Acessibilidade / Reportar erro

Montagem e uso de simulador de paracentese de baixo custo - aplicabilidade no ensino de punção e drenagem de ascite

RESUMO

Objetivos:

descrever a montagem de simulador de paracentese de baixo custo e avaliar eficácia, aceitação e impacto no aprendizado de acadêmicos do curso de medicina.

Método:

um simulador de paracentese foi construído a partir de manequim e de materiais como garrafas plásticas, velcro, folhas de policloreto de vinila e silicone. Foi feito estudo transversal com estudantes da graduação do curso de medicina sem experiência real prévia com paracentese, que buscou validar o modelo, por meio da análise de benefícios no aprendizado e na obtenção de habilidades técnicas.

Resultados:

após o uso do simulador, observou-se aumento de 82,4% no nível de segurança na realização da paracentese em paciente, 98% dos pesquisados consideraram que o uso do modelo cumpriu com satisfação a função de simulador e 100% definiram-no útil como ferramenta de ensino.

Conclusão:

a montagem do simulador mostrou-se factível e eficaz como recurso educacional. Serviu como alternativa aos modelos comerciais de alto custo e permitiu maior acessibilidade do uso dessa ferramenta na educação médica.

Palavras-chave:
Treinamento por Simulação; Tecnologia de Baixo Custo; Paracentese; Ascite; Educação Médica

ABSTRACT

Objectives:

to describe the assembly of a low-cost paracentesis simulator and evaluate its effectiveness, acceptance and impact on the learning of medical students.

Methodology:

a paracentesis simulator was built using a mannequin and materials such as plastic bottles, Velcro, polyvinyl chloride sheets and silicone were used. A cross-sectional and experimental study was carried out with undergraduate medical students without previous practical experience with paracentesis, which sought to validate the model, evaluating its benefits in learning and obtaining technical skills.

Results:

after using the simulator there was an increase of 82.4% in the level of confidence in performing paracentesis in a patient, with 98% of respondents considering that the model fulfilled the simulator function with satisfaction, and 100% considering it useful as a teaching tool.

Conclusion:

the built simulator was effective as an educational resource, serving as an alternative to high-cost commercial models, allowing for greater accessibility in the use of this tool in medical education.

Keywords:
Simulation Training; Low-cost Technology; Paracentesis; Ascites; Education; Medical

INTRODUÇÃO

A paracentese é uma intervenção que se configura em drenagem de líquido ascítico por punção com cateter, sob anestesia local. A motivação para esse procedimento pode ser diagnóstica ou terapêutica. No primeiro caso, é útil para definir conduta e, no segundo, essencial para aliviar sintomas11 Andrade Júnior DRd, Galvão FHF, Santos SAd, Andrade DRd. Ascite: estado da arte baseado em evidências. Rev. Assoc. Med. Bras. 2009;55(4):489-96. doi: 10.1590/S0104-42302009000400028.
https://doi.org/10.1590/S0104-4230200900...

2 Barsuk JH, Feinglass J, Kozmic SE, Hohmann SF, Ganger D, Wayne DB. Specialties performing paracentesis procedures at university hospitals: implications for training and certification. J Hosp Med. 2014;9(3):162-8. doi: 10.1002/jhm.2153.
https://doi.org/10.1002/jhm.2153...
-33 Mesquita DAK, Queiroz EF, Oliveira MA, Cunha CMQ, Maia FM, Correa RV. The old one technique in a new style: developing procedural skills in paracentesis in a low cost simulator model. Arq. Gastroenterol. 2018;55(4):375-9. doi: 10.1590/S0004-2803.201800000-81.
https://doi.org/10.1590/S0004-2803.20180...
.

Por haver variada etiologia e alta incidência de pacientes com ascite nos serviços médicos, a técnica de paracentese deve estar bem fundamentada pelos profissionais médicos para evitar as complicações provenientes de erros de execução22 Barsuk JH, Feinglass J, Kozmic SE, Hohmann SF, Ganger D, Wayne DB. Specialties performing paracentesis procedures at university hospitals: implications for training and certification. J Hosp Med. 2014;9(3):162-8. doi: 10.1002/jhm.2153.
https://doi.org/10.1002/jhm.2153...

