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Fraturas expostas isoladas da diáfise da tíbia: estudo prospectivo observacional em sete hospitais de dois países da América Latina

RESUMO

Introdução:

o tratamento de fraturas expostas isoladas da diáfise da tíbia (FEIDT) apresenta desafios por frequentemente associar severa lesão óssea com condições ruins de tecido mole, fatores relevantes em países de média e baixa renda, especialmente devido a atrasos na implementação da fixação definitiva e falta de treinamento adequado no manejo de tecidos moles. Consequentemente, FEIDTs representam importante fonte de incapacitação na América Latina. Este estudo objetivou apresentar uma visão geral das FEIDTs em sete hospitais do cone sul da América Latina. O objetivo secundário foi avaliar o seu impacto na qualidade de vida baseado na taxa de retorno ao trabalho (TRT).

Métodos:

foram incluídos no estudo pacientes com FEIDT tratados em sete hospitais de Brasil e Argentina entre novembro de 2017 e março de 2020. Resultados clínicos e radiográficos foram analisados num período de 120 dias. Avaliação final comparou TRT com o questionário SF-12, consolidação óssea e condições de marcha.

Resultados:

setenta e dois pacientes foram tratados, 57 seguidos por 120 dias e 48 completaram o questionário SF-12. Após 120 dias, 70,6% havia retornado ao trabalho, 61,4% tinha fratura consolidada. Idade, antibioticoterapia, tipo de tratamento definitivo e infecção influenciaram significativamente na TRT. A condição de marcha apresentou forte correlação com TRT e o componente físico do SF-12.

Conclusão:

FEIDTs são potencialmente deletérias à qualidade de vida dos pacientes 120 dias após o tratamento inicial. TRT é significativamente maior para pacientes mais jovens, sem história de infecção e que conseguem correr na avaliação da condição de marcha..

Palavras-chave:
Fraturas Expostas; Fraturas da Tíbia; Desfecho do Tratamento; Retorno ao Trabalho; Consolidação da Fratura

ABSTRACT

Introduction:

open tibial fractures are challenging due to the frequent severe bone injury associated with poor soft tissue conditions. This is relevant in low- and middle-income countries, mainly related to delayed definitive fixation and lack of adequate training in soft tissue coverage procedures. Due to these factors, open tibial fracture is an important source of disability for Latin American countries. Herein we sought to provide an epidemiological overview of isolated open tibial shaft fracture across seven hospitals in southern cone of Latin America. The secondary goal was to assess the impact on quality of life based on return-to-work rate (RWR).

Methods:

patients with an isolated open tibial shaft fracture treated in seven different hospitals from Brazil and Argentina from November 2017 to March 2020 were included in the study. Clinical and radiographic results were evaluated throughout the 120-day follow-up period. Final evaluation compared RWR with the SF-12 questionnaire, bone healing, and gait status.

Results:

Seventy-two patients were treated, 57 followed for 120 days and 48 completed the SF-12 questionnaire. After 120 days, 70.6% had returned to work, 61.4% had experienced bone healing. Age, antibiotic therapy, type of definitive treatment, and infection significantly influenced the RWR. Gait status exhibited strong correlations with RWR and SF-12 physical component score.

Conclusions:

Isolated open tibial shaft fractures are potentially harmful to the patient’s quality of life after 120 days of the initial management. RWR is significantly higher for younger patients, no history of infection, and those who could run in the gait status assessment.

Keywords:
Fractures, Open; Tibial Fracture; Return-to-Work; Treatment Outcome; Fracture Healing

INTRODUÇÃO

A fratura da tíbia é a fratura de ossos longos mais comum, com lesão grave de partes moles e fraturas expostas ocorrendo em até 24% dos casos11 Court-Brown CM, Caesar B. Epidemiology of adult fractures: a review. Injury 2006;37(8):691-7. doi: 10.1016/j.injury.2006.04.130.
https://doi.org/10.1016/j.injury.2006.04...

2 Melvin JS, Dombroski DG, Torbert JT, Kovach SJ, Esterhai JL, Mehta S. Open tibial shaft fractures: I. Evaluation and initial wound management. J Am Acad Orthop Surg 2010;18(1):10-9. doi: 10.5435/00124635-201001000-00003.
https://doi.org/10.5435/00124635-2010010...
-33 Court-Brown CM, McBirnie J. The epidemiology of tibial fractures. J Bone Joint Surg Br 1995;77(3):417-21.. Apesar dos avanços na assistência médica e no tratamento, a incidência de complicações permanece preocupantemente alta, com taxas de reoperação variando de 4% a 48%44 Bhandari M, Guyatt GH, Swiontkowski MF, Schemitsch EH. Treatment of open fractures of the shaft of the tibia. J Bone Joint Surg Br 2001;83(1):62-8. doi:10.1302/0301-620x.83b1.10986.
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.

