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Cirurgia pediátrica eletiva: caracterização do perfil das crianças e identificação dos encaminhamentos em atraso

RESUMO

Introdução:

a cirurgia pediátrica representa especialidade com demanda significativa de encaminhamentos dos serviços de atenção primária para avaliação da necessidade de intervenção cirúrgica. Contudo, nem sempre o acesso a essa intervenção ocorre no momento adequado. Nesse sentido, objetivou-se caracterizar o perfil dos pacientes pediátricos operados eletivamente, no recorte temporal 2018-2020, e identificar pacientes que foram encaminhados em atraso para a avaliação com o cirurgião.

Métodos:

Estudo descritivo, transversal e retrospectivo mediante a revisão de prontuários eletrônicos. As variáveis avaliadas foram dados sociodemograficos, informações das doenças de base, dados do encaminhamento, da avaliação do especialista e do procedimento cirúrgico.

Resultados:

neste período 410 pacientes foram submetidos a procedimento cirúrgico eletivo, dos quais 289 foram incluídos na pesquisa. O sexo masculino (72,3%%) foi predominante, com idade média de 57,9 meses na avaliação pelo cirurgião e 59 meses na data da cirurgia. A procedência dos pacientes foi na maioria da atenção básica (75%) e a patologia mais incidente foi a hérnia inguinal (39,1%). O intervalo de tempo médio entre o encaminhamento pela atenção primária até a realização da cirurgia foi 4,98 meses e entre a avaliação pelo cirurgião e a realização da cirurgia foi 1,21 meses. Do total, 77 (26,6%) pacientes foram identificados como encaminhados em atraso para a realização do procedimento cirúrgico.

Conclusão:

conhecer o perfil dos pacientes e os problemas vivenciados nesta região em relação aos atendimentos prestados na cirurgia pediátrica apresenta subsídios para propor estratégias de melhoria não só do sistema de saúde local, mas de diversas regiões interioranas do Brasil em situação semelhante. .

Palavras-chave:
Acesso aos Serviços de Saúde; Patologia Cirúrgica; Criança; Procedimentos Cirúrgicos Eletivos

ABSTRACT

Pediatric surgery receives great demand for referrals from primary care services in order to evaluate the need for surgical intervention. However access to this specialized evaluation and in intervention does not always occur at the appropriate time. This study aims to characterize the profile of pediatric patients electively operated in the western Paraná state region, between 2018 and 2020, and identify those who were lately referred to surgical evaluation. This is a descriptive, cross-sectional and retrospective study through the review of electronic medical records. The variables evaluated were sociodemographic data, information on underlying diseases, referral data, specialist assessment and surgical procedure. During this period, 410 patients underwent an elective surgical procedure, of which 289 were included in the research. The sample was predominantly male (72.3%) with a mean age of 57.9 months at the surgeons assessment and 59 months at the date of surgery. Most of the patients came from primary care (75%) and the most common pathology was inguinal hernia (39.1%). The mean time interval between referral through primary care and surgery was 4.98 months, and between the surgeons assessment and surgery was 1.21 months. Of the total sample, 77 (26.6%) patients were identified as being referred late for the surgical procedure. Knowing the profile of patients and the problems experienced in this region in relation to the care provided in pediatric surgery provides subsidies to propose improvement strategies not only for the health system in this location, but for several inner regions of Brazil in a similar situation.

Keywords:
Delivery of Health Care; Child; Elective Surgical Procedures; Surgical Procedures, Operative

INTRODUÇÃO

A cirurgia pediátrica representa demanda significativa de encaminhamentos dos serviços de atenção primária para avaliação da necessidade de intervenção cirúrgica. Existem várias afecções que podem ter sua correção cirúrgica realizadas ambulatorialmente, no regime de hospital-dia, como a fimose, hérnias inguinal, hérnia umbilical, hidrocele e criptorquidia. De acordo com De Jesus et al. (2009), a demanda calculada de atendimento cirúrgico na população pediátrica brasileira é de aproximadamente 10% das crianças.