3 Mesquita DAK, Queiroz EF, Oliveira MA, Cunha CMQ, Maia FM, Correa RV. The old one technique in a new style: developing procedural skills in paracentesis in a low cost simulator model. Arq. Gastroenterol. 2018;55(4):375-9. doi: 10.1590/S0004-2803.201800000-81.
https://doi.org/10.1590/S0004-2803.20180...
-44 De Gottardi A, Thévenot T, Spahr L, Morard I, Bresson-Hadni S, Torres F, et al. Risk of complications after abdominal paracentesis in cirrhotic patients: a prospective study. Clin Gastroenterol Hepatol. 2009;7(8):906-9. doi: 10.1016/j.cgh.2009.05.004.
https://doi.org/10.1016/j.cgh.2009.05.00...
.

Uma simulação consiste em experiência prática, reproduzida em ambiente controlado, que permite o treino e prepara o estudante para determinada situação real. Na atualidade, a simulação é cada vez mais reconhecida como ferramenta de aprendizado e aperfeiçoamento das práticas que englobam a educação médica. Treinar e repetir determinada tarefa capacita e proporciona o desenvolvimento de habilidades executoras, além de trabalhar outras competências, importantes para o médico em formação, como comunicação, liderança e trabalho em equipe. Outrossim, esse caminho permite o aprendizado ativo em ambiente livre de riscos biológicos e minimiza o uso de cobaias animais55 Dourado ASS, Giannella TR. Ensino baseado em simulação na formação continuada de médicos: análise das percepções de alunos e professores de um Hospital do Rio de Janeiro. Rev. bras. educ med. 2014;38(4):460-9. doI: 10.1590/S0100-55022014000400007.
https://doi.org/10.1590/S0100-5502201400...

6 Cunha CMQ. Desenvolvimento e aplicação de simulador de baixo custo para treinamento de lavado peritoneal diagnóstico. Rev Med Minas Gerais. 2019;29:e-2031. doi: 10.5935/2238-3182.20190022.
https://doi.org/10.5935/2238-3182.201900...

7 Flato UAP, Guimarães HP. Educação baseada em simulação em medicina de urgência e emergência: a arte imita a vida. Rev Bras Clin Med. 2011;9(5):360-4.

8 Asencio FA, Ribeiro HASA, Romeo A, Wattiez A, Ribeiro PAGA. The effect on performance time and quality of the knots after mono or bimanual training of laparoscopic intracorporeal knot tying according to the gladiator rule technique. Rev Bras Ginecol Obstet. 2018;40(5):266-74. doi: 10.1055/s-0038-1649494.
https://doi.org/10.1055/s-0038-1649494...

9 Buckley CE, Kavanagh DO, Traynor O, Neary PC. Is the skillset obtained in surgical simulation transferable to the operating theatre? Am J Surg. 2014;207(1):146-57. doi: 10.1016/j.amjsurg.2013.06.017.
https://doi.org/10.1016/j.amjsurg.2013.0...
-1010 Cavalini WLP, Claus CMP, Dimbarre D, Cury Filho AM, Bonin EA, Loureiro MP, et al. Development of laparoscopic skills in Medical students naive to surgical training. Einstein (Sao Paulo). 2014;12(4):467-72. doi: 10.1590 / s1679-45082014ao3237.
https://doi.org/10.1590...
.

Como ferramenta já consolidada no ensino da área da saúde, especialmente na medicina, o uso de simuladores levou ao termo Ensino Baseado em Simulação (EBS). O EBS é um recurso muito difundido em cursos e avaliações rotineiras, com efeitos positivos na curva de aprendizagem e na aquisição de habilidades, pois direciona a atenção do estudante ao passo-a-passo do procedimento33 Mesquita DAK, Queiroz EF, Oliveira MA, Cunha CMQ, Maia FM, Correa RV. The old one technique in a new style: developing procedural skills in paracentesis in a low cost simulator model. Arq. Gastroenterol. 2018;55(4):375-9. doi: 10.1590/S0004-2803.201800000-81.
https://doi.org/10.1590/S0004-2803.20180...
,99 Buckley CE, Kavanagh DO, Traynor O, Neary PC. Is the skillset obtained in surgical simulation transferable to the operating theatre? Am J Surg. 2014;207(1):146-57. doi: 10.1016/j.amjsurg.2013.06.017.
https://doi.org/10.1016/j.amjsurg.2013.0...
,1010 Cavalini WLP, Claus CMP, Dimbarre D, Cury Filho AM, Bonin EA, Loureiro MP, et al. Development of laparoscopic skills in Medical students naive to surgical training. Einstein (Sao Paulo). 2014;12(4):467-72. doi: 10.1590 / s1679-45082014ao3237.
https://doi.org/10.1590...
.

