Acessibilidade / Reportar erro

Avaliação da nefrotoxicidade pelo tacrolimus e micofenolato mofetil associados à isquemia e reperfusão renal: estudo experimental em ratos

RESUMO

Objetivo:

avaliar a toxicidade renal causada pelo tacrolimus e micofenolato mofetil (MMF) em um modelo de isquemia e reperfusão de rim único.

Método:

estudo experimental utilizando ratos Wistar, submetidos á nefrectomia direita e isquemia renal esquerda por 20 minutos, separados em grupos no pós- operatório (PO): 1) Controle (não operados); 2) Sham (operados, sem droga PO); 3) TAC0.1, TAC1 e TAC10, administrado tacrolimus no PO nas doses 0,1mg/kg, 1mg/kg e 10mg/kg via gavagem, respectivamentae; 4) MMF, administrado micofenolato mofetil 20mg/kg; 5) MMF/TAC1 e MMF/TAC0.5, com associação de micofenolato mofetil 20mg/kg e tacrolimus 1mg/kg e 0,5mg/kg, respectivamente. Foram mortos no 14º PO e retirado rim para análise do estresse oxidativo tecidual, pela dosagem de glutationa reduzida (GSH), lipoperoxidação (LPO) e carbonilação de proteínas (PCO), e análise histológica por estereologia glomerular (Densidade de volume glomerular, Densidade numérica glomerular e Volume glomerular médio). Foi avaliada função renal pela dosagem de creatinina e uréia séricas.

Resultados:

ambas drogas provocaram alteração na função renal, sendo a toxicidade do tacrolimus dosedependente. A toxicidade subaguda não mostrou alterações histológicas glomerulares significativas, sendo que houve hipertrofia renal e glomerular compensatória em todos os grupos exceto em TAC10.

Conclusão:

Ambas drogas provocam alteração na função renal. A morfometria e a estereologia glomerular mostraram interferência negativa dos imunossupressores durante a hipertrofia glomerular compensatória..

Palavras-chave:
Tacrolimo; Estresse Oxidativo; Imunologia; Reperfusão

ABSTRACT

Objective:

to evaluate the renal toxicity caused by tacrolimus and mycophenolate mofetil (MMF) in a single kidney ischemia and reperfusion model.

Method:

experimental study using Wistar rats, submitted to right nephrectomy and left renal ischemia for 20 minutes, separated into groups in the postoperative period (PO): 1) Control (nonoperated); 2) Sham (operated, without PO drug); 3) TAC0.1, TAC1 and TAC10, tacrolimus administered PO at doses of 0.1mg/kg, 1mg/kg and 10mg/kg via gavage, respectively; 4) MMF, administered mycophenolate mofetil 20mg/kg; 5) MMF/TAC1 and MMF/TAC0.5, with an association of mycophenolate mofetil 20mg/kg and tacrolimus 1mg/kg and 0.5mg/kg, respectively. They were killed on the 14th PO and the kidney was removed for tissue oxidative stress analysis, by the dosage of reduced glutathione (GSH), lipoperoxidation (LPO) and protein carbonylation (PCO), and histological analysis by glomerular stereology (Glomerular volume density, Numerical density glomerular and mean glomerular volume). Renal function was evaluated by the measurement of serum creatinine and urea.

Results:

both drugs caused alterations in renal function, and the toxicity of tacrolimus was dose-dependent. Subacute toxicity did not show significant glomerular histological changes, and there was renal and compensatory glomerular hypertrophy in all groups except TAC10.

Conclusion:

Both drugs cause changes in renal function. Glomerular morphometry and stereology showed negative interference of immunosuppressants during compensatory glomerular hypertrophy.

Keywords:
Tacrolimus; Oxidative Stress; Immunology; Reperfusion

INTRODUÇÃO

A rejeição na fase aguda ainda é a maior causa de perda dos enxertos renais11 Guidelines on Renal Transplantation. European Association of Urology. 2020.. Nos últimos anos, o Tacrolimus e o Micofenolato Mofetil ocupam papel de destaque na terapia pós-transplante, sendo amplamente utilizados como agentes centrais nos esquemas de imunossupressão atuais, apesar de serem potencialmente danosas ao tecido renal22 Halloran PF. Immunosuppressive Drugs for Kidney Transplantation. N Engl J Med. 2004;351(26):2715-29. doi: 10.1056/NEJMra033540.
https://doi.org/10.1056/NEJMra033540...
. Não se sabe ao certo qual o exato mecanismo de lesão celular renal33 Kilinc S, Tan S, Kolatan EH, et al. The effects of preoperative immunosuppressive therapy on ischemia and reperfusion (I/R) injury in healthy rats. Int Urol Nephrol. 2014;46(2):389-93. doi: 10.1007/s11255-013-0548-2.
https://doi.org/10.1007/s11255-013-0548-...
. Desta forma, há necessidade de se aprofundar o conhecimento dos efeitos renais causados durante a imunossupressão com drogas potencialmente nefrotóxicas, levando também em consideração fatores relacionados com o procedimento de transplante renal e manipulação do órgão.

Neste estudo avaliamos a nefrotoxicidade subaguda das drogas imunossupressoras Tacrolimus e Micofenolato Mofetil em ratos submetidos a um processo de isquemia e reperfusão renal, demonstrando interferência negativa dos imunossupressores durante a hipertrofia glomerular compensatória.

MÉTODOS

O experimento foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética no Uso de Animais na 6ª Reunião Ordinária do CEUA de 2009 (10/07/09, certificado 386 b), com retificação e nova aprovação das alterações na Reunião Ordinária 03/2011 (05/04/2011). Foram observados os princípios éticos na experimentação animal preconizados pelo Colégio Brasileiro de Experimentação Animal (COBEA) e também as exigências estabelecidas no “Guide for the care and use of experimental animals”44 Astellas Pharma Canada Inc. Product monograph rPrograf. Published online 2019. www.astellas.com/ca/system/files/pdf/Prograf_PM_EN.pdf.
www.astellas.com/ca/system/files/pdf/Pro...
.

A fase experimental ocorreu em etapas distintas, sendo os procedimentos cirúrgicos e as análises histológicas e de estereologia realizados no Departamento de Anatomia, e os testes de estresse oxidativo realizados em conjunto com o Departamento de Biologia Celular, ambos do Setor de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Paraná.

Foram utilizados ratos da linhagem Wistar (Rattus novergicus albinus, Rodentia, Mammalia), do sexo masculino com idade média de nove semanas, peso médio dos grupos variando entre 221 e 254 gramas, mantidos em gaiolas com as mesmas condições ambientais, ciclo claro/escuro de 12 horas, recebendo água e ração ad libitum durante todo o período do experimento55 Neves SMP. Manual de Cuidados e Procedimentos Com Animais de Laborato´rio Do Biote´rio de Produc¸a~o e Experimentac¸a~o Da FCF-IQ/USP. Vol 1. 1st ed: 2013..

