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Análise descritiva do tratamento dos doentes com apendicite aguda durante a pandemia de COVID-19: A visão dos cirurgiões de duas sociedades nacionais

RESUMO

A apendicite aguda (AA) é causa frequente de abdome agudo cirúrgico. Durante a pandemia de COVID-19, devido às incertezas na evolução da doença, sociedades consideraram outras opções terapêuticas. Nosso objetivo é descrever o tratamento da AA por membros do CBC e SBAIT neste período. O questionário foi enviado em 2020. Houve 382 respostas. A maioria dos profissionais tinha mais de 15 anos de profissão (68,3%) e atendia mais de cinco casos por mês (44,8%). Cerca de 72,5% realizariam TC de tórax para investigação de COVID-19 em pacientes com AA. Nos com AA não complicada, sem COVID-19, 60,2% optariam pela apendicectomia videolaparoscópica (AVL), seguido de apendicectomia aberta (AAB) (31,7%) e tratamento não operatório (TNO) (1,3%). Nos com COVID-19 leve, AAB foi proposta por 51,0%, seguido da AVL (29,6%) e TNO (6,0%). Nos com COVID-19 grave, a AAB foi proposta por 35,3%, seguido de TNO (19,9%) e AVL (18,6%). Nos com AA complicadas com abscesso, sem COVID-19, AVL foi sugerida por 54,2%, seguida da AAB (33,2%) e TNO (4,4%). Nos com COVID-19 leve, a AAB foi proposta em 49,5%, seguidos da AVL (29,3%) e TNO (8,9%). Nos com COVID-19 grave, a AAB foi proposta em 36,6%, seguido de TNO (25,1%) e AVL (17,3%). Estas são opções de cirurgiões de duas sociedades cirúrgicas reconhecidas e podem auxiliar o colega que está na linha de frente a definir a melhor conduta individualmente.

Palavras-chave:
Emergências; Pandemias; Infecções por Coronaviridae; Apendicite; Cirurgia Geral

ABSTRACT

Acute appendicitis (AA) is a frequent cause of abdominal pain requiring surgical treatment. During the COVID-19 pandemic, surgical societies considered other therapeutic options due to uncertainties in the evolution of the disease. The purpose of this study is to assess the treatment of AA by members of two Brazilian surgical societies in this period. A common questionnaire was sent in 2020. There were 382 responses. Most surgeons had more than 15 years of profession (68.3%) and treated more than five cases per month (44.8%). About 72.5% would indicate chest CT to investigate COVID-19 in patients with AA. For those patients sustaining uncomplicated AA, without COVID-19, 60.2% would indicate laparoscopic appendectomy (VLA), followed by open appendectomy (OA) (31.7%) and non-operative management (NOM) (1.3%). For those with mild COVID-19, OA was suggested by 51.0%, followed by VLA (29.6%) and NOM (6.0%). For those with severe COVID-19, OA was proposed by 35.3%, followed by NOM (19.9%) and VLA (18.6%). For patients with periappendiceal abscesses, without COVID-19, VLA was suggested by 54.2%, followed by OA (33.2%) and NOM (4.4%). For those with mild COVID-19, OA was proposed in 49.5%, followed by VLA (29.3%) and NOM (8.9%). In those with severe COVID-19, OA was proposed in 36.6%, followed by NOM (25.1%) and VLA (17.3%). This information, based on two recognized Brazilian surgical societies, can help the surgeon to select the best approach individually.

Keywords:
Emergencies; Pandemics; Coronaviridae Infections; Appendicitis; General Surgery

INTRODUÇÃO

A Organização Mundial de Saúde (OMS) entendeu a evolução da COVID-19 como pandemia em 11 de Março de 202011 WHO. WHO announces COVID-19 outbreak a pandemic [Internet]. March 12, 2020. Available from: http://www.euro.who.int/en/health-topics/healthemergencies/coronaviruscovid19/news/news/2020/3/whoannounces-covid-19-outbreak-a-pandemic (accessed April 19, 2020).
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. Desde então, a disseminação persiste, com consequências gravíssimas em vários setores. Paralelamente a isto, as urgências cirúrgicas não traumáticas continuam sendo causa frequente de dor abdominal aguda nos serviços de emergência. Dentre essas, a apendicite aguda é uma das causas mais frequentes de dor abdominal de tratamento operatório22 Cervellin G, Mora R, Ticinesi A, Meschi T, Comelli I, Catena F, et al. Epidemiology and outcomes of acute abdominal pain in a large urban Emergency Department: retrospective analysis of 5,340 cases. Ann Transl Med. 2016;4(19):362.

