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Estado atual do trauma e violência em São Paulo - Brasil durante a pandemia de COVID-19

RESUMO

A pandemia do coronavírus levou a sociedade a adotar medidas de contenção de sua disseminação que geram impactos em âmbito social, econômico e psicológico, principalmente pelo isolamento social. Alguns autores apontam que as mudanças sociais geraram mudanças sobre as variadas formas de trauma e violência. Para este estudo, foi realizada coleta de dados referente aos anos de 2019 e 2020 no DATASUS - TABNET e no site da Secretaria de Segurança Pública- SSP, considerando diversos tipos de trauma e violência, com posterior análise de correlação pelo teste de coeficiente e correlação de Kendall. Houve significância estatística, permitindo realizar correlação com a pandemia de caráter negativo para as taxas de lesão corporal por acidente de trânsito, ferimento por arma de fogo, ferimento por arma branca, violência sexual, lesão corporal e violência interpessoal. Como fatores possivelmente associados a redução na incidência destas variáveis, a literatura apresenta algumas mudanças provenientes da pandemia, como adesão ao isolamento, com redução do fluxo de pessoas na rua, e diminuição de denúncias de violência. O presente estudo indica que os achados podem servir de alerta para mudanças futuras e para adoção de medidas preventivas, porém representam o quadro inicial da pandemia em São Paulo e, portanto, mais investigações devem ser elaboradas com o decorrer da pandemia, que ainda se mantém.

Palavras chave:
Pandemia; Coronavírus; Violência; Violência contra a Mulher; Ferimentos e Lesões

ABSTRACT

The coronavirus pandemic led society to adopt measures to contain its spread that generate impacts in the social, economic and psychological spheres, mainly due to social isolation. Some authors point out that social changes have generated changes in the various forms of trauma and violence. For this study, data collection for the years 2019 and 2020 was carried out on DATASUS - TABNET and on the website of the Secretariat of Public Security - SSP, considering various types of trauma and violence, with subsequent correlation analysis using the Kendall coefficient and correlation test. There was statistical significance, allowing a correlation with the negative pandemic for the rates of body injury due to traffic accidents, gunshot injuries, stab wounds, sexual violence, bodily injuries and interpersonal violence. As factors possibly associated with a reduction in the incidence of these variables, the literature presents some changes resulting from the pandemic, such as adherence to isolation, with a reduction in the flow of people on the street, and a decrease in reports of violence. The present study indicates that the findings may serve as a warning for future changes and for the adoption of preventive measures, however they represent the initial situation of the pandemic in São Paulo and, therefore, further investigations must be carried out with the course of the pandemic, which still remains.

Keywords:
Pandemic; Coronavirus; Violence; Violence against Women; Wounds and Injuries