Os animais foram divididos aleatoriamente em oito grupos, nos quais foram realizados: nefrectomia direita, isquemia renal quente por clampeamento do pedículo renal esquerdo durante 20 minutos, reperfusão renal após desclampeamento do pedículo vascular e cistotomia seguida de cistorrafia, através de laparotomia mediana, seguindo técnica asséptica, com exceção dos animais do GRUPO CONTROLE. Para a realização do procedimento cirúrgico os animais foram submetidos à injeção intramuscular de diazepam (5mg/kg) e atropina (0,5mg/kg), e após iniciado o efeito destas drogas, anestesiados com uma associação de Xilazina (5mg/kg) e Ketamina (100mg/kg) intraperitoneal, sendo mantidos anestesiados durante todo o procedimento, com doses de manutenção de Xilazina (0,4mg/kg) e Ketamina (20mg/kg)55 Neves SMP. Manual de Cuidados e Procedimentos Com Animais de Laborato´rio Do Biote´rio de Produc¸a~o e Experimentac¸a~o Da FCF-IQ/USP. Vol 1. 1st ed: 2013..

O procedimento cirúrgico consistiu em nefrectomia direita. Posteriormente realizada dissecção do pedículo vascular do rim esquerdo e isquemia quente por período de 20 minutos, com clamp vascular. Em seguida, ocorrendo a reperfusão renal. Procedeu-se à realização de cistotomia.

Os grupos foram organizados da seguinte forma: GRUPO CONTROLE: constituído por 10 animais, não foi submetido à intervenção cirúrgica. GRUPO SHAM: constituído por 8 animais, submetidos ao procedimento cirúrgico padrão e não receberam droga no pós-operatório. GRUPO TAC0.1: constituído por 10 animais, submetidos ao procedimento cirúrgico padrão e receberam no pós-operatório TACROLIMUS na dose 0,1mg/kg/dia. GRUPO TAC1: constituído por 10 animais, submetidos ao procedimento cirúrgico padrão e receberam no pós-operatório TACROLIMUS na dose 1mg/kg/dia. GRUPO TAC10: constituído por 9 animais, submetidos ao procedimento cirúrgico padrão e receberam no pós-operatório TACROLIMUS na dose 10mg/kg/dia. GRUPO MMF: constituído por 10 animais, submetidos ao procedimento cirúrgico padrão e receberam no pós-operatório MICOFENOLATO MOFETIL na dose 20mg/kg/dia. GRUPO MMF/TAC1: constituído por 11 animais, submetidos ao procedimento cirúrgico padrão e receberam no pós-operatório MICOFENOLATO MOFETIL na dose 20mg/kg/dia associado a TACROLIMUS na dose 1mg/kg/dia. GRUPO MMF/TAC0.5: constituído por 10 animais, submetidos ao procedimento cirúrgico padrão e receberam no pós-operatório MICOFENOLATO MOFETIL na dose 20mg/kg/dia associado a TACROLIMUS na dose 0,5mg/kg/dia.

Durante o experimento houve óbito de três animais, dois deles no período de pós-operatório imediato e um durante o curso de administração da droga (GRUPO TAC10). Todos os animais receberam dose diária de 0,5ml de solução das drogas e concentrações descritas com solução fisiológica 0,9%, via gavagem com técnica e sonda de calibre adequados, sendo que os animais do GRUPO SHAM receberam apenas solução fisiológica de cloreto de sódio 0,9%.

Foram mortos no 14º pós-operatório, neste momento foi realizada a nefrectomia esquerda e preparação do órgão, para análise histológica.

O sangue coletado dos animais foi encaminhado para análise em Laboratório de Análises Bioquímicas e foram dosados Tacrolimus pelo método de quimioluminescência, e Creatinina, Uréia e Albumina séricas pelo método enzimático colorimétrico de química seca66 Lopez J, Burtis C, Ashwood E, Bruns D. Tietz Textbook of Clinical Chemistry and Molecular Diagnosis (5th edition). Ind J Clin Biochem. 2012;28:104-5. doi: 10.1007/s12291-012-0287-7.
https://doi.org/10.1007/s12291-012-0287-...
.

A análise do estresse oxidativo tecidual foram feitas através das amostras de rim de cada animal que foram homogeneizadas e congeladas, em tubo completado para 2mL de tampão fosfato salina (PBS) 0,1M, pH 7,4, com auxílio de homogeneizador de tecidos BioSpec Tissue-Tearor (BIOSPEC PRODUTS, Bartlesville, USA). Foram consideradas: Concentração de Glutationa Reduzida (GSH)7, Peroxidação lipídica (LPO)8, Carbonilação de proteínas (PCO)99 Dalle-Donne I, Aldini G, Carini M, Colombo R, Rossi R, Milzani A. Protein carbonylation, cellular dysfunction, and disease progression. J Cell Mol Med. 2006;10(2):389-406. doi: 10.1111/j.1582-4934.2006.tb00407.x.
https://doi.org/10.1111/j.1582-4934.2006...
. Todas as leituras de espectrofotometria descritas acima foram realizadas em Leitora de Microplacas Infinite® 200 PRO - Tecan® (Tecan Group Ltd., Seestrasse - Männedorf, Switzerland).

Para determinar a tridimensão do rim utilizou-se o método estereológico Sistema-teste M42. Esse foi superposto as imagens histológicas para a contagem de pontos e de intersecções testes conforme descrito por Mandarim de Lacerda1010 Mandarim-de-Lacerda CA. Stereological tools in biomedical research. An Acad Bras Cienc. 2003;75(4):469-86. doi: 10.1590/s0001-37652003000400006.
https://doi.org/10.1590/s0001-3765200300...
com aumento de 40x.

Recorreu-se à análise descritiva dos dados através de tabelas e gráficos. Para a comprovação do objetivo deste trabalho foram utilizados os testes paramétricos “ANOVA” com pós-teste de “TUKEY” e o não-paramétrico “MannWhitney”. Para tais análises foi utilizado o software “PRISM 5 for Windows - version 5.0” (GraphPad Software, Inc., 2007). O nível de significância (erro α) adotado foi menor que 5% (p<0,05).

RESULTADOS

Após coletados os dados, estes foram divididos em dois grupos para fins de comparação e demonstração dos resultados do experimento, conforme segue:

1. Análise comparativa da dose-resposta com uso do tacrolimus

Esta avaliação comparativa objetivou a resposta dos diferentes parâmetros com relação a doses logarítmicas do tacrolimus e seu potencial dano tecidual renal. Para esta análise foram comparados os grupos: CONTROLE, SHAM, TAC0.1, TAC1 e TAC10.