3 Viniol A, Keunecke C, Biroga T, Stadje R, Dornieden K, Bösner S, et al. Studies of the symptom abdominal pain--a systematic review and meta-analysis. Fam Pract. 2014;31(5):517-29.
-44 Di Saverio S, Podda M, De Simone B, Ceresoli M, Augustin G, Gori A, et al. Diagnosis and treatment of acute appendicitis: 2020 update of the WSES Jerusalem guidelines. World J Emerg Surg. 2020;15(1):27..

O tratamento operatório é entendido como padrão para a maioria dos pacientes com apendicite aguda44 Di Saverio S, Podda M, De Simone B, Ceresoli M, Augustin G, Gori A, et al. Diagnosis and treatment of acute appendicitis: 2020 update of the WSES Jerusalem guidelines. World J Emerg Surg. 2020;15(1):27.. Contudo, durante a pandemia, o tratamento não operatório vem sendo considerado por várias sociedades, com base em argumentos como a pior evolução em pacientes que desenvolveram COVID-19 no curso pós-operatório e direcionamento de recursos para o tratamento de pacientes com COVID-1955 COVIDSurg Collaborative.Global guidance for surgical care during the COVID-19 pandemic. Br J Surg. 2020. [Epub ahead of print].,66 Basamh M, Rajendiran A, Chung WY, Runau F, Sangal S. Management of appendicitis during the COVID pandemic: lessons from the first month of the outbreak. Br J Surg. 2020; doi: 10.1002/bjs.11910 [Epub ahead of print]
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. Há estudos que demonstram maior incidência de complicações respiratórias, admissão em terapia intensiva e mortes em pacientes submetidos a operações eletivas e que desenvolveram COVID-19 no período pós-operatório77 Lei S, Jiang F, Su W, Chen C, Chen J, Mei W, et al. Clinical characteristics and outcomes of patients undergoing surgeries during the incubation period of COVID-19 infection, EClinicalMedicine. 2020; 21:100331.,88 COVIDSurg Collaborative. Mortality and pulmonary complications in patients undergoing surgery with perioperative SARS-CoV-2 infection: an international cohort study. Lancet. 2020;396(10243):27-38.. Outro fator pontuado é a possibilidade de contaminação da equipe cirúrgica pelo COVID-1999 Veziant J, Bourdel N, Slim K. Risks of viral contamination in healthcare professionals during laparoscopy in the Covid-19 pandemic. J Visceral Surg. 2020;(3S1):S59-S62..

Várias publicações analisaram o tratamento não operatório, com antibióticos e observação clínica minuciosa, para pacientes com apendicite aguda previamente ao surgimento da COVID-191010 Podda M, Gerardi C, Cillara N, Fearnhead N, Gomes CA, Birindelli A, et al. Antibiotic treatment and appendectomy for uncomplicated acute appendicitis in adults and children: a systematic review and meta-analysis. Ann Surg. 2019;270(6):1028-40. doi: 10.1097/SLA.0000000000003225.
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11 Salminen P, Paajanen H, Rautio T, Nordström P, Aarnio M, Rantanen T, et al. Antibiotic therapy vs appendectomy for treatment of uncomplicated acute appendicitis: the APPAC randomized clinical trial. JAMA. 2015;313:2340-8. doi: 10.1001/jama.2015.6154.
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-1212 Simillis C, Symeonides P, Shorthouse AJ, Tekkis PP. A meta-analysis comparing conservative treatment versus acute appendectomy for complicated appendicitis (abscess or phlegmon). Surgery. 2010;147(6):818-29. doi: 10.1016/j.surg.2009.11.013.
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. Há autores que suportam a indicação em casos de abscessos periapendiculares e mesmo em apendicites não complicadas. Os consensos atuais colocam esta forma de tratamento como opcional em alguns casos44 Di Saverio S, Podda M, De Simone B, Ceresoli M, Augustin G, Gori A, et al. Diagnosis and treatment of acute appendicitis: 2020 update of the WSES Jerusalem guidelines. World J Emerg Surg. 2020;15(1):27.. Apesar deste respaldo na literatura, não se pode afirmar que a utilização do TNO em pacientes com apendicite aguda em portadores de COVID-19 seja igualmente segura. Os protocolos de TNO foram desenvolvidos em contextos diferentes, em que não há infecção concomitante ao quadro abdominal.