INTRODUÇÃO

O novo coronavírus, denominado SARS-CoV-2, pertence à família Coronaviridae, sendo responsável por síndrome respiratória aguda grave (SARS-COV2) conhecida como COVID-19. Os primeiros casos relatados ocorreram em Wuhan, província de Hubei, China, em dezembro de 2019. Disseminado para outros continentes, em 11 de março de 2020 a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou emergência de saúde pública de interesse internacional, caracterizada como pandemia11 Fiesco-Sepúlveda KY, Serrano-Bermúdez LM. Contributions of Latin American researchers in the understanding of the novel coronavirus outbreak: a literature review. PeerJ. 2020;8:e9332. doi:10.7717/peerj.9332
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2 Tang D, Comish P, Kang R. The hallmarks of COVID-19 disease. PLoS Pathog. 2020;16(5):1-24. doi:10.1371/journal.ppat.1008536
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-33 World Health Organization. WHO Director-General's opening remarks at the media briefing on COVID-19 - 11 March 2020 [Internet]. 2020. Disponível em: https://www.who.int/dg/speeches/detail/who-director-general-s-opening-remarks-at-the-media-briefing-on-COVID-19---11-march-2020
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Na primeira quinzena de Outubro de 2020, foram confirmados 38.789.204 de casos e 1.095.097 mortes no mundo, notificados pela OMS4. No entanto, considera-se que estes números sejam menores do que a realidade devida à baixa disponibilidade de testes e monitoramento em alguns países11 Fiesco-Sepúlveda KY, Serrano-Bermúdez LM. Contributions of Latin American researchers in the understanding of the novel coronavirus outbreak: a literature review. PeerJ. 2020;8:e9332. doi:10.7717/peerj.9332
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. Nessa mesma data o Brasil tinha 5.140.863 casos e 151.747 mortes, sendo o estado de São Paulo o mais afetado do país44 World Health Organization. Coronavirus Disease (COVID-19) Dashboard. Global Situation [Internet]. 2020. Disponível em: https://covid19.who.int
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5 World Health Organization. Coronavirus Disease (COVID-19) Dashboard. Brazil Situation [Internet]. 2020. Disponível em: https://covid19.who.int/region/amro/country/br
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-66 Governo de São Paulo. SP contra o novo coronavírus [Internet]. 2020. Disponível em: https://www.saopaulo.sp.gov.br/coronavirus
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A gravidade da pandemia se deve, essencialmente, à indisponibilidade de vacina e/ou medicamentos direcionados ao tratamento dos pacientes infectados. Sendo assim, a alternativa recomendada pela OMS para a contenção do vírus é o isolamento de casos suspeitos, distanciamento social, higiene das mãos e etiqueta respiratória11 Fiesco-Sepúlveda KY, Serrano-Bermúdez LM. Contributions of Latin American researchers in the understanding of the novel coronavirus outbreak: a literature review. PeerJ. 2020;8:e9332. doi:10.7717/peerj.9332
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,77 World Health Organization. Coronavirus disease (COVID-19) advice for the public [Internet]. 2020. Disponível em: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/advice-for-public
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. As medidas, uma vez implementadas, podem repercutir de forma grave no âmbito social, econômico e psicológico de uma sociedade88 Marques ES, Moraes CL, Hasselman MH, Deslandes SF, Reichenheim ME. Violence against women, children, and adolescents during the COVID-19 pandemic: overview, contributing factors, and mitigating measures. Cad Saúde Pública. 2020;36(4):e00074420. doi: 10.1590/0102-311x00074420
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,99 Boserup B, McKenney M, Elkbuli A. Alarming trends in US domestic violence during the COVID-19 pandemic. Am J Emerg Med. 2020; [Epub ahead of print]. doi: 10.1016/j.ajem.2020.04.077
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Nesse contexto, alguns autores já discutem os possíveis impactos das mudanças sociais durante a pandemia de COVID-19 sobre as variadas formas de trauma e violência1010 Mohler G, Bertozzi AL, Carter J, Short MB, Sledge D, Tita GE, et al. Impact of social distancing during COVID-19 pandemic on crime in Los Angeles and Indianapolis. J Crim Justice. 2020;68(2020):1-7. doi: 10.1016/j.jcrimjus.2020.101692
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11 Sacco MA, Caputo F, Ricci P, Sicilia F, De Aloe L, Bonetta CF, et al. The impact of the COVID-19 pandemic on domestic violence: the dark side of home isolation during quarantine. Med Leg J. 2020;88(2):71-3. doi: 10.1177/0025817220930553
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12 Finlay I, Gilmore I. COVID-19 and alcohol - a dangerous cocktail. BMJ. 2020; 369:m1987. doi: 10.1136/bmj.m1987
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-1313 Sutherland M, McKenney M, Elkbuli A. Gun violence during COVID-19 pandemic: paradoxical trends in New York City, Chicago, Los Angeles and Baltimore. Am J Emerg Med. 2020; [Epub ahead of print]. doi: 10.1016%2Fj.ajem.2020.05.006
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. Em uma análise sobre as cidades de Los Angeles e Indianápolis, identificou-se declínio em alguns tipos de crime e aumento em outros. Dentre as que aumentaram estão, principalmente, os caracterizados como violência doméstica1010 Mohler G, Bertozzi AL, Carter J, Short MB, Sledge D, Tita GE, et al. Impact of social distancing during COVID-19 pandemic on crime in Los Angeles and Indianapolis. J Crim Justice. 2020;68(2020):1-7. doi: 10.1016/j.jcrimjus.2020.101692
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. Já estudo italiano demonstrou a diminuição no número de denúncias de violência doméstica, em função do contato próximo entre vítima e agressor, a falta de oportunidade para a vítima escapar do abuso e a redução no contato com pessoas além do ambiente residencial1111 Sacco MA, Caputo F, Ricci P, Sicilia F, De Aloe L, Bonetta CF, et al. The impact of the COVID-19 pandemic on domestic violence: the dark side of home isolation during quarantine. Med Leg J. 2020;88(2):71-3. doi: 10.1177/0025817220930553
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. Finlay et al. analisam a relação entre o consumo de álcool, com elevação de 67% nas vendas no Reino Unido durante a pandemia, e o aumento das ligações para instituições de caridade que atuam contra a violência doméstica. Em estudo sobre a violência por armas de fogo em Nova Iorque, Chicago, Los Angeles e Baltimore, foi identificada tendência paradoxal de aumento destes incidentes durante a pandemia de COVID-191212 Finlay I, Gilmore I. COVID-19 and alcohol - a dangerous cocktail. BMJ. 2020; 369:m1987. doi: 10.1136/bmj.m1987
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No Brasil, até o presente momento não há dados correlacionando os números de trauma e violência após o estabelecimento do distanciamento social pela pandemia do COVID-19. Desta forma, o estudo busca avaliar as características de diferentes tipos de trauma disponíveis nas bases de dados oficiais durante o período da pandemia em São Paulo, a maior cidade da América do Sul, com mais de 11 milhões de habitantes.

