Sarcoma primário de fígado em adultos: revisão sistemática

RESUMO

Introdução:

o sarcoma primário do fígado é uma neoplasia rara, que acomete mais frequentemente crianças. Nos adultos, representa espectro de neoplasias de prognóstico reservado. Entretanto, em nenhuma faixa etária há consenso sobre a terapêutica de escolha dessas lesões, motivando revisão sistemática com objetivo de elencar opções de tratamento, fatores prognósticos e sobrevida.

Material/Método:

realizamos revisão sistemática dos artigos publicados nas bases de dados Pubmed, Medline, LiLacs e Scielo, de 1966 a março/2019, contendo as palavras-chaves: primary-liver-sarcoma e primary-hepatic-sarcoma. Foram incluídos estudos que incluíram pacientes com idade a partir de 18 anos e publicados em inglês, português e espanhol. Relatos de caso, tumores metastáticos e pacientes com múltiplos diagnósticos oncológicos foram excluídos. Foram encontrados inicialmente 1.318 artigos, desses, 1.206 foram excluídos por estarem fora dos critérios de inclusão. Dos 112 artigos analisados e discutidos, 15 foram incluídos nesse artigo (14 séries de casos e 1 estudo de coorte retrospectivo).

Resultado:

os tratamentos propostos para o sarcoma primário do fígado em adultos incluíram cirurgia e/ou quimioterapia e/ou radioterapia ou transplante hepático. Os tipos histológicos mais frequentemente relados foram angiossarcoma (32%), leiomiossarcoma (29%), hemangioendotelioma epitelioide (15%) e sarcoma embrionário (7%). Tipo histológico, grau de diferenciação e resseção R0 foram os principais fatores de bom prognóstico. A sobrevida média total variou de dois a 23 meses. A sobrevida em cinco anos variou entre 0 e 64%, em média 21%.

Conclusão:

ressecção cirúrgica R0 é a base do tratamento dos sarcomas primários do fígado. Esse grupo heterogêneo de tumores requer desenvolvimento de terapias sistêmicas efetivas para melhoria do prognóstico.

Palavras chave:
Fígado; Sarcoma; Neoplasias Hepáticas; Revisão Sistemática

ABSTRACT

Introduction:

primary liver sarcoma is a rare type of tumor, more common in children. Among adults, it represents a spectrum of neoplasms with reserved prognosis. There is no consensus on the treatment of choice of these lesions, justifying a systematic review of the literature on treatment options, prognostic factors, and survival.

Material/Methods:

a systematic review of articles published in Pubmed, Medline, LiLacs e SciElo, from 1966 to March/2019, presenting the keywords: primary-liver-sarcoma and primary-hepatic-sarcoma was undertaken. Studies including patients older than 18 years, and published in English, Portuguese and Spanish were included. Case reports, metastatic tumors and multiple oncologic diagnosis were excluded. The initial search listed 1,318 articles. 1,206 did not meet the inclusion criteria. After reviewing 112 eligible articles, 15 were selected (14 case series and 1 retrospective-cohort).

Results:

proposed treatment modalities for primary liver sarcoma included surgery and/or chemotherapy and/or radiotherapy or liver transplantation. The most common histological types were angiosarcoma (32%), leiomyosarcoma (29%), epithelioid hemangioendothelioma (15%) and embryonal sarcoma (7%). Histology, degree of differentiation and R0 resection were mentioned positive prognostic factors. Median survival ranged from two to 23 months. Five-year survival rate varied from 0% to 64%, on average 21%.

Conclusion:

surgical resection (R0 resection) is the main treatment for primary liver sarcomas. Development of effective systemic therapies are required to improve prognosis of patients harboring this type of tumor.