Não sabemos exatamente como o SARS-COV-2 interfere na evolução dos doentes com infecções intra-abdominais. Não há estudos com método adequado que nos permitam comparar a evolução dos doentes tratados de diferentes maneiras. A nossa hipótese é que a avaliação das opções empregadas entre os cirurgiões brasileiros para o tratamento dos pacientes com apendicite aguda durante o período de pandemia possa nos auxiliar na tomada de decisões em casos críticos. O objetivo deste estudo é realizar análise descritiva sobre as opções mais utilizadas pelos cirurgiões brasileiros no tratamento dos pacientes com apendicite aguda, assim como entender o impacto da pandemia nesta conduta.

MÉTODO

Após revisão bibliográfica sobre o tema, os tópicos mais importantes foram discutidos entre os autores. As dúvidas em aberto foram colocadas em forma de questões, selecionadas com objetivo de manter-se fiel ao tema proposto. Ao final do processo, foram escolhidas onze questões, cujo conteúdo inclui o tempo de formação como cirurgião, o número de doentes com apendicite aguda tratados mensalmente e aspectos terapêuticos.

A apendicite aguda teve a gravidade estratificada em dois grupos:

  • - apendicite aguda não complicada;

  • - apendicite aguda complicada com abscesso.

O tratamento destas situações foi abordado em quatro situações clínicas:

  • - Antes da pandemia COVID-19;

  • - Durante a pandemia COVID-19, em pacientes sem suspeita desta doença (clínica e tomografia de tórax negativas para COVID-19);

  • - Em pacientes COVID-19 positivos ou suspeitos, com formas leves desta doença;

  • - Em pacientes COVID-19 positivos ou suspeitos, com formas graves desta doença (com necessidade de ventilação mecânica).

Foi também acrescentada uma questão relacionada à realização de tomografia de tórax como método para identificação de pneumonite por COVID-19 em pacientes com apendicite aguda.

Este questionários foram estruturados com o auxílio da ferramenta Survey Monkey® (www.surveymonkey.com) e docs.google®. Duas sociedades médicas Brasileiras (Colégio Brasileiro de Cirurgiões - CBC e Sociedade Brasileira de Atendimento Integrado ao Traumatizado - SBAIT) foram escolhidas como base desta pesquisa. O questionário foi enviado por e-mail aos membros do CBC e pelo aplicativo Whatsapp para os médicos da SBAIT em junho de 2020 (processo realizado independentemente). Solicitou-se que os médicos respondessem apenas uma vez. Após sete dias, fechamos a aquisição de dados, que foram avaliados descritivamente. Comparamos as respostas em momentos antes e após a pandemia, bem como entre as condições clínicas dos pacientes.

RESULTADOS

Foram recebidas 382 respostas, sendo 350 dos membros do CBC e 32 da SBAIT. Observamos que a maioria dos cirurgiões que responderam ao questionário tinham mais de 15 anos de profissão (68,3%). O tempo de experiência cirúrgica foi equilibrado nos intervalos analisados (a cada 5 anos), com predominância das faixas de 16 a 20 anos (20,1%) e maior que 30 anos de profissão (21,5%) (Figura 1). Aproximadamente 44,8% dos cirurgiões que responderam aos questionários relataram atender mais de 5 casos de apendicite aguda por mês (Figura 2).

Figura 1
Perfil da experiência dos cirurgiões entrevistados, separados por períodos de 5 anos, de atuação como cirurgiões (%).

Figura 2
Perfil de atendimento de pacientes com diagnóstico confirmado de apendicite aguda pelo cirurgiões entrevistados.

Antes da pandemia, o tratamento mais frequentemente proposto foi a apendicectomia videolaparoscópica, tanto nos cenários de apendicite não complicada (75,1%) como nos casos complicados com abscesso local (66,2%). Somadas, as demais opções terapêuticas não ultrapassam 35,0% do total. A via aberta foi proposta para 18,6% dos pacientes com apendicite não complicada e 23,8% nas formas complicadas. Nenhum dos cirurgiões optou por tratamento não operatório para pacientes com apendicite aguda não complicada e, nos com apendicite complicada com abscesso, o TNO foi sugerido por 2,6% (Figuras 3 e 4).