MATERIAL E MÉTODOS

Dados para análise do município de São Paulo foram retirados do departamento de informática do SUS, o DATASUS, (http://datasus.saude.gov.br), acessando-se as informações de saúde - TABNET, para ter ingresso à opção de Doenças e agravos de notificação - SINAN. As coletas de dados foram realizadas de acordo com o mês das notificações e o tipo de violência: física; sexual; estupro; força corporal/espancamento; por arma branca e arma de fogo, entre os períodos disponíveis de 2019 e 2020.

A outra base consultada foi o site da Secretaria de Segurança Pública- SSP (https://www.ssp.sp.gov.br/), sendo realizada pesquisa de dados estatísticos de acordo com as ocorrências registradas por mês, sabendo-se que os dados da SSP são atualizados trimestralmente. Dentre os dados analisados foram selecionados os tipos de violência: homicídio doloso; homicídio doloso e culposo por acidente de trânsito; lesão corporal dolosa e culposa; lesão corporal culposa por acidente de trânsito; estupro e feminicídio; nos períodos disponíveis de 2019 e 2020.

A análise estatística dos dados permite inferir a dependência e associação entre as variáveis estudadas e o número de casos de COVID-19. Entretanto essa inferência precisa ser suportada por verificação da presença de dependência entre as variáveis, se tal dependência deve-se ao acaso e, em existindo, se é associação positiva ou negativa. A análise da correlação nos autoriza a verificar a dependência entre as variáveis estudadas e a força da associação quanto mais próximo de +1 maior é a associação positiva e quanto mais próximo de -1 maior é a associação negativa. Utilizou-se o coeficiente e correlação de Kendall, em decorrência da maior precisão para aferir correlação entre duas variáveis ordinais em amostras de tamanho reduzido.

A pesquisa bibliográfica foi realizada em artigos científicos, utilizando-se para busca os termos “COVID-19 violence” e “COVID-19 trauma”, nas bases de dados PubMed, SciELO e Bireme.

RESULTADOS

Os dados (Tabela 1) foram submetidos a análise estatística descrita, havendo significância (p<0,05) nos seguintes tipos de violência: lesão corporal por acidente de trânsito, ferimento por arma de fogo, ferimento por arma branca, violência sexual, lesão corporal e violência interpessoal (Gráficos 1, 2, 3, 4, 5 e 6), o que permite correlacionar a diferença na incidência dessas violências entre os anos de 2019 e 2020 com o número de casos de COVID-19. Enquanto homicídio, feminicídio, estupro e homicídio por acidente de trânsito não foram diferentes (p>0,05).

Gráfico 1
Lesão corporal por acidente de trânsito.

Gráfico 2
Lesões por arma de fogo.

Gráfico 3
Ferimentos por arma branca.

Gráfico 4
Violência sexual.

Gráfico 5
Lesão corporal.