A obtenção de simuladores industrializados é de alto custo. Isso torna a aquisição muitas vezes inviável por várias instituições de ensino, em especial aquelas com investimento econômico baixo. Logo, a criação de modelos de custo acessível tornou-se alternativa vantajosa ao ter os modelos de simulação como instrumento de maior acessibilidade e, assim, possibilitar e ampliar o usufruto desse recurso pelo público acadêmico3-7, 9-11.

O objetivo do presente artigo é descrever a montagem de simulador de paracentese de baixo custo e avaliar sua eficácia, aceitação e impacto no aprendizado de acadêmicos do curso de medicina.

MÉTODOS

Confecção do simulador

O simulador foi feito a partir dos seguintes materiais: manequim masculino de quadril, garrafas de polietileno tereftalato (PET), folhas de policloreto de vinila (PVC) de 3mm de espessura, silicone de 15x11cm, velcro, seringas e cateter intravenoso 14G (Figura 1). Diferentes materiais foram testados durante a construção do simulador, sendo esses os escolhidos pelas características de baixo custo, fácil disponibilidade e equivalência estética e tátil.

Figura 1
Visão frontal pré-simulação (figura superior esquerda); visão durante aspiração (figura superior direita); visão dorsal externa (figura inferior esquerda), visão dorsal interna (figura inferior direita).

Iniciou-se com um orifício de aproximadamente 11cm de diâmetro na topografia de fossa ilíaca esquerda do manequim. Na região dorsal do manequim, construiu-se uma caixa feita de recortes e colagem de folhas de PVC. A fim de criar a tampa, dois pedaços de PVC foram parafusados nas laterais do manequim, em cada pedaço havia duas dobradiças de metal. Nas bordas mediais de cada lado dos dois pedaços, foram colocadas fitas de velcro de 2cm de espessura para possibilitar abertura e fechamento do acesso à cavidade interna do manequim.

Em seguida, utilizou-se garrafa de 1L preenchida com água corada de tinta guache de cor amarela com o objetivo de simular a cavidade peritoneal e o líquido ascítico respectivamente. Isso foi acoplado sobre suporte interno feito de recortes das extremidades de uma garrafa plástica de 2L. A face da garrafa voltada para o orifício foi lixada com a finalidade de reduzir a espessura do plástico e melhorar a fidedignidade da punção. Entre a garrafa e o orifício, foi colocado, primeiro, um pedaço de silicone, com o intuito de simular o tecido muscular, e, segundo, uma espuma D28 de 1cm de espessura, revestida por folha de etileno acetato de vinila (EVA), para simular a pele e absorver o anestésico. O custo total do simulador foi de aproximadamente R$ 100,00 (cem reais) (Figura 2).

Figura 2
Esquema de camadas do simulador e comparação entre as camadas do simulador e as da parede abdominal.

Método científico

Estudo transversal foi realizado para avaliar o desenvolvimento e a aplicação de simulador de baixo custo, desenvolvido por estudantes de medicina, para treinamento de paracentese.

O critério de inclusão foi: ser estudante da graduação do curso de Medicina, independente da instituição de ensino, semestre ou experiência prévia, real ou simulada, em paracentese. Os critérios de exclusão foram: estudantes que não compareceram ao local do estudo no dia agendado.

O estudo foi realizado com amostra não-probabilística. Os participantes foram convidados, voluntariamente, por meio de formulário online, que contou com perguntas de identificação (nome, idade, sexo e semestre), de experiência prévia de aulas teóricas, de uso de simuladores e de vivência real com o procedimento de paracentese. A pesquisa contou com a inscrição inicial de 69 participantes, porém, 18 deles foram excluídos do estudo pelo não comparecimento no dia e horário informados, resultando em número final de 51 indivíduos.

A pesquisa foi dividida em 4 momentos: (1) aplicação de questionário pré-teste, (2) aula teórica, (3) simulação com aplicação de check-list e (4) aplicação de questionário pós-teste.