Os animais do grupo CONTROLE tinham peso inicial médio de 250g e peso final médio de 317g (+26,8%). Os animais do grupo SHAM pesavam inicialmente 221g em média, com peso final médio de 277g (+25,3%). O grupo TAC0.1 apresentava peso inicial médio de 234g e final de 283g (+21%). Os animais do grupo TAC1 tiveram peso inicial médio de 245g e final médio de 295g (+20,4%). O grupo TAC10 teve peso inicial de 240g e final de 246g (+2,5%).

1.1. Análise bioquímica - com uso do tacrolimus

A dosagem do Tacrolimus mostrou diferença entre os grupos de administração da droga, confirmando que esta foi adequadamente absorvida durante o período de estudo. Houve diferença estatística na dosagem sérica da droga no grupo TAC10, mostrando maior concentração de Tacrolimus no sangue destes animais (Tabela 1).

Tabela 1
Avaliação dos parâmetros bioquímicos - dose/resposta - com uso do TACROLIMUS.

Os valores de creatinina séricos encontrados não apresentaram diferença estatística entre os grupos CONTROLE, SHAM, TAC0.1 e TAC1. O grupo TAC10 mostrou dosagem de 0,50 ± 0,05mg/dl e foi significativamente maior que os outros grupos (Tabela 1).

A dosagem de uréia sérica, no entanto, revelou que o grupo CONTROLE foi significativamente menor que os outros grupos, com valor de 44,9 ± 2,85mg/dl. O grupo SHAM também apresentou valores menores que os demais, com 53,75 ± 4,71mg/dl. Os grupos TAC1 e TAC0.1 apresentaram valores estatisticamente similares, enquanto o TAC10 mostrou a dosagem média de 71 ± 7,07mg/dl, sendo significativamente maior que os outros animais (Tabela 1). A dosagem de albumina sérica mostrou valores estatisticamente similares entre os grupos CONTROLE e TAC1, com valores de 2,79 ± 0,11g/dl e 2,90 ± 0,26g/dl, respectivamente. O grupo SHAM mostrou média de 2,89 ± 0,08, sendo similar ao grupo TAC1 e diferente dos demais. Os grupos TAC0.1 e TAC10 tiveram valores 38 semelhantes, sendo estatisticamente similares ao grupo CONTROLE e menores que dos grupos SHAM E TAC1 (Tabela 1).

1.2. Análise morfométrica renal - com uso do tacrolimus

No que refere à volumetria renal, encontrou-se que o VOLUME renal foi similar entre os grupos CONTROLE e GRUPO TAC10, e entre os grupos SHAM, TAC0.1 e TAC1.

Houve diferença estatística entre os grupos CONTROLE e grupos SHAM, TAC0.1 e TAC1, e entre os TAC0.1 e TAC10. Vale ressaltar que a diferença de volume entre os grupos TAC1 e TAC10 não mostrou significância estatística, porém o p=0,06 mostra que houve uma tendência à diferença (Tabela 2). O PESO renal mostrou semelhança entre os grupos CONTROLE e TAC10, e entre os grupos SHAM, TAC0.1 e TAC1, sendo estes diferentes estatisticamente dos primeiros (Tabela 2).

Tabela 2
Morfometria renal - dose/resposta - com uso do TACROLIMUS.

1.3. Análise esterológica - com uso do tacrolimus

Após análise estereológica observou-se que não houve diferença na densidade de volume glomerular (Vvglom) na comparação entre os grupos. Da mesma forma, os valores de densidade numérica glomerular (Nv) não mostraram diferença estatística

1.4. Análise do estresse oxidativo tecidual - com uso do tacrolimus

As dosagens bioquímicas de Tióis não-proteicos (GSH) mostraram que houve aumento na concentração nos grupos TAC1 e TAC10, sendo de significância estatística apenas a comparação entre TAC10 e TAC0.1

As concentrações de Hidroperóxidos (LPO) e de Carbonilas protéicas (PCO) não mostraram diferença significativa entre os grupos na avaliação da Dose Resposta com uso do tacrolimus.

2. Análise comparativa da dose-resposta com associação de tacrolimus com micofenolato mofetila

Esta avaliação comparativa objetivou a resposta dos diferentes parâmetros com relação a associação de tacrolimus com micofenolato mofetila e se este último pode reduzir a toxicidade do primeiro em dose menor. Para esta análise foram considerados os grupos: CONTROLE, SHAM, TAC1, MMF, MMF/TAC1 e MMF/TAC0.5.

Os animais do grupo CONTROLE tinham peso inicial médio de 250g e peso final médio de 317g (+26,8%). Os animais do grupo SHAM pesavam inicialmente 221g em média, com peso final médio de 277g (+25,3%). Os animais do grupo TAC1 tiveram peso inicial médio de 245g e final médio de 295g (+20,4%). O grupo MMF mostrou peso inicial médio de 247g e final de 305g (+23,5%). O grupo MMF/TAC1 teve peso inicial médio de 254g e final de 304g (+19,7%). O grupo MMF/TAC0.5 apresentou peso inicial de 248g e final de 303g (+22,2%).

2.1. Análise bioquímica - com associação de tacrolimus com micofenolato mofetila

As amostras avaliadas para dosagem de tacrolimus mostraram que houve diferença estatística entre os grupos TAC1 e MMF/TAC0.5. A comparação dos grupos MMF/TAC1 e MMF/TAC0.5 teve nível de significância p=0,06, demonstrando que, apesar de não haver diferença estatística, há uma tendência (Tabela 3). Os valores de creatinina sérica revelaram que não houve diferença estatística entre os grupos CONTROLE, SHAM e TAC1, sendo que estes tiveram valores estatisticamente menores que os dos grupos MMF, MMF/TAC1 e MMF/TAC0.5 (Tabela 3). A dosagem de uréia sérica mostrou diferença estatística do grupo CONTROLE, com valor inferior de 44,90 ± 2,85mg/dl, e TAC1 com valor superior de 72,60 ± 6,28mg/dl. A dosagem do grupo SHAM também foi diferente estatisticamente dos demais grupos, com excessão do MMF. Os valores de MMF e MMF/TAC1 mostraram diferença estatística, sendo que não houve diferença destes com o grupo MMF/TAC0.5 (Tabela 3). A albumina sérica não mostrou diferença estatística entre os grupos comparados, com excessão do grupo SHAM, que foi significativamente maior que os grupos CONTROLE, MMF e MMF/TAC1 (Tabela 3).

Tabela 3
avaliação dos parâmetros bioquímicos - com associação de tacrolimus com micofenolato mofetila

2.2. Análise morfométrica renal - com associação de tacrolimus com micofenolato mofetila

O volume renal aferido foi menor estatisticamente no grupo CONTROLE. Os grupos SHAM, TAC1, MMF/TAC1 e MMF/TAC0.5 foram similares e o grupo MMF mostrou valores estatisticamente maiores que os TAC1 e MMF/TAC0.5, não tendo diferença estatística de MMF/TAC1 (Tabela 4).

