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O impacto da Pandemia de COVID-19 na diminuição do uso de Unidade de Terapia Intensiva em pós-operatório de ressecções pulmonares anatômicas. Uma análise retrospectiva

RESUMO

Introdução:

a pandemia de COVID-19 exigiu otimização dos fluxos institucionais hospitalares, especialmente quanto ao uso de leitos de unidade de terapia intensiva (UTI). O objetivo deste estudo foi avaliar se a individualização da indicação de recuperação pós-operatória de cirurgias pulmonares em leitos de UTI associou-se a mais complicações perioperatórias.

Método:

análise retrospectiva de prontuários dos pacientes submetidos a ressecções pulmonares anatômicas por câncer em hospital terciário. A amostra foi dividida em dois grupos: Grupo-I, composto pelas cirurgias realizadas entre março/2019 e fevereiro/2020, pré-pandemia, e Grupo-II, composto pelas cirurgias realizadas entre março/2020 e fevereiro/2021, período de pandemia no Brasil. Analisamos dados demográficos, riscos cirúrgicos, cirurgias realizadas, complicações pós-operatórias, tempo de UTI e de internação hospitalar. Foram adotadas medidas preventivas de COVID-19 no grupo-II.

Resultados:

foram incluídos 43 pacientes, 20 no grupo-I e 23 no grupo-II. Os grupos não apresentaram diferenças estatísticas quanto às variáveis demográficas basais. No grupo-I 80% dos pacientes fizeram pós-operatório em UTI, comparados a 21% do grupo-II. Houve diferença significativa na comparação de tempo médio de permanência em leito de UTI (46 horas no grupo-I versus 14 horas no grupo-II - p<0,001). Não houve diferença estatística quanto a complicações pós-operatórias entre grupos (p=0,44).

Conclusões:

a individualização da necessidade do uso de UTI no pós-operatório imediato de cirurgias pulmonares resultou em melhora no fluxo assistencial institucional durante a pandemia de COVID-19, de maneira segura, sem aumento na morbimortalidade cirúrgica, favorecendo a manutenção do tratamento oncológico essencial.

Palavras-chave:
Neoplasias Pulmonares; Cirurgia Torácica; Unidade de Terapia Intensiva, Cuidados Pós-operatórios; COVID-19

ABSTRACT

Objective:

COVID-19 pandemic required optimization of hospital institutional flow, especially regarding the use of intensive care unit (ICU) beds. The aim of this study was to assess whether the individualization of the indication for postoperative recovery from pulmonary surgery in ICU beds was associated with more perioperative complications.

Method:

retrospective analysis of medical records of patients undergoing anatomic lung resections for cancer in a tertiary hospital. The sample was divided into: Group-I, composed of surgeries performed between March/2019 and February/2020, pre-pandemic, and Group-II, composed of surgeries performed between March/2020 and February/2021, pandemic period in Brazil. We analyzed demographic data, surgical risks, surgeries performed, postoperative complications, length of stay in the ICU and hospital stay. Preventive measures of COVID-19 were adopted in group-II.

Results:

43 patients were included, 20 in group-I and 23 in group-II. The groups did not show statistical differences regarding baseline demographic variables. In group-I, 80% of the patients underwent a postoperative period in the ICU, compared to 21% in group-II. There was a significant difference when comparing the average length of stay in an ICU bed (46 hours in group-I versus 14 hours in group-II - p<0.001). There was no statistical difference regarding postoperative complications (p=0.44).

Conclusions:

the individualization of the need for ICU use in the immediate postoperative period resulted in an improvement in the institutional care flow during the COVID-19 pandemic, in a safe way, without an increase in surgical morbidity and mortality, favoring the maintenance of essential cancer treatment.