No entanto, observa-se que dentre a distribuição das especialidades médicas no país, a especialidade da cirúrgica pediátrica, em todas as regiões, apresenta baixo número de médicos por 100 mil habitantes, não chegando a um médico. Observa-se que a maior parte da força de trabalho está concentrada nas regiões Sudeste e Sul do país, especialmente nas grandes cidades11 De Jesus LE, Aguiar AS, de Campos MSM, Baratella JRS, Ketzer JC, Mastroti RA, Amarante ACM. Formação e demanda do cirurgião pediátrico no Brasil. Rev Col Bras Cir. 2009; 36(4),356-361. doi: 10.1590/S0100-69912009000400016.
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. Desse modo, são identificadas limitações no atendimento da população das demais regiões e em cidades do interior, mais evidente ainda quando são consideradas as grandes distâncias envolvidas para o acesso aos serviços de saúde, os problemas sociais e trabalhistas das famílias menos favorecidas economicamente, a precariedade dos sistemas de transporte em várias regiões, as restrições de assistência social e as dificuldades práticas na interação entre serviços22 Krishnaswami S, Nwomeh BC, Ameh EA. The pediatric surgery workforce in low- and middle-income countries: problems and priorities. Sem Ped Surg. 2016; 25(1):32-42. doi: 10.1053/j.sempedsurg.2015.09.007.
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Esta distribuição heterogênea de profissionais é determinada pela disponibilidade de mercado, nível de remuneração, estruturação de serviços de apoio e qualidade de vida oferecidos aos profissionais33 Toobaie A, Emil S, Ozgediz D, Krishnaswami S, Poenaru D. Pediatric surgical capacity in Africa: Current status and future needs. J Ped Surg. 2017; 52(5):843-848. doi: 10.1016/j.jpedsurg.2017.01.033.
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,44 Petroze RT, Calland JF, Niyonnkuru F, Groen RS, Kyamanywa P, Li Y, Guterbock TM, Rodgers BM, Rasmussen SK. Estimating pediatric surgical need in developing countries: a household survey in Rwanda. J Ped Surg. 2014; 49(7):1092-1098. doi: 10.1016/j.jpedsurg.2014.01.059.
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. A escassez de profissionais associada à distribuição desigual no país faz com que ocorra uma dificuldade na avaliação com o especialista e, muitas vezes, a indicação e correção cirúrgica acontece tardiamente11 De Jesus LE, Aguiar AS, de Campos MSM, Baratella JRS, Ketzer JC, Mastroti RA, Amarante ACM. Formação e demanda do cirurgião pediátrico no Brasil. Rev Col Bras Cir. 2009; 36(4),356-361. doi: 10.1590/S0100-69912009000400016.
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. Ainda, o desconhecimento da idade adequada para as intervenções cirúrgicas, muitas crianças só são avaliadas pelo especialista em um período mais tardio55 Pilkington M, Situma M, Winthrop A, Poenaru D. Quantifying delays and self-identified barriers to timely access to pediatric surgery at Mbarara Regional Referral Hospital, Uganda. J Ped Surg. 2018; 53(5):1073-1079. doi: 10.1016/j.jpedsurg.2018.02.045
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Associado ao reduzido número de especialistas em cirurgia pediátrica, tem-se também as questões próprias do modelo de atenção à saúde e da organização das ações e serviços de atenção à saúde no Sistema Único de Saúde (SUS)66 BRASIL. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Lei Orgânica da Saúde. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Brasília, set. 1990.. Os níveis de atenção que compõem a rede de serviços de saúde devem atuar de forma articulada, provendo o desenvolvimento de ações com o objetivo de garantir a integralidade do cuidado ao usuário. Nesse contexto, o acesso à atenção especializada é uma das maiores dificuldades do SUS, tanto pela oferta insuficiente de ações diagnósticas e terapêuticas quando pelos modos de organização e funcionamento da atenção especializada, incluindo por exemplo na qualidade e quantidade de encaminhamentos e solicitações, o que gera uma importante sobrecarga neste ponto de atenção. Considerando esta questão, princípios e diretrizes como equidade, transparência, utilização adequada e tempo oportuno de acesso aos serviços, com base na necessidade de cada usuário, visando à integralidade do cuidado, devem ser considerados77 Melo EA, Gomes GG, Carvalho JO, Pereira PHB, Guabiraba KPL. A regulação do acesso à atenção especializada e a Atenção Primária à Saúde nas políticas nacionais do SUS. Physis. 2021; 31(1):e310109. doi: 10.1590/S0103-73312021310109.
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Um dos grandes desafios da atenção primária é decidir quando encaminhar o paciente para ser avaliado por especialista na atenção secundária ou terciária88 Tesser CD, Neto PP. Atenção especializada ambulatorial no Sistema Único de Saúde: para superar um vazio. Cienc Saude Colet. 2017; 2(3): 941-951.. A ação regulatória deve estar fundamentada em protocolos de encaminhamento, instrumentos ordenadores dos diversos níveis de complexidade da atenção e em protocolos clínicos, que tratam da forma de intervenção por patologias, subsidiando as decisões terapêuticas77 Melo EA, Gomes GG, Carvalho JO, Pereira PHB, Guabiraba KPL. A regulação do acesso à atenção especializada e a Atenção Primária à Saúde nas políticas nacionais do SUS. Physis. 2021; 31(1):e310109. doi: 10.1590/S0103-73312021310109.
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. Para que o serviço de Atenção Primária à Saúde (APS) possa organizar os fluxos dos atendimentos e encaminhamentos para atenção especializada da população adscrita a seu território, faz-se necessário conhecer o perfil dessas populações. Para tanto, traçar o perfil das crianças submetidas à cirurgia pediátrica contribuirá para a proposição de medidas que visem a redução do atraso nos encaminhamentos de pacientes potencialmente cirúrgicos para avaliação com o especialista. Ademais, realizar as cirurgias na faixa etária prevista, proporcionará resultados positivos, em longo prazo, tanto na redução das complicações decorrentes do atraso na realização da correção cirúrgica necessária, como para a redução do estresse familiar. Este estudo tem como objetivo caracterizar o perfil dos pacientes pediátricos operados eletivamente na região Oeste do Paraná, bem como identificar os pacientes que foram encaminhados em atraso para a avaliação com o cirurgião.