Isso é particularmente crítico em países de baixa e média renda (PBMRs) na América Latina, especialmente devido ao atraso na fixação definitiva e à falta de treinamento adequado em procedimentos de cobertura de tecidos moles, que potencialmente aumentam o risco de infecção relacionada à fratura. A infecção local grave está diretamente relacionada à presença de grande trauma de tecidos moles. Um estudo recente do Open Tibia Study Group da Asociación de Cirujanos Traumatólogos en las Americas (ACTUAR) mostrou que poucos países latino-americanos tinham diretrizes disponíveis para o tratamento de fraturas expostas da diáfise da tíbia55 Albright PD, MacKechnie MC, Roberts HJ, Shearer DW, Padilla Rojas LG, Segovia J, Quintero JE, Amadei R, Baldy Dos Reis F, Miclau T 3rd; and the ACTUAR Open Tibia Study Group. Open tibial shaft fractures: treatment patterns in Latin America. J Bone Joint Surg Am 2020;102(22):e126. doi: 10.2106/JBJS.20.00292.
https://doi.org/10.2106/JBJS.20.00292...
. A falta de diretrizes formais e o aumento do número e da gravidade dos acidentes de trânsito têm sobrecarregado os sistemas de saúde e aumentado os custos relacionados ao tratamento desses pacientes na América Latina.

Visando à melhor compreensão do tratamento das fraturas isoladas da tíbia, a AO Trauma Latin America (AOTLA) patrocinou um estudo observacional prospectivo no Brasil e na Argentina. Neste estudo, procuramos fornecer um panorama epidemiológico da fratura exposta isolada da diáfise da tíbia em sete hospitais no cone sul da América Latina. O objetivo secundário foi avaliar o impacto na qualidade de vida com base na taxa de retorno ao trabalho (TRT), SF-12 e condição de marcha.

MÉTODOS

Pacientes elegíveis com fratura exposta isolada da diáfise da tíbia tratados em sete hospitais diferentes do Brasil e da Argentina de novembro de 2017 a março de 2020 foram incluídos no estudo. No Brasil, havia quatro hospitais públicos (três deles universitários) e um privado (um hospital universitário), e na Argentina, um hospital público e um hospital privado. A aprovação ética foi obtida de todas as autoridades locais e o Comitê de Ética em Pesquisa estava localizado na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Campinas, Brasil. A aprovação do projeto é identificada como Aprovação CAAE 1.685.971, 19 de agosto de 2016. O estudo foi conduzido de acordo com os princípios éticos descritos na Declaração de Helsinque de 2016 e seguiu as leis e regulamentos da Argentina e do Brasil. Todos os pacientes incluídos no estudo ou o seus respectivos responsáveis assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Os critérios de inclusão foram idade ≥18 anos, presença de fratura exposta isolada da diáfise da tíbia, nenhum tratamento prévio desta lesão; capacidade do paciente de entender e assinar o TCLE (ou ser representado por um responsável legalmente autorizado) e concordância do paciente em participar do estudo de acordo com o protocolo aprovado. Todos os indivíduos foram recrutados em departamentos de emergência pelos centros participantes. Os critérios de exclusão foram fraturas patológicas, politrauma, fraturas prévias no mesmo osso com sequelas que pudessem afetar o tratamento da nova fratura, doença óssea metabólica, história clínica incompleta, qualquer tratamento realizado em algum outro hospital não envolvido no estudo, distúrbios neurológicos e/ou psiquiátricos que impedissem uma avaliação confiável (por exemplo, doença de Parkinson, esclerose múltipla, depressão grave) e liberdade limitada (por exemplo, pacientes presos).

O protocolo de tratamento e os cuidados médicos pós-operatórios foram escolhidos de acordo com a preferência do cirurgião e as orientações de cada hospital participante. Na admissão hospitalar, dados demográficos (idade, sexo, situação ocupacional, presença de doenças crônicas, tabagismo e uso de álcool) e dados do evento gerador da fratura (data, hora, mecanismo de lesão e uso de álcool e/ou drogas ilícitas) foram coletados. Os dados coletados no momento do tratamento inicial incluíram antibioticoterapia, tratamento inicial e fechamento definitivo da lesão de partes moles, tratamento inicial da lesão óssea, presença/ausência de síndrome compartimental, classificações AO/OTA66 Marsh JL, Slongo TF, Agel J, Broderick JS, Creevey W, DeCoster TA, et al. Fracture and Dislocation Classification Compendium-2007: Orthopaedic Trauma Association Classification, Database and Outcomes Committee. J Orthop Trauma, 2007;21(10 Suppl):S1-133. doi: 10.1097/00005131-200711101-00001.
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e de Gustilo e cols.77 Gustilo RB, Mendoza RM, Williams DN. Problems in the management of type III (severe) open fractures: a new classification of type III open fractures. J Trauma 1984;24(8):742-6. doi: 10.1097/00005373-198408000-00009.
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e classificação da American Society of Anesthesiologists (ASA)88 American Society of Anesthesiologists: ASA Physical Status classification system. Approved October 15, 2014. Disponível em: https://www.asahq.org/standards-and-guidelines/asa-physical-status-classification-system
https://www.asahq.org/standards-and-guid...
.

Durante o seguimento, os dados foram coletados em intervalos regulares de tempo entre a admissão hospitalar e a avaliação final, seguindo um protocolo pré-definido.

