operação, este já se tornava inferior ao valor inicial pré-operatório (7,76 aos 6 meses vs. 9,90 pré-operatório, p<0.001), sendo que as questões referentes a sintomas de esvaziamento foram as primeiras a melhorar e posteriormente as questões referentes a sintomas pós-miccionais e de armazenamento. Quanto às variáveis do ICIQ, houve elevação com a prostatectomia radical e nenhuma delas retornou ao patamar pré-operatório (p<0,001).

Conclusões:

a prostatectomia radical robótica assistida causa num primeiro momento uma piora nos sintomas urinários do trato inferior com uma recuperação subsequente. A recuperação se inicia pelos sintomas de esvaziamento, seguido dos sintomas pós-miccionais e de armazenamento. Os sintomas avaliados pelo IPSS acabam evoluindo a parâmetros melhores inclusive que os do pré-operatório, enquanto os sintomas de perda urinária avaliados pelo ICIQ não atingem os níveis pré-operatórios no intervalo estudado.

Palavras chave:
Neoplasias da Próstata; Prostatectomia; Incontinência Urinária; Sintomas do Trato Urinário Inferior

ABSTRACT

Introduction:

despite being infrequent, urinary incontinence has a huge impact on the quality of life of patients undergoing radical prostatectomy, even with the robotic-assisted technique.

Objective:

to assess the evolution of urinary symptoms from preoperative to 12 months after robotic-assisted radical prostatectomy.

Methods:

data was collected from 998 patients who underwent robotic-assisted radical prostatectomy. Demographic data, preoperative and postoperative information on patients were documented. The ICIQ and IPSS questionnaires were also applied preoperatively and after 1, 3, 6 and 12 months after the operation. Results: Out of 998 patients, 257 correctly completed all questionnaires. The mean age of the patients was 60 ± 0.74 years. We found that the total IPSS increased initially and at 6 months after the operation, it was already lower than the initial preoperative value (7.76 at 6 months vs. 9.90 preoperative, p <0.001), being that questions regarding voiding symptoms were the first to improve followed by the questions regarding post micturition and storage symptoms. As for the ICIQ variables, there was an increase with radical prostatectomy and none of them returned to the preoperative level (p<0.001).

Conclusions:

robotic assisted radical prostatectomy causes, at first, a worsening of urinary symptoms in the lower tract with subsequent recovery. Recovery begins with voiding symptoms, followed by post micturition and storage symptoms. The symptoms assessed by the IPSS evolve to better parameters even than those of the preoperative period, while the symptoms of incontinence assessed by the ICIQ do not reach the preoperative levels in the studied interval.

Keywords:
Prostatic Neoplasms; Prostatectomy; Urinary Incontinence; Lower Urinary Tract Symptoms

INTRODUÇÃO

O câncer de próstata (CP) é o tumor não cutâneo mais comum em homens e a segunda causa de óbito por câncer no Brasil. É responsável por 13,4% das mortes decorrentes de câncer no sexo masculino. Para o ano de 2020, estimam-se 65.840 casos novos11 Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva [Internet]. 2020 [acesso em 2020 abr 10]. Disponível em: www.inca.gov.br.
www.inca.gov.br...
.

A prostatectomia radical robótica-assistida tem se mostrado promissora para o tratamento do câncer de próstata localizado, com ótimos resultados funcionais e oncológicos22 Berryhill R Jr., Jhaveri J, Yadav R, Leung R, Rao S, El-Hakim A, et al. Robotic prostatectomy: a review of outcomes compared with laparoscopic and open approaches. Urology. 2008;72(1):15-23.