Gráfico 6
Violência interpessoal.

Tabela 1
Incidência dos tipos de violência.

Os primeiros casos de COVID-19 na cidade de São Paulo ocorreram em março, no total de 5.389 casos nesse mês. Os meses subsequentes foram respectivamente 18.438 e 65.038 novos casos.

Em relação à lesão corporal por acidente de trânsito, houve diminuição do número de casos (Kendall -0,713), apresentando forte correlação com a incidência de COVID-19.

Em referência a ferimentos por arma de fogo, foi observada queda expressiva no número de casos (Kendall -0,802) em 2020, a partir do mês de março, se acentuando em abril e maio, demonstrando forte correlação com a pandemia.

Os ferimentos por arma branca também tiveram queda do número de casos (Kendall -0,624), principalmente, no mês de maio, o que reforça a forte correlação com o COVID-19 em 2020.

A violência sexual, a lesão corporal e a violência interpessoal tiveram curva decrescente (Kendall -0,802) no primeiro semestre de 2020, havendo, ainda, maior redução dessa taxa com o aumento de casos de COVID-19.

DISCUSSÃO

Nossos resultados indicam os efeitos do distanciamento social na cidade de São Paulo, e a maioria representou significância estatística para correlação confiável com o cenário instituído pela pandemia. Os indícios de violência analisados foram homicídio, feminicídio, estupro, homicídio por acidente de transito, lesão corporal em acidente de trânsito, ferimento por arma de fogo, ferimento por arma branca, violência sexual, lesão corporal e violência interpessoal.

