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Financiamento público versus faturamento privado em um hospital público sob gestão de uma Organização Social de Saúde

RESUMO

Objetivo:

os objetivos deste estudo foram verificar a eficiência da gestão por Organização Social de Saúde (OSS) comparada com o setor privado; se há economia para a Secretaria do Estado da Saúde (SES) nos contratos de gestão para custeio da produção de um hospital público frente aos valores de produção faturada pelos métodos privados e estabelecer se os valores faturados pela tabela do Sistema Único de Saúde (SUS) financiariam os mesmos procedimentos.

Métodos:

foram compilados e tabelados todos os procedimentos realizados, materiais e medicamentos dispensados no âmbito do Hospital de Transplantes Euryclides de Jesus Zerbini (HTEJZ) gerido pela OSS Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM), nos meses de setembro, outubro e novembro de 2018 de acordo com a tabela do Brasíndice® para medicamentos, Simpro® para materiais, CBHPM® para honorários médicos, Tabela SIGTAP-SUS e SIA-SUS; em seguida foi realizada a comparação entre os valores médios obtidos no faturamento privado, o valor de custeio repassado pela Secretaria do Estado da Saúde e o faturamento apurado no SIA-SUS.

Resultados:

faturamento médio SUS de R$ 2.774.086,91; repasse mensal SES R$ 13.055.700,00; faturamento privado médio de R$ 25.084.440,31.

Conclusões:

a gestão pela OSS SPDM no Hospital de Transplantes Euryclides de Jesus Zerbini foi mais eficiente na relação financiamento/produção do que seria para um hospital privado. Foi muito significativa a economia para o erário público. Os atuais valores de remuneração da Tabela SUS a serem repassados não atingiriam a necessidade de custeio para um hospital de alta complexidade.

Palavras chave:
Saúde Pública; Financiamento da Assistência à Saúde; Organização Social; Eficiência; Faturamento

ABSTRACT

Introduction:

to assess the efficiency of management by a Social Health Organization (Organização Social de Saúde - OSS) compared with the private sector; to verify if there are savings for the State Health Secretariat (SES) in management contracts for financing the production of a public hospital versus its production values billed by private methods; and to establish if the amounts billed by the Unified Health System (SUS) table would finance the same procedures.

Methods:

we compiled and tabulated all procedures performed and the materials and drugs dispensed in the Euryclides Jesus Zerbini Transplant Hospital (HTEJZ), managed by the OSS Associação Paulista Para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM), in September, October, and November 2018, according to the Brasíndice® table for drugs, the Simpro® table for materials, the CBHPM® table for medical fees, and tables SIGTAP SUS and SIA SUS. We then compared the average values obtained in the private billing with the costing amount reimbursed by the State Health Secretariat and the billing calculated in the SIA-SUS.

Results:

the average SUS revenue was R$ 2,774,086.91; the monthly reimbursement by the SES was R$ 13,055,700.00; and the average private revenue was R$ 25,084,440.31.

Conclusions:

the management by the OSS SPDM in the Euryclides de Jesus Zerbini Transplant Hospital was more efficient in the financing / production ratio than it would be to a private hospital. The economy of public funds was significant. The current SUS table reimbursement values would not meet the need for funding for an overly complex hospital.

Keywords:
Public Health; Healthcare Financing; Social Organization; Efficiency; Billing

INTRODUÇÃO

Desde o surgimento em território nacional das Organizações Sociais de Saúde (OSS) no final da década de 90, ocorre debate sobre a maior eficiência deste modelo de gestão para hospitais públicos, quando comparado com a administração direta, seja municipal, estadual ou federal11 Ferreira Jr WC. Gerenciamento de hospitais estaduais paulistas: Estudo comparativo entre a administração direta e as organizações sociais de saúde. Mestrado [dissertação]. São Paulo: Fundação Getúlio Vargas; 2004. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/2273/98396.pdf;sequence=2
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2 Ferreira Jr WC. Gerenciamento de hospitais estaduais paulistas por meio das organizações sociais de saúde. Rev Administração Pública. 2003;37(2):243-64. http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rap/article/view/6486
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-44 Barbosa BN, Elias PEM. As organizações sociais de saúde como forma de gestão público/privado. Ciênc Saúde Coletiva. 2010;15(5):2483-95. Disponível em: www.scielo.br/scielo.php?pid=s141381232010000500023&script=sci_abstract&tlng=pt
www.scielo.br/scielo.php?pid=s1413812320...
.