Figura 3
Opção de abordagem terapêutica para a apendicite aguda não complicada dos cirurgiões entrevistados, em relação ao momento da pandemia e à presença de suspeita ou diagnóstico da COVID-19.

Figura 4
Opção de abordagem terapêutica para a apendicite aguda complicada dos cirurgiões entrevistados, em relação ao momento da pandemia e à presença de suspeita ou diagnóstico da COVID-19.

Cerca de 72,5% dos cirurgiões realizariam a TC de tórax para a investigação de COVID-19 em pacientes com apendicite aguda, sendo que 39,8% indicariam para todos os pacientes e 32,7%, seletivamente.

Para o tratamento dos pacientes com apendicite aguda não complicada, durante a pandemia, mas sem suspeita de COVID-19, a apendicectomia videolaparoscópica foi sugerida por 60,2%, seguida da via aberta (31,7%) e TNO (1,3%) (Figuras 3 e 4). Nos pacientes COVID-19 positivos ou suspeitos, na forma leve, a via aberta foi proposta em 51,0%, seguidos da videolaparoscopia (29,6%) e TNO (6,0%). Nos casos de COVID-19 positivos ou suspeitos na forma grave, a via aberta foi proposta em 35,3%, seguido de TNO (19,9%) e via laparoscópica (18,6%). O tratamento individualizado (definição caso a caso) foi sugerido para os pacientes sem suspeita de COVID-19 em 6,8%, nos com COVID-19 na forma leve em 13,3% e, nos com forma grave, em 26,2%.

Para o tratamento dos pacientes com apendicite aguda complicada com abscesso, durante a pandemia, nos casos sem suspeita de COVID-19, a via apendicectomia videolaparoscópica foi sugerida por 54,2%, seguida da via aberta (33,2%) e TNO (4,4%) (Figuras 3 e 4). Nos pacientes COVID-19 positivos ou suspeitos, na forma leve, a via aberta foi proposta em 49,5%, seguidos da videolaparoscopia (29,3%) e TNO (8,9%). Nos casos de COVID-19 suspeitos ou confirmados na forma grave, a via aberta foi proposta em 36,6%, seguido de TNO (25,1%) e via laparoscópica (17,3%). O tratamento individualizado (definição caso a caso) foi sugerido em 8,1% nos pacientes sem suspeita de COVID-19, 12,3% nos com COVID-19 na forma leve e em 20,9% na forma grave.

DISCUSSÃO

Em 2018, Sartelli et al. avaliaram o tratamento da apendicite aguda em estudo prospectivo e observacional com 4.282 pacientes1313 Sartelli M, Baiocchi GL, Di Saverio S, Ferrara F, Labricciosa FM, Ansaloni L, et al. Prospective Observational Study on acute Appendicitis Worldwide (POSAW). World J Emerg Surg. 2018;13:19.. Destes, aproximadamente 95,7% foram tratados cirurgicamente, sendo 51,7% por via laparoscópica e 42,2% por via aberta. Neste estudo, 4,3% dos casos foram tratados de maneira não operatória.

Em nossa pesquisa, observamos que, em período pré-pandemia, a apendicectomia videolaparoscópica foi a opção mais frequentemente sugerida para o tratamento de pacientes com apendicite aguda, independente da forma de apresentação (75,1% nas formas não complicadas e 66,2% nas complicadas). Importante observar que o TNO não foi uma opção nas formas não complicadas. Mesmo nas formas complicadas com abscessos, não houve lugar de destaque para o TNO (2,6%) em nosso meio. Em comparação aos dados internacionais, observamos maior frequência do emprego da via laparoscópica, em menor indicação de TNO.