METODOLOGIA

Para atingir os objetivos do estudo, optou-se pela realização de estudo quantitativo, descritivo, transversal e retrospectivo, com base em dados secundários de três diferentes ambulatórios vinculados ao SUS, na região Oeste do Paraná, pertencentes à 10ª Regional de Saúde.

Realizou-se a coleta de informações obtidas nos prontuários eletrônicos de pacientes atendidos pela especialidade de Cirurgia Pediátrica, utilizando como filtro o nome dos pacientes. Somado à coleta de informações apresentadas no encaminhamento do médico da atenção básica trazidos pelos pacientes na consulta e registrados nos prontuários do ambulatório, bem como os registros de prontuários hospitalares feitos no momento da cirurgia. A partir da revisão dos prontuários das crianças atendidas pode-se identificar também a idade em que o procedimento foi realizado, possibilitando reconhecer se houve atraso nos encaminhamentos.

O recorte temporal do estudo foi de setembro de 2018 a março de 2020, escolhido por representar o mês em que as cirurgias eletivas pediátricas no SUS foram iniciadas na 10ª Regional de Saúde do Paraná; até a segunda data, quando as cirurgias eletivas foram paralisadas pela primeira vez e tiveram grande impacto em sua realização devido à pandemia de Coronavírus - COVID-19.

O estudo envolveu os dados de toda população de crianças submetidas a procedimento cirúrgico eletivo, com idade de 0 a 13 anos incompletos, atendidas de nesse recorte temporal, na APS, por médicos pediatras ou não e que foram referenciados para avaliação com especialista. Foram excluídos os dados dos pacientes que estivessem com prontuários incompletos ou daqueles prontuários que não foram encontrados devido a alterações na grafia do nome ou sobrenomes incompletos.

As variáveis coletadas e analisadas foram: caracterização da criança, dados epidemiológicos, dados relativos à patologia de base, informações referentes ao encaminhamento pela unidade de atenção básica, dados sobre a avaliação pelo especialista e dados acerca do encaminhamento e realização do procedimento cirúrgico.

Os dados coletados foram tabulados no Microsoft Excel 2010 e analisados em software estatístico SPSS versão 26.0, mediante estatística descritiva (média, desvio padrão, mínimo e máximo, moda) para caracterizar o perfil dos pacientes pediátricos operados eletivamente no período em estudo. Foram testados os pressupostos das variáveis por meio dos testes de normalidade (Shapiro-Wilk) e homocedasticidade (Teste de Levene). As análises descritivas foram realizadas para todas as variáveis, por meio de medidas de proporção percentual para as variáveis categóricas, bem como por medidas de tendência central e de dispersão para variáveis quantitativas, considerando possíveis dados perdidos (missing data).

Utilizou-se o teste qui-quadrado para analisar a relação entre aqueles que foram encaminhados em atraso segundo à sua patologia; às complicações pós-operatórias; à evolução no pós-operatório (com ou sem recidiva), bem como a comparação entre a evolução pós-operatória e as complicações pós-operatórias. Para conhecer a distribuição das patologias segundo as idades em que as crianças possuíam na avaliação no encaminhamento; no diagnóstico; na avaliação pelo cirurgião; na consulta pré-operatória e na cirurgia, utilizou-se a análise de variância (ANOVA). Para verificar a diferença entre os grupos que foram considerados estatisticamente significativos, ao comparar a idade (em momentos diferentes) e o grupo de patologias apresentadas pelas crianças que compuseram a amostra do estudo, utilizou-se o post hoc de Tukey. Considerou-se p-valor <0,05 como sendo estatisticamente significativo.

O estudo atendeu a todas as normativas da Resolução 466/2012, aprovado por Comitê de Ética e Pesquisa da instituição, Parecer 5.023.889 (CAAE:50835621.1.0000.0107).

RESULTADOS

No período analisado, 410 pacientes pediátricos foram operados em caráter eletivo, dos quais 121 foram excluídos da amostra segundo os critérios de exclusão. Assim, um total de dados de 289 pacientes compuseram a amostra do estudo, ou seja, 70,4% do total de pacientes operados no período.

Em relação às características sociodemográficas da amostra, observa-se na Tabela 1 que 209 (72,3%) pacientes eram do sexo masculino e 152 (52,6%) eram moradores da cidade sede da Regional de Saúde. Eram portadores de outras comorbidades, 30 (10%) pacientes, sendo as condições neurológicas as mais frequentes, em 8 (26,7%) crianças.

Tabela 1
Características da amostra em estudo (n=289).

Quanto aos tipos de cirurgia, observou-se com maior frequência registro de herniorrafias inguinais (n=113; 39,1%), seguidas de postectomias (n=47; 16,3%), herniorrafias umbilicais (n=44; 15,2%) e orquidopexias (n=27; 9,3%) (Tabela 2).