Keywords:
Liver; Sarcoma; Liver Neoplasms; Systematic Review

INTRODUÇÃO

O sarcoma primário do fígado (SPF) é tumor raro, mais comum na infância¹ e representa entre 0,1% e 2% do total dos tumores hepáticos^1-6. A história natural é de crescimento rápido, com sobrevida curta, com ou sem tratamento^2,3,5-10. Em adultos, representa espectro de neoplasias e entre essas se destacam: angiossarcoma (AS), leiomiossarcoma (LMS), sarcoma embrionário indiferenciado (SEI), hemangioendotelioma epitelioide (EHE) e histiocitoma fibroso maligno (HFM)^1-15.

Os principais sinais/sintomas dessas neoplasias são inespecíficos^1,2,4-6, incluindo: dor abdominal, massa palpável, febre, sangramento/rotura (principalmente, mas não exclusivamente nos angiossarcomas) e perda de peso^1-15. Nenhum marcador tumoral conhecido se eleva em casos de SPF^1,7, o que torna a identificação dessas neoplasias difícil e tardia^{1-3,7,10,16,17}. Atualmente, não há consenso sobre o tratamento de escolha dessas neoplasias¹.

Essa revisão sistemática objetiva elencar opções terapêuticas, fatores prognósticos e resultados nessa categoria de pacientes.

MATERIAL E MÉTODOS

A pesquisa foi realizada nos bancos de dados Pubmed, Medline, LiLacs e SciElo, entre 1966 e março/2019, utilizando-se as palavras chave: primary-liver-sarcoma e primary-hepatic-sarcoma. Foram incluídos artigos em inglês, português e espanhol, sobre pacientes com idade a partir de 18 anos diagnosticados com sarcoma primário do fígado e que receberam algum tipo de tratamento. Foram excluídos relatos de caso, tumores metastáticos e pacientes com múltiplos diagnósticos oncológicos (Figura 1).

Figura 1
Fluxograma da Revisão Sistemática.

A busca foi realizada por três autores independentes, que leram o título e o resumo de todos os artigos obtidos nas bases de dados. Após isso, os textos completos foram analisados. Os desacordos foram resolvidos por debate entre os autores e pelo julgamento final do autor sênior.

Foram encontrados 1.318 artigos, dentre os quais 1.206 foram excluídos por não preencherem os critérios de inclusão. Dos 112 artigos analisados e discutidos, 15 foram incluídos nesse artigo (14 séries de casos e 1 estudo de coorte retrospectivo) (Figura 1).

RESULTADOS

Dos 15 artigos incluídos sobre SPF^1-15, seis são de séries de casos específicos de angiossarcomas. Essas publicações abrangiam amplo espectro de sarcomas e diversos tratamentos. Resumo com os principais dados de cada artigo é apresentado na Tabela 1.

Tabela 1
Resumo dos Artigos Incluídos.