Após a alta hospitalar, os pacientes foram acompanhados rigorosamente no ambulatório do hospital cadastrado no estudo. Todos os pacientes foram avaliados aos 30, 60, 90 e 120 dias após o tratamento definitivo. Para a inclusão dos dados, foi criado um sistema eletrônico de captura de dados baseado em web, patrocinado pela AOTLA, e os cirurgiões participantes inseriram todos os dados no sistema nesses intervalos de tempo. Os cirurgiões foram previamente cadastrados com credenciais de login e senha para poderem inserir dados de seus pacientes. Um número identificou cada paciente, para garantir sua privacidade e anonimato de seus dados.

Após 120 dias, os pacientes foram avaliados de forma abrangente e solicitados a preencher o questionário Short Form Health Survey (SF-12)99 Ware JE Jr, Kosinski M, Keller SD. SF-12: how to score the SF-12 physical and mental health summary scales. Boston, MA: The Health Institute, New England Medical Center, Second Edition, 1995. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/242636950_SF-12_How_to_Score_the_SF-12_Physical_and_Mental_Health_Summary_Scales,1010 Ware J Jr, Kosinski M, Keller SD. A 12-Item Short-Form Health Survey: construction of scales and preliminary tests of reliability and validity. Med Care. 1996;34(3):220-33. doi: 10.1097/00005650-199603000-00003.
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, de 12 itens. Durante a avaliação radiográfica, uma fratura era considerada consolidada se houvesse formação de calo em não menos que três corticais nas incidências ortogonais1111 Corrales LA, Morshed S, Bhandari M, Miclau T 3rd. Variability in the assessment of fracture-healing in orthopaedic trauma studies. J Bone Joint Surg Am. 2008;90(9):1862-8. doi: 10.2106/JBJS.G.01580.
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-1212 Dijkman BG, Sprague S, Schemitsch EH, Bhandari M. When is a fracture healed? Radiographic and clinical criteria revisited. J Orthop Trauma 2010;24(Suppl 1):S76-80. doi: 10.1097/BOT.0b013e3181ca3f97.
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. O mesmo cirurgião que realizou o procedimento cirúrgico realizou esta avaliação.

O principal desfecho foi a taxa de retorno ao trabalho (TRT). Além disso, avaliamos os componentes físicos e mentais do SF-12, cicatrização óssea e estado da marcha. A versão em português do SF-12 utilizada no estudo foi validada no Brasil em uma população com doença pulmonar obstrutiva crônica1313 Camelier AA. Avaliação da qualidade de vida relacionada a saúde em pacientes com DPOC: estudo de base populacional com o SF-12 na cidade de São Paulo. Tese de Doutorado. Sao Paulo, Brasil: Universidade Federal de Sao Paulo, 2004. Disponível em: https://repositorio.unifesp.br/bitstream/handle/11600/20321/Tese-8938.pdf. Último acesso em 20/01/2022.. A versão em espanhol do SF-12 foi adaptada e validada na Espanha1414 Alonso J. Cuestionário de Salud SF-12. Institut Municipal d´Investigació Mèdica (IMIM-IMAS), Unidad de Investigación en Servicios Sanitarios. Disponível em: https://repositorio.unifesp.br/bitstream/handle/11600/20321/Tese-8938.pdf
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. O critério utilizado para avaliação do estado da marcha foi proposto por Macri e cols.1515 Macri F, Marques LF, Backer RC, Santos MJ, Belangero WD. Validation of a standardized gait score to predict the healing of tibial fractures. J Bone Joint Surg Br 2012;94(4):544-8. doi: 10.1302/0301-620X.94B4.27927.
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.

Analisamos os dados categóricos com o teste Qui-quadrado de Pearson. Para comparar variáveis contínuas com distribuição normal, empregamos o teste t de Student quando havia apenas dois grupos, e a análise de variância (ANOVA) para mais de dois grupos. Para variáveis contínuas com distribuição não normal, utilizamos o teste U de Mann-Whitney para dois grupos e o teste de Kruskal-Wallis com o teste de Bonferroni-Sidak post hoc para três ou mais grupos. O grau e a significância estatística de qualquer correlação entre duas variáveis contínuas foram determinados pela geração de um coeficiente de correlação de Spearman (ρ). Os resultados foram considerados significativos se p<0,05. O software estatístico utilizado foi o SPSS 15.0 for Windows (SPPS Inc., Chicago, IL, EUA).

RESULTADOS

Setenta e dois pacientes foram incluídos entre novembro de 2017 e março de 2020, 62 do Brasil e 10 da Argentina. Destes, 57 pacientes foram acompanhados por 120 dias e 48 completaram o questionário SF-12. A Figura 1 é o fluxograma do estudo.

Figura 1
Fluxograma do estudo.

A Tabela 1 mostra as características demográficas e das fraturas dos 72 pacientes incluídos no estudo e dos 57 pacientes que atingiram a avaliação de 120 dias. As características dos dois grupos permaneceram bastante semelhantes, exceto por todos os pacientes perdidos no seguimento serem homens.

Tabela 1
Comparação das características demográficas, relacionadas à fratura e relacionadas ao tratamento inicial nos 72 pacientes inicialmente inscritos e 57 pacientes que completaram 120 dias de seguimento.