Tabela 4
morfometria renal - dose/resposta - com associação de tacrolimus com micofenolato mofetila.

2.3. Análise esterológica - com associação de tacrolimus com micofenolato mofetila

A aferição quantitativa da densidade de volume glomerular (Vvglom) revelou diferença estatística apenas entre os grupos CONTROLE e MMF/TAC0.5.

O Vglom calculado demonstrou que o grupo SHAM foi estatisticamente maior que os demais, exceto quando comparado ao MMF. Os grupos TAC1 e MMF foram significativamente diferentes, e estes foram similares aos MMF/TAC1 e MMF/TAC0.5.

2.4. Análise do estresse oxidativo tecidual - com associação de tacrolimus com micofenolato mofetila

A dosagem de Tióis não-proteicos foi significativamente mais alta no grupo MMF, quando comparada aos demais. Apesar de não alcançar diferença estatística, a comparação entre os grupos MMF/TAC1 e MMF/TAC0.5 teve nível de significância p=0,06. A concentração de Carbonilas proteicas encontrada em menor quantidade no grupo MMF, sendo esta diferença estatisticamente significativa, exceto quando comparada à TAC1, cuja diferença teve nível de significância p=0,08. Os grupos TAC1 e MMF/TAC1 também apresentaram significância estatística na sua diferença, sendo que foram similares ao MMF/TAC0.5.

DISCUSSÃO

O FK 506 (tacrolimus) é um macrolídeo produzido pelo fungo Streptomyces tsukubaensis com potente atividade imunossupressora. Atua nas vias bioquímicas intracelulares dependentes de cálcio. Inibe então os genes precoces de ativação das células T bloqueando a expressão do RNA mensageiro de várias citocinas. Pertence ao grupo dos inibidores da calcineurina (CNI), assim como a ciclosporina, e compõe a pedra fundamental da terapia imunossupressora standart. O Tacrolimus é metabolizado quase totalmente no fígado, pela enzima Citocromo P450-3A4 (CYP3A4), e eliminado nas fezes através da bile22 Halloran PF. Immunosuppressive Drugs for Kidney Transplantation. N Engl J Med. 2004;351(26):2715-29. doi: 10.1056/NEJMra033540.
https://doi.org/10.1056/NEJMra033540...
.

Os micofenolatos são baseados no ácido micofenólico, que inibe a enzima inosina monofosfato desidrogenase (IMPDH). Esta é etapa limitante na síntese de guanosina monofosfato (GMPc) na via da síntese “de novo” de purinas. Como a função e proliferação dos linfócitos é muito dependente da síntese “de novo” de purinas, esta imunossupressão tem melhor efeito citostático na proliferação dos linfócitos. O metabólico ativo do ácido micofenólico é metabolizado pela glucoronil transferase no fígado e sua maior parte é excretada em forma inativa na urina11 Guidelines on Renal Transplantation. European Association of Urology. 2020.,22 Halloran PF. Immunosuppressive Drugs for Kidney Transplantation. N Engl J Med. 2004;351(26):2715-29. doi: 10.1056/NEJMra033540.
https://doi.org/10.1056/NEJMra033540...
,1111 Srinivas TR, Meier-Kriesche HU. Minimizing immunosuppression, an alternative approach to reducing side effects: objectives and interim result. Clin J Am Soc Nephrol. 2008;3 Suppl 2:S101-16. doi: 10.2215/CJN.03510807.
https://doi.org/10.2215/CJN.03510807...
.

Independente do esquema terapêutico, as drogas imunossupressoras possuem efeitos adversos como nefrotoxicidade, efeitos de ordem cardiovascular, diabetes mellitus, efeitos cosméticos como hirsutismo, hiperplasia gengival e alopécia. Além destes, pode haver influência também no processo de cicatrização e reparação tecidual1212 Srinivas TR, Kaplan B, Meier-Kriesche HU. Mycophenolate mofetil in solid-organ transplantation. Expert Opin Pharmacother. 2003 Dec;4(12):2325-45. doi: 10.1517/14656566.4.12.2325.
https://doi.org/10.1517/14656566.4.12.23...
. No que diz respeito à nefrotoxicidade, o Tacrolimus tanto pode exercer efeito citotóxico direto quanto alterações isquêmicas celulares renais1313 Naesens M, Kuypers DRJ, Sarwal M. Calcineurin inhibitor nephrotoxicity. Clin J Am Soc Nephrol. 2009;4(2):481-508. doi: 10.2215/CJN.04800908.
https://doi.org/10.2215/CJN.04800908...
.

Micofenolato Mofetil não apresenta padrão de nefrotoxicidade. Assim, estudos recentes tentaram utilizá-lo como forma de reduzir a dose de outras drogas, como os Inibidores da Calcineurina (CNI).

No caso do transplante renal, existem vários esquemas de imunossupressão, no entanto, em nosso meio o esquema mais amplamente utilizado é uma associação inicial de Tacrolimus e Micofenolato Mofetil, associado a corticosteróide11 Guidelines on Renal Transplantation. European Association of Urology. 2020.,22 Halloran PF. Immunosuppressive Drugs for Kidney Transplantation. N Engl J Med. 2004;351(26):2715-29. doi: 10.1056/NEJMra033540.
https://doi.org/10.1056/NEJMra033540...
.

O delineamento do estudo teve como objetivo avaliar o comportamento biológico do rim nos diferentes cenários de exposição aos imunossupressores comumente usados no transplante renal. Desta forma, para quantificar a toxicidade renal frente ao tacrolimus, droga sabidamente nefrotóxica, utilizou-se de um método de avaliação de dose-resposta de toxicidade por drogas, o qual emprega uma dose padronizada e duas outras doses em valores logarítmicos acima e abaixo1414 Valadares M. Avaliação de toxicidade aguda: estratégias após a "Era do teste DL50".Rev. Eletr. Farm. 2007;3(2):93-8. doi: 10.5216/ref.v3i2.2083.
https://doi.org/10.5216/ref.v3i2.2083...
,1515 OECD (2013), Introduction to OECD Test Guidelines on Pesticide Residues Chemistry - Section 5 Part A, OECD Guidelines for the Testing of Chemicals, Section 5, OECD Publishing, Paris, doi: 10.1787/9789264203761-en.
https://doi.org/10.1787/9789264203761-en...
. Neste tocante, optou-se pelo período de exposição subaguda de 2 semanas, conforme preconizado pelo guideline 407 da OECD (Organisation for Economic Cooperation and Development), no intuito de prevenir óbitos desnecessários devido à dose tóxica do tacrolimus e ao mesmo tempo permitir que houvesse prazo suficiente para sair da fase inflamatória da cicatrização.