Ielpo et al., em 2020, publicaram estudo para avaliação da conduta no tratamento de apendicite aguda durante a pandemia por meio de questionários enviados a cirurgiões de 66 países1414 Ielpo B, Podda M, Pellino G, Pata F, Caruso R, Gravante G, et al. Global attitudes in the management of acute appendicitis during COVID-19 pandemic: ACIE Appy Study. Br J Surg. 2020 [ahead of print].. Foram 709 respostas. Observou-se que o tratamento não operatório aumentou no período da pandemia tanto nos casos de apendicite aguda não complicada (2,4% para 5,3%), como nas complicadas (6,6% para 23,7%); aproximadamente um terço dos cirurgiões optou pela via aberta, no lugar da laparoscópica. Notamos também esta tendência em nossos dados, sendo a via aberta indicada com maior frequência nos casos COVID-19 positivos. Tal fato, vai de encontro à literatura atual, uma vez que a opção pela via aberta já havia sido sugerida por outros autores na tentativa de diminuir o risco de transmissão viral para a equipe55 COVIDSurg Collaborative.Global guidance for surgical care during the COVID-19 pandemic. Br J Surg. 2020. [Epub ahead of print].,99 Veziant J, Bourdel N, Slim K. Risks of viral contamination in healthcare professionals during laparoscopy in the Covid-19 pandemic. J Visceral Surg. 2020;(3S1):S59-S62..

Durante a pandemia de COVID-19, várias sociedades cirúrgicas se posicionaram propondo o TNO como uma das formas de tratamento para pacientes com apendicite aguda, com base em fatores como o risco de contaminação da equipe cirúrgica pelo SARS-COV-2, a evolução imprevisível do ponto de vista do quadro respiratório nos pacientes submetidos a tratamento operatório e o direcionamento de recursos para o tratamento de pacientes com COVID-19. Desta forma, o TNO surgiu como uma opção interessante, sendo incluído nos protocolos de tratamento de alguns centros1515 Podda M, Pata F, Pellino G, Ielpo B, Di Saverio S. Acute appendicitis during the COVID-19 lockdown: never waste a crisis! Br J Surg. 2021;108(1):e31-e32..

Podda et al., em 2021, identificaram nove estudos que reportaram tratamento não operatório em pacientes com apendicite aguda nesta época de pandemia1515 Podda M, Pata F, Pellino G, Ielpo B, Di Saverio S. Acute appendicitis during the COVID-19 lockdown: never waste a crisis! Br J Surg. 2021;108(1):e31-e32.. A frequência de indicação de TNO variou de 7,8% a 91,0% dos casos. A maior destas séries foi publicada por Bassamh et al., em 2020, analisando 42 pacientes tratados de maneira não operatória durante o período de pandemia66 Basamh M, Rajendiran A, Chung WY, Runau F, Sangal S. Management of appendicitis during the COVID pandemic: lessons from the first month of the outbreak. Br J Surg. 2020; doi: 10.1002/bjs.11910 [Epub ahead of print]
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. Destes, 6 (14,3%) necessitaram videolaparoscopia e/ou laparotomia posteriormente, 1 de drenagem percutânea e outros dois de mudança de antibióticos. Esta frequência de falha é comparável à observada em estudos que antecedem à pandemia1010 Podda M, Gerardi C, Cillara N, Fearnhead N, Gomes CA, Birindelli A, et al. Antibiotic treatment and appendectomy for uncomplicated acute appendicitis in adults and children: a systematic review and meta-analysis. Ann Surg. 2019;270(6):1028-40. doi: 10.1097/SLA.0000000000003225.
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,1111 Salminen P, Paajanen H, Rautio T, Nordström P, Aarnio M, Rantanen T, et al. Antibiotic therapy vs appendectomy for treatment of uncomplicated acute appendicitis: the APPAC randomized clinical trial. JAMA. 2015;313:2340-8. doi: 10.1001/jama.2015.6154.
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. Em nosso estudo, mesmo em pacientes com COVID-19 confirmados ou suspeitos, o TNO não foi uma opção frequente, com exceção dos casos de apendicites complicadas e pacientes com COVID-19 grave, quando houve aproximadamente 25% das respostas. Isto pode estar relacionado ao fato dos cirurgiões não aplicarem o TNO rotineiramente fora do período de pandemia, como observado também em nosso estudo. Contudo, nas formas complicadas de COVID-19, a opção de “avaliação caso a caso” cresceu significativamente, abrindo a possibilidade para aplicação do TNO em casos selecionados.

A preocupação com a identificação do paciente com COVID-19 ficou clara, uma vez que mais de 70% dos cirurgiões solicitariam TC de tórax para investigação desta doença em pacientes com apendicite aguda. Isto nos mostra a importância que o cirurgião dá a esta situação clínica, tanto pelo risco de transmissão à equipe como pela possibilidade de agravamento do quadro clínico.