Dos 57 pacientes que chegaram à avaliação final, a média de idade foi de 37,3 ± 10,9 anos [média ± desvio padrão (DP)] entre os homens, 39,5 ± 21,1 anos entre as mulheres e 37,8 ± 13,4 anos no geral. Não foi encontrada diferença significativa entre sexo, atividade profissional, tabagismo, uso de álcool ou presença de doença crônica.

O tempo médio entre admissão hospitalar e cirurgia inicial foi de 6,8 horas (variação de 0 a 46 horas) e entre a admissão e o início da antibioticoterapia, 2,1 horas (0 a 12,5 horas). Na sala de cirurgia, a duração média da irrigação e desbridamento da ferida foi de 1,4 horas (0,17 a 3,0 horas).

A Tabela 2 traz a comparação entre a TRT dos pacientes, o estado da fratura na imagem radiográfica (consolidada vs. não consolidada) e os escores dos componentes físico e mental do questionário SF-12 para as diferentes variáveis do estudo.

Tabela 2
Escores do SF-12 (ECF e ECM), status da fratura e taxa de retorno ao trabalho (TRT) após 120 dias para diferentes variáveis do estudo.

Após 120 dias, 35 (61,4%) fraturas haviam consolidado; dos 51 pacientes que relataram estar trabalhando antes da fratura, 36 (70,6%) relataram ter retornado ao trabalho no dia 120 de seguimento. Aqueles que retornaram ao trabalho eram significativamente mais jovens (média de 8,5 anos) em comparação com aqueles que não retornaram. Houve forte correlação entre TRT e estado de marcha (p<0,001). Dos 16 pacientes que caminhavam mancando, 14 não retornaram ao trabalho, enquanto que dos nove que caminhavam sem mancar, apenas um não voltou ao trabalho. A porcentagem de contato cortical no momento da cirurgia definitiva foi relacionada ao estado de cicatrização óssea. O escore do componente físico (ECF) dos 48 pacientes que preencheram o questionário SF-12 variou de 20,8 a 60,5, com média de 44,5 e DP de 11,2, enquanto o escore do componente mental (ECM) variou de 31,2 a 66,4 (53,5 ± 8,9).

Procuramos correlações entre os escores do SF-12 e idade dos pacientes, tempo entre admissão e início da antibioticoterapia e cirurgia, tempo do procedimento cirúrgico, tempo de fixação externa e tempo entre o tratamento inicial e o definitivo. Detectamos correlações muito fracas entre o ECF e o tempo entre admissão e cirurgia (ρ=-0,386, p=0,007), tempo entre o tratamento inicial e definitivo (ρ=-0,357, p=0,013) e avaliação do tratamento da lesão óssea pelo cirurgião (ρ=0,316, p=0,029). Também encontramos correlação muito baixa entre o ECM e a idade do paciente (ρ=-0,291, p=0,045).

A Tabela 3 traz os diferentes desfechos avaliados neste estudo. Ambos os escores do componente físico e mental foram significativamente maiores entre os pacientes com consolidação da fratura versus aqueles sem consolidação, aqueles que retornaram ao trabalho versus os que não retornaram e aqueles sem claudicação. A média ± DP do ECF entre os pacientes com fratura consolidada foi de 48,29 ± 8,14, versus 38,73 ± 12,90 em pacientes cuja fratura não consolidou. ECM comparáveis foram 56,30 ± 6,55 e 49,28 ± 10,41, respectivamente. O ECF também foi maior entre os pacientes que se classificaram melhor na autoavaliação. O estado da ferida (infectada ou não) não teve influência em nenhuma das pontuações.

Tabela 3
Comparação dos diferentes desfechos avaliados neste estudo.

Comparamos os resultados dos pacientes submetidos ao tratamento definitivo com haste intramedular (IM), placa ou fixação externa, com a única diferença sendo o estado da marcha; 16% dos pacientes submetidos à haste IM mancaram após 120 dias em comparação com 75% dos pacientes submetidos à placa e 100% dos pacientes submetidos à fixação externa (p=0,008).

Houve seis casos de infecção relacionada à fratura, quatro em pacientes originalmente apresentando uma Fratura grau IIIA de Gustilo e cols. Esses foram inicialmente tratados com cefalosporina e aminoglicosídeo intravenosos. Não foi detectada diferença significativa no tempo de início do antibiótico entre pacientes com (mediana = 60,0min, intervalo interquartil = 38,5min) e sem (60,0 min, IQ = 92,5min) infecção pós-operatória relacionada à fratura (p=0,93, teste U de Mann-Whitney).