Keywords:
Lung Neoplasms; Thoracic Surgery; Intensive Care Unit; Postoperative Care; COVID-19

INTRODUÇÃO

A pandemia do COVID-19 no Brasil demandou dos sistemas de saúde medidas para otimizar os cuidados assistenciais e assim minimizar o tempo de internação hospitalar dos pacientes e a circulação de pessoas em ambientes de ambulatórios, consultórios e centros de diagnóstico, no intuito de prevenir o contágio pelo novo coronavírus. A sobrecarga dos sistemas de saúde é preocupante para os pacientes oncológicos, pois a redução na disponibilidade de cuidados diagnósticos e terapêuticos pode ter impacto considerável na morbimortalidade desta população. Atualmente já se observa redução considerável nos diagnósticos de doenças oncológicas, sem, no entanto, haver redução na incidência destas doenças, sugerindo sub-diagnóstico no período de pandemia. Estima-se que o recebimento de pacientes em estádio avançado da doença para tratamento de complicações aumentará consideravelmente, assim como a mortalidade11 Sharpless NE. COVID-19 and cancer. Science. 2020;368(6497):1290. doi: 10.1126/science.abd3377.
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.

Pacientes com câncer de pulmão em estágio inicial têm grande benefício no tratamento cirúrgico e apresentam uma sobrevida maior que 80% em 5 anos. Porém, com a progressão da doença, a sobrevida reduz drasticamente22 Detterbeck FC, Boffa DJ, Kim AW, Tanoue LT. The Eighth Edition Lung Cancer Stage Classification. Chest. 2017;151(1):193-203. doi: 10.1016/j.chest.2016.10.010.
https://doi.org/10.1016/j.chest.2016.10....
. Por isso tornou-se essencial a manutenção do fluxo cirúrgico para tratamento destes pacientes, conforme diretrizes do Grupo Brasileiro de Oncologia Torácica33 Baldotto C, Gelatti A, Accioly A, Mathias C, Mascarenhas E, Carvalho H, et al. Lung Cancer and the COVID-19 pandemic: Recommendations from the Brazilian Thoracic Oncology Group. Clinics (Sao Paulo). 2020;75:e2060. doi: 10.6061/clinics/2020/e2060.
https://doi.org/10.6061/clinics/2020/e20...
.

Em virtude do aumento da demanda de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) para pacientes com COVID-19, houve necessidade da redução dos leitos de UTI perioperatória. No intuito de manter as cirurgias oncológicas, algumas medidas institucionais foram tomadas, bem como mudança de rotinas pelas equipes cirúrgica e anestésica. Cirurgias de grande porte, a exemplo das ressecções pulmonares anatômicas, que até então eram encaminhadas rotineiramente para UTI no pós-operatório imediato passaram a ser encaminhadas conforme decisão individualizada que justificasse sua necessidade. Esta mudança institucional tornou viável a realização de cirurgias para tratamentos de câncer de pulmão, além de otimizar processos e custos hospitalares.

Este estudo teve como objetivo analisar a eficácia e segurança da utilização de leitos de enfermaria para pacientes em pós-operatório imediato de ressecções pulmonares anatômicas, bem como avaliar a incidência de complicações pós-operatórias tanto no contexto de enfermaria quanto de UTI.

MÉTODO

Foi realizada uma análise retrospectiva de prontuários dos pacientes que realizaram ressecções pulmonares por câncer de pulmão no Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo (IAMSPE), hospital terciário e de ensino, onde as cirurgias foram realizadas por um médico residente de cirurgia torácica supervisionado por um cirurgião torácico do serviço. Foram analisadas as cirurgias realizadas entre março de 2019 e fevereiro de 2021, sendo incluídos no estudo todos os pacientes submetidos à lobectomias pulmonares ou segmentectomias anatômicas para tratamento de câncer de pulmão. Foram excluídos pacientes submetidos às demais cirurgias oncológicas, por não haver uniformidade no comparativo dos dois anos, cirurgias de urgência e cirurgias não oncológicas, pela restrição no período de pandemia (Figura 1).

Figura 1
Fluxograma do estudo e critérios e elegibilidade.

Os pacientes foram separados em dois grupos: grupo I (G-I), operados entre março de 2019 até fevereiro de 2020 (pré-pandemia) e grupo II (G-II), operados entre março de 2020 e fevereiro de 2021 (vigência de pandemia). Todos os pacientes foram avaliados no pré-operatório quanto a riscos cirúrgicos anestésicos, cardiovasculares e pulmonares, sendo considerados os valores de ASA (American Society of Anesthesiologists), índice de Lee e VEF1 (em porcentagem do valor predito), respectivamente44 Degani-Costa LH, Faresin SM, Falcão LFdR. Avaliação pré-operatória do paciente pneumopata. Braz J Anesthesiol. 2014;64(1):22-34. doi: 10.1016/j.bjan.2013.04.00.
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,55 Roy PM. Preoperative pulmonary evaluation for lung resection. Anaesthesiol Clin Pharmacol. 2018;34(3):296-300. doi: 10.4103/joacp.JOACP_89_17.
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. As variáveis analisadas comparativamente foram: idade, sexo, comorbidades, risco pré-operatório, via de acesso, tipo ressecção realizada, complicações intraoperatórias, complicações pós-operatórias, necessidade de UTI, tempo de UTI e tempo de internação hospitalar.