Autores	Sexo	Idade Média	N° de Casos	Sinais/sintomas	Histologia	Terapia	Fatores Prognósticos	Sobrevida
Poggio JL et al4 (2000)	13 ♂ 7 ♀	56	20	Massa abdominal:10 Dor em QSD: 10 Perda de peso: 8 Febre: 8 Sangramento: 0/7	Leiomiossarcoma: 5 Histocitoma fibroso maligno: 4 Angiossarcoma: 3 Hemangioendotelioma epitelioide: 3 Carcinossarcoma: 2 Embrionário: 1 Lipossarcoma: 1 Fibrossarcoma: 1	Ressecção R0: 19 R2: 1 TX: 1 QT: 6 (Ifosfamida Doxorubicina, Etoposida)	Pior prognóstico: Mal diferenciado (5 anos: 18%)	1 ano: 79% 3 anos: 37% 5 anos: 37%
Molina E et al8 (2003)	4 ♂ 1 ♀	53	5	Massa abdominal: 1 Dor em QSD: 4 Perda de peso: 1 Febre: 2 Sangramento: 2	Angiossarcoma	Biópsia: 2 Cirurgia: 1 Cirurgia & QT: 2		Média 6 meses
Almogy G et al2 (2004)	6 ♂ 2 ♀	52	8	Dor em QSD: 50% Assintomático: 25% Febre: 37,5% Sangramento: 25% (angiossarcoma)	Angiossarcoma: 2 Leiomiossarcoma: 2 Embrionário: 2 Hemangioendotelioma epitelioide: 1 Sarcoma da bainha neural: 1	Ressecção R0: 3 RXT: 2 QT: 5 TACE: 2	Pior prognóstico: Margens positivas	2 pacientes sem retorno do câncer em 47 meses. Os outros morreram dentro de 1 ano.
Weitz J et al6 (2007)	14 ♂ 16 ♀	52	30	Dor em QSD: 19 (63%) Assintomático: 6	Hemangioendotelioma epitelioide: 10 Embrionário: 5 Angiossarcoma: 5 Histocitoma fibroso maligno: 1 Leiomiossarcoma: 2 Outros: 7	Ressecção R0: 11 R1 & R2: 13	Pior prognóstico: Mal diferenciado & R1 ou R2.	Angiossarcoma Baixa sobrevida média (11 meses) R0: 64% (5 anos) R1 ou R2: 0% (3 anos)
Li Y et al7 (2008)	21 ♂ 13 ♀	58	7 casos+ Revisados 27 casos	Massa abdominal: 0/7 Dor: 6/7 Perda de peso: 4/7 Febre: 1/7 Sangramento: 0/7	Histocitoma fibroso maligno	Cirurgia: 4/7 & 20/27 TX: 1/27		Sobrevida média: 4 meses 6 casos: >2 anos
Park YS et al12 (2009)	5 ♂ 1 ♀	52	6	Massa abdominal: 2 Dor em QSD: 4 Perda de peso: 0/7 Febre: 1 Sangramento: 3	Angiossarcoma	TACE: 4 TAE: 2		Responsivos à TACE 8-12 meses: Não-responsivos: 2 meses
Matthaei N et al5 (2009)	14 ♂ 8 ♀	54	22	Massa abdominal: 2 Dor em QSD: 3 Perda de peso: 2 Achado incidental:15	Leiomiossarcoma: 7 Rabdomiossarcoma: 5 Angiossarcoma: 5 Histocitoma fibroso maligno: 1 Outros: 4	Todos cirúrgicos QT: 8 Ciclofosfamida, Doxorrubicina Etoposida, e/ou ifosfamida	Pior prognóstico: Angiossarcoma	Sobrevida média: 153 meses, 2 anos: 85,2%, 3 anos: 70,2%, 5 anos: 65,2%
Zhou Y et al10 (2010)	5 ♂ 1 ♀	55	6	Massa abdominal: 1 Dor em QSD: 4 Perda de peso: 4 Assintomático: 1 Febre: 0/7 Sangramento: 0/7	Angiossarcoma	Ressecção R0: 5 TACE: 5 (Lipiodol + adriamicina + carboplatina)		5 recorrências dentro de 2 anos.
Chi M et al3 (2012)	60 ♂ 49 ♀	58	109	Massa abdominal: 56,8% Dor em QSD: 50,5% Perda de peso: 34,7% Febre: 12,6% Sangramento: 7,4%	Leiomiossarcoma	Cirurgia: 61%, QT: 13,7%, TX: 5,3%, RXT: 2,1%		Sobrevida média: 19 meses, 1 ano: 100%, 2 anos: 41,1%, 5 anos: 14,5%
Duan XF et al11 (2012)	5 ♂ 1 ♀	49	6	Massa abdominal: 1 Dor em QSD: 2 Perda de peso: 1 Febre: 2 Sangramento: 0/7	Angiossarcoma	Ressecção R0: 5 R2: 1 QT: 1		R0 1º ano:100% 3º ano: 80% 5º ano: 40%
Zheng Y et al9 (2014)	49 ♂ 15 ♀	59	64	26,6% ruptura	Angiossarcoma	Cirurgia: 30 Paliativo: 15 TACE: 10 TX: 5 QT: 4		Sobrevida média: 5 meses Cirurgia+ QT: 17 meses
Lin YH et al1 (2015)	8 ♂ 5 ♀	48	13	Dor em QSD: 9 Anemia: 7 Plaquetopenia: 2	Angiossarcoma: 6 Sarcoma indiferenciado: 4 Hemangioendotelioma epitelioide: 1 Sarcoma embrionário: 1 Leiomiossarcoma: 1	Cirurgia + QT: 4 Cirurgia: 4 Cirurgia + TAE: 3 TX: 2 Ressecção: R0: 9 R1: 1	Não- angiossarcoma maior sobrevida que angiossarcoma 1 ano: 85,7% x 33,3%; 3 anos: 71,4% x 16,7%; 5 anos: 57,1% x 0%	Sobrevida média: 1 ano: 61,5%, 2 anos: 53,8%, 5 anos: 30,8%; Pacientes cirúrgicos: 1 ano: 72,7%, 2 anos: 63,6%, 5 anos: 36,4%.
Konstantinidis et al15 (2019)	93 ♂ 144♀	52	237		Angiossarcoma: 64 Sarcoma indiferenciado: 4 Hemangioendotelioma epitelioide: 67 Sarcoma embrionário: 31 Leiomiossarcoma: 33	Ressecção: 40,9% TX: 17,3%	R0 Bem diferenciado Hemangioendotelioma epitelioide	Em 5 anos: 25% Angiossarcoma: < 1 ano
Tripke et al13 (2019)	5♂ 4♀	61	9	5 sintomáticos (dor)	Angiossarcoma	R0: 8, R1 + QT: 1 (Doxorubicina + Ifosfamida)	Mal diferenciado	Sobrevida global: 18 meses, R0: 59 meses; Sobrevida livre de doença: 10 meses, R0: 11 meses
Zhou et al14 (2019)	12♂ 5♀	57	17	Dor: 9 Massa palpável: 7 Anorexia: 4	Lipossarcoma: 6 Leiomiossarcoma: 4 Hemangioendotelioma epitelioide: 3 Fibrossarcoma: 2 Hepatoblastoma: 2	Ressecção: 12 (R0: 10) Biópsia: 5 TACE: 5 QT: 17 (todos)	R0	Global em 5 anos: 12% (R0: 20%)