Tabela 2
Tipos de cirurgias pediátricas realizadas no período de 2018 a 2020 (n=289).

A idade dos pacientes operados foi avaliada em diferentes momentos. Inicialmente, observou-se que a idade média dos pacientes, no encaminhamento para avaliação pelo cirurgião, foi de 61 meses. Já a idade média dos pacientes ao diagnóstico da patologia, pelo médico que prestou o atendimento inicial e que motivou o encaminhamento ao especialista foi de 58 meses. Ainda, a idade média na avaliação pelo especialista foi de 57 meses e na data da realização da cirurgia foi de 59 meses.

As idades também foram avaliadas separadamente por patologia, considerando as patologias mais incidentes (Tabela 3). A comparação entre as crianças que precisaram ser submetidas a cirurgia devido fimose e aquelas que fizeram herniorrafia inguinal apresentaram diferença estatística significativa ao analisar a idade na consulta pré-operatória, avaliação pelo especialista e na idade no momento da cirurgia (p<0,001 para cada idade).

Tabela 3
Idade das crianças por patologia (em meses), desde o encaminhamento até a realização da cirurgia.

Quanto ao local de encaminhamento, constatou-se que 42 (75%) pacientes foram provenientes da APS, enquanto 13 deles (25%) foram oriundos de encaminhamentos via hospitalar ou por médicos do próprio ambulatório de especialidades. O diagnóstico da patologia que motivou o encaminhamento em sua maioria foi feito pelo médico na Unidade Básica de Saúde (80,3%). Um total de 44 (15,7%) pacientes já haviam sido encaminhados anteriormente para avaliação por um cirurgião, sendo que 10 (3,5%) foram efetivamente avaliados através de serviços de cirurgia pediátrica de outros municípios de referência no estado, e destes, 2 (0,7%) receberam a emissão de guia para realização da cirurgia, no entanto, nenhum deles foi operado.

No que diz respeito à realização de exames complementares, observou-se que 40 (32%) pacientes chegaram para a avaliação com o especialista portando exames de imagem realizados previamente e um total de 7 (2,4%) pacientes realizaram o exame de imagem que foi solicitado pelo cirurgião, ou seja, depois da primeira consulta com o especilista.

Ao avaliar-se o tempo para a realização da cirurgia, apurou-se que 24 (8,3%) pacientes demoraram mais do que 60 dias para serem operados, após a emissão da guia de cirurgia; e os demais, foram operados antes desse tempo. A maior parte das crianças, 187 (64,7%) foram operadas 30 dias após a avaliação pelo cirurgião. O motivo mais incidente para a espera pela cirurgia por mais de 60 dias foi a fila cirúrgica do hospital, em 15 (5,2%) casos.

Também foi avaliado o intervalo de tempo entre o encaminhamento do paciente pela atenção primária de saúde até a realização da cirurgia, concluindo-se que esta espera variou entre 0,5 e 17 meses, com 11 (21,2%) pacientes aguardando 2 meses, 9 (17,3) pacientes aguardando 1 mês e 8 (15,4) pacientes, aguardando 4 meses. O intervalo de tempo médio entre o encaminhamento pela atenção primária até a realização da cirurgia foi de 4,98 meses com mediana de 4 meses e o intervalo médio entre a avaliação pelo cirurgião e a realização da cirurgia foi de 1,21 meses com mediana de 1 mês (Tabela 4).

Tabela 4
Intervalo (em meses) desde o encaminhamento até a realização da cirurgia (n=289).

Do total, 77 (26,6%) pacientes foram identificados como encaminhados em atraso para a realização do procedimento cirúrgico, e entre eles, observou-se que 74 (25,6%) não possuíam o registro do motivo deste atraso em prontuário. Foram encaminhados em atraso 54 das 113 (47,7%) crianças com hérnia inguinal, 3 dos 9 (33,3%) pacientes com hidrocele e 17 dos 27 (62,9%) pacientes com criptorquidia. A comparação do atraso por patologia foi considerada estatisticamente significativa (p<0,01).

Avaliou-se se os pacientes já apresentavam na cirurgia algum achado que poderia ser compatível com este atraso no encaminhamento e identificou-se que, em 14 (7,3%) pacientes, o testículo apresentava-se pequeno em relação ao esperado para a idade e em 1 (0,5%) paciente, o testículo estava ausente. De acordo com os achados cirúrgicos, a hipótese de risco de atrofia testicular e infertilidade como implicação futura esteve presente em 15 (7,8%) pacientes. Dos pacientes operados 128 (68,1%) não apresentavam alterações que pudessem estar relacionadas ao atraso na cirurgia no momento da avaliação.