3 Dasgupta P, Patil K, Anderson C, Kirby R. Transition from open to robotic-assisted radical prostatectomy. BJU Int. 2008;101(6):667-8.
-44 Hung SC, Yang CK, Cheng CL, Ou YC. Long-term Oncologic Outcomes of Robotic-assisted Radical Prostatectomy by a Single Surgeon. Anticancer Res. 2017;37(8):4157-64.. A incontinência urinária após a prostatectomia radical representa, quando ocorre, grande problema para os pacientes. A causa primária é a incompetência e fraqueza do esfíncter uretral, conhecida como incontinência urinária de esforço. A incontinência urinária de urgência pode estar presente em alguns casos, podendo ser devido à disfunção vesical, o que leva a incontinência urinária de urgência pura ou incontinência urinária mista, exacerbando a incontinência urinária de esforço coexistente55 Heesakkers J, Farag F, Bauer RM, Sandhu J, De Ridder D, Stenzl A. Pathophysiology and contributing factors in postprostatectomy incontinence: A review. Eur Urol. 2017;71(6):936-44..

Tendo em vista a dificuldade para mensurar sintomas de maneira objetiva, diversos instrumentos foram criados para avaliar diversas facetas do paciente com câncer de próstata, incluindo sintomas urinários, função erétil e disfunção urinária. Dentre esses instrumentos, podem-se citar dois principais: o Escore Internacional de Sintomas Prostáticos (IPSS) e o Questionário de Incontinência da International Consultation (ICIQ)66 Juszczak K, Ostrowski A, Bryczkowski M, Adamczyk P, Drewa T. A hypothesis for the mechanism of urine incontinence in patients after radical prostatectomy due to urinary bladder hypertrophy. Adv Clin Exp Med. 2019;28(3):347-51..

O IPSS foi criado originalmente em 1992 pela Sociedade Americana de Urologia com o nome de American Urological Association Symptom Score (AUA-7, Escore de sintomas da Associação Americana de Urologia) e tinha o intuito de avaliar os sintomas miccionais relacionados à hiperplasia benigna. A estrutura era composta por sete questões relacionadas aos sintomas urinários77 Lujan Galan M, Paez Borda A, Martin Oses E, Llanes Gonzalez L, Berenguer Sanchez A. [The validity of the IPSS questionnaire in a sample of 262 patients with benign prostatic hyperplasia]. Arch Esp Urol. 1997;50(8):847-853. Spanish.. Posteriormente, foi incluída uma oitava pergunta pela Consultoria Internacional da hiperplasia benigna da próstata patrocinada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) que renomeou o questionário para International Prostate Symptom Score e o definiu como o instrumento de escolha para avaliação dos sintomas urinários do trato inferior88 Cockett AT, Aso Y, Denis L, Khoury S, Barry M, Carlton CE, et al. World Health Organization Consensus Committee recommendations concerning the diagnosis of BPH. Prog Urol. 1991;1(6):957-72..

O International Consultation on Incontinence Questionnaire - em português, questionário de incontinência da International Consultation - ferramenta elaborada em 1998 na primeira International Consultation on Incontinence (ICI), encontro interdisciplinar, multinacional realizado em Mônaco, patrocinado pela OMS. Após diversas reuniões com inúmeras autoridades para avaliar estudos de qualidade de vida, distúrbios da continência e confecção de ferramentas, desenvolveu-se questionário universalmente aplicável, breve e com resultados coletados diretamente com os pacientes sobre incontinência urinária. Dessa forma, foi possível homogeneizar as ferramentas de pesquisa sobre o assunto, de maneira a facilitar a coleta e compartilhamento de dados entre grupos99 Abrams P, Avery K, Gardener N, Donovan J, Board IA. The International Consultation on Incontinence Modular Questionnaire: www.iciq.net. J Urol. 2006;175(3 Pt 1):1063-1066; discussion 1066..

O objetivo deste trabalho é avaliar a evolução dos sintomas do trato urinário inferior dos pacientes submetidos a prostatectomia radical robótica-assistida desde o período pré-operatório até os primeiros doze meses após o procedimento.