Diversos estudos publicados demonstraram que os hospitais públicos estaduais de São Paulo gerenciados por OSS produziam muito mais e com maior qualidade do que os correspondentes da administração direta com o mesmo orçamento, portanto com maior eficiência55 Ibañez N, Bittar OJNV, Sá ENC, Yamamoto EK, Almeida MF, Castro CGJ. Organizações sociais de saúde: o modelo do Estado de São Paulo. Ciência & Saúde Coletiva. 2001;6(2):391-404. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/csc/v6n2/7010.pdf
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. Um único estudo1212 Costa RM. Comparação de hospitais estaduais paulistas: Estudo comparativo entre gerenciamento da administração direta e das organizações sociais da saúde. Tribunal de Contas do Estado. São Paulo. 2010. Disponível em: https://www4.tce.sp.gov.br/sites/default/files/2011-10-03-Comparacao_de_hospitais_estaduais_paulistas-estudo_compara.pdf
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mostrou que os hospitais da administração direta tinham custo menor, mas o estudo apresentou diversos vieses na determinação de custos e não levou em conta os indicadores quantitativos e qualitativos das produções, o que comprometeu os resultados e conclusões.

Atualmente, vinte anos após o modelo ter sido implantado e aperfeiçoado, poucos1313 Morais HMM, Albuquerque MSV, Oliveira RS, Cazuzu AKI, Silva NAF. Organizações Sociais da Saúde: uma expressão fenomênica da privatização da saúde no Brasil. Cad. Saúde Pública. 2018;34(1):e00194916. https://www.scielo.br/pdf/csp/v34n1/1678-4464-csp-34-01-e00194916.pdf
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são os autores que contestam a eficácia e eficiência dos resultados associados à contratualização da gestão com as Organizações Sociais de Saúde reconhecidas1414 Mendes JDV, Bittar OJNV. Hospitais gerais públicos: Administração direta e organização social de saúde. BEPA. 2017;14(164):33-47. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/0B9ngnnHIhCQSTnpLcnhSRTh3VUE/view
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16 Nascimento JO, Pereira RA, Zittei MVM, Lugoboni LF. Gestão privada na saúde pública em São Paulo: um estudo de caso da utilização de organização social de saúde. Revista Práticas de Administração Pública. 2017;1(2):71-88. doi.10.5902/2526629226491
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-1919 Quinhões TAT. Análise de Um Novo Modelo de Governança para Hospitais Públicos no Brasil Segundo a Abordagem dos Custos de Transação: o Caso das Organizações Sociais no Estado de São Paulo. Doutorado [tese]. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas (FGV); 2008. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/6990/Tese_Final_Trajano_Abr_2007final.pdf?sequence=1&isAllowed=y
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. Porém, algumas perguntas ainda persistem quando se tratam de modelos de eficiência: os resultados por gestão de OSS são tão eficientes quanto os obtidos pelos hospitais privados? Partindo da premissa de que os hospitais privados têm necessariamente que visar lucro, além de cobrirem custos, e que os hospitais gerenciados por OSS não têm por objetivo o lucro, mas a gestão eficiente com qualidade e o cumprimento das metas contratadas, qual seria a lucratividade de um hospital público gerenciado por OSS nos moldes do negócio privado? Em outros termos, qual seria o resultado financeiro de um hospital gerenciado por OSS se este fosse privado e com fins lucrativos, com o faturamento realizado pelos métodos privados? Considerando que os procedimentos realizados são faturados de acordo com a Tabela SUS e lançados para serem repassados pela esfera federal para a estadual e, em tese, contribuiriam para financiar o atendimento público do estado, qual é a diferença entre esse valor faturado versus o valor do repasse estadual para custeio estabelecido pelo contrato de gestão? Corresponderia ao pacto federativo de financiamento do SUS?