O tempo médio de seguimento pós-operatório foi de 2,66 ± 2,82 meses, variando entre 1 e 18 meses. Observou-se que no período de seguimento 5 (1,7%) apresentaram complicações relacionadas a cirurgia, sendo elas infecções de ferida operatória, deiscência de sutura da pele, granuloma de fio e um seroma volumoso. Dos pacientes que apresentaram complicações pós-operatórias, 2 (40%) foram encaminhados para avaliação em atraso e 3 (60%) pacientes foram encaminhados no tempo adequado, não havendo diferença estatisticamente significativa (p=0,49). Os 5 casos de recidiva da patologia de base foram em pacientes encaminhados para avaliação em atraso, não havendo diferença estatística (p=0,20). Nenhum dos pacientes que apresentou complicação pós-operatória apresentou de forma concomitante a recidiva da patologia de base (p=0,75).

Do total de pacientes operados, 5 (2,4%) apresentaram recidiva da patologia de base, sendo 2 portadores de fimose, um cisto tireoglosso, uma hérnia inguinal e uma hérnia umbilical. Do total, 208 (72%) pacientes receberam alta ambulatorial, 80 (27,7%) deles não retornaram para consulta pós-operatória e um paciente (0,3%) retornou somente na primeira consulta e não mantendo seguimento após esta consulta.

DISCUSSÃO

As cirurgias eletivas ocorrem quando médicos e usuários programam com antecedência o evento cirúrgico a ser realizado, trata-se de uma cirurgia agendada em que não há emergência. Essas cirurgias são realizadas no âmbito hospitalar e ambulatorial e, no período de 2015-2018, foram realizadas 1.431.928 cirurgias eletivas ambulatoriais e 798.610 hospitalares no estado do Paraná. No período avaliado observou-se que houve aumento de 34% na realização de cirurgias eletivas ambulatoriais e 22% nas eletivas hospitalares realizadas. Apesar do número crescente de cirurgias eletivas realizadas, esta ação ainda é apontada como demanda reprimida em todas as Regionais de Saúde do estado do Paraná. Diante dessa demanda e da dificuldade de oferta, há necessidade de organizar e ampliar o acesso às cirurgias eletivas, com implantação de protocolos e qualificação das filas de espera99 Secretaria de Estado de Saúde do Paraná. Plano Estadual de Saúde Paraná 2020-2023 - Curitiba: SESA, 2020. [home page de internet] [acesso em 25 maio 2021]. Disponível em: https://www.saude.pr.gov.br/Pagina/Plano-Estadual-de-Saude..

A caracterização dos pacientes cirúrgicos pediátricos atendidos na Regional de Saúde em tela, no recorte temporal estipulado para o estudo, demonstrou que 72,3% dos pacientes eram do sexo masculino, 52,6% provenientes da cidade de sede da Regional de Saúde e a patologia mais frequente foi a hérnia inguinal (39,1% dos casos). Corroborando com o descrito na literatura, as principais cirurgias eletivas e que são comumente realizadas em regime ambulatorial nos pacientes pediátricos desta amostra consistiram em herniorrafias inguinais seguidas das postectomias, herniorrafias umbilicais e orquidopexia. De acordo com relatos anteriores na literatura, as hérnias da parede abdominal (inguinais, umbilicais e epigástricas) são a causa de 34% dos encaminhamentos para avaliação cirúrgica, com uma média de idade de quatro anos no encaminhamento55 Pilkington M, Situma M, Winthrop A, Poenaru D. Quantifying delays and self-identified barriers to timely access to pediatric surgery at Mbarara Regional Referral Hospital, Uganda. J Ped Surg. 2018; 53(5):1073-1079. doi: 10.1016/j.jpedsurg.2018.02.045
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,1010 Nah SA, Yeo CS, How GY, Allen Jr JC, Lakshmi NK, Yap TL, Jacobsen AS, Low Y, Ong CCP. Undescended testis: 513 patients' characteristics, age at orchidopexy and patterns of referral. Arch Dis Child. 2014; 99(5): 401-406. doi: 10.1136/archdischild-2013-305225.
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. A maior parte das afecções com possibilidade de correção cirúrgica ambulatorial acometem em maior proporção ou exclusivamente o sexo masculino1010 Nah SA, Yeo CS, How GY, Allen Jr JC, Lakshmi NK, Yap TL, Jacobsen AS, Low Y, Ong CCP. Undescended testis: 513 patients' characteristics, age at orchidopexy and patterns of referral. Arch Dis Child. 2014; 99(5): 401-406. doi: 10.1136/archdischild-2013-305225.
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. Portanto, a prevalência de meninos é maior nas investigações envolvendo patologias pediátricas, dados confirmados neste estudo.

As hérnias inguinais são uma das afecções cirúrgicas mais comuns da infância e acontecem em cerca de 5% dos recém-nascidos com aumento da incidência para 11% nos prematuros1111 Botes SN, Edge J, Apffelstaedt JP, Sidler D. Assessment of the delayed repair of uncomplicated inguinal hernias in infants. S Afr J Surg. 2020; 58(1):18-21. doi: 10.17159/2078-5151/2020/v58n1a3056.
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. A razão mais importante para o reparo cirúrgico precoce das hérnias inguinais é o risco aumentado de encarceramento, especialmente durante o primeiro ano de vida, com risco estimado de 30% e entre os pacientes que apresentam encarceramento, existe o risco de que 30% deles evoluam com atrofia testicular1212 Gawad N, Davies DA, Langer JC. Determinants of wait time for infant inguinal hernia repair in a Canadian children's hospital. J Ped Surg. 2014; 49(5):766-769. doi: 10.1016/j.jpedsurg.2014.02.064.
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. As taxas de encarceramento e complicações são mais elevadas em correlação ao maior tempo de espera pelo procedimento cirúrgico1313 Ferrantela A, Sola JE, Parreco J, Quiroz HJ, Willobee BA, Reyes C, Thorson CM, Perez EA. Complications while awaiting elective inguinal hernia repair in infants: Not as common as you thought.Surgery. 2021; 169(6):1480-1485. doi: 10.1016/j.surg.2020.12.016.
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, complicações estas que não foram registradas na população avaliada neste estudo.