No tocante aos ferimentos por arma de fogo e arma branca, os resultados se apresentam com associações negativas após o surgimento da pandemia e as medidas preventivas de distanciamento social. Para as armas de fogo, o valor encontrado na categoria Kendall foi de -0,802, enquanto para ferimentos por arma branca foi de -0,624. O que se vê nesses resultados é diferente do encontrado em estudos realizados nas cidades de Nova Iorque, Chicago, Baltimore e Los Angeles no início do ano de 20201313 Sutherland M, McKenney M, Elkbuli A. Gun violence during COVID-19 pandemic: paradoxical trends in New York City, Chicago, Los Angeles and Baltimore. Am J Emerg Med. 2020; [Epub ahead of print]. doi: 10.1016%2Fj.ajem.2020.05.006
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. Enquanto os dados deste estudo revelam redução significativa na incidência de ferimentos por arma de fogo e arma branca com o evoluir do isolamento, essas cidades norte americanas apresentaram aumento. Em Santiago do Chile, foi observado por meio de revisão retrospectiva, aumento dos traumas penetrantes assim como queda das lesões traumáticas contusas. Apontando ainda, aumento no risco de morte em até cinco vezes, quando há armas em casa1414 Perkis JPR, Tirado PA, Raykar N, Acosta AZ, Alarcon CM, Puyana JC et al. Different Crises, Different Patterns of Trauma. The Impact of a Social Crisis and the COVID-19 Health Pandemic on a High Violence Area. World J Surg. 2020. Doi: doi.org/10.1007/s00268-020-05860-0
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. De acordo com Sutherland et al., é possível explicar esse aumento de algumas formas: 1) o excesso de tempo fora do ambiente de trabalho aumenta a probabilidade de se envolver em desentendimentos seguidos de consequentes ferimentos por arma de fogo; 2) com o aumento do desemprego, baixa renda e estresse financeiro, é maior a probabilidade de se envolver em crimes de roubo com uso de armas; 3) o aumento no consumo de bebidas alcoólicas também foi outro fator citado como propulsor de atitudes violentas. Essa análise por si só não descreve o período como um todo, sendo necessária análise mais refinada1313 Sutherland M, McKenney M, Elkbuli A. Gun violence during COVID-19 pandemic: paradoxical trends in New York City, Chicago, Los Angeles and Baltimore. Am J Emerg Med. 2020; [Epub ahead of print]. doi: 10.1016%2Fj.ajem.2020.05.006
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. No entanto, essa variação de resultados em diferentes países nos leva a reflexão de medidas preventivas para problema secundário à pandemia, que é o aumento da violência relacionado aos danos emocionais, psicológicos e financeiros em grande parte da sociedade. Enquanto nossos dados revelam diminuição inicial, possivelmente pela aderência ao isolamento, o que podemos refletir com esses estudos é que pode-se ter em vista mudança pelas consequências econômicas posteriores, que resultem em aumento futuro da violência de forma geral1313 Sutherland M, McKenney M, Elkbuli A. Gun violence during COVID-19 pandemic: paradoxical trends in New York City, Chicago, Los Angeles and Baltimore. Am J Emerg Med. 2020; [Epub ahead of print]. doi: 10.1016%2Fj.ajem.2020.05.006
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Já nos casos de violência sexual, lesão corporal e violência interpessoal os resultados foram diferentes dos esperados, considerando-se a literatura atual. Com a maior convivência em ambiente doméstico esperava-se que houvesse aumento nesses padrões de violência88 Marques ES, Moraes CL, Hasselman MH, Deslandes SF, Reichenheim ME. Violence against women, children, and adolescents during the COVID-19 pandemic: overview, contributing factors, and mitigating measures. Cad Saúde Pública. 2020;36(4):e00074420. doi: 10.1590/0102-311x00074420
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,99 Boserup B, McKenney M, Elkbuli A. Alarming trends in US domestic violence during the COVID-19 pandemic. Am J Emerg Med. 2020; [Epub ahead of print]. doi: 10.1016/j.ajem.2020.04.077
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,1515 Bradbury-Jones C, Isham L. The pandemic paradox: the consequences of COVID-19 on domestic violence. J Clin Nurs. 2020; [Epub ahead of print]. doi: 10.1111/jocn.15296
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,1616 Mittal S, Singh T. Gender-based violence during COVID-19 pandemic: a mini-review. Front Glob Womens Health. 2020;(1)4:1-7. doi: 10.3389/fgwh.2020.00004
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. No entanto, o que foi visto foi associação negativa para as três variáveis, sendo a redução pela classificação de Kendall em -0,802. De acordo com Boserup et al., as condições associadas ao período de quarentena como abuso de bebidas alcoólicas, depressão, e sintomas de estresse pós-traumático podem favorecer o ambiente para violência doméstica99 Boserup B, McKenney M, Elkbuli A. Alarming trends in US domestic violence during the COVID-19 pandemic. Am J Emerg Med. 2020; [Epub ahead of print]. doi: 10.1016/j.ajem.2020.04.077
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. Neste tipo de violência, geralmente um indivíduo detem controle sobre outro e ocorre nas formas de violência ao parceiro, aos idosos e às crianças, geralmente aqueles que estão mais vulneráveis dentro do ambiente doméstico. Essa maior vulnerabilidade se deve ao fato de que há maior desgaste com o trabalho doméstico em consequência do cuidado de crianças, idosos, e familiares doentes no dia a dia de ambiente restrito para atividades externas. Há também maiores preocupações financeiras e maior estresse que facilitam para os abusadores terem espaço maior para manipulação de suas vítimas. Como o contato com outros está reduzido, assim como a menor rede de apoio da comunidade, muitas vítimas sentem-se desencorajadas a denunciar seus agressores88 Marques ES, Moraes CL, Hasselman MH, Deslandes SF, Reichenheim ME. Violence against women, children, and adolescents during the COVID-19 pandemic: overview, contributing factors, and mitigating measures. Cad Saúde Pública. 2020;36(4):e00074420. doi: 10.1590/0102-311x00074420
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,99 Boserup B, McKenney M, Elkbuli A. Alarming trends in US domestic violence during the COVID-19 pandemic. Am J Emerg Med. 2020; [Epub ahead of print]. doi: 10.1016/j.ajem.2020.04.077
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. Segundo Bradbury-Jones e Isham, o isolamento social possibilitou o domínio dos abusadores sobre os meios de comunicação e a interação da vítima com a sociedade, o que dificulta a realização das denúncias1515 Bradbury-Jones C, Isham L. The pandemic paradox: the consequences of COVID-19 on domestic violence. J Clin Nurs. 2020; [Epub ahead of print]. doi: 10.1111/jocn.15296
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. Isso pode explicar o resultado da nossa análise, já que pelo maior convívio, com menos acesso a auxílio da comunidade e dos serviços de saúde, esperar-se-ia aumento significativo desses valores. Diferentemente da nossa casuística, no Chile, houve aumento da violência doméstica e interpessoal no período de isolamento social1414 Perkis JPR, Tirado PA, Raykar N, Acosta AZ, Alarcon CM, Puyana JC et al. Different Crises, Different Patterns of Trauma. The Impact of a Social Crisis and the COVID-19 Health Pandemic on a High Violence Area. World J Surg. 2020. Doi: doi.org/10.1007/s00268-020-05860-0
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Ao serem analisadas as lesões corporais por acidente de trânsito, houve associação negativa importante (Kendall de -0,713) com o passar dos meses, também possivelmente relacionada à taxa de adesão ao isolamento social. Entende-se que com a redução do fluxo de pessoas na rua em suas atividades cotidianas há redução esperada de acidentes automobilísticos1717 Jacob S, Mwagiru D, Thakur I, Moghadam A, Oh T, Hsu J. Impact of societal restrictions and lockdown on trauma admissions during the COVID-19 pandemic: a single-centre cross-sectional observational study. ANZ J Surg. 2020. doi: 10.1111/ans.16307. Epub 2020 Sep 29.
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,1818 Christey G, Amey J, Campbell A, Smith A. Variation in volumes and characteristics of trauma patients admitted to a level one trauma centre during national level 4 lockdown for COVID-19 in New Zealand. N Z Med J. 2020;133(1513):81-88..