O questionário pré-teste foi composto de uma única pergunta relativa ao nível de segurança na realização do procedimento de paracentese em paciente, a qual foi posteriormente refeita no questionário pós-teste. Os participantes deveriam responder com “sim” ou “não” e informar o grau de segurança ou insegurança (pouca, média ou muita).

Após o pré-teste, houve breve aula teórica sobre paracentese, na qual estavam incluídas indicações, técnica de realização e vídeo explicativo, além de conceitos práticos de antissepsia e anestesia.

Ao término da aula, os estudantes se dirigiram a uma sala para realização da simulação. No local, havia bancada, onde encontravam-se o simulador e os materiais necessários para o procedimento: luvas de procedimento, antisséptico, cuba, pinça com gaze, seringa de 5mL preenchida por anestésico acoplada a cateter venoso 22G, seringa vazia de 20mL acoplada a cateter venoso 14G e pano de campo. O anestésico foi simulado por água, o antisséptico, por água tingida por corante alimentício de cor laranja, as luvas esterelizadas, por luvas de procedimento e as de procedimento, por mãos desenluvadas (o candidato era previamente informado sobre estas substituições).

Havia também um caso clínico fictício que contextualizava a indicação de paracentese diagnóstica e um avaliador que instruiu o participante sobre o uso do simulador e do tempo de cinco minutos disponibilizado para conclusão da atividade.

Durante a execução da simulação, houve a aplicação de check-list, desenvolvido pelos pesquisadores, o qual avaliava nove etapas, cada uma classificada em realizado corretamente (RC), realizado incorretamente (RI) e não realizado (NR). As etapas e os critérios para RC e RI encontram-se descritos na Tabela I. O início da simulação ocorria após autorização verbal do avaliador e o término era considerado em duas situações: (1) fim do prazo de tempo e (2) quando o candidato, após aspiração do líquido ascítico, removia e tampava o cateter dentro do prazo de tempo. Após a conclusão da tarefa, o avaliador esclarecia os erros e acertos do candidato. Para os casos em que o participante ultrapassasse o prazo de tempo, o avaliador informava o término da simulação e, em caráter não-avaliativo, auxiliava e permitia a conclusão. Cabe ressaltar que o participante só poderia interagir com o avaliador quando as perguntas eram referentes às etapas I e II.

Tabela 1
Critérios para avaliação do check-list. RC: Realizado corretamente. RI: Realizado incorretamente.

Por fim, os estudantes foram submetidos a questionário de pós-teste composto por sete perguntas, cinco avaliando o simulador: se era funcional, se consolidava o aprendizado teórico, se deveria ser utilizado antes de prática real, se cumpria o papel de ferramenta educacional e se deveria ser incrementado no ensino médico durante a graduação. As opções disponíveis eram: concordo totalmente (CT), concordo parcialmente (CP), indiferente (I), discordo parcialmente (DP) e discordo totalmente (DT). A sexta pergunta indagava sobre a etapa da simulação na qual o participante enfrentou maior dificuldade. A sétima, retornava à pergunta acerca da segurança de realizar o procedimento em paciente.

Esse estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Ceará (CEP/UFC/PROPESQ) sob o parecer de número 4.143.346.

Análise estatística

Os dados obtidos foram computados e analisados por meio de programas como Microsoft Excel® e GraphPad Prism9®, através de teste T com amostras pareadas. A rejeição da hipótese de nulidade foi estabelecida para valores de p<5%.

Para calcular a amostra, foi utilizado o programa G-Power 3.1.9.2, no qual encontrou-se: poder da amostra de 0,8, nível de significância 0,05 e tamanho de efeito 0,5. A amostra mínima encontrada foi de 35 pessoas, mas optou-se por recrutar 51 alunos com o intuito de contemplar perdas. A diferença entre as respostas dos alunos foi avaliada pelo teste Wilcoxon W e a normalidade dos dados estatísticos foi estimada pelo teste de Shapiro-Wilk (0,8 p<0,001).

RESULTADOS

A pesquisa contou com a presença de 51 acadêmicos de medicina, dos quais 25 (49,0%) pertenciam ao sexo feminino e 26 (51,0%) ao masculino. A idade dos pesquisados variou entre 18 e 41 anos para o sexo feminino com média de 23,6 anos e entre 18 e 38 anos para o sexo masculino com média de 23,7 anos. A pesquisa foi feita com estudantes do 1° ao 10° período, com 56,9% desses pertencentes do 1° ao 4° período e 41,2% pertencente do 5° ao 8° período. Além disso, 15,7% tinham experiência prévia com algum tipo de simulador e 45,1% haviam tido alguma aula teórica acerca do tema de paracentese.