Entre as patologias cirúrgicas mais comuns, a mais discutida acerca do momento apropriado para reparo cirúrgico é a criptorquidia. Trata-se de uma das desordens congênitas mais comuns no sexo masculino, com uma incidência de 4% dos meninos nascidos a termo e até 30% dos prematuros1414 Wei Y, Wu S, Wang YC, Lin T, He DW, Li XL, Liu JH, Liu X, Hua Y, Lu P, Zhang DY, Wen S, Wei GH. A 22-year retrospective study: educational update and new referral pattern of age at orchidopexy. BJU Int. 2016; 118(6):987-993. doi: 10.1111/bju.13588.
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. Apesar da possibilidade de descida espontânea do testículo para a bolsa escrotal após o nascimento, sua ocorrência mostrou-se incomum após os três meses de vida1515 Jiang DD, Acevedo AM, Bayne A, Austin JC, Seideman CA. Factors associated with delay in undescended testis referral. J Pediatr Urol. 2019; 15(4):e1-380. doi: 10.1016/j.jpurol.2019.03.029.
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e rara após os seis meses de vida1414 Wei Y, Wu S, Wang YC, Lin T, He DW, Li XL, Liu JH, Liu X, Hua Y, Lu P, Zhang DY, Wen S, Wei GH. A 22-year retrospective study: educational update and new referral pattern of age at orchidopexy. BJU Int. 2016; 118(6):987-993. doi: 10.1111/bju.13588.
https://doi.org/10.1111/bju.13588...
. A idade em que a intervenção cirúrgica é realizada é um importante fator preditivo para a fertilidade futura destes pacientes. Além disso, portadores de criptorquidia tem risco aumentado de desenvolvimento de tumores testiculares, especialmente aqueles tratados cirurgicamente após a puberdade1616 Radmayr C, Dogan HS, Hoebeke P, Kocvara R, Nijman R, Silay S, Stein R, Undre S, Tekgul S. Management of undescended testes: European Association of Urology/European Society for Pediatric Urology Guidelines. J Pediatr Urol. 2016; 12(6):335-343. doi: 10.1016/j.jpurol.2016.07.014.
https://doi.org/10.1016/j.jpurol.2016.07...
. Ao longo das últimas cinco décadas, a idade indicada para intervenção cirúrgica foi bastante modificada. Em 1986, a recomendação da Academia Americana de Pediatria era para cirurgia entre 48 e 72 meses. Com a realização de estudos que demonstraram redução do número de células germinativas abaixo dos níveis normais com 12 a 24 meses de idade, a recomendação foi modificada para cirurgia com 12 meses de idade, em 19961414 Wei Y, Wu S, Wang YC, Lin T, He DW, Li XL, Liu JH, Liu X, Hua Y, Lu P, Zhang DY, Wen S, Wei GH. A 22-year retrospective study: educational update and new referral pattern of age at orchidopexy. BJU Int. 2016; 118(6):987-993. doi: 10.1111/bju.13588.
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. Considerando a baixa probabilidade de descida testicular espontânea após os três meses de vida, a Associação Britânica de Urologistas Pediátricos recomendou a redução da idade cirúrgica para seis a 12 meses a partir do ano de 2011. Atualmente tem sido discutida nova alteração, porém ainda sem consenso, sugerindo benefício na intervenção cirúrgica mais precoce, aos três meses de vida1414 Wei Y, Wu S, Wang YC, Lin T, He DW, Li XL, Liu JH, Liu X, Hua Y, Lu P, Zhang DY, Wen S, Wei GH. A 22-year retrospective study: educational update and new referral pattern of age at orchidopexy. BJU Int. 2016; 118(6):987-993. doi: 10.1111/bju.13588.
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. Neste estudo, a idade média no encaminhamento dos pacientes com criptorquidia para a avaliação com o especialista foi de 71,5 meses e na avaliação com o cirurgião foi de 56,4 meses, médias bem acima do considerado ideal para o tratamento desta patologia.

Investigou-se na amostra desde estudo se os pacientes com criptorquidia já apresentavam na cirurgia algum achado que poderia ser compatível com o atraso no encaminhamento e identificou-se que em 7,3% o testículo apresentava-se pequeno em relação ao esperado para a idade do paciente. De acordo com os achados, a hipótese de risco de atrofia testicular e infertilidade como implicação futura esteve presente em 7,8% dos casos, no entanto não houve mensuração prévia do tamanho testicular para caracterização de valores objetivos para esta redução observada subjetivamente.