Além disso, estudos demonstraram que pode haver efeito sinérgico entre os imunossupressores, e assim, poderia haver benefício na associação de drogas com o intuito de diminuir a toxicidade dos CNI1616 Frimat L, Cassuto-Viguier E, Charpentier B, et al. Impact of Cyclosporine Reduction With MMF: A Randomized Trial in Chronic Allograft Dysfunction. The 'Reference' Study. Am J Transplant. 2006;6(11):2725-34. doi: 10.1111/j.1600-6143.2006.01535.x.
https://doi.org/10.1111/j.1600-6143.2006...
Neste sentido, foram delineados os grupos de estudo para avaliação da toxicidade renal frente ao tacrolimus e ao micofenolato, e à associação de ambos em dose padrão e dose reduzida (50% da dose) do tacrolimus.

O tempo de isquemia renal tem sido alvo de estudos com objetivo de estimar qual o tempo ideal para que não ocorram lesões irreversíveis1717 Weight SC, Bell PR, Nicholson ML. Renal ischaemia-reperfusion injury. Br J Surg. 1996;83(2):162-170. doi: 10.1046/j.1365-2168.1996.02182.x.
https://doi.org/10.1046/j.1365-2168.1996...
Neste sentido há modelos de isquemia renal quente1818 Jablonski P, Howden BO, Rae DA, Birrell CS, Marshall VC, Tange J. An experimental model for assessment of renal recovery from warm ischemia. Transplantation. 1983;35(3):198-204. doi: 10.1097/00007890-198303000-00002.
https://doi.org/10.1097/00007890-1983030...
e fria1919 Herrero I, Torras J, Riera M, et al. Prevention of cold ischaemia-reperfusion injury by an endothelin receptor antagonist in experimental renal transplantation. Nephrol Dial Transplant. 1999;14(4):872-80. doi: 10.1093/ndt/14.4.872.
https://doi.org/10.1093/ndt/14.4.872...
sendo que a maior parte dos autores suporta que isquemia quente menor que 30 minutos é adequada para prevenir lesões definitivas em decorrência da hipoperfusão e hipóxia2020 Thompson RH, Lane BR, Lohse CM, et al. Comparison of warm ischemia versus no ischemia during partial nephrectomy on a solitary kidney. Eur Urol. 2010;58(3):331-336. doi: 10.1016/j.eururo.2010.05.048.
https://doi.org/10.1016/j.eururo.2010.05...
. No presente estudo utilizou-se tempo de isquemia de 20 minutos por clampeamento do pedículo vascular renal, com o objetivo principal de promover uma prova perfusional no órgão e estimular que houvesse resposta do órgão ao estresse de isquemia e reperfusão, sem, no entanto, gerar possíveis lesões definitivas que comprometessem sua função.

A evolução do peso dos animais está de acordo com os achados de Tomanari, Pine e Silva2121 Tomanari G, Pine A, Silva MT. Ratos wistar sob regimes rotineiros de restrição hídrica e alimentar. Rev. bras. ter. comport. cogn. 2003;5:57-71., cujos animais apresentaram curva ascendente de ganho ponderal até aproximadamente 180 dias de vida quando submetidos à dieta ad libitum.

Outro parâmetro de nutrição avaliado foi a dosagem de albumina sérica. Esta é a principal proteína sérica, e tem relação direta com a biodisponibilidade do tacrolimus, uma vez que o transporte sanguíneo da droga ocorre principalmente ligada à albumina e às hemácias2121 Tomanari G, Pine A, Silva MT. Ratos wistar sob regimes rotineiros de restrição hídrica e alimentar. Rev. bras. ter. comport. cogn. 2003;5:57-71.. No presente estudo, demonstrou-se que os valores de albumina sérica permaneceram estáveis em todos os grupos, sendo que apenas o grupo TAC1 teve valores pouco maiores da proteína.

Os resultados encontrados mostraram diferentes concentrações da droga nos grupos TAC0.1, TAC1 e TAC10, sendo estatisticamente significante apenas a dosagem em TAC10, a qual foi significativamente maior. Quando tomada a comparação de associação de drogas, o grupo MMF/TAC0.5 foi menor que o grupo TAC1, e tendendo a menor que MMF/TAC1. Os resultados são condizentes com as doses utilizadas, uma vez que doses mais baixas apresentaram concentrações séricas mais baixas.

Com relação ao micofenolato mofetil, Braun et al.2222 Braun F, Schöcklmann H, Ziegler E, Kunzendorf U, Armstrong VW, Renders L. Increased mycophenolic acid exposure in stable kidney transplant recipients on tacrolimus as compared with those on sirolimus: implications for pharmacokinetics. Clin Pharmacol Ther. 2009;86(4):411-5. doi: 10.1038/clpt.2009.129.
https://doi.org/10.1038/clpt.2009.129...
observou que pode haver aumento na sua biodisponibilidade frente ao uso associado com tacrolimus, no entanto tal achado não foi o mesmo de outro estudo conduzido por van Gelder et al.2323 van Gelder T, Klupp J, Barten MJ, Christians U, Morris RE. Comparison of the effects of tacrolimus and cyclosporine on the pharmacokinetics of mycophenolic acid. Ther Drug Monit. 2001;23(2):119-28. doi: 10.1097/00007691-200104000-00005.
https://doi.org/10.1097/00007691-2001040...
.

A última administração das drogas ocorreu entre 24 e 28 horas antes da coleta de sangue para dosagem, justifica-se o achado das concentrações séricas estarem abaixo dos valores considerados ideais para a faixa terapêutica. Pondera-se da mesma forma que a janela terapêutica do tacrolimus é bastante estreita e o limiar de toxicidade da droga é baixo, o que limita o aumento da dose de administração.

Na comparação das diferentes doses de tacrolimus, houve aumento significativo da creatinina no grupo TAC10, sendo compatível com a toxicidade da droga em dose mais elevada. Os valores de creatinina encontrados, no entanto, estão dentro dos parâmetros de normalidade entre 0,3 e 0,6mg/dl considerados por outros pesquisadores e biotérios2424 Diniz M, Medeiros I, Santos H, et al. Padronização dos Parâmetros Hematológicos e Bioquímicos de Camundongos Swiss e Ratos Wistar. RBCS. 2009;10(2):171-6.,2525 Dantas J, Ambiel CR, Nakamura Cuman RK, Baroni S, Amado CAB. (Artigo 9 publicado v.28 n.2) Valores de referência de alguns parâmetros fisiológicos de ratos do Biotério Central da Universidade Estadual de Maringá, Estado do Paraná. Acta Sci. Health Sci. 2006;28(2):165-70. doi: 10.4025/actascihealthsci.v28i2.1099.
https://doi.org/10.4025/actascihealthsci...
.