No questionamento “Você se sente seguro para realizar uma paracentese em paciente?”, 46 dos 51 pesquisados (90,2%) afirmaram, inicialmente, estarem inseguros. Após a simulação, 42 dos 46 inseguros afirmaram ter adquirido confiança na realização do procedimento (o que representa aumento de 82,34% no índice de segurança, p<0,0001). Ao final da simulação, 92,2% obtiveram algum grau de segurança, com 68,6% desses considerados de médio a muito seguros (Tabela 2).

Tabela 2
Segurança para realização de paracentese em situação real. MINS: Muita insegurança..

A avaliação da diferença do nível de segurança antes e depois do uso do simulador foi estimada pelo teste de Wilcoxon W, após a estipulação de valor numérico de 1 a 6 para as categorias de segurança, sendo 1 MINS e 6 MUSEG. Assim, achou-se diferença significativa (p<0,001), em que o pós-simulação foi maior do que o pré-simulação.

Em relação ao pós-teste, 50 indivíduos (98,0%) concordaram que o modelo cumpria com satisfação a função de simulador e 51 (100%) concordaram que o simulador seria útil como ferramenta educacional, que consolidava o aprendizado teórico, que deveria ser usado como treinamento antes da situação real e que deveria ser incrementado como atividade prática durante a graduação médica (Tabela 4).

Tabela 3
Teste de Wilcoxon W (p<0,001).

Tabela 4
Resultados do pós-teste.

A respeito da etapa de simulação em que os participantes julgaram ter maior dificuldade, permitiu-se a citação de mais de uma etapa por participante, por isso, houve total de 79 respostas. Neste sentido, 43,1% dos participantes destacaram como maior dificuldade a técnica de punção, 29,4% afirmaram ser a aspiração do conteúdo ascítico, 31,4% a realização da anestesia, 19,6% a realização da antissepsia, 13,7% a colocação do pano de campo, 9,8% a apresentação e explicação do procedimento para o paciente e 9,8% a identificação do local de punção.

Cerca de 78,4% conseguiram concluir a prática dentro do prazo. O tempo médio de conclusão da simulação foi de 4 minutos e 3 segundos.

Em relação aos resultados do check-list, houve maior índice de RC nas etapas I, III, V, VI, VIII e IX, enquanto RI prevaleceu nas etapas IV e VII e NR na etapa II (Tabela 5).

Tabela 5
Resultados do check-list.

DISCUSSÃO

O uso de simuladores tem sido, cada vez mais importante, como ferramenta para o ensino médico à medida em que aproximam os estudantes da realidade profissional, . Além disso, existe crescente demanda da sociedade pela maior segurança dos procedimentos cirúrgicos e pela melhor capacitação dos médicos33 Mesquita DAK, Queiroz EF, Oliveira MA, Cunha CMQ, Maia FM, Correa RV. The old one technique in a new style: developing procedural skills in paracentesis in a low cost simulator model. Arq. Gastroenterol. 2018;55(4):375-9. doi: 10.1590/S0004-2803.201800000-81.
https://doi.org/10.1590/S0004-2803.20180...
,1212 Luna RA, Spight D. Simulação em educação médica: uma mudança necessária. Revista HUPE, Rio de Janeiro. 2014;13(4):57-61. doi: 10.12957/rhupe.2014.13955.
https://doi.org/10.12957/rhupe.2014.1395...
. Porém, o treino de graduandos, por meio de simuladores, é dificultado em decorrência do alto valor de mercado desses produtos, o que impossibilita a aquisição por instituições com menores fundos e, mesmo quando presentes em centros de ensino de referência, pode haver certas restrições ao uso por acadêmicos, como a exclusividade do acesso aos internos e aos residentes33 Mesquita DAK, Queiroz EF, Oliveira MA, Cunha CMQ, Maia FM, Correa RV. The old one technique in a new style: developing procedural skills in paracentesis in a low cost simulator model. Arq. Gastroenterol. 2018;55(4):375-9. doi: 10.1590/S0004-2803.201800000-81.
https://doi.org/10.1590/S0004-2803.20180...
,1111 Stefanidis D, Hope WW, Korndorffer Jr JR, Markley S, Scott DJ. Initial laparoscopic basic skills training shortens the learning curve of laparoscopic suturing and is cost-effective. J Am Coll Surg. 2010;210(4):436-40. doi: 10.1016/j.jamcollsurg.2009.12.015.
https://doi.org/10.1016/j.jamcollsurg.20...
,1717 Kang SH. Spaced repetition promotes efficient and effective learning: Policy implications for instruction. Policy Insights from the Behavioral and Brain Sciences. 2016;3(1):12-9. doi: 10.1177/2372732215624708.
https://doi.org/10.1177/2372732215624708...
. Ademais, devido ao atual cenário de pandemia do coronavírus, as interações entre alunos e pacientes tornou-se restrita. Assim, aulas práticas, em laboratórios de habilidade, com o uso de simuladores em ambiente controlado, é opção que pode suprir, pelo menos parcialmente, as carências educacionais.