Em nosso estudo, observamos que a via aberta foi progressivamente utilizada nos casos de pacientes com COVID-19 suspeito ou positivo. Isto pode ser explicado pela preocupação do cirurgião com o agravamento do quadro respiratório, como também pela possibilidade de transmissão à equipe cirúrgica. A apendicectomia aberta por incisão de McBurney pode ser feita com anestesia raquidiana/peridural, evitando os riscos relacionados à intubação traqueal, bem como a ventilação sob pressão de paciente com pneumonite. Contudo, a via laparoscópica não é contraindicada em pacientes com COVID-19, desde que o paciente suporte o pneumoperitônio, e que cuidados específicos sejam tomados. Além do mais, o risco de contaminação também deve ser considerado na via aberta, pois se acredita que o vírus possa permanecer viável na fumaça do bisturi elétrico55 COVIDSurg Collaborative.Global guidance for surgical care during the COVID-19 pandemic. Br J Surg. 2020. [Epub ahead of print]..

Tanto para pacientes com apendicite aguda não complicada, tanto para os com apendicite aguda com abscessos periapendiculares, propusemos três situações clínicas a serem analisadas: pacientes sem suspeita de COVID-19, suspeito/positivo com COVID-19 leve e suspeito/positivo com COVID-19 grave. Na comparação destes seis cenários, é bem clara a diminuição da opção de via laparoscópica, bem como aumento da via aberta, TNO e definição caso a caso quando progredimos na gravidade da apendicite e do COVID-19. Acreditamos que este é o reflexo da complexidade crescente dos casos, em associação à possibilidade real de contaminação da equipe. Importante ressaltar que, ao excluirmos a decisão “caso a caso”, notamos que, em todas as situações clínicas propostas, as opções cirúrgicas foram as mais frequentes, independente da via de acesso.

Não incluímos nos questionários a situação clínica de “peritonite difusa” pois acreditamos que nesta circunstância, a indicação operatória se impõe. Contudo, nosso estudo demonstra a variabilidade de opções terapêuticas para a causa mais comum de abdome agudo no período da pandemia. Importante observar que isto pode estar relacionado a muitos fatores, entre esses a disponibilidade de material e equipamento cirúrgico, treinamento do cirurgião e condições locais. Independentemente disto, fica claro que a pandemia modificou, como a maioria dos cirurgiões entende, o tratamento de pacientes com apendicite aguda. Isto deve ser um alerta a todos, uma vez que estamos em momento em que diferentes partes de nosso país experimentam suas próprias realidades no que diz respeito à pandemia.

Vale observar as limitações desta análise. A amostra de 382 cirurgiões pode não ser adequada, visto que não houve cálculo amostral. Por problemas relacionados aos bancos de dados, não conseguimos cruzar mais dados para análise estatística. Talvez as condutas fossem diferentes ao compararmos cirurgiões mais ou menos experientes, por exemplo. Há muita variabilidade na disponibilidade de materiais para videolaparoscópica em um país continental como o Brasil. Portanto, a opção por via aberta, mais do que uma opção técnica, talvez seja reflexo da falta de material específico nos serviços públicos.

Apesar das limitações, este estudo surge como uma ferramenta de apoio para o cirurgião que está na linha de frente. Optamos por esta publicação, mesmo com limitações, visto que os dados aqui levantados têm caráter informativo e descritivo. O tempo urge. Precisamos tornar disponíveis ferramentas para auxiliar a decisão em momentos críticos como estamos vivendo. Enquanto não temos estudos prospectivos sobre o tema, as informações desta pesquisa podem servir de base para os demais cirurgiões brasileiros, expondo o pensamento de um grupo experiente de duas sociedades nacionais reconhecidas.

Finalmente, a análise final dos dados nos parece indicar que, durante a pandemia de COVID-19, a avaliação por tomografia de tórax pré-operatória é realizada pela maioria dos cirurgiões, mesmo em pacientes assintomáticos. Para pacientes sem suspeita de COVID-19, a apendicectomia videolaparoscópica manteve-se como primeira opção. Nos com COVID-19 suspeito ou confirmado, a apendicectomia por via aberta ganha espaço, tanto na apendicite complicada como na não complicada. O tratamento não operatório foi proposto apenas por pequena porção dos cirurgiões, sendo mais frequentemente empregado nos casos de apendicites complicadas com abscesso, em pacientes com COVID grave (próximo a 25% dos casos).

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  • Fonte de financiamento:

    nenhuma.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Out 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    09 Jul 2020
  • Aceito
    19 Maio 2021
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