Seguindo consensos atuais, no mais tardar, a cirurgia deve ser realizada até os 18 meses de idade1515 Jiang DD, Acevedo AM, Bayne A, Austin JC, Seideman CA. Factors associated with delay in undescended testis referral. J Pediatr Urol. 2019; 15(4):e1-380. doi: 10.1016/j.jpurol.2019.03.029.
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. Na amostra deste estudo, a idade média no momento da realização da orquidopexia foi de 58,3 ± 54,9 meses. Recente estudo de coorte populacional concluiu que para cada seis meses de atraso na realização da orquidopexia, existe um aumento de 6% no risco de desenvolvimento de câncer, 5% na necessidade de uso de tecnologias para reprodução assistida e 1% de redução nas taxas de paternidade1717 Scheuner FJ, Milne E, Jamieson SE, Pereira G, Hansen M, Barker A, Holland AJA, Bower C, Nassar N. Association between male genital anomalies and adult male reproductive disorders: a population-based data linkage study spanning more than 40 years. Lancet Child Adolesc Health. 2018; 2(10):736-743. doi: 10.1016/S2352-4642(18)30254-2.
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. Mesmo em países desenvolvidos, como é o caso da Suécia, uma minoria dos meninos é operada neste período1818 Omling E, Bergbrant S, Persson A, Bjork J, Hagander L. How boys and testicles wander to surgery: a nationwide cohort study of surgical delay in Sweden. BMJ Paediat Open. 2020; 4(1):e000741. doi: 10.1136/bmjpo-2020-000741.
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, especialmente em virtude do grande volume de pacientes nos poucos centros de atendimento pediátrico. Muitos pacientes desta amostra foram operados em idade bastante tardia em relação ao esperado, alguns casos superando os 8 anos de idade para a realização dela, o que de acordo com a literatura demonstrada, apresenta um impacto bastante negativo no desenvolvimento futuro dos testículos destes meninos. Este tipo de achado é o que poderia ser evitado caso os encaminhamentos e avaliação com o especialista fossem realizados de forma precoce conforme o indicado na literatura.

A idade média na avaliação pelo especialista foi de 57 meses e a idade média na data da realização da cirurgia foi de 59 meses. Do total, 64,7% foram operadas 30 dias após a avaliação pelo cirurgião. O intervalo de tempo médio entre o encaminhamento pela atenção primária até a realização da cirurgia foi de 4,98 meses e o intervalo médio entre a avaliação pelo cirurgião e a realização da cirurgia foi de 1,21 meses. Entre os 289 pacientes que compuseram a amostra do estudo, 77 (26,6%) foram identificados como encaminhados em atraso, sendo o atraso mais frequente nos pacientes com criptorquidia, em 62,9% das crianças.

O tempo de espera para a cirurgia eletiva é uma questão relevante no acesso aos cuidados de saúde. Uma espera superior a três meses é considerada excessiva em vários países do grupo Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)1919 Caldinhas PM, Ferrinho P. Cirurgia de ambulatório e a espera para cirurgia eletiva. Rev Bras Epidemiol. 2013; 16(2): 314-327 37.. Os países com menores tempos de espera para cirurgia eletiva são também os que apresentam maiores percentagens de intervenções cirúrgicas em regime ambulatorial. Um estudo realizado em Portugal demonstrou uma redução na fila de espera de cirurgias eletivas de seis a oito meses, para valores entre 2,5 e 3,5 meses, verificando também um aumento da porcentagem na realização de cirurgias ambulatoriais no mesmo período1919 Caldinhas PM, Ferrinho P. Cirurgia de ambulatório e a espera para cirurgia eletiva. Rev Bras Epidemiol. 2013; 16(2): 314-327 37.. Estudos prévios já demonstraram tempo médio de espera de 31 dias no sistema público de saúde, desde a consulta com o especialista, até o procedimento cirúrgico2020 Al-Jazaeri A, Alshwairikh L, Aljebreen MA, Alswaidan N, Al-Obaidan T, Alzahem A. Variation in access to pediatric surgical care among coexisting public and private providers: inguinal hernia as a model. Ann Saudi Med. 2017; 37(4): 290-296. doi: 10.5144/0256-4947.2017.290
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e um tempo que nunca excedeu 2 semanas neste intervalo2121 Buhilla PLA, Aguirre IA, Piedra CT, Zorrilla MIA, Mendibil AO, Guisasola ML. Cirugía de alta resolución pediátrica: una serie de 75 casos. Rev Calid Asist. 2009; 24(6): 239-244. doi 10.1016/j.cali.2009.04.001.
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. No presente estudo mesmo as cirurgias sendo realizadas em regime ambulatorial o tempo de espera entre a avaliação pelo cirurgião e a realização da cirurgia foi em média de 1,21 meses e se contar desde o encaminhamento até a cirurgia, o tempo foi de 4,92 meses