MÉTODOS

Trata-se de estudo de dados coletados prospectivamente, comparando-se a avaliação dos sintomas prostáticos e urinários de 998 pacientes submetidos ao tratamento do câncer de próstata por meio da prostatectomia radical robótica assistida, entre março de 2010 e maio de 2018, no Hospital Alemão Oswaldo Cruz (HAOC). Foram coletados dados demográficos dos pacientes (idade, índice de massa corporal), dosagem do PSA (Antígeno Prostático Específico) pré-operatório, volume prostático (aferido por ressonância nuclear magnética quando disponível ou por ultrassonografia), dados referentes ao intraoperatório (tempo operatório total, sangramento aspirado) e dados de anatomia-patológica (volume da peça cirúrgica, volume tumoral, extensão tumoral, margens cirúrgicas, invasão de vesícula seminal, estadiamento tumoral, ISUP (Escore da Sociedade Internacional de Patologia Urológica) e número de linfonodos retirados). Os pacientes também responderam a questionário com as versões validadas para o português do IPSS e o ICIQ, no pré-operatório e, repetiram o preenchimento do questionário depois um, três, seis e doze após a prostatectomia radical. Este projeto foi aprovado nos comitês de ética das instituições participantes (Aprovação número: 1318/09). Os pacientes com o diagnóstico de neoplasia localizada de próstata que se apresentavam as instituições participantes, provenientes do Sistema Único de Saúde, foram convidados a participar do estudo, bem como os pacientes do consultório privado de um dos autores (CP). Após a leitura, compreensão e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), os pacientes que concordaram em participar do estudo antes da realização do procedimento cirúrgico preenchiam dois questionários.

Foram incluídos os pacientes candidatos à prostatectomia radical, com tumores clinicamente localizados ou localmente avançados, sem metástases ou oligometásticos e que aceitaram participar do estudo. Foram excluídos os pacientes que foram submetidos a cirurgias abdominais prévias extensas ou radioterapia prévia ou aqueles em que não foi possível encontrar todas as variáveis a serem analisadas ou que não preencheram corretamente todos os questionários. Continência foi definida como a utilização de até 1 forro por dia de segurança.

As características quantitativas pré-operatórias e do procedimento foram descritas segundo grupos com uso de medidas descritivas e comparadas entre os intervalos pós-operatórios por ANOVA para as variáveis com distribuição normal e teste de Kruskal-Wallis para as variáveis com distribuição não-normal. Todas as análises estatísticas foram realizadas no programa estatístico Stata 11 (StataCorp, Texas, EUA). Os testes foram realizados com nível de significância de 5%.

RESULTADOS

Foram avaliados 998 pacientes, dos quais 257 haviam completado o questionário pré-operatório e dispunham de todas as informações a serem estudadas. A média de idade foi de 60 ± 0,74 anos, índice da massa corporal médio de 26,88 ± 0,47kg/m2, o PSA pré-operatório médio foi de 6,15 ± 0,36ng/ml, o volume prostático médio era de 38,6 ± 2,0 g, o tempo operatório médio foi de 149 ± 4,4 minutos, a perda sanguínea aspirada média foi 282 ± 24mL, o volume da próstata na peça cirúrgica foi em média 40,7 ± 4,3g, o volume tumoral médio foi 6,45±0,64g, e foram retirados em média 4,4 ± 0,8 linfonodos. Trinta e um pacientes (12%) tinham tumor unilateral enquanto duzentos e vinte e seis (88%) tinham tumor bilateral, 2,9% dos pacientes tinham margem proximal positiva, 5,9% tinham margem distal positiva, 3,8% tinham invasão de vesícula seminal, 29,6% tinham margem circunferencial positiva, 29,6% tinham extensão tumoral extraprostática, Quanto ao escore ISUP, 62(24%) dos pacientes eram ISUP 1, 152 (59%) ISUP 2, 38(15%) ISUP 3, nenhum paciente era ISUP 4 e havia 5(2%) pacientes ISUP 5. Quanto ao estadiamento patológico, 203 (79%) dos pacientes eram pT2, 46(13%) eram pT3a e 8 (3%) era pT3b.

A avaliação do IPSS realizada por meio do questionário validado foi obtida em 257 pacientes no pré-operatório, 220 (85%) dos pacientes no primeiro mês pós-operatório, 191 (74%) dos pacientes no terceiro mês pós-operatório, 155 (60%) dos pacientes no sexto mês pós-operatório e 139 (54%) após 12 meses da operação. A continência pré-operatória era de 98%, diminuindo para 43% após um mês da prostatectomia radical, aumentando para 61% após três meses da prostatectomia radical, depois para 76% aos seis meses e, finalmente, atingindo 89,9% de continência urinária doze meses após a prostatectomia radical.