No total, 569 pacientes foram relatados. Sendo 52% do sexo masculino (N - 294) e 48% feminino (N- 272). Os principais sinais e sintomas foram: dor abdominal (57%), massa palpável em hipocôndrio direito (27%), perda de peso (18%) e febre (10%). Outros achados incluíam anemia e anorexia. O sangramento intralesional, com ou sem rotura, foi encontrado em até 26,6% dos angiossarcomas. Observamos ainda 8% de pacientes assintomáticos (Tabela 2).

Tabela 2
Características clínico-patológicas dos 569 pacientes portadores de sarcoma primário do fígado.

Variável	Média (Variação)	N	(%)
Idade (anos)	54(18-86)
Sexo Masculino		294	(52%)
Sinais e sintomas
Dor abdominal		324	(57%)
Massa palpável		154	(27%)
Perda de peso		102	(18%)
Febre		57	(10%)
Assintomáticos		48	(8%)
Histologia
Angiossarcoma		181	(32%)
Leiomiossarcoma		163	(29%)
Hemangioendotelioma epitelioide		85	(15%)
Sarcoma embrionário		43	(7%)
Rabdomiossarcoma		36	(6%)
Carcinossarcoma		18	(3%)
Histiocitoma maligno		13	(2%)
Lipossarcoma		7	(1%)
Outros (Bainha Neural, Indiferenciado, Fibrossarcoma, etc.)		23	(5%)

O tipo histológico mais comum foi o angiossarcoma, encontrado em 32% dos pacientes. Seguido pelo leiomiossarcoma (29%) e o hemangioendotelioma epitelioide (15%)¹⁵. O sarcoma embrionário ocorreu em 7%, o rabdomiossarcoma, em 5%, o carcinossarcoma, em 3% e o histiocitoma maligno ocorreu em 2% dos pacientes relatados.