Dentre as OSS do Estado de São Paulo, a Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM) é a que gerencia o maior número de unidades, tanto estaduais como municipais. Constituída em 1933, por um grupo de professores e alunos como sociedade civil sem fins lucrativos com o objetivo de criar e manter a Escola Paulista de Medicina (EPM), essa Associação é também responsável pela fundação e manutenção do Hospital São Paulo, hospital escola, que após a federalização da Escola Paulista de Medicina em 1956, continua pertencendo à SPDM que tem no Conselho Administrativo professores titulares da EPM. Reconhecida como organização social de saúde em 1998, passa a gerenciar, por meio das contratualizações, hospitais públicos estaduais e municipais.

O Hospital de Transplantes do Estado de São Paulo “Euryclides de Jesus Zerbini” (HTEJZ), desde abril de 2010, é a atual denominação do Hospital Brigadeiro, criado pelo governo federal em 1954. Sob gestão estadual direta até dezembro de 2009, passou para a gestão da OSS SPDM em 1 de janeiro de 2010, após reforma estrutural e mudança de perfil de atendimento, mantendo as especialidades de Hematologia (com unidade de transplantes de medula óssea (TMO), onco-hematologia, hemofilia etc.) Urologia, Oftalmologia, Nefrologia, Neurocirurgia (Transtornos do movimento, Epilepsia, Neurovascular, Tumores de Hipófise e Tumores bulbopontinos). A SPDM implantou o serviço de Hepatologia e Transplante de Fígado e Pâncreas e implementou os transplantes de córnea, rins e medula óssea, quadruplicando o número de consultas ambulatoriais e incrementando em quase sete vezes o número de operações/mês, acima das metas estipuladas no contrato de gestão. O HTEJZ atualmente conta com 10 salas de operação, 153 leitos, sendo 21 leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e oito para TMO. No ano de 2018, cerca de 144.000 atendimentos ambulatoriais, 2.302 saídas clínicas, 4.258 saídas cirúrgicas, realizou 7.082 cirurgias, 10.239 quimioterapias e 10.892 sessões de hemodiálise foram realizados.

Por razões contratuais, o HTEJZ lança e fatura toda a produção mensal no SIH/SUS e SIA/SUS em nome da Secretaria do Estado da Saúde, e os valores desse faturamento não são repassados ao Hospital nem fazem parte do orçamento.

Assim, os objetivos deste estudo são: a) verificar se os resultados de OSS na gestão de uma unidade hospitalar de alta complexidade apresentam diferença de eficiência, quando comparados com os resultados de modelo privado de faturamento; b) verificar se o processo gera economia importante para a gestão pública da saúde, em comparação com os valores apurados em hospitais privados e; c) estabelecer a significância do resultado da diferença entre o valor do custeio hospitalar provido pela Secretaria de Estado da Saúde do Estado de São Paulo e o valor médio de faturamento pela tabela SUS (em tese o valor do repasse federal para o Estado de São Paulo) para a produção de unidade de alta complexidade.

MÉTODOS

O presente estudo comparou os valores do faturamento dos meses de setembro, outubro e novembro de 2018 no SUS, extraídos do SIA/SUS, obtendo a média destes meses e, calculou outra média dos valores faturados nos moldes de um hospital privado para os mesmos meses, cujo atendimento fosse unicamente por seguros privados de saúde.

Para o cálculo desta segunda média, o faturamento foi realizado considerando-se:

1. O total de materiais e medicamentos dispensados nestes meses; 2. O total de pacientes/dia como diárias a serem cobradas; 3. O número total de horas de ocupação das salas de operação apontadas mensalmente; 4. O número de consultas realizadas ambulatorialmente, o número de pacientes/dia, o número total de procedimentos cirúrgicos e; 5. O número de exames laboratoriais e de imagens realizados - Serviços de Apoio Diagnóstico e Terapêutica (SADT).

O total de materiais e medicamentos dispensados no período foram precificados pelo Brasíndice®, com 38% de taxa administrativa para medicamentos, e os materiais pela tabela Simpro® afim de estabelecer os valores a serem computados.

Os cálculos de faturamento de honorários médicos foram baseados na Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos (CBHPM) para consultas, visitas médicas e procedimentos cirúrgicos e anestésicos. Utilizou-se como base o total de pacientes/dia das enfermarias para cálculo de honorário das visitas, o total das consultas ambulatoriais para cálculo de consultas e o total de procedimentos realizados para o cálculo de honorários de cirurgias e demais procedimentos.