Todas as cirurgias foram realizadas pela mesma equipe cirúrgica, utilizando como vias de acesso a toracotomia anterolateral ou por vídeo-toracoscopia (VATS) com três portais. Foi realizada drenagem pleural após todas as cirurgias.

Todos os pacientes foram submetidos à anestesia geral associada à anestesia regional (peridural, paravertebral ou bloqueio do plano eretor da espinha) e manutenção de ventilação mono pulmonar no período intraoperatório. Nos pacientes incluídos no G-I, preconizava-se como rotina institucional o envio do paciente para UTI devido à disponibilidade de vagas na época e considerando como principal vantagem a vigilância clínica contínua inerente ao setor. Para o G-II, no entanto, a decisão da necessidade de UTI foi tomada em conjunto pela equipe cirúrgica e anestésica ao final do procedimento de acordo com avaliação individualizada para cada paciente, levando em consideração critérios de risco cardiovascular e pulmonar pré-operatório, complicações ocorridas no intraoperatório e necessidade de suporte clínico ao final da cirurgia. Devido à pandemia, antes da internação os pacientes do G-II eram orientados a quarentena estrita por 15 dias e submetidos a teste de RT-PCR-COVID, sendo alocados em enfermarias cirúrgicas exclusivamente não COVID. Apesar da mudança da rotina e encaminhamento dos pacientes para enfermaria no pós-operatório imediato, todos tinham reserva de leito de UTI caso houvesse necessidade.

Na análise do tempo de internação hospitalar, comparamos todos os pacientes encaminhados para enfermaria (G-I 4 e G-II 18 = 22 pacientes) versus os que foram para UTI (G-I 16 e G-II 5 = 21 pacientes).

As complicações cirúrgicas foram classificadas através da escala de Clavien-Dindo, que define: grau 1 para qualquer desvio do curso cirúrgico esperado, sem necessidade de tratamento farmacológico especifico ou cirúrgico, incluindo tempo de dreno maior que 4 dias; grau 2 para complicações que necessitam tratamento farmacológico específico; grau 3 para complicações que necessitam de intervenção cirúrgica, endoscópica ou radiológica, sendo 3a com anestesia local e 3b com anestesia geral; grau 4 para complicações com risco de vida, sendo 4a com disfunção de um órgão apenas e 4b com disfunção de múltiplos órgãos; e grau 5 para óbito do paciente66 Fisher RA. On the Interpretation of X2 from Contingency Tables, and the Calculation of P. Journal of the Royal Statistical Society. 1922;85(1):87-94. doi: doi.org/10.2307/2340521.
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.

As variáveis qualitativas estudadas foram comparadas entre os grupos I e II através dos testes Qui-Quadrado de Pearson e Exato de Fisher66 Fisher RA. On the Interpretation of X2 from Contingency Tables, and the Calculation of P. Journal of the Royal Statistical Society. 1922;85(1):87-94. doi: doi.org/10.2307/2340521.
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,77 Pearson K. X. On the criterion that a given system of deviations from the probable in the case of a correlated system of variables is such that it can be reasonably supposed to have arisen from random sampling. The London, Edinburgh, and Dublin Philosophical Magazine and Journal of Science. 1900;50(302):157-75. doi: 10.1080/14786440009463897.
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. No teste das variáveis quantitativas foi usado o Teste de Mann-Whitney para verificar a diferença entre o ponto médio dos grupos I e II88 Mann HB, Whitney DR. On a Test of Whether one of Two Random Variables is Stochastically Larger than the Other. Ann. Math. Statist. 1947;18(1):50-60. doi: 10.1214/aoms/1177730491.
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,99 Wilcoxin F. Individual Comparisons by Ranking Methods. Biometrics. 1945;1(6):80-3.. Foi usado o nível de significância de 95%, tendo sido considerada haver diferenças significantes quando p<0,05. Estudo submetido e aprovado pelo comitê de ética em pesquisa (CEP) com número 52164021.9.0000.5463.