Essa situação sustenta a necessidade do desenvolvimento de simuladores acessíveis e de boa eficácia para o aprendizado, que possam ser fabricados sem grandes dificuldades, seja por discentes, ligas acadêmicas, corpo docente ou por auxiliares técnicos. Isso permite que qualquer instituição possa fazer proveito desse método complementar.

A eficácia do simulador em questão teve excelente avaliação, uma vez que quase a totalidade dos pesquisados concordaram que o modelo cumpriu a função de simulador e 100% afirmaram que foi útil como ferramenta educacional.

O fato de todos concordarem que a simulação consolida o aprendizado teórico, somado ao ganho de confiança na realização do procedimento indica fortemente o benefício dessa ferramenta. A literatura aponta a necessidade da realização de atividades práticas à aquisição de habilidades, em especial nas áreas cirúrgicas e de medicina intervencionista, algo que o aprendizado puramente observacional ou teórico não oferece1414 Kneebone R, ApSimon D. Surgical skills training: simulation and multimedia combined. Med Educ. 2001;35(9):909-15. doi: 10.1046/j.1365-2923.2001.00997.x.
https://doi.org/10.1046/j.1365-2923.2001...
,1515 Bettega AL, Brunello LFS, Nazar GA, De-Luca GYE, Sarquis LM, Wiederkehr HdA, et al. Simulador de dreno de tórax: desenvolvimento de modelo de baixo custo para capacitação de médicos e estudantes de medicina. Rev. Col. Bras. Cir. 2019;46(1):e2011. doi: 10.1590/0100-6991e-20192011.
https://doi.org/10.1590/0100-6991e-20192...
.

Cabe destacar que o treino realizado contempla a técnica completa da realização da paracentese, de modo que agrega habilidades e conhecimentos de antissepsia, de anestesiologia e de interação com o paciente ilustrado pelo caso clínico. Dessa forma, o modelo construído tem potencial para preparar o aluno para a vivência real, o que constitui o objetivo de métodos ativos do EBS55 Dourado ASS, Giannella TR. Ensino baseado em simulação na formação continuada de médicos: análise das percepções de alunos e professores de um Hospital do Rio de Janeiro. Rev. bras. educ med. 2014;38(4):460-9. doI: 10.1590/S0100-55022014000400007.
https://doi.org/10.1590/S0100-5502201400...
,1616 Fornaziero CC, Gil CRR. Novas tecnologias Aplicadas ao Ensino da anatomia humana. Rev. bras. educ. med. 2003;27(2):141-6. doi: 10.1590/1981-5271v27.2-009.
https://doi.org/10.1590/1981-5271v27.2-0...
.