Foram avaliados o comportamento do IPSS total e de cada questão individualmente desde o pré-operatório até 12 meses. O valor do IPSS pré-operatório foi de 9,80 ± 8,1. No primeiro mês após a prostatectomia radical houve aumento para 14,50 ± 7,7, no terceiro mês após a prostatectomia radical já houve queda para 10,62 ± 6,82, continuou diminuindo seis meses pós procedimento para 7,76±6,45, ou seja, inferior ao valor pré-operatório e, diminuiu novamente após 12 meses para 6,30 ± 6,54. Essa variação foi estatisticamente significante com p<0,001. A tabela 1 demonstra a evolução de cada questão do IPSS separadamente.

Tabela 1
Evolução do IPSS.

Os resultados das questões 1, 2, 3 ,5 e a somatória das questões 1 a 3 estão escritos na Tabela 2. A questão 4 do questionário é dividida em oito subitens perguntando em quais ocasiões o paciente perde urina, conforme discriminado na Tabela 3.

Tabela 2
Evolução das Questões 1,2, 3 e 5 do ICIQ.

Tabela 3
Respostas da Questão 4 do ICIQ.

DISCUSSÃO

No presente estudo, verificou-se que o IPSS subiu inicialmente, provavelmente em decorrência do estresse cirúrgico e do processo de recuperação da continência e, seis meses após a operação, este já se tornou inferior ao valor inicial pré-operatório (7,76 com 6 meses vs. 9,90 no pré-operatório). Diferente de todos os estudos previamente publicados, foi analisada, individualmente, cada questão do IPSS.

É interessante perceber que das sete primeiras questões dos IPSS, a número 3 (intermitência), número 5 (jato fraco) e número 6 (força para começar a urinar) tratam de sintomas de esvaziamento, enquanto as questões 2 (urinar novamente 2 horas após ter urinado), 4 (dificuldade em conter a urina) e 7 (noctúria) versam sobre sintomas de armazenamento. A questão 1 (sensação de não esvaziar completamente a bexiga) trata de sintomas pós-miccionais. Observou-se que a questão 6 foi a primeira a se tornar inferior ao valor pré-operatório um mês após a prostatectomia. As questões 3 e 5 se tornaram inferiores ao valor pré-operatório após três meses da prostatectomia, enquanto as questões 1 e 2 se tornaram inferiores aos valores pré-operatórios após seis meses e as demais questões levaram 12 meses para se tornarem inferiores ao pré-operatório. Em outras palavras, os sintomas de esvaziamento foram nitidamente os primeiros a melhorar, ao passo que os sintomas de armazenamento e pós-miccionais demoraram mais para apresentar melhora clínica. O que é intuitivo, uma vez que a obstrução mecânica da próstata foi retirada. No entanto, este é o primeiro estudo a documentar este achado por meio do IPSS ou do AUAss (que nada mais é do que o IPSS sem a oitava questão).

O interesse em estudar o impacto da retirada completa da próstata sobre os sintomas do trato urinário inferior não é algo recente. O primeiro trabalho a estudar esse fenômeno data de 1999, por Schwartz e Lepor. Neste estudo, foram avaliados 104 homens com câncer de próstata antes da prostatectomia radical retropúbica e 12 meses após a operação, no tocante aos sintomas do trato urinário e satisfação com a operação. Em pacientes com sintomas urinários leves, não houve mudança significativa nos sintomas após 12 meses da operação. Em contrapartida, os pacientes com sintomas moderados ou intensos, a prostatectomia radical resultou em melhora importante dos sintomas urinários, bem como do tratamento da doença maligna, de tal maneira que 98% desses pacientes operados ficaram satisfeitos com a operação1010 Schwartz EJ, Lepor H. Radical retropubic prostatectomy reduces symptom scores and improves quality of life in men with moderate and severe lower urinary tract symptoms. J Urol. 1999;161(4):1185-8..