RESULTADOS

Foram incluídos 43 pacientes, distribuídos entre o G-I (n=20) e G-II (n=23), não havendo diferenças significativas quanto às características basais, risco pré-operatório e tipo de cirurgia realizada, no entanto, foi encontrada diferença significativa quanto à via de acesso (Tabela 1).

Tabela 1
Características dos pacientes e cirurgias realizadas.

No intraoperatório, o G-I apresentou quatro complicações, das quais três foram lesões vasculares com necessidade de rafia, mas sem repercussões hemodinâmicas graves, e uma foi lesão pulmonar por laceração com necessidade de sutura. No G-II houve cinco complicações intraoperatórias, das quais duas foram por lesão brônquica com necessidade de broncorrafia, uma por lesão vascular com necessidade de rafia, sem repercussão hemodinâmica grave, uma por parada cardiorrespiratória (PCR) por arritmia intraoperatória, com retorno da circulação espontânea após três ciclos de reanimação, e um paciente com tumor invadindo vaso hilar, sendo necessário ligadura da veia pulmonar intrapericárdica com pequeno sangramento no coto controlado com sutura hemostática. Todos os pacientes foram extubados no centro cirúrgico após o término da cirurgia, exceto o paciente do G-II que apresentou PCR no intraoperatório.

Do G-I, 16 pacientes foram encaminhados para UTI após a cirurgia, incluindo todos que tiveram complicações no intraoperatório. Quatro pacientes foram encaminhados para o leito de enfermaria devido ao bom estado clínico pós-operatório e necessidade de leito para outro paciente em estado crítico. Destes quatro pacientes, um tinha risco pulmonar considerado moderado por VEF1 de 62% e dois tinham risco cardíaco moderado com ASA 3, todos os demais riscos avaliados eram baixos. Dentre os pacientes do G-II, cinco foram para UTI, todos que apresentaram intercorrências no intraoperatório. Destes, cinco eram ASA 3, dois pacientes tinham risco pulmonar considerado alto por VEF1 55% e 57% e um com risco pulmonar moderado com VEF1 de 75%, um apresentava risco cardíaco alto e outros dois com risco cardíaco moderado, incluindo o paciente que apresentou PCR. Dois pacientes apresentavam risco cardíaco e pulmonar baixos.

O tempo médio de uso do leito de UTI foi de 46 horas para o G-I, tendo 1 paciente permanecido 16 dias devido a um sangramento no 2° dia pós-operatório, com necessidade de reintervenção de urgência e evolução para pneumonia, empiema pleural e, por fim, óbito no 16º dia pós-operatório. Dentre os pacientes do G-I, 8 pacientes permaneceram em UTI por período superior a 24 horas. No G-II a média de tempo de UTI foi de 14 horas, tendo 1 paciente permanecido 7 dias na UTI, por consequências da PCR intraoperatória e necessidade de suporte ventilatório por 5 dias, e outros 2 pacientes permaneceram por mais de 24 horas. O tempo de permanência em UTI apresentou diferença estatisticamente significativa entre os grupos (p<0,001).

A comparação entre os grupos das complicações cirúrgicas não evidenciou diferenças estatisticamente significativas (Tabela 2). No grupo I foram registradas 14 complicações cirúrgicas (70%): 10 foram de grau 1 (todos com necessidade de dreno maior que 4 dias); 1 de grau 2 (infecção de sítio cirúrgico), 1 de grau 3b (empiema loculado), 1 de grau 4a (TEP) e 1 de grau 5 (óbito). No grupo II tivemos 14 pacientes com alguma complicação (60%): 7 foram de grau 1 (tempo de dreno maior que 4 dias), 5 de grau 2 (descompensação de asma, empiema, fibrilação atrial, pneumonia e pneumonia) e 2 grau 5 (óbito).

Tabela 2
Análise comparativa de desfechos.