O valor da diária de enfermaria no setor privado é média dos valores pagos pelas operadoras pelos leitos mais 20%, referente à cobrança de gases e pequenos procedimentos de enfermagem, tais como instalação de sonda, tricotomia etc. Como mencionado acima, também não constam deste valor, materiais, medicamentos, exames e honorários.

Para a estimativa de cobrança de diárias hospitalares, multiplicou-se o número total de pacientes/dia de enfermaria pela tabela de diárias de enfermaria, elaborada pela média dos valores praticados em hospitais privados com os seguros de saúde.

A cobrança para as diárias de UTI foi calculada por meio do número de pacientes/dia multiplicados pela taxa da diária da UTI da tabela da média dos valores praticados em hospitais privados (sem o custo dos materiais e medicamentos).

Os valores para cobrança por utilização de sala cirúrgica foram calculados pelo número de horas de ocupação mensal de salas apuradas, multiplicadas pela taxa por hora de sala.

O cálculo dos valores de SADT de imagens realizadas pelo Hospital foi calculado de acordo com a tabela de honorários ABPH e, Brasíndice® para materiais e medicamentos para todos os exames realizados no período. O faturamento de SADT Laboratório Clínico foi obtido com a totalidade dos exames realizados no período de acordo com os valores da tabela de laboratórios privados de São Paulo. Para efeito de comparação, os valores de remuneração para os mesmos volumes de exames, de acordo com a Tabela SIG SIGTAP, para exames radiológicos e pela tabela SUS para exames laboratoriais, também foram apurados.

Foi então realizada a somatória de todos os valores médios dos componentes de faturamento segundo os moldes de hospitais privados de acordo com a produção apresentada pelo HTEJZ e comparada com o valor de repasse da contratualização pela SES-SP. Por levantamento realizado diretamente do banco de dados SIA/SUS, calculou-se o valor médio do faturamento do HTEJZ para o mesmo período considerado, que foi considerado como o valor a ser repassado da esfera federal para a esfera estadual.

Os valores foram reportados em Reais (R$) e para efeitos de comparação convertidos em Dólares Americanos (U$) pela média do câmbio dos meses de setembro, outubro e novembro de 2018 de U$ 1.0 = R$ 3,885 apurados no site da Receita Federal.

RESULTADOS

Apresenta-se abaixo a Tabela 1 com o cálculo pela tabela privada de diárias de leitos em enfermarias de clínica médica e cirúrgicas, unidade de Transplantes de Medula Óssea e Centro Cirúrgico cujos valores não incluem os custos com médicos, materiais e medicamentos.

Tabela 1
Valores de tabela privada de diárias e taxa de sala cirúrgica por hora - unidade de internação (Enfermaria Clínica Cirúrgica), TMO, UTI, e centro cirúrgico por pacientes/dia e número de horas de ocupação de sala cirúrgica.

O valor mensal médio de faturamento de UTI foi obtido multiplicando a taxa da diária da UTI pelo média de pacientes/dia do período. Essa taxa inclui os valores dispendidos com a equipe médica, visto tratar-se de equipe de plantão fixa na unidade.

O valor de faturamento de utilização das salas no modelo privado foi obtido utilizando-se a ocupação mensal média das salas cirúrgicas em horas multiplicado pela tabela de valor/ hora de taxa de sala do setor privado.

A tabela 2 tem ilustrado o trabalho detalhado de levantamento dos valores e a consolidação de todas as consultas ambulatoriais, visitas de enfermarias e procedimentos de acordo com as produções ambulatoriais e hospitalares segundo a tabela CBHPM adotada no faturamento de planos de saúde para pacientes internados em enfermarias. Foram levantados todos os procedimentos e possível faturamento para os meses de setembro, outubro e novembro de 2018, tendo como base todos os procedimentos lançados na SIA/SUS dos meses correspondentes.

Tabela 2
Modelo de relatório de faturamento. Honorários médicos pela Tabela CBHPM 2016 e consolidado da média mensal de honorários médicos pela produção mensal de acordo com a Tabela CBHPM.