Em 2014, Prabhu et al. publicaram estudo com 1.788 pacientes acompanhados desde o pré-operatório até 10 anos após a prostatectomia radical retropúbica. Os pacientes apresentavam piora inicial dos sintomas do trato urinário inferior que melhoravam entre três e 24 meses após a operação. Pacientes com sintomas do trato urinário inferior, previamente à operação (IPSS > 7), apresentavam melhora imediata dos sintomas após a operação, com persistência dessa melhora por 10 anos após terem sido operados. Homens sem sintomas clinicamente significativos (IPSS até 7) apresentaram aumento significativo (3,09 para 4,94, p < 0.001) do IPSS com o passar dos anos, mas sem relevância clínica. A porcentagem de homens com sintomas do trato urinário inferior clinicamente significante declinou da linha de base em 10 anos após o PR (p = 0,02). Dessa forma, a prostatectomia radical foi o tratamento para câncer de próstata que melhora e previne o desenvolvimento de sintomas urinários do trato inferior (LUTS) no seguimento em longo prazo. Esse benefício em longo prazo, anteriormente não reconhecido, argumenta a favor da próstata como principal contribuinte para o LUTS masculino1111 Prabhu V, Taksler GB, Sivarajan G, Laze J, Makarov DV, Lepor H. Radical prostatectomy improves and prevents age dependent progression of lower urinary tract symptoms. J Urol. 2014;191(2):412-7..

Gordon et al. estudaram 666 homens submetidos a prostatectomia radical robótica. Os pacientes com LUTS leve tiveram aumentos, em curto prazo, no IPSS, mas a maioria retornou à linha de base e estabilizou após cinco anos. Foram encontrados benefícios para homens com LUTS moderada e grave no pré-operatório, em que 63% tiveram melhorias significativas na QV qualidade de vida e 68% reduziram o American Urological Association Symptom Score (AUAss) - similar ao IPSS - para LUTS leve, persistindo baixo, anos após a prostatectomia radical robótica assistida. Este estudo sugere que certos pacientes com sintomas e incômodos urinários pré-operatórios podem experimentar melhorias no LUTS e na QV associada após a prostatectomia radical robótica assistida1212 Gordon A, Skarecky D, Osann K, Eichel L, Dhaliwal H, Morales B, et al. Quantification of Long-term Stability and Specific Relief of Lower Urinary Tract Symptoms (LUTS) After Robot-assisted Radical Prostatectomy. Urology. 2016;93:97-103..

Na amostra do presente estudo, foram verificadas que todas as variáveis do ICIQ tiveram elevação com a prostatectomia radical e nenhuma retornou ao patamar pré-operatório.

Machioka et al. avaliaram 258 casos em relação ao ICIQ-SF e às perguntas sobre o uso diário de forro e peso dos forros em 24 horas, para avaliação objetiva. O escore total do ICIQ-SF antes e um, três, seis e 12 meses após a PR foi de 0, 10, 7,5 e 4, respectivamente. Os padrões de incontinência diferiram quando comparados os resultados do ICIQ-SF pré e pós-prostatectomia. Houve correlação significativa entre a pontuação total do ICIQ-SF, teste de peso dos forros de 24 horas e uso diário de forro. No entanto, a distribuição de pontos em cada gráfico de dispersão variou amplamente. Comparando-se os resultados antes e 12 meses após a prostatectomia, houve recuperação completa para 35% dos pacientes da pontuação total do ICIQ-SF, 67% do uso diário de forros e 64% do teste de peso de 24 horas. Apenas 29% dos pacientes tiveram regressão dos escores para níveis pré-operatórios1313 Machioka K, Kadono Y, Naito R, Nakashima K, Iijima M, Kawaguchi S, et al. Evaluating urinary incontinence before and after radical prostatectomy using the international consultation on incontinence questionnaire-short form. Neurourol Urodyn. 2019;38(2):726-33..