Houve aumento progressivo dos níveis de uréia, sendo que para os animais que sofreram apenas isquemia renal (grupo SHAM) a uréia sérica foi maior que o controle, e a partir da introdução da droga acentuou-se a elevação, passando já para níveis anormalmente altos nos grupos TAC0.1 e TAC1, e ainda maiores no grupo TAC10. Castello Branco et al. (2011)26 e Spinelli et al. (2012)2727 Spinelli MO, Godoy CM, Motta MC, Cruz RJ, Junqueira M, Bortolatto J. Perfil bioquímico dos animais de laboratório do biotério da Faculdade de Medicina da USP. R. Soc. bras. Ci. Anim. Lab. 2012;1(1):76-81. consideram valores de uréia normais entre 40 e 60mg/dl, confirmando que no presente estudo houve alteração da função renal após introdução do tacrolimus, e piora progressiva com dose elevada da droga.

Os animais submetidos à tratamento com micofenolato nas diferentes combinações apresentaram níveis mais elevados e limítrofes na dosagem de creatinina sérica. Os valores de uréia, também foram mais elevados tanto para TAC1, quanto para os grupos MMF, MMF/TAC1 e MMF/TAC0.5 quando comparados ao grupo SHAM. O achado demonstra que a utilização de tacrolimus em associação com MMF e em dose mais elevada proporciona piora da função renal.

A morfometria renal aferida revelou que houve hipertrofia compensatória em todos os grupos com exceção de TAC10, quando comparados ao grupo CONTROLE, o qual permaneceu com os dois rins nativos. O volume renal apresentou ganho de 35% a 55% nos grupos SHAM, TAC0.1, TAC1, MMF, MMF/TAC1 e MMF/TAC0.5. Apenas TAC10 teve variação positiva em média de 13% no volume renal. Com relação ao peso do órgão, da mesma forma apenas o grupo TAC 10 teve redução de 5%. Os demais grupos tiveram variação positiva na massa do órgão entre 20% e 30%. Santos et al. (2006)2828 Santos M. V. H. Souza1; I. A. C. Menezes1; J. L. Bitencurt2; J. M. Rezende-Neto3; A. S. Barreto1;F. A.Cunha1; R. M. Marçal1; F. Teixeira-Silva; L. J. Quíntans-Júnior1; A. P. O. Barbosa. Parâmetros bioquímicos, fisiológicos e morfológicos de ratos (Rattus novergicus linhagem Wistar) produzidos pelo Biotério Central da Universidade Federal de Sergipe. Sci. Plena. 2010;6(10). estudou os resultados funcionais e morfológicos em rins de rato submetidos à redução de massa renal global, encontrando aumento de aproximadamente 90% de volume do rim remanescente após 8 semanas da nefrectomia contralateral. Seyer-Hansen, Gundersen e Osterby2929 Seyer-Hansen K, Gundersen HJ, Osterby R. Stereology of the rat kidney during compensatory renal hypertrophy. Acta Pathol Microbiol Immunol Scand A. 1985;93(1):9-12. doi: 10.1111/j.1699-0463.1985.tb03913.x.
https://doi.org/10.1111/j.1699-0463.1985...
estudaram hipertrofia renal compensatória e encontraram ganho ponderal do órgão de 31% e 44% após quatro e 24 dias da nefrectomia, respectivamente

Assim, o presente estudo demonstrou que a hipertrofia renal compensatória não foi afetada pelo uso das medicações imunossupressoras no curto prazo, exceto no caso de doses elevadas do tacrolimus, o que demonstra um efeito nefrotóxico direto nesta situação. Tais achados são comparáveis aos encontrados pelos autores citados.

Com a análise glomerular por estereologia pode-se observar que não houve achado de esclerose glomerular ou fibrose/esclerose da cápsula de Bowman, os quais representam alterações clássicas de toxicidade renal crônica relacionada aos CNI1313 Naesens M, Kuypers DRJ, Sarwal M. Calcineurin inhibitor nephrotoxicity. Clin J Am Soc Nephrol. 2009;4(2):481-508. doi: 10.2215/CJN.04800908.
https://doi.org/10.2215/CJN.04800908...
.

A aferição de densidade de volume glomerular e densidade numérica glomerular encontradas foi semelhante entre os grupos de avaliação da resposta, e o cálculo de volume glomerular médio demonstrou que houve diferença entre os grupos SHAM frente a CONTROLE, TAC0.1 e TAC1. Tal achado, em conjunto com o fato de ter havido maior hipertrofia renal compensatória no grupo SHAM, sugere que a utilização de tacrolimus, mesmo em dose baixa, afeta a hipertrofia glomerular após a nefréctomia contralateral. Da mesma forma, quando comparados os grupos de associação de drogas, houve diferença estatística na densidade de volume glomerular entre CONTROLE e MMF/TAC0.5, e não houve diferença entre os grupos quando comparada a densidade numérica glomerular. Já o volume médio glomerular calculado mostrou ter havido maior hipertrofia compensatória nos grupos SHAM e MMF, sugerindo além de um efeito deletério do tacrolimus, possível efeito protetor do micofenolato mofetil quanto ao aumento de volume dos glomérulos na hipertrofia renal compensatória, uma vez que os animais do grupo MMF apresentaram o maior volume renal.

Apesar de os dados encontrados neste estudo não terem demonstrado claramente grande diferença entre os grupos, eles vão de encontro aos achados da literatura. Outro ponto de discussão é que talvez a estereologia ou mesmo a avaliação histomorfológica pura não sejam suficientes para avaliar com precisão as alterações relacionadas com nefrotoxicidade em modelo de exposição subaguda às drogas, como neste experimento.

Os resultados encontrados mostram que houve um aumento progressivo na concentração de GSH quando do aumento da dose de tacrolimus, na curva doseresposta, sendo, no entanto, encontrada diferença estatística apenas na comparação das doses de 10mg/kg/dia com 0,1mg/kg/dia. Tal fato deve ter ocorrido em virtude do tempo de exposição à droga não ter sido suficientemente longo. Quando comparados os grupos de associação de drogas, houve aumento significativo nos níveis de GSH do grupo MMF. Sarangi et al.3030 Sarangi SC, Reeta KH, Dinda AK, Gupta YK. Protective effect of mycophenolate mofetil on mercuric chloride-induced nephrotoxicity in rats. Methods Find Exp Clin Pharmacol. 2010;32(4):219-25. doi: 10.1358/mf.2010.32.4.1444480.
https://doi.org/10.1358/mf.2010.32.4.144...
relata aumento da GSH em ratos tratados com micofenolato após intoxicação por mercúrio, sugerindo que tal aumento é fator protetor para a célula. Da mesma forma, Saad, Arafah e Najjar3131 Saad SY, Arafah MM, Najjar TA. Effects of mycophenolate mofetil on cisplatin-induced renal dysfunction in rats. Cancer Chemother Pharmacol. 2007;59(4):455-60. doi: 10.1007/s00280-006-0284-8.
https://doi.org/10.1007/s00280-006-0284-...
apontam que aumento do GSH é um dos mecanismos celulares para combater o estresse oxidativo a nível celular.