Outro aspecto notável do simulador é justamente a possibilidade de o graduando treinar repetidas vezes a realização do procedimento antes de realizá-lo em um paciente real, caso necessite. Assim, o estudante utiliza método de ensino semelhante às estratégias baseadas em sistema de repetição espaçada (SRE), o qual é método baseado na curva de esquecimento e no fato de que existe momento ideal para revisar o que se aprende88 Asencio FA, Ribeiro HASA, Romeo A, Wattiez A, Ribeiro PAGA. The effect on performance time and quality of the knots after mono or bimanual training of laparoscopic intracorporeal knot tying according to the gladiator rule technique. Rev Bras Ginecol Obstet. 2018;40(5):266-74. doi: 10.1055/s-0038-1649494.
https://doi.org/10.1055/s-0038-1649494...
,1111 Stefanidis D, Hope WW, Korndorffer Jr JR, Markley S, Scott DJ. Initial laparoscopic basic skills training shortens the learning curve of laparoscopic suturing and is cost-effective. J Am Coll Surg. 2010;210(4):436-40. doi: 10.1016/j.jamcollsurg.2009.12.015.
https://doi.org/10.1016/j.jamcollsurg.20...
,1717 Kang SH. Spaced repetition promotes efficient and effective learning: Policy implications for instruction. Policy Insights from the Behavioral and Brain Sciences. 2016;3(1):12-9. doi: 10.1177/2372732215624708.
https://doi.org/10.1177/2372732215624708...
. Dessa forma, a cada nova tentativa, o estudante adquire mais experiência e aperfeiçoa suas habilidades, o que aumenta, a cada repetição, a curva de aprendizado. Esses aspectos foram refletidos nos resultados da pesquisa, em que todos os participantes destacaram a importância do uso de simuladores antes de situação real e da necessidade desse equipamento durante a formação médica.

Como limitações da pesquisa realizada, destaca-se a baixa porcentagem de estudantes que possuía experiência prévia com simuladores e teoria sobre o assunto abordado. Além disso, fato de que a maioria dos participantes estava no início da formação médica (mais da metade entre o 1° e 4° períodos), quando os assuntos de cirurgia, anestesiologia e gastroenterologia ainda não foram abordados em sala de aula. Consequentemente, foi apresentado a esse público conhecimento totalmente inédito. Inclui-se também a diversidade dos períodos letivos dos participantes, o que pode acarretar em variações de conhecimento, aspecto capaz de influenciar diretamente os resultados da pesquisa. Dessa forma, com o intuito de obter resultados mais fidedignos, em pesquisas futuras, devem-se selecionar participantes com maior experiência na realização do procedimento de paracentese, seja por meio de prática em situações reais ou em cenário de treino com outros simuladores. Desse modo, pode ser traçada comparação mais verídica com o simulador pesquisado, permitindo verificar com maior precisão a eficácia e as vantagens do modelo proposto.

CONCLUSÃO

Os simuladores de baixo-custo são ferramentas educacionais com potencial de prover habilidade, conhecimento técnico e segurança ao profissional sobre determinado procedimento. Quando utilizados aos moldes do EBS, tornam-se ainda mais eficazes à medida que aproximam a prática da realidade, devendo o uso ser estimulado e implementado por instituições de ensino médico.