Fujimura et al. avaliaram 607 pacientes submetidos a prostatectomia radical robótica usando o ICIQ e o Core Lower Urinary Tract Symptom Score (CSLL), em português: Escore Principal de Sintomas do Trato Urinário Inferior, desde o pré-operatório até 24 meses de pós-operatório. Após a operação, a incontinência urinária de esforço (IUE) foi relatada com mais frequência (32% dos casos) como a principal queixa com maior impacto na vida diária, avaliada pelo questionário CLSS, seguida pela incontinência urinária de urgência (UUI; 27% dos casos). As taxas de recuperação da continência diferiram entre os diferentes tipos de incontinência urinária, como após urinar, quando vestido, adormecido, quando fisicamente ativo ou em exercício, quando tossir ou espirrar, antes de ir ao banheiro e sem motivo óbvio1414 Fujimura T, Igawa Y, Aizawa N, Niimi A, Yamada Y, Sugihara T, et al. Longitudinal change of comprehensive lower urinary tract symptoms and various types of urinary incontinence during robot-assisted radical prostatectomy. Neurourol Urodyn. 2019;38(4):1067-75..

Limani et al. estudaram 272 pacientes submetidos a prostatectomia radical robótica-assistida. Preencheram o ICIQ e outros questionários de qualidade de vida no pré-operatório e um, três, 12 e 24 meses após a operação. Todos os escores (ICIQ, incômodo da IU e sintomas urinários) foram significativamente modificados e pioraram em comparação aos valores pré-operatórios; em particular, o ICIQ mediano passou de 1 para 10; 20% dos pacientes ficaram muito incomodados com os sintomas urinários (em comparação com 2% no pré-operatório). Houve melhoria progressiva de todos os escores nos controles tardios (12 a 24 meses), com qualidade de vida significativamente melhorada1515 Limani K, Albisinni S, Aoun F, Le Dinh D, I Biaou, E Hawaux, et al. Qualité de vie après prostatectomie robotique: impact des indices de masse corporelle et âge sur l'incontinence urinaire. Prog Urol. 2017;27(4):244-52..

No presente estudo, temos as limitações inerentes dos estudos observacionais, mesmo os dados tendo sido coletados de maneira prospectiva. A despeito do grande número de pacientes, poucos tinham disponíveis todas as variáveis e muitos não completaram os questionários de maneira satisfatória durante o período estudado. Além disso, a amostra fica limitada ao número de pacientes disponível e não ao cálculo amostral que deve ser feito de maneira rotineira em qualquer estudo.

Há ainda grande heterogeneidade na própria definição de incontinência. Há autores que advogam que qualquer uso de forro é considerado incontinência, enquanto há outros mais permissivos que aceitam até dois forros por dia. Neste estudo foi aceito o limite de um forro por dia, porque há sabidamente grande parcela dos pacientes que utiliza o forro para se sentir mais seguro ao praticar de atividades diárias, mas muitos terminam o dia com o forro absolutamente seco.

A partir do presente estudo é possível verificar que não apenas os escores totais (a soma das questões 1,2 e 3 do ICIQ e a soma das questões de 1 a 7 do IPSS), mas cada questão em separado parece ter valor no estudo da continência urinaria após a prostatectomia radical. Novos estudos deveriam dar maior atenção a estas ferramentas para entender-se a evolução dos sintomas do trato urinário inferior após a prostatectomia radical e, assim poder tratar da melhor maneira a incontinência urinária.

CONCLUSÕES

A prostatectomia radical robótica assistida causa em primeiro momento piora nos sintomas urinários do trato inferior com recuperação subsequente. A recuperação se inicia pelos sintomas de esvaziamento, seguida por sintomas pós-miccionais e de armazenamento. Os sintomas avaliados pelo IPSS acabam evoluindo para parâmetros melhores, inclusive considerando os valores do pré-operatório, enquanto os sintomas de perda urinária avaliados pelo ICIQ não atingem os níveis pré-operatórios no intervalo estudado.