A ressecção cirúrgica foi indicada, como tratamento, em 78% dos pacientes, sendo 66% como monoterapia^1-11,13-15 e, em 17%, combinada a quimioterapia adjuvante^{1-5,8,9,11,13,14}.

A quimioterapia (QT) foi utilizada em 31% dos pacientes. A doxorubicina, adriamicina, etoposida, ifosfamida e a ciclofosfamida foram os medicamentos mais utilizados^1-5,8,13. A neoadjuvância não foi utilizada em nenhum caso. Apenas dois artigos citavam o uso da radioterapia (RXT) com adjuvância ou tratamento isolado^2,3.

Outros tipos de tratamentos foram utilizados. O transplante hepático (TX) foi citado por alguns artigos^1,3,4,7,9,15 e utilizado em até 17,3% dos casos na maior coorte retrospectiva¹⁵.

Quimioembolização arterial (TACE) e/ou embolização seletiva da artéria hepática (TAE) foram utilizadas em 15% dos pacientes, principalmente nas séries de casos de angiossarcomas e foram utilizadas como monoterapia ou em associação com quimioterapia ou cirurgia^{1,2,9,10,12,14}. Nesses artigos, a eleição por essas terapias foi claramente associada à presença de rotura e/ou sangramento.

A sobrevida média variou de dois a 23 meses. A sobrevida em cinco anos oscilou entre 0% e 64%^6,12, em média 21%. Os melhores resultados foram alcançados em pacientes com hemangioendotelioma epitelioide, tratados com ressecção R0.

Observou-se a ressecção R0 como a única terapia curativa, aliada ou não a uma adjuvância, como fator prognóstico mais importante^4-6,9-11. Além desse, observou-se relação inversa entre tamanho do tumor e sobrevida do paciente⁹. O tipo histológico mais agressivo foi angiossarcoma. O grau de diferenciação se relacionou diretamente ao prognóstico^4,6,13,15 (Tabela 3).

Tabela 3
Fatores prognósticos.

Prognóstico	Fator	Referências (N)
Favorável	Ressecção R0	15
	Grau de diferenciação	13
	Hemangioendotelioma epitelioide	6
Desfavorável	Ressecção R1/R2	10
	Angiossarcoma	9
	Tamanho > 10 cm	8
	Linfonodos acometidos	5
	Sangramento/rotura tumoral	2

DISCUSSÃO

Os sarcomas primários do fígado são doenças raras^1-5,10,18,19, espectro heterogêneo^2,4, e prognóstico variável^1,3, em geral, sombrio^2,3,5-10. A maioria dessas neoplasias é de causa idiopática^8,10, porém, nos angiossarcomas^1,8 existe associação com exposição ao thorotrast^{1,2,4,8,10,12,20-23}, cloreto de vinilo, arsênico e uso de esteroides androgênicos¹³.

Nos últimos três anos, no Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP), foram tratados quatro casos de sarcomas hepáticos primários, justificando essa busca por opções de tratamento. Encontramos literatura limitada, composta basicamente por relatos de caso. As séries de caso, além de escassas, são curtas e não uniformes, abordando inúmeros tipos de sarcoma e condutas terapêuticas diversas. Nesse cenário, esse estudo visou reunir e, assim, colaborar para uniformização das evidências sobre a doença.

Devido à raridade e aos sintomas inespecíficos, o diagnóstico de SPF é difícil e tardio, geralmente ocorrendo em estágios avançados^{1-3,7,10,16,17}. Porém, essa neoplasia requer diagnóstico e tratamento imediatos⁸. A suspeita diagnóstica pré-operatória é necessária, visando inferir o tipo histológico^1,2,11,24 e avaliar o estadiamento e a ressecabilidade. O exame de imagem com massas grandes não compatíveis com hepatocarcinoma ou colangiocarcinoma é o que levanta a suspeita desse diagnóstico^2,3. Tumores rotos ou sangramento intralesional também alertam para essa condição. A biópsia pré-operatória pode ser desnecessária e estar associada, nos angiossarcomas e histiocitomas fibrosos, a complicações graves, como sangramento maciço e óbito^{1,2,7,8,10,20,25}. No planejamento terapêutico, a TAE deve ser considerada de antemão em tumores sangrantes/rotos ou no evento de acidentes de biópsia^{2,8-10,12,25,26}.