A Tabela 3 tem o registro da diferença entre os valores pagos pela SPDM a fornecedores e os mesmos materiais e medicamentos valorados de acordo com o modelo de cobrança a seguradoras de saúde, utilizando-se como referência a tabela Simpro® para materiais e a tabela do Brasíndice ® mais a taxa de armazenamento e logística de 38% para medicamentos.

Tabela 3
Valores comparativos do custo SPDM x tabela Simpro® para materiais e Brasíndice® + 38,24% para medicamentos para faturamento privado.

As diferenças de faturamento de SADT em Laboratório Clínico e Radiologia/Imagem estão registrados na Tabela 4. Considerou-se a Receita SUS contemplando os valores apurados pagos pela SES ao CEAC Zona Leste pelos exames realizados no HTEJZ e que contratualmente correspondem a 80% da Tabela SUS; considerou-se como o Faturamento Privado o valor correspondente pago por seguros de saúde a laboratórios privados que dispõem de unidades avançadas em hospitais para os mesmos exames, cujos custos envolvem o funcionamento de equipe 24 horas/7 dias da semana. Na elaboração desta linha da tabela 4 utilizou-se o número médio dos exames de imagem realizados no período e os valores referenciados para faturamento na Tabela SIGTAP do SUS comparando com os valores que seriam pagos pelas seguradoras, calculado de acordo com a tabela CBHPM.

Tabela 4
Valores médios do faturamento de laboratório clínico (SUS X Privado) e de radiologia/imagem (Tabelas SUS-SIGTAP X CBHPM).

A tabela 4 tem a indicação da diferença de 1.405% na diferença entre a remuneração via Tabela SUS e Tabela do Sistema Privado e mostra diferença de 662,3% a mais no faturamento privado em comparação com os valores remunerados pela tabela SUS.

Abaixo a tabela 5 tem contemplada a consolidação do faturamento “privado” do Hospital e as porcentagens correspondentes para cada item na composição do valor total.

Tabela 5
Composição do possível faturamento mensal privado.

A tabela 6 tem o registro da comparação do faturamento privado com os valores do custeio repassados mensalmente pela Secretaria do Estado da Saúde em 2018 e a média do faturamento SUS do Hospital pelos valores das AIH lançadas no período.

Tabela 6
Comparativo entre valores do faturamento SUS x custeio mensal x faturamento privado.

DISCUSSÃO

A cobrança das taxas de hotelaria e utilização de salas cirúrgicas não foi o componente maior de conta hospitalar quando se considera a totalidade do faturamento (Tabela 1). Esse valor de R$ 3.125.299,60 correspondeu somente a 12,46% do total. Essa porcentagem só foi maior que o correspondente valor dos honorários médicos demonstrados na tabela 2, de R$ 1.649.323,60 (6,58%).

Observam-se diferenças importantes entre os sistemas avaliados: diferença de 28% a mais nos valores praticados pelo setor privado em relação aos valores obtidos nos mesmos materiais pela SPDM (Tabela 3). O mesmo foi visto no tocante aos medicamentos, diferença de 415% a mais nos valores apurados na tabela Brasíndice, mais 38% de taxa de armazenamento, ou seja, cinco vezes maior que o valor de compra da SPDM. Os valores de materiais e medicamentos é um dos maiores componentes, correspondendo a 39,93% da conta hospitalar com o valor de R$10.003.389,25, porcentagem inferior somente aos 41,02% do componente de SADT Laboratório Clínico-Radiologia/Imagem que foi de R$10.278.940,82 (Tabela 4). Também é digno de nota o fato de que a lucratividade do Laboratório Clínico foi de 93,3% em média e da Radiologia/Imagem de 86,8%, contra 22,19 % do item materiais e de 80,61% de medicamentos.

Consolidando o minucioso trabalho de elaborar faturamento privado possível para o Hospital de Transplantes, relatou-se o percentual de cada componente na composição da conta privada. Os dados contemplados na tabela 5 indicam que eficiência e economia quando a Organização Social fez a gestão deste hospital, uma vez que, comparados com o possível faturamento privado, o custeio mensal ofertado pela Secretaria Estadual de Saúde, correspondeu a 51% do valor que a mesma pagaria a hospital privado. Assim, se o mesmo serviço fosse comprado pela Secretaria Estadual de Saúde diretamente de prestador privado, custaria 96% a mais (quase o dobro), e ainda considerando-se que não foram calculadas as taxas de diárias para apartamentos, cujos valores são o dobro dos valores para leitos de enfermaria. Deve-se também salientar que a ocupação de apartamentos pelos pacientes implicaria em aumento do valor dos honorários médicos em 100%.