DISCUSSÃO

A TRT foi o desfecho mais importante e foi significativamente influenciado pela idade do paciente, pela presença de infecção da ferida e pelo tipo de tratamento definitivo. A idade menor favoreceu o retorno ao trabalho, mas não a consolidação da fratura, contrariando os resultados relatados por Yusof e cols.1616 Yusof NM, Khalid KA, Zulkifly AH, Zakaria Z, Amin MAM, Awang MS, et al. Factors associated with the outcome of open tibial fractures. Malays J Med Sci 2013;20(5):47-53., que encontraram diferença significativa na média de idade de pacientes malaios que tiveram consolidação de fraturas (27,5 anos) em comparação com aqueles que não tiveram (40,3 anos). Além disso, Leliveld e cols.1717 Leliveld MS, Polinder S, Panneman MJM, Verhofstad MHJ, van Lieshout EMM. Epidemiologic trends for isolated tibia shaft fracture admissions in The Netherlands between 1991 and 2012. Eur J Trauma Emerg Surg 2020;46(5):1115-22. doi: 10.1007/s00068-018-01072-3.
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identificaram correlações entre idade avançada e maior tempo de internação hospitalar e anos vivendo com incapacidade em pacientes holandeses com fraturas diafisárias da tíbia isoladas. Em nosso estudo, 38,6% das fraturas não estavam consolidadas no momento da avaliação final, o que pode ser atribuído ao curto tempo de seguimento (120 dias). Em uma revisão sistemática envolvendo 111 estudos e 41.429 pacientes com todos os tipos de fratura da tíbia, Tian e cols. observaram taxas de não consolidação variando de 0% a 42,7%1818 Tian R, Zheng F, Zhao W, Zhang Y, Yuan J, Zhang B, et al. Prevalence and influencing factors of nonunion in patients with tibial fracture: systematic review and meta-analysis. J Orthop Surg Res 2020;15(1):377. doi: 10.1186/s13018-020-01904-2.
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.

A fixação definitiva com haste IM mostrou-se significativamente superior à placa ou ao fixador externo. No entanto, esse resultado deve ser tomado com cautela, dado o pequeno número de pacientes tratados com fixador externo (n=3) ou placa (n=8). Embora vários autores tenham demonstrado melhores resultados com hastes IM em comparação com fixadores externos, resultados clínicos semelhantes foram demonstrados entre hastes IM e osteossíntese com placas minimamente invasivas para o tratamento de fraturas expostas da diáfise da tíbia1919 Schandelmaier P, Krettek C, Rudolf J, Tscherne H. Outcome of tibial shaft fractures with severe soft tissue injury treated by unreamed nailing versus external fixation. J Trauma 1995;39(4):707-11. doi: 10.1097/00005373-199510000-00017.
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20 Henley MB, Chapman JR, Agel J, Whorton AM, Swiontkowski MF. Treatment of type II, IIIA, and IIIB open fractures of the tibial shaft: a prospective comparison of unreamed interlocking intramedullary nails and half-pin external fixators. J Orthop Trauma 1998;12(1):1-7. doi: 10.1097/00005131-199801000-00001.
https://doi.org/10.1097/00005131-1998010...

21 Kayali C, Agus H, Eren A, Özlük S. How should open tibia fractures be treated? A retrospective comparative study between intramedullary nailing and biologic plating. Ulus Travma Acil Cerrahi Derg 2009;15(3):243-8.
-2222 Galal S. Minimally invasive plate osteosynthesis has equal safety to reamed intramedullary nails in treating Gustilo-Anderson type I, II and III-A open tibial shaft fracture. Injury 2018;49(4):866-70. doi: 10.1016/j.injury.2018.03.008.
https://doi.org/10.1016/j.injury.2018.03...
. DiSilvio e cols. descobriram que a presença de qualquer calo em ponte após quatro meses de cirurgia prediz com precisão que as fraturas da tíbia tratadas com haste IM irão finalmente cicatrizar2323 DiSilvio Jr F, Foyil S, Schiffman B, Bernstein M, Summers H, Lack WD. Long bone union accurately predicted by cortical bridging within 4 months. JB JS Open Access 2018;3(4):e0012. doi: 10.2106/JBJS.OA.18.00012.
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. Em nosso estudo, dos 22 pacientes que não apresentaram consolidação em 120 dias, 21 (95,4%) apresentavam pelo menos um calo em ponte.

Após 120 dias, 29,4% dos nossos pacientes que trabalhavam antes da fratura não retornaram ao trabalho. Em uma revisão sistemática incluindo 14 estudos (n=795), cerca de 60% dos pacientes retornaram totalmente ao trabalho, 17% retornaram ao trabalho em meio período ou tiveram que mudar de ocupação e 22% não retornaram ao trabalho após um ano de seguimento2424 Shade AT, Khatri C, Nwankwo H, Carlos W, Harrison WJ, Metcalfe AJ. The economic burden of open tibia fractures: A systematic review. Injury 2021;52(6):1251-1259. doi: 10.1016/j.injury.2021.02.022.
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. Alguns desses estudos relataram TRT mais alta devido a programas de reabilitação específicos do país e alguns relataram TRT mais baixa devido ao foco em profissões fisicamente exigentes. Em nosso estudo, a atividade profissional não influenciou significativamente a TRT. É interessante notar que a presença de infecção da ferida influenciou significativamente a TRT, mas não a taxa de cicatrização óssea. Houve pacientes que retornaram ao trabalho sem consolidação da fratura e pacientes que não retornaram mesmo com a fratura consolidada e sem sinais de infecção. Isso destaca a necessidade de interpretar cautelosamente a TRT como o único preditor de resultado. Por outro lado, a avaliação da marcha mostrou-se um excelente parâmetro para avaliar a recuperação do paciente. Constatamos que todos os pacientes que conseguiam andar rápido ou correr após 120 dias já haviam retornado ao trabalho, enquanto 14 (87,5%) dos 16 pacientes que caminhavam mancando não retornaram ao trabalho. A avaliação da marcha elimina grande parte da subjetividade presente tanto no questionário SF-12 quanto na avaliação radiográfica da consolidação óssea.