Foi evidenciado uma redução do tempo de internação hospitalar, com média de 7,8 dias (mín. 2 e máx. 25 dias) para os pacientes do pós-operatório imediato em leito de enfermaria versus 12,9 dias (mín. 3 e máx. 80 dias) para os pacientes do pós-operatório imediato em leito de UTI.

DISCUSSÃO

A progressão da doença em pacientes com câncer de pulmão apresenta relação inversamente proporcional com a sobrevida do doente, por isso a mudança no fluxo institucional avaliada neste estudo foi implementada a fim de garantir a manutenção dos procedimentos cirúrgicos curativos nesta população. Podemos constatar que não houve redução no volume cirúrgico comparando o período pré-pandemia versus o período da 1ª onda da pandemia no Brasil.

A rotina institucional pré-pandemia avaliada, de pós operatório em leito de UTI, foi elaborada em um contexto de maior disponibilidade de leitos e direcionada a cirurgias de ressecção pulmonar em uma população com diversas comorbidades, na qual os cuidados intensivos podem auxiliar a recuperação do doente44 Degani-Costa LH, Faresin SM, Falcão LFdR. Avaliação pré-operatória do paciente pneumopata. Braz J Anesthesiol. 2014;64(1):22-34. doi: 10.1016/j.bjan.2013.04.00.
https://doi.org/10.1016/j.bjan.2013.04.0...
,1010 Dindo D, Clavien PA. What is a surgical complication? World J Surg. 2008 Jun;32(6):939-41. doi: 10.1007/s00268-008-9584-y.
https://doi.org/10.1007/s00268-008-9584-...
. No entanto, a análise realizada neste estudo evidenciou que não houve diferença estatística nas complicações pós-operatórias e na morbimortalidade no comparativo dos pacientes que foram encaminhados ou não para recuperação imediata em leito de UTI quando os procedimentos cirúrgicos foram realizados sem qualquer intercorrência cirúrgica ou anestésica.

Os resultados deste estudo corroboram os resultados de Cerfólio e colaboradores1111 Cerfolio RJ, Pickens A, Bass C, Katholi C. Fast-tracking pulmonary resections. J Thorac Cardiovasc Surg. 2001 Aug;122(2):318-24. doi: 10.1067/mtc.2001.114352.
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, que em uma série de 500 pacientes submetidos à ressecção pulmonar, uma taxa de 76% de pacientes foram encaminhados ao quarto de enfermaria e não foi observado diferença significativa na incidência de complicações pós-operatórias.

A utilização de leitos de UTI em pacientes do G-II apenas se necessário, foi capaz de acelerar a recuperação e reduzir a exposição a riscos inerentes a UTI, tais como maiores taxas de infecção e delirium, além do impacto significativo em custos hospitalares e melhorias dos processos institucionais1212 Schmocker RK, Vanness DJ, Macke RA, Akhter SA, Maloney JD, Blasberg JD. Outpatient air leak management after lobectomy: a CMS cost analysis. J Surg Res. 2016;203(2):390-7. doi: 10.1016/j.jss.2016.03.043.
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. Nos pacientes do G-II a permanência em leito de UTI foi eficaz para otimização clínica em todos os casos, devido a indicação individualizada, o que representa uma melhoria significativa quando comparamos com taxas de uso efetivo de UTI em apenas cerca de 6% dos casos no pós-operatório de cirurgias torácicas relatado em estudos anteriores1313 Okiror L, Patel NK, Kho P, Ladas G, Dusmet M, Jordan S, et al. Predicting risk of intensive care unit admission after resection for non-small cell lung cancer: a validation study. Interact Cardiovasc Thorac Surg. 2012;14(1):31-3. doi: 10.1093/icvts/ivr060.
https://doi.org/10.1093/icvts/ivr060...

14 Pieretti P, Alifano M, Roche N, Vincenzi M, Forti Parri SN, Zackova M, et al. Predictors of an Appropriate Admission to an ICU after a Major Pulmonary Resection. Respiration. 2006;73(2):157-65. doi: 10.1159/000088096.
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-1515 Pinheiro L, Santoro IL, Faresin SM. Who Needs to Be Allocated in ICU after Thoracic Surgery? An Observational Study. Can Respir J. 2016;2016:3981506. doi: 10.1155/2016/3981506.
https://doi.org/10.1155/2016/3981506...
.