Juntos, o hemangioendotelioma epitelioide, o leiomiossarcoma e o angiossarcoma totalizam 75% dos casos e, nesse estudo, representaram 429 casos. Os quatro tipos mais frequentes de sarcoma primário do fígado são discutidos a seguir.

Hemangioendotelioma epitelioide

O hemangioendotelioma epitelioide é reconhecido como angiossarcoma de baixo grau^15,27,28, com comportamento indolente, mesmo na presença de doença linfonodal e metástases.

Leiomiossarcoma

No leiomiossarcoma, a apresentação clínica mais comum foi hepatomegalia, grande massa abdominal e dor epigástrica^3,29. Esse tumor ocorre em pessoas de meia idade e a distribuição entre os sexos é semelhante^3,29. Nesse levantamento, a idade média dos pacientes com essa neoplasia foi de 57 anos e, não houve predileção por sexo, sendo 52% homens.

O prognóstico do leiomiossarcoma é razoável, com sobrevida mediana de 19 meses e sobrevida em um, dois e cinco anos de aproximadamente 61%, 41% e 14%, respectivamente, variando de 0,5 a 141 meses. Os fatores de prognóstico desfavorável nesse grupo foram: a) margem cirúrgica comprometida e; b) tumores grandes (maiores que 10cm3)^30-34.

O leimomiossarcoma foi descrito na tomografia computadorizada (TC) como massa grande, bem definida, heterogênea e hipodensa com o contraste realçando áreas internas e periféricas^1,35. Foi descrito também como grande massa hipervascular com hemorragia ou necrose liquefativa^1,35. Na ressonância magnética (RM), na sequência em T1, o tumor foi descrito com hipointensidade homogênea ou heterogênea e, em T2, com hiperintensidade e observação ocasional de encapsulamento²⁹.

As metástases foram comuns nesses pacientes, ocorrendo em aproximadamente 43% dos casos durante o curso do tratamento. O sítio principal foi pulmão, seguido, em ordem decrescente, por pleura/parede torácica/diafragma, rim e ossos³.

O tratamento do leiomiossarcoma foi cirúrgico, objetivando-se a ressecção completa do tumor primário. Esquemas de terapia sistêmica com quimioterapia ou radioterapia não foram estabelecidos e quando usados não parecem ter aumentado a sobrevida desses pacientes³.

Angiossarcoma

O angiossarcoma é responsável por aproximadamente entre 2% e 3% dos sarcomas de partes moles em adulto⁹ e tem etiologia associada a exposição a thorotrast^{1,2,4,8,10,12,20-23,26,28}, cloreto de vinilo e arsênico^1,8,23. A doença se expressa entre nove e 35 anos após o contato com esses agentes⁹. Essa exposição causa mutações nos genes p53 e K-ras, que leva ao desenvolvimento do câncer⁹. Esse sarcoma é mais comum em homens (76%) e, em geral, acomete pacientes entre 50 e 60 anos⁹.

Os principais sintomas do angiossarcoma são: dor abdominal^1,9, fadiga, fraqueza e perda de peso^8,10,26, os principais sinais são: hepatoesplenomegalia, ascite, icterícia e anemia⁹. Além disso, entre 17% e 27% dos casos cursam com rotura do tumor e hemoperitônio^1,8,9,29-31.

O diagnóstico é difícil: os principais marcadores tumorais (CA-19.9 e alfafetoproteína) não se elevam durante o desenvolvimento da doença^1,5, além disso, a biópsia em casos suspeitos está contraindicada por ter alto risco de causar sangramento maciço durante o procedimento^8-11. Algumas características de imagem podem auxiliar nesse momento. Na TC, o angiossarcoma é hipoatenuante quando comparado ao fígado normal e o contraste pode realçar áreas centrais ou periféricas de modo não usual^1,32. Já na RM, sequências em T1 mostram áreas focais de alta intensidade de sinal e as em T2 mostram a arquitetura heterogênea desse tumor^1,32.