O SF-12 foi escolhido porque esse questionário de avaliação mostrou-se fácil e rápido, sendo preenchido em menos de dois minutos por cerca de 80% dos adultos2525 Shearer D, Morshed S. Common generic measures of health related quality of life in injured patients. Injury 2011;42(3):241-7. doi: 10.1016/j.injury.2010.11.044.
https://doi.org/10.1016/j.injury.2010.11...
. No presente estudo, 94% dos respondentes eram brasileiros, com valor médio de ECF de 44,5 e ECM médio de 53,5. Em uma amostra aleatória de 5.000 cidadãos brasileiros, Campolina e cols. obtiveram média de 49,3 para o ECF e 52,7 para o ECM2626 Campolina AG, Lopez RVM, Nardi EP, Ferraz MB. Quality of life in a sample of Brazilian adults using the generic SF-12 questionnaire. Rev Assoc Med Bras 2018;64(3):234-42. doi: 10.1590/1806-9282.64.03.234.
https://doi.org/10.1590/1806-9282.64.03....
. Nossos resultados são muito semelhantes aos de Tay e cols., que não conseguiram detectar qualquer influência das fraturas diafisárias do fêmur ou da tíbia no estado mental dos pacientes e inferiram que os efeitos preliminares dessas lesões durante a fase de recuperação são predominantemente físicos2727 Tay WH, de Steiger R, Richardson M, Gruen R, Balog ZJ. Health outcomes of delayed union and nonunion of femoral and tibial shaft fractures. Injury 2014;45(10):1653-8. doi: 10.1016/j.injury.2014.06.025.
https://doi.org/10.1016/j.injury.2014.06...
. Vale ressaltar que os menores valores de ECM em nosso estudo foram observados em pacientes tratados com fixação externa como tratamento definitivo, que tiveram menos de 65% de contato cortical imediatamente após a cirurgia definitiva ou que não atingiram consolidação óssea no seguimento final após 120 dias. Em última análise, a mediana do ECM de pacientes com baixo contato cortical foi significativamente menor do que a de pacientes com mais de 95% de contato.

A média de idade dos pacientes incluídos neste estudo (37,5 anos) foi muito próxima dos 35 anos encontrados em uma revisão sistemática abrangendo países de baixa e média renda (PBMRs) da Ásia e África28 e dos 38,5 anos observados em estudo dinamarquês2929 Larsen P, Elsoe R, Hansen SH, Graven-Nielsen T, Laessoe U, Rasmussen S. Incidence and epidemiology of tibial shaft fractures. Injury 2015;46:746-50. doi: 10.1016/j.injury.2014.12.027.
https://doi.org/10.1016/j.injury.2014.12...
.

Outros estudos europeus e um realizado em Cingapura detectaram idades médias ligeiramente superiores, entre 43,3 e 47,0 anos3030 Weber CD, Hildebrand F, Kobbe P, Lefering R, Sellei RM, Pape HC, et al. Epidemiology of open tibia fractures in a population-based database: update on current risk factors and clinical implications. Eur J Trauma Emerg Surg 2019;45(3):445-53. doi: 10.1007/s00068-018-0916-9.
https://doi.org/10.1007/s00068-018-0916-...

31 Court-Brown CM, Bugles KE, Clement ND, Duckworth AD, McQueen MM. The epidemiology of open fractures in adults. A 15-year review. Injury 2012;43(6): 891-7. doi: 10.1016/j.injury.2011.12.007.
https://doi.org/10.1016/j.injury.2011.12...

32 Decruz J, Rex RPA, Khan SA. Epidemiology of inpatient tibia fractures in Singapore - A single centre experience. Chin J Traumatol 2019;22(2)99-102. doi: 10.1016/j.cjtee.2019.01.004.
https://doi.org/10.1016/j.cjtee.2019.01....
-3333 Wennergren D, Bergdahl C, Ekelund J, Juto H, Sundfeldt M, Möller M. Epidemiology and incidence of tibia fractures in the Swedish Fracture Register. Injury 2018;49(11):2068-74. doi: 10.1016/j.injury.2018. 09.008.
https://doi.org/10.1016/j.injury.2018...
. Em nosso estudo, 84,7% dos pacientes eram do sexo masculino, muito próximo aos 87% relatados por Schade e cols.2828 Schade AT, Hind J, Khatri C, Metcalfe AJ, Harrison WJ. Systematic review of patient reported outcomes from open tibia fractures in low and middle income countries. Injury 2020;51(2):142-6. doi: 10.1016/j.injury.2019.11.015.
https://doi.org/10.1016/j.injury.2019.11...
. Em outros estudos, a proporção de homens foi consistentemente menor, variando de 63,8% a 72,4%2929 Larsen P, Elsoe R, Hansen SH, Graven-Nielsen T, Laessoe U, Rasmussen S. Incidence and epidemiology of tibial shaft fractures. Injury 2015;46:746-50. doi: 10.1016/j.injury.2014.12.027.
https://doi.org/10.1016/j.injury.2014.12...