No contexto da pandemia de COVID-19, a melhoria institucional avaliada neste estudo foi determinante para viabilizar o tratamento oncológico da população analisada, tendo em vista que a primeira onda se estendeu por quase um ano e em seguida novas medidas restritivas foram tomadas no curso da segunda onda, causando nova redução na disponibilidade de leitos e maior restrição de gastos hospitalares. A redução de aproximadamente 5 dias no tempo de internação hospitalar nos pacientes encaminhados à enfermaria traduz a maior eficiência do modelo fast-track adotado, cuja eficácia e segurança já foram avaliadas em estudo por Schmocker para aceleração da alta hospitalar1212 Schmocker RK, Vanness DJ, Macke RA, Akhter SA, Maloney JD, Blasberg JD. Outpatient air leak management after lobectomy: a CMS cost analysis. J Surg Res. 2016;203(2):390-7. doi: 10.1016/j.jss.2016.03.043.
https://doi.org/10.1016/j.jss.2016.03.04...
.

Apesar de não ter sido uma das metas institucionais no período avaliado, observamos uma mudança no padrão de via de acesso cirúrgica adotada, com maior realização de VATS nos pacientes do G-II. Tendo em vista que VATS apresenta melhores resultados na redução dos riscos de complicações e do tempo de internação hospitalar em comparação com a toracotomia, essa característica pode ser considerada um viés de confusão para os desfechos avaliados1616 Jordan S, Evans TW. Predicting the need for intensive care following lung resection. Thorac Surg Clin. 2008;18(1):61-9. doi: 10.1016/j.thorsurg.2007.11.003.
https://doi.org/10.1016/j.thorsurg.2007....
,1717 McKenna RJ, Jr., Houck W, Fuller CB. Video-assisted thoracic surgery lobectomy: experience with 1,100 cases. Ann Thorac Surg. 2006; 81(2):421-5; discussion 425-6. doi: 10.1016/j.athoracsur.2005.07.078.
https://doi.org/10.1016/j.athoracsur.200...
.

As complicações pós-operatórias encontradas neste estudo foram em sua maioria de menor grau e sem necessidade de qualquer intervenção clínica. No entanto, houve três óbitos, dos quais dois foram tardios e por causas não relacionadas à intervenção cirúrgica e apenas um ocorreu precocemente no 4º PO por TEP bilateral ocorrido no 3º PO de um paciente que evoluiu bem nos dois primeiros dias e já apresentava-se em programação de retirada de dreno de tórax e alta hospitalar. Apesar deste evento ter ocorrido em leito de enfermaria em um paciente do G-II, a realização de um Protocolo de Londres evidenciou que o encaminhamento a UTI no pós operatório imediato não mudaria a evolução clínica do paciente1818 Taylor-Adams S, Vincent C. Systems analysis of clinical incidents: the London protocol. Clinical Risk. 2004;10(6):211-20. doi: 10.1258/1356262042368255.
https://doi.org/10.1258/1356262042368255...
.

Este estudo apresenta como principais limitações o tamanho pequeno da amostra, com poder limitado, e seu observacional retrospectivo, que determina a impossibilidade de estabelecer relação causal ou de controlar fatores de confusão nos resultados. Além do mais, não foi realizada análise de custos hospitalares comparativamente entre os grupos devido à indisponibilidade dos valores individuais de cada paciente. Porém, acreditamos que há validade externa em estimular que a decisão e indicação do encaminhamento desses pacientes para UTI seja objetiva e criteriosa, o que pode ocorrer em qualquer outro serviço.

CONCLUSÃO

A manutenção do tratamento cirúrgico de pacientes com neoplasia de pulmão durante a pandemia COVID-19 pode ser realizada de forma eficiente e segura através da avaliação individualizada da necessidade de cuidados intensivos pós-operatórios. Pacientes submetidos a cirurgias de ressecção pulmonar sem intercorrências anestésicas ou cirúrgicas e estáveis clinicamente se beneficiaram do pós-operatório imediato em leito de enfermaria, sem evidência de aumento de complicações.

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  • Fonte de financiamento:

    não.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    30 Jul 2021
  • Aceito
    09 Abr 2022
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