A concentração de hidroperóxidos e a de carbonilas proteicas não mostrou diferença estatística na comparação dos grupos de dose-resposta ao tacrolimus, inferindo que não houve lipoperoxidação e nem carbonilação proteica significativas nestes grupos. Com relação à comparação de associação de drogas, no entanto, pode-se observar que os grupos MMF e MMF/TAC0.5 mostraram significativa redução na concentração de hidroperóxidos quando comparados aos demais, inferindo assim uma menor lipoperoxidação. De maneira similar, a concentração de carbonilas proteicas foi estatisticamente menor no grupo MMF, e também houve diferença entre os grupos TAC1 e MMF/TAC1, sugerindo menor dano oxidativo às proteinas no grupo de micofenolato puro e efeito sinérgico de tacrolimus e 59 micofenolato aumentando a carbonilação de proteínas, se comparadas as drogas isoladamente.

Este estudo permite concluir que: a) A avaliação da função renal pela dosagem de creatinina e uréia mostrou que há nefrotoxicidade relacionada com uso de tacrolimus, principalmente em doses elevadas, e este efeito resultou em maiores alterações nos níveis de uréia e menores na creatinina; da mesma forma, há alteração da função renal com o uso de micofenolato mofetil, e há piora da função renal na associação das drogas; b) O tacrolimus em dose elevada inibe a hipertrofia renal compensatória; e não há alteração histológica glomerular neste período de tempo de exposição às drogas; A estereologia glomerular demonstrou haver inibição na hipertrofia glomerular compensatória frente às drogas, quando avaliado o volume médio glomerular; c) As drogas induziram reação celular de proteção frente ao estresse oxidativo através do aumento de tióis não-proteicos (GSH), não sendo detectada alteração de peroxidação de lipídios nem carbonilação de proteínas significativas com uso de tacrolimus mesmo em doses elevadas; sugere também fator protetor do micofenolato mofetil na lipoperoxidação e na carbonilação de proteínas.

    LISTA DE SIGLAS
  • ABTO  - Associação Brasileira de Transplante de Órgãos
  • AGPI  - Ácidos graxos poli-insturados
  • BSA  - albumina de soro bovino
  • CEUA  - Comite de Ética no Uso de Animais
  • CNI  - Inibidor da calcineurina
  • COBEA  - Colégio Brasileiro de Experimentação Animal
  • DTNB  - ácido 5,5’-ditio-bis-2-nitrobenzóico
  • ERO  - Espécie reativa de oxigênio
  • FeSO4.NH4  - sulfato ferroso amoniacal
  • FK 506  - Tacrolimus
  • GSH  - Glutationa reduzida
  • HCl  - ácido clorídrico
  • HLA  - Antígeno leucocitário humano
  • LPO  - Peroxidação de lipídios
  • MTOR  - Mammalian Target of Rapamycin
  • PBS  - Tampão fosfato salina
  • PCO  - Carbonilação de proteínas
  • PTK  - Proteína Tirosinaquinase
  • TCA  - Ácido tricloroacético
  • TCR  - Receptor da célula T