30 Weber CD, Hildebrand F, Kobbe P, Lefering R, Sellei RM, Pape HC, et al. Epidemiology of open tibia fractures in a population-based database: update on current risk factors and clinical implications. Eur J Trauma Emerg Surg 2019;45(3):445-53. doi: 10.1007/s00068-018-0916-9.
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https://doi.org/10.1016/j.cjtee.2019.01....
-3333 Wennergren D, Bergdahl C, Ekelund J, Juto H, Sundfeldt M, Möller M. Epidemiology and incidence of tibia fractures in the Swedish Fracture Register. Injury 2018;49(11):2068-74. doi: 10.1016/j.injury.2018. 09.008.
https://doi.org/10.1016/j.injury.2018...
. Embora a literatura aponte uma predominância de homens jovens e mulheres idosas entre as vítimas de fratura exposta de tíbia3131 Court-Brown CM, Bugles KE, Clement ND, Duckworth AD, McQueen MM. The epidemiology of open fractures in adults. A 15-year review. Injury 2012;43(6): 891-7. doi: 10.1016/j.injury.2011.12.007.
https://doi.org/10.1016/j.injury.2011.12...
,3434 Young K, Aquilina A, Chesser TJS, Costa ML, Hettiaratchy S, Kelly MB, et al. Open tibial fractures in major trauma centres: A national prospective cohort study of current practice. Injury 2019;50(2):497-502. doi: 10.1016/j.injury.2018.10.028.
https://doi.org/10.1016/j.injury.2018.10...
, não observamos essa distribuição. A menor média de idade e maior proporção de homens em nosso estudo pode ser consequência do uso mais frequente de motocicletas entre os homens jovens, principalmente no Brasil, mas também na Argentina3535 Seerig LM, Bacchieri G, Nascimento GG, Barros AJD, Demarco FF. Use of motorcycle in Brazil: user profile, prevalence of use and traffic accident occurrence - a population-based study. Cien Saúde Colet 2016;21(12):3703-10. doi: 10.1590/1413-812320152112.28212015.
https://doi.org/10.1590/1413-81232015211...
; 59,7% de nossos pacientes fraturaram a tíbia em um acidente de motocicleta, contra 22,9% em Weber e cols.3030 Weber CD, Hildebrand F, Kobbe P, Lefering R, Sellei RM, Pape HC, et al. Epidemiology of open tibia fractures in a population-based database: update on current risk factors and clinical implications. Eur J Trauma Emerg Surg 2019;45(3):445-53. doi: 10.1007/s00068-018-0916-9.
https://doi.org/10.1007/s00068-018-0916-...
e 32,4% em Decruz e cols.3232 Decruz J, Rex RPA, Khan SA. Epidemiology of inpatient tibia fractures in Singapore - A single centre experience. Chin J Traumatol 2019;22(2)99-102. doi: 10.1016/j.cjtee.2019.01.004.
https://doi.org/10.1016/j.cjtee.2019.01....
. Não há dados específicos sobre acidentes motociclísticos para os demais estudos citados anteriormente. Encontramos 55,5% de fraturas do tipo III de Gustilo e cols. em nosso estudo, muito semelhante aos números relatados em estudos realizados na Malásia (56,9%) e Cingapura (59,2%), embora superior ao observado na Ásia e África (41%) e Europa (23,2% para 44,6%)22 Melvin JS, Dombroski DG, Torbert JT, Kovach SJ, Esterhai JL, Mehta S. Open tibial shaft fractures: I. Evaluation and initial wound management. J Am Acad Orthop Surg 2010;18(1):10-9. doi: 10.5435/00124635-201001000-00003.
https://doi.org/10.5435/00124635-2010010...
,1616 Yusof NM, Khalid KA, Zulkifly AH, Zakaria Z, Amin MAM, Awang MS, et al. Factors associated with the outcome of open tibial fractures. Malays J Med Sci 2013;20(5):47-53.,2828 Schade AT, Hind J, Khatri C, Metcalfe AJ, Harrison WJ. Systematic review of patient reported outcomes from open tibia fractures in low and middle income countries. Injury 2020;51(2):142-6. doi: 10.1016/j.injury.2019.11.015.
https://doi.org/10.1016/j.injury.2019.11...
,3030 Weber CD, Hildebrand F, Kobbe P, Lefering R, Sellei RM, Pape HC, et al. Epidemiology of open tibia fractures in a population-based database: update on current risk factors and clinical implications. Eur J Trauma Emerg Surg 2019;45(3):445-53. doi: 10.1007/s00068-018-0916-9.
https://doi.org/10.1007/s00068-018-0916-...
,3232 Decruz J, Rex RPA, Khan SA. Epidemiology of inpatient tibia fractures in Singapore - A single centre experience. Chin J Traumatol 2019;22(2)99-102. doi: 10.1016/j.cjtee.2019.01.004.
https://doi.org/10.1016/j.cjtee.2019.01....
.