Importa considerar ainda que, em 2018, o valor gasto do custeio para a folha de pagamento dos colaboradores, contando todos os benefícios, foi cerca de 50% do valor do repasse, cerca de R$ 6.527.850,00, sendo que desse valor a folha médica em valores brutos foi de R$ 3.304.583,00 em média, o que correspondeu a 25% do custeio hospitalar. Já o setor privado tem poucos médicos contratados e, excetuando-se as unidades que requerem plantonistas tais como unidades de terapia intensiva ou pronto socorros, todos os demais serviços médicos são remunerados pelas seguradoras de saúde diretamente ao profissional credenciado. Em rápido exercício, subtraindo-se o valor da folha médica do repasse mensal, obtém-se custo operacional de R$ 9.751.117,00, e subtraindo-se o valor dos honorários do faturamento privado tem-se o valor de R$ 23.407.629,67, o que representa superávit de R$13.656.512,67/mensal, ou seja, lucratividade de 58,4%.

Percebe-se que a disparidade de valores é produzida principalmente pela não inclusão do custo de um corpo clínico contratado, pelos valores na “venda” dos materiais e medicamentos, pela lucratividade dos exames complementares e pelas diárias de UTI. Também digno de nota é a diferença entre o custeio do Hospital de Transplantes e o faturamento SUS, que corresponde a 21,2% do custeio, mostrando a grande defasagem entre o financiamento federal e o custeio estadual, não atingindo sequer um terço.

Dentro da linha de pensamento da lucratividade transformada em produtividade, poder-se-ia ainda considerar que se o financiamento desta unidade fosse o mesmo que o faturamento em moldes privados simulou: a diferença entre o valor de custeio repassado pelo contrato e o faturado em moldes privados sendo quase o dobro, 96% a mais - a capacidade de produtividade também poderia dobrar. É claro que essa consideração teria que levar em conta a capacidade física das atuais instalações do HTEJZ.

Deve-se ressaltar que o financiamento público (tabela SUS, convênios, contrato de gestão e outros fomentos públicos) mantém o sistema público de saúde, com cobertura desde vacinação até procedimentos de alta complexidade e com responsabilidade legal para a totalidade da população. Por outro lado, o sistema privado dá cobertura de saúde para cerca de 25% da população, contando com mais recursos financeiros que o SUS e menos atribuições assistenciais que o sistema público.

Outro aspecto que deve ser destacado é que, no modelo das OSS em São Paulo, os valores estipulados no contrato de gestão não têm reajustes financeiros automáticos. Assim sendo, a análise dos reajustes contratuais do HTEJZ no período compreendendo de 2014 a 2019 (cinco anos), cotejada com os índices inflacionários no mesmo período, demonstrou o reajuste do contrato em 23,55% enquanto que o IPC- Saúde (Fipe) foi de 60,76%, o IGM-M (FGV) foi de 41,03% e o IPCA (IBGE) foi de 39,85%, todos no mesmo período. Além disso, o reajuste da massa salarial decorrente dos dissídios coletivos obrigatórios na CLT foi de 35,41%. Portanto, mesmo com a produção assistencial contratada mantida, observou-se grande ganho de produtividade, demonstrando o atendimento à necessidade de gestão mais flexível e dinâmica, com otimização de custos e com melhoria contínua na eficiência dos processos.

CONCLUSÕES

Os dados deste estudo permitiram concluir que a gestão pela OSS SPDM no Hospital de Transplantes Euryclides de Jesus Zerbini foi mais eficiente na relação faturamento/produção do que seria para um hospital privado. Foi muito significativa a economia para o erário público. Os atuais valores de remuneração da Tabela SUS a serem repassados não atingiriam a necessidade de custeio para um hospital de alta complexidade.

REFERENCES

  • Fonte de financiamento:

    nenhuma.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    18 Set 2020
  • Aceito
    04 Mar 2021
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