REFERENCES

  • 1
    Andrade Júnior DRd, Galvão FHF, Santos SAd, Andrade DRd. Ascite: estado da arte baseado em evidências. Rev. Assoc. Med. Bras. 2009;55(4):489-96. doi: 10.1590/S0104-42302009000400028.
    » https://doi.org/10.1590/S0104-42302009000400028
  • 2
    Barsuk JH, Feinglass J, Kozmic SE, Hohmann SF, Ganger D, Wayne DB. Specialties performing paracentesis procedures at university hospitals: implications for training and certification. J Hosp Med. 2014;9(3):162-8. doi: 10.1002/jhm.2153.
    » https://doi.org/10.1002/jhm.2153
  • 3
    Mesquita DAK, Queiroz EF, Oliveira MA, Cunha CMQ, Maia FM, Correa RV. The old one technique in a new style: developing procedural skills in paracentesis in a low cost simulator model. Arq. Gastroenterol. 2018;55(4):375-9. doi: 10.1590/S0004-2803.201800000-81.
    » https://doi.org/10.1590/S0004-2803.201800000-81
  • 4
    De Gottardi A, Thévenot T, Spahr L, Morard I, Bresson-Hadni S, Torres F, et al. Risk of complications after abdominal paracentesis in cirrhotic patients: a prospective study. Clin Gastroenterol Hepatol. 2009;7(8):906-9. doi: 10.1016/j.cgh.2009.05.004.
    » https://doi.org/10.1016/j.cgh.2009.05.004
  • 5
    Dourado ASS, Giannella TR. Ensino baseado em simulação na formação continuada de médicos: análise das percepções de alunos e professores de um Hospital do Rio de Janeiro. Rev. bras. educ med. 2014;38(4):460-9. doI: 10.1590/S0100-55022014000400007.
    » https://doi.org/10.1590/S0100-55022014000400007
  • 6
    Cunha CMQ. Desenvolvimento e aplicação de simulador de baixo custo para treinamento de lavado peritoneal diagnóstico. Rev Med Minas Gerais. 2019;29:e-2031. doi: 10.5935/2238-3182.20190022.
    » https://doi.org/10.5935/2238-3182.20190022
  • 7
    Flato UAP, Guimarães HP. Educação baseada em simulação em medicina de urgência e emergência: a arte imita a vida. Rev Bras Clin Med. 2011;9(5):360-4.
  • 8
    Asencio FA, Ribeiro HASA, Romeo A, Wattiez A, Ribeiro PAGA. The effect on performance time and quality of the knots after mono or bimanual training of laparoscopic intracorporeal knot tying according to the gladiator rule technique. Rev Bras Ginecol Obstet. 2018;40(5):266-74. doi: 10.1055/s-0038-1649494.
    » https://doi.org/10.1055/s-0038-1649494
  • 9
    Buckley CE, Kavanagh DO, Traynor O, Neary PC. Is the skillset obtained in surgical simulation transferable to the operating theatre? Am J Surg. 2014;207(1):146-57. doi: 10.1016/j.amjsurg.2013.06.017.
    » https://doi.org/10.1016/j.amjsurg.2013.06.017
  • 10
    Cavalini WLP, Claus CMP, Dimbarre D, Cury Filho AM, Bonin EA, Loureiro MP, et al. Development of laparoscopic skills in Medical students naive to surgical training. Einstein (Sao Paulo). 2014;12(4):467-72. doi: 10.1590 / s1679-45082014ao3237.
    » https://doi.org/10.1590
  • 11
    Stefanidis D, Hope WW, Korndorffer Jr JR, Markley S, Scott DJ. Initial laparoscopic basic skills training shortens the learning curve of laparoscopic suturing and is cost-effective. J Am Coll Surg. 2010;210(4):436-40. doi: 10.1016/j.jamcollsurg.2009.12.015.
    » https://doi.org/10.1016/j.jamcollsurg.2009.12.015
  • 12
    Luna RA, Spight D. Simulação em educação médica: uma mudança necessária. Revista HUPE, Rio de Janeiro. 2014;13(4):57-61. doi: 10.12957/rhupe.2014.13955.
    » https://doi.org/10.12957/rhupe.2014.13955
  • 13
    Cunha CMQ, Lima DMF, Menezes FJC. Montagem de simulador de baixo custo para treinamento de videocirurgia em três dimensões. ABCD arq. bras. cir. dig. 2018;31(3):e1384. doi: 10.1590/0102-672020180001e1384.
    » https://doi.org/10.1590/0102-672020180001e1384
  • 14
    Kneebone R, ApSimon D. Surgical skills training: simulation and multimedia combined. Med Educ. 2001;35(9):909-15. doi: 10.1046/j.1365-2923.2001.00997.x.
    » https://doi.org/10.1046/j.1365-2923.2001.00997.x
  • 15
    Bettega AL, Brunello LFS, Nazar GA, De-Luca GYE, Sarquis LM, Wiederkehr HdA, et al. Simulador de dreno de tórax: desenvolvimento de modelo de baixo custo para capacitação de médicos e estudantes de medicina. Rev. Col. Bras. Cir. 2019;46(1):e2011. doi: 10.1590/0100-6991e-20192011.
    » https://doi.org/10.1590/0100-6991e-20192011
  • 16
    Fornaziero CC, Gil CRR. Novas tecnologias Aplicadas ao Ensino da anatomia humana. Rev. bras. educ. med. 2003;27(2):141-6. doi: 10.1590/1981-5271v27.2-009.
    » https://doi.org/10.1590/1981-5271v27.2-009
  • 17
    Kang SH. Spaced repetition promotes efficient and effective learning: Policy implications for instruction. Policy Insights from the Behavioral and Brain Sciences. 2016;3(1):12-9. doi: 10.1177/2372732215624708.
    » https://doi.org/10.1177/2372732215624708
  • Fonte de financiamento:

    não.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Fev 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    12 Jun 2021
  • Aceito
    24 Set 2021
Colégio Brasileiro de Cirurgiões Rua Visconde de Silva, 52 - 3º andar, 22271- 090 Rio de Janeiro - RJ, Tel.: +55 21 2138-0659, Fax: (55 21) 2286-2595 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revista@cbc.org.br