Este estudo foi projetado principalmente para fornecer uma visão epidemiológica das fraturas expostas isoladas da tíbia tratadas em hospitais de trauma nível 1 da América Latina. No entanto, apenas cirurgiões do Brasil e da Argentina aceitaram nosso convite, com sete hospitais inscritos no estudo. Embora isso possa ser visto como uma limitação do estudo, nossos achados mostraram uma correlação significativa entre a TRT e o estado da marcha, e uma tendência de correlação entre o ECF e o tempo de internação até a cirurgia. Após 120 dias, os pacientes que retornaram ao trabalho eram em média 8,5 anos mais jovens do que aqueles que não retornaram. Infelizmente, o estudo foi prejudicado pelo surgimento da pandemia de COVID-19, que forçou seu encerramento prematuro e resultou na perda de pacientes que não retornaram para avaliação final.

No entanto, embora 72 pacientes tenham sido incluídos no estudo, 57 foram completamente acompanhados por 120 dias, o que corresponde a aproximadamente 20% de perda de seguimento. Destaca-se que apenas pacientes do sexo masculino não completaram o seguimento, quase todos na faixa de 18 a 40 anos. Há muita controvérsia sobre o quanto de perda de seguimento é aceitável e quando isso se torna problemático, levando ao viés. Em geral, considera-se que uma perda <5% leva a pouco viés, enquanto >20% representa sérias ameaças à validade de ensaios clínicos randomizados, mas não há recomendação clara em estudos prospectivos e observacionais3636 Dettori JR. Loss to follow-up. Evid Based Spine Care J. 2011;2(1):7-10. doi: 10.1055/s-0030-1267080.
https://doi.org/10.1055/s-0030-1267080...
. Portanto, é fundamental determinar qual mecanismo gerou a perda de seguimento nesses tipos de estudo. Kristman e cols. reconheceram três mecanismos de perda de seguimento: completamente ao acaso, ao acaso e não ao acaso3737 Kristman V, Manno M, Côté P. Loss to follow-up in cohort studies: how much is too much? Eur J Epidemiol. 2004;19(8):751-60. doi: 10.1023/b:ejep.0000036568.02655.f8.
https://doi.org/10.1023/b:ejep.000003656...
. Esses autores não encontraram viés importante com níveis de perda que variaram de 5 a 60% quando a perda de seguimento estava relacionada completamente ao acaso ou ao acaso. Em nosso estudo, todos os pacientes que não completaram o seguimento de 120 dias foram perdidos de forma não aleatória, por abandono do tratamento ou não comparecimento na data correta agendada para o seguimento, o que motivou sua exclusão por descumprimento do protocolo.

Outra potencial limitação do estudo é o risco de erro tipo I, inerente às análises que envolvem múltiplas comparações. Devido ao término prematuro do estudo, não foi possível realizar os ajustes do valor-p de Bonferroni, o que poderia mostrar o poder estatístico para detectar diferenças. No entanto, as características do grupo não mudaram significativamente. Além disso, o objetivo do nosso estudo era ser exploratório, e não o de testar qualquer hipótese.

Por outro lado, acreditamos que nosso estudo tem vários pontos fortes. Trabalhar com sete hospitais, em estreita comunicação com todos os cirurgiões envolvidos no estudo, realizar uma coleta detalhada de dados dos pacientes e usar um banco de dados abrangente e fácil de manusear devem ser vistos como aspectos positivos do estudo. Foram cinco hospitais do Brasil e dois da Argentina, todos centros de trauma nível 1, e o objetivo era avaliar o impacto da lesão isolada no retorno às atividades normais e na qualidade de vida, sem outros fatores influenciadores, novamente sem intenção de testar qualquer hipótese formal. Os estudos epidemiológicos de fraturas de tíbia previamente disponíveis na literatura têm sido geralmente menos restritivos a pacientes com fraturas múltiplas ou politraumatizados. Isto dificulta a comparação dos resultados do nosso estudo com os de outros estudos sobre fraturas da tíbia. Além disso, até onde sabemos, este é o primeiro estudo a oferecer um amplo panorama epidemiológico e resultados de fraturas expostas isoladas da diáfise da tíbia de dois PBMRs na América Latina.

CONCLUSÃO

Fraturas diafisárias isoladas da tíbia são potencialmente prejudiciais à qualidade de vida do paciente após 120 dias do manejo inicial. A TRT foi significativamente maior para pacientes mais jovens, sem histórico de infecção e naqueles que podiam correr ou andar rápido na avaliação do estado da marcha. Estudos maiores e inferenciais, com variáveis independentes e dependentes direcionadas, permitirão que nossos achados ajudem na criação de diretrizes rígidas e reprodutíveis para o tratamento de fraturas expostas da diáfise da tíbia na América Latina.

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  • Fonte de financiamento:

    AO Trauma Latin America.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    11 Fev 2022
  • Aceito
    06 Jun 2022
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