O tratamento dessa categoria dos sarcomas primários é basicamente cirúrgico (ressecção R0), sendo esse tratamento o único curativo¹⁰. Não há padronização específica para qualquer tratamento neoadjuvante ou adjuvante com quimioterapia ou radioterapia²⁶. Porém, estudos recentes associaram a quimioterapia ao prolongamento da vida de pacientes com angiossarcoma avançado^26,33,34.

Entre todos os sarcomas primários do fígado, o angiossarcoma é o de pior prognóstico. A sobrevida média é de aproximadamente seis meses¹. Os principais fatores de mau prognóstico, para esse tumor, são o sangramento e a rotura espontâneas do tumor⁹.

Em estudo recente (2018), utilizando-se o National Cancer Database (2004 - 2014), 17,3% dos pacientes foram submetidos a transplante hepático, sendo a maioria (97,6%) portadores de angiossarcoma ou hemangioendotelioma epitelioide. Avaliando esses pacientes (131 casos) separadamente, observamos que os submetidos a transplante eram mais jovens, apresentavam tumores maiores e tinham maior envolvimento linfonodal. A sobrevida média global foi similar, quando comparado transplante à ressecção, mas quando analisamos separadamente, os angiossarcomas tiveram tendência a maior sobrevida com ressecção em comparação ao transplante (16,6 X 6 meses, P= 0,07)¹⁵.

Sarcoma embrionário indiferenciado

O sarcoma embrionário indiferenciado do fígado é entidade ainda mais rara, que acomete principalmente crianças, com idade acima dos cinco anos. Essas crianças geralmente apresentam massa abdominal palpável e dolorosa. Febre, perda de peso e sintomas gastrointestinais também podem estar presentes^1,2,4,6,15. Macroscopicamente, o tumor contém maior componente sólido e algumas áreas císticas. Curiosamente, a TC superestima o componente cístico da lesão, sendo a ultrassonografia (US) o exame mais fidedigno na avaliação da consistência do tumor. Os estudos de imagem ajudam a afastar enfermidades não-neoplásicas, como abscessos e hematomas hepáticos e fazem a avaliação da extensão da lesão, o que é indispensável no planejamento da terapia. O diagnóstico de sarcoma embrionário pode ser corretamente presumido quando se consideram os achados de imagem em conjunto com a idade do paciente e o nível de alfa-fetoproteína^1,2,4,6,15.

Na histologia, é um tumor composto por células fusiformes indiferenciadas entremeadas por matriz mixoide abundante. Algumas evidências sugerem que esse sarcoma seja derivado da transformação maligna do hamartoma mesenquimal. Alguns relatos descrevem a identificação de ambos os tipos histológicos em um mesmo paciente³⁶. Quando ocorrem em adultos, os sarcomas embrionários indiferenciados do fígado acometem mulheres, na faixa etária entre 40 e 55 anos.

CONCLUSÃO

Poucos artigos específicos e baixos níveis de evidência caracterizam a literatura atual relacionada aos sarcomas primários do fígado. Nesse cenário, o tratamento de eleição é a ressecção R0, que se apresenta como única modalidade curativa^{4-6,9-11,23,26,37,38}. Não foi possível estabelecer uso sistemático para quimioterapia ou radioterapia^{2-5,9,11,23,37,39-41}.

A precocidade no diagnóstico e tratamento são essenciais. Fatores associados ao prognóstico desfavorável são: a) tipo histológico; b) acometimento linfonodal; c) rotura tumoral e; d) ressecções R1/R2. Fatores de prognóstico favorável e maior sobrevida são: a) ressecção R0; b) grau de diferenciação e; c) tumores pequenos

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  30 Nov 2020
• Data do Fascículo
  2020

Histórico

• Recebido
  30 Maio 2020
• Aceito
  29 Jun 2020