REFERENCES

  • 1
    Guidelines on Renal Transplantation. European Association of Urology. 2020.
  • 2
    Halloran PF. Immunosuppressive Drugs for Kidney Transplantation. N Engl J Med. 2004;351(26):2715-29. doi: 10.1056/NEJMra033540.
    » https://doi.org/10.1056/NEJMra033540
  • 3
    Kilinc S, Tan S, Kolatan EH, et al. The effects of preoperative immunosuppressive therapy on ischemia and reperfusion (I/R) injury in healthy rats. Int Urol Nephrol. 2014;46(2):389-93. doi: 10.1007/s11255-013-0548-2.
    » https://doi.org/10.1007/s11255-013-0548-2
  • 4
    Astellas Pharma Canada Inc. Product monograph rPrograf. Published online 2019. www.astellas.com/ca/system/files/pdf/Prograf_PM_EN.pdf.
    » www.astellas.com/ca/system/files/pdf/Prograf_PM_EN.pdf.
  • 5
    Neves SMP. Manual de Cuidados e Procedimentos Com Animais de Laborato´rio Do Biote´rio de Produc¸a~o e Experimentac¸a~o Da FCF-IQ/USP. Vol 1. 1st ed: 2013.
  • 6
    Lopez J, Burtis C, Ashwood E, Bruns D. Tietz Textbook of Clinical Chemistry and Molecular Diagnosis (5th edition). Ind J Clin Biochem. 2012;28:104-5. doi: 10.1007/s12291-012-0287-7.
    » https://doi.org/10.1007/s12291-012-0287-7
  • 7
    Huber PC, Almeida WP, Fátima A. Glutathione and related enzymes: biological roles and importance in pathological processes. Quím Nova. 2008;31(5):1170-9. doi: 10.1590/S0100-40422008000500046.
    » https://doi.org/10.1590/S0100-40422008000500046
  • 8
    Lima E, Saes D, Abdalla P, Abdalla D. Peroxidação lipídica: mecanismos e avaliação em amostras biológicas. RBCF, Rev. bras. ciênc. farm. 2001;37(3):293-303.
  • 9
    Dalle-Donne I, Aldini G, Carini M, Colombo R, Rossi R, Milzani A. Protein carbonylation, cellular dysfunction, and disease progression. J Cell Mol Med. 2006;10(2):389-406. doi: 10.1111/j.1582-4934.2006.tb00407.x.
    » https://doi.org/10.1111/j.1582-4934.2006.tb00407.x
  • 10
    Mandarim-de-Lacerda CA. Stereological tools in biomedical research. An Acad Bras Cienc. 2003;75(4):469-86. doi: 10.1590/s0001-37652003000400006.
    » https://doi.org/10.1590/s0001-37652003000400006
  • 11
    Srinivas TR, Meier-Kriesche HU. Minimizing immunosuppression, an alternative approach to reducing side effects: objectives and interim result. Clin J Am Soc Nephrol. 2008;3 Suppl 2:S101-16. doi: 10.2215/CJN.03510807.
    » https://doi.org/10.2215/CJN.03510807
  • 12
    Srinivas TR, Kaplan B, Meier-Kriesche HU. Mycophenolate mofetil in solid-organ transplantation. Expert Opin Pharmacother. 2003 Dec;4(12):2325-45. doi: 10.1517/14656566.4.12.2325.
    » https://doi.org/10.1517/14656566.4.12.2325
  • 13
    Naesens M, Kuypers DRJ, Sarwal M. Calcineurin inhibitor nephrotoxicity. Clin J Am Soc Nephrol. 2009;4(2):481-508. doi: 10.2215/CJN.04800908.
    » https://doi.org/10.2215/CJN.04800908
  • 14
    Valadares M. Avaliação de toxicidade aguda: estratégias após a "Era do teste DL50".Rev. Eletr. Farm. 2007;3(2):93-8. doi: 10.5216/ref.v3i2.2083.
    » https://doi.org/10.5216/ref.v3i2.2083
  • 15
    OECD (2013), Introduction to OECD Test Guidelines on Pesticide Residues Chemistry - Section 5 Part A, OECD Guidelines for the Testing of Chemicals, Section 5, OECD Publishing, Paris, doi: 10.1787/9789264203761-en.
    » https://doi.org/10.1787/9789264203761-en
  • 16
    Frimat L, Cassuto-Viguier E, Charpentier B, et al. Impact of Cyclosporine Reduction With MMF: A Randomized Trial in Chronic Allograft Dysfunction. The 'Reference' Study. Am J Transplant. 2006;6(11):2725-34. doi: 10.1111/j.1600-6143.2006.01535.x.
    » https://doi.org/10.1111/j.1600-6143.2006.01535.x
  • 17
    Weight SC, Bell PR, Nicholson ML. Renal ischaemia-reperfusion injury. Br J Surg. 1996;83(2):162-170. doi: 10.1046/j.1365-2168.1996.02182.x.
    » https://doi.org/10.1046/j.1365-2168.1996.02182.x
  • 18
    Jablonski P, Howden BO, Rae DA, Birrell CS, Marshall VC, Tange J. An experimental model for assessment of renal recovery from warm ischemia. Transplantation. 1983;35(3):198-204. doi: 10.1097/00007890-198303000-00002.
    » https://doi.org/10.1097/00007890-198303000-00002
  • 19
    Herrero I, Torras J, Riera M, et al. Prevention of cold ischaemia-reperfusion injury by an endothelin receptor antagonist in experimental renal transplantation. Nephrol Dial Transplant. 1999;14(4):872-80. doi: 10.1093/ndt/14.4.872.
    » https://doi.org/10.1093/ndt/14.4.872
  • 20
    Thompson RH, Lane BR, Lohse CM, et al. Comparison of warm ischemia versus no ischemia during partial nephrectomy on a solitary kidney. Eur Urol. 2010;58(3):331-336. doi: 10.1016/j.eururo.2010.05.048.
    » https://doi.org/10.1016/j.eururo.2010.05.048
  • 21
    Tomanari G, Pine A, Silva MT. Ratos wistar sob regimes rotineiros de restrição hídrica e alimentar. Rev. bras. ter. comport. cogn. 2003;5:57-71.
  • 22
    Braun F, Schöcklmann H, Ziegler E, Kunzendorf U, Armstrong VW, Renders L. Increased mycophenolic acid exposure in stable kidney transplant recipients on tacrolimus as compared with those on sirolimus: implications for pharmacokinetics. Clin Pharmacol Ther. 2009;86(4):411-5. doi: 10.1038/clpt.2009.129.
    » https://doi.org/10.1038/clpt.2009.129
  • 23
    van Gelder T, Klupp J, Barten MJ, Christians U, Morris RE. Comparison of the effects of tacrolimus and cyclosporine on the pharmacokinetics of mycophenolic acid. Ther Drug Monit. 2001;23(2):119-28. doi: 10.1097/00007691-200104000-00005.
    » https://doi.org/10.1097/00007691-200104000-00005
  • 24
    Diniz M, Medeiros I, Santos H, et al. Padronização dos Parâmetros Hematológicos e Bioquímicos de Camundongos Swiss e Ratos Wistar. RBCS. 2009;10(2):171-6.
  • 25
    Dantas J, Ambiel CR, Nakamura Cuman RK, Baroni S, Amado CAB. (Artigo 9 publicado v.28 n.2) Valores de referência de alguns parâmetros fisiológicos de ratos do Biotério Central da Universidade Estadual de Maringá, Estado do Paraná. Acta Sci. Health Sci. 2006;28(2):165-70. doi: 10.4025/actascihealthsci.v28i2.1099.
    » https://doi.org/10.4025/actascihealthsci.v28i2.1099
  • 26
    Branco AC da SC, Diniz M de FFM, Almeida RN de, et al. Parâmetros bioquímicos e hematológicos de ratos wistar e camundongos swiss do biotério Professor Thomas George. RBCS. 2011;15(2):209-14.
  • 27
    Spinelli MO, Godoy CM, Motta MC, Cruz RJ, Junqueira M, Bortolatto J. Perfil bioquímico dos animais de laboratório do biotério da Faculdade de Medicina da USP. R. Soc. bras. Ci. Anim. Lab. 2012;1(1):76-81.
  • 28
    Santos M. V. H. Souza1; I. A. C. Menezes1; J. L. Bitencurt2; J. M. Rezende-Neto3; A. S. Barreto1;F. A.Cunha1; R. M. Marçal1; F. Teixeira-Silva; L. J. Quíntans-Júnior1; A. P. O. Barbosa. Parâmetros bioquímicos, fisiológicos e morfológicos de ratos (Rattus novergicus linhagem Wistar) produzidos pelo Biotério Central da Universidade Federal de Sergipe. Sci. Plena. 2010;6(10).
  • 29
    Seyer-Hansen K, Gundersen HJ, Osterby R. Stereology of the rat kidney during compensatory renal hypertrophy. Acta Pathol Microbiol Immunol Scand A. 1985;93(1):9-12. doi: 10.1111/j.1699-0463.1985.tb03913.x.
    » https://doi.org/10.1111/j.1699-0463.1985.tb03913.x
  • 30
    Sarangi SC, Reeta KH, Dinda AK, Gupta YK. Protective effect of mycophenolate mofetil on mercuric chloride-induced nephrotoxicity in rats. Methods Find Exp Clin Pharmacol. 2010;32(4):219-25. doi: 10.1358/mf.2010.32.4.1444480.
    » https://doi.org/10.1358/mf.2010.32.4.1444480
  • 31
    Saad SY, Arafah MM, Najjar TA. Effects of mycophenolate mofetil on cisplatin-induced renal dysfunction in rats. Cancer Chemother Pharmacol. 2007;59(4):455-60. doi: 10.1007/s00280-006-0284-8.
    » https://doi.org/10.1007/s00280-006-0284-8
  • Fonte de financiamento:

    nenhuma.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    24 Nov 2021
  • Aceito
    10 Maio 2022
Colégio Brasileiro de Cirurgiões Rua Visconde de Silva, 52 - 3º andar, 22271- 090 Rio de Janeiro - RJ, Tel.: +55 21 2138-0659, Fax: (55 21) 2286-2595 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revista@cbc.org.br