REFERENCES

  • 1
    Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva [Internet]. 2020 [acesso em 2020 abr 10]. Disponível em: www.inca.gov.br
    » www.inca.gov.br
  • 2
    Berryhill R Jr., Jhaveri J, Yadav R, Leung R, Rao S, El-Hakim A, et al. Robotic prostatectomy: a review of outcomes compared with laparoscopic and open approaches. Urology. 2008;72(1):15-23.
  • 3
    Dasgupta P, Patil K, Anderson C, Kirby R. Transition from open to robotic-assisted radical prostatectomy. BJU Int. 2008;101(6):667-8.
  • 4
    Hung SC, Yang CK, Cheng CL, Ou YC. Long-term Oncologic Outcomes of Robotic-assisted Radical Prostatectomy by a Single Surgeon. Anticancer Res. 2017;37(8):4157-64.
  • 5
    Heesakkers J, Farag F, Bauer RM, Sandhu J, De Ridder D, Stenzl A. Pathophysiology and contributing factors in postprostatectomy incontinence: A review. Eur Urol. 2017;71(6):936-44.
  • 6
    Juszczak K, Ostrowski A, Bryczkowski M, Adamczyk P, Drewa T. A hypothesis for the mechanism of urine incontinence in patients after radical prostatectomy due to urinary bladder hypertrophy. Adv Clin Exp Med. 2019;28(3):347-51.
  • 7
    Lujan Galan M, Paez Borda A, Martin Oses E, Llanes Gonzalez L, Berenguer Sanchez A. [The validity of the IPSS questionnaire in a sample of 262 patients with benign prostatic hyperplasia]. Arch Esp Urol. 1997;50(8):847-853. Spanish.
  • 8
    Cockett AT, Aso Y, Denis L, Khoury S, Barry M, Carlton CE, et al. World Health Organization Consensus Committee recommendations concerning the diagnosis of BPH. Prog Urol. 1991;1(6):957-72.
  • 9
    Abrams P, Avery K, Gardener N, Donovan J, Board IA. The International Consultation on Incontinence Modular Questionnaire: www.iciq.net. J Urol. 2006;175(3 Pt 1):1063-1066; discussion 1066.
  • 10
    Schwartz EJ, Lepor H. Radical retropubic prostatectomy reduces symptom scores and improves quality of life in men with moderate and severe lower urinary tract symptoms. J Urol. 1999;161(4):1185-8.
  • 11
    Prabhu V, Taksler GB, Sivarajan G, Laze J, Makarov DV, Lepor H. Radical prostatectomy improves and prevents age dependent progression of lower urinary tract symptoms. J Urol. 2014;191(2):412-7.
  • 12
    Gordon A, Skarecky D, Osann K, Eichel L, Dhaliwal H, Morales B, et al. Quantification of Long-term Stability and Specific Relief of Lower Urinary Tract Symptoms (LUTS) After Robot-assisted Radical Prostatectomy. Urology. 2016;93:97-103.
  • 13
    Machioka K, Kadono Y, Naito R, Nakashima K, Iijima M, Kawaguchi S, et al. Evaluating urinary incontinence before and after radical prostatectomy using the international consultation on incontinence questionnaire-short form. Neurourol Urodyn. 2019;38(2):726-33.
  • 14
    Fujimura T, Igawa Y, Aizawa N, Niimi A, Yamada Y, Sugihara T, et al. Longitudinal change of comprehensive lower urinary tract symptoms and various types of urinary incontinence during robot-assisted radical prostatectomy. Neurourol Urodyn. 2019;38(4):1067-75.
  • 15
    Limani K, Albisinni S, Aoun F, Le Dinh D, I Biaou, E Hawaux, et al. Qualité de vie après prostatectomie robotique: impact des indices de masse corporelle et âge sur l'incontinence urinaire. Prog Urol. 2017;27(4):244-52.
  • Fonte de financiamento:

    nenhuma.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    06 Maio 2020
  • Aceito
    06 Jul 2020
Colégio Brasileiro de Cirurgiões Rua Visconde de Silva, 52 - 3º andar, 22271- 090 Rio de Janeiro - RJ, Tel.: +55 21 2138-0659, Fax: (55 21) 2286-2595 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revista@cbc.org.br