Estudo observacional, em centro australiano de trauma nível I, revelou diminuição no número de traumas menores como quedas e colisões automobilísticas, no período de março a abril deste ano, porém não houve mudanças nas admissões por grandes traumas, como automutilações ou por assaltos. Esses autores também não detectaram aumentos de violência doméstica no período estudado, corroborando alguns dos achados do presente estudo1717 Jacob S, Mwagiru D, Thakur I, Moghadam A, Oh T, Hsu J. Impact of societal restrictions and lockdown on trauma admissions during the COVID-19 pandemic: a single-centre cross-sectional observational study. ANZ J Surg. 2020. doi: 10.1111/ans.16307. Epub 2020 Sep 29.
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. No entanto, estudo descritivo em Midland Trauma Registry, na Nova Zelândia, revelou redução significativa, de 43%, do volume geral de todas as lesões durante o isolamento social1818 Christey G, Amey J, Campbell A, Smith A. Variation in volumes and characteristics of trauma patients admitted to a level one trauma centre during national level 4 lockdown for COVID-19 in New Zealand. N Z Med J. 2020;133(1513):81-88.. Outros autores realizaram análise de dados de emergências em cirurgia plástica em centro de trauma nível I, em Chicago, comparando dados de três semanas antes da ordem de quarentena e três semanas após, demonstrando aumento na porcentagem de lesões relacionadas a assaltos e violência doméstica e, diminuição geral de atendimentos de pacientes que sofreram colisões por veículos motorizados1919 Hassan K, Prescher H, Wang F, Chang DW, Reid RR. Evaluating the effects of COVID-19 on plastic surgery emergencies: protocols and analysis from a level I trauma center. Ann Plast Surg. 2020; 85(2S Suppl 2):S161-S165. doi: 10.1097/SAP.0000000000002459.
https://doi.org/10.1097/SAP.000000000000...
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CONCLUSÃO

Os achados do presente estudo são compatíveis aos da literatura existente em relação à diminuição de taxas de acidentes automobilísticos, porém apresentaram peculiaridades em relação à violência sexual, lesão corporal e violência interpessoal, assim como os achados de ferimentos por arma de fogo e arma branca, que apresentaram correlações negativas, e contrárias à literatura disponível no momento.

Deve-se considerar que os dados analisados representam o quadro de trauma e violência em fases iniciais da pandemia em São Paulo, portanto trata-se de análise que deve ser continuada, uma vez que, a pandemia ainda se manterá por tempo indeterminado. Apesar disso, este retrato inicial pode ser alerta para mudanças futuras e medidas preventivas, que podem ajudar no controle da violência na cidade de São Paulo e em outras grandes cidades pelo mundo.

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  • Fonte de financiamento:

    nenhuma.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    19 Out 2020
  • Aceito
    07 Dez 2020
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