O diagnóstico de uma patologia cirúrgica por si só já consiste em fator de estresse para o paciente pediátrico, bem como para seus familiares e a longa espera para o tratamento e resolução do quadro tendem a ser um aspecto agravante para esse cenário. Além do efeito negativo psicológico e social ocasionado em virtude desta espera, existe também o efeito negativo econômico oriundo da necessidade de intervenções e internamentos adicionais por conta da patologia de base. Ademais, as consequências da demora na realização da cirurgia e o resultado obtido com o tratamento podem ser prejudicados por conta do atraso no procedimento2222 Arulanandam B, Dorais M, Li P, Poenaru D. The burden of waiting: wait times for pediatric surgical procedures in Quebec and compliance with national benchmarks. Can J Surg. 2021; 64(1):14-22. doi: 10.1503/cjs.020619.
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. Cerca de 5 bilhões de pessoas em todo o mundo, incluindo crianças e adultos, não possuem garantia de acesso seguro a procedimentos cirúrgicos e anestésicos quando estes são necessários2323 Butler MW. Developing pediatric surgery in low- and middle-income countries: An evaluation of contemporary education and care delivery models. Sem Ped Surg. 2016; 25(1):43-50. doi: 10.1053/j.sempedsurg.2015.09.008.
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.

Muitos fatores são sabidamente associados ao atendimento precário das crianças, especialmente nos países subdesenvolvidos, como por exemplo: más condições de transporte, distâncias entre os grandes centros e as pequenas cidades do interior, pobreza, desconhecimento dos responsáveis pelas crianças, crenças culturais, impossibilidade de custeamento dos procedimentos de saúde pelas famílias, limitação na quantidade e localização dos centros de atendimento especializado, limitação na disponibilidade de especialistas, dificuldades na realização de exames complementares e baixa disponibilidade de anestesia pediátrica segura2323 Butler MW. Developing pediatric surgery in low- and middle-income countries: An evaluation of contemporary education and care delivery models. Sem Ped Surg. 2016; 25(1):43-50. doi: 10.1053/j.sempedsurg.2015.09.008.
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. Mesmo em países desenvolvidos, como o Canadá, recentemente tem sido demonstrado que as taxas de conformidade em relação a espera pelos procedimentos cirúrgicos em pediatria estão longe do ideal e que esforços adicionais são necessários para melhorar a proporção de pacientes atendidos dentro das metas de referência2222 Arulanandam B, Dorais M, Li P, Poenaru D. The burden of waiting: wait times for pediatric surgical procedures in Quebec and compliance with national benchmarks. Can J Surg. 2021; 64(1):14-22. doi: 10.1503/cjs.020619.
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.

Este estudo apresenta diversas limitações, entre elas podemos citar os dados coletados de forma retrospectiva (dados secundários), as informações de uma única regional de saúde em um único estado do Brasil, o fato de que nem todos os prontuários estavam completos especialmente em relação à informações do encaminhamento e dados médicos anteriores à avaliação com o especialista, bem como dados relacionados à perda de seguimento pós-operatório de diversos pacientes, que pode ter ocorrido em virtude da pandemia da COVID-19 e do prejuízo aos atendimentos ambulatoriais neste período. No entanto, levanta importantes pontos a serem mais bem estudados e debatidos na área da cirurgia pediátrica neste país.

Possíveis melhorias para o cenário encontrado incluem treinamento dos médicos que prestam assistência na atenção básica, tendo em vista que são patologias nem sempre de conhecimento geral de todos, e questões como as idades apropriadas para o encaminhamento para o especialista podem passar despercebidas por estes profissionais; além de estabelecimento de novos fluxos de encaminhamento e priorização dos pacientes portadores das patologias em que o atraso na cirurgia oferece maiores implicações futuras aos pacientes.

CONCLUSÃO

A caracterização dos pacientes cirúrgicos pediátricos demonstrou que a maioria era do sexo masculino e que a patologia mais frequentemente identificada foi a hérnia inguinal. Após caracterização epidemiológica dos participantes do estudo, no que tange ao encaminhamento, à avaliação pelo especialista e ao procedimento cirúrgico, concluiu-se que 26,6% dos pacientes foram encaminhados em atraso para a cirurgia. A patologia mais frequentemente associada a atraso no encaminhamento, avaliação com especialista e realização da cirurgia foi a criptorquidia, patologia esta que apresenta importante impacto negativo futuro relacionado ao atraso em seu tratamento.

Sugere-se que a escassez de profissionais da especialidade e falta de coordenação na rede de atenção primaria, que dificulta a articulação entre os serviços da rede, podem ser levantados como fatores contribuintes para as dificuldades encontradas neste processo entre o encaminhamento e a realização da cirurgia.

AGRADECIMENTO

A toda a equipe e professores do programa de Pós-graduação da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). Aos diretores e responsáveis, à equipe médica e aos funcionários do Consórcio Intermunicipal de Saúde do Oeste do Paraná (CISOP), Hospital Universitário do Oeste do Paraná (HUOP - UNIOESTE), Fundação Hospitalar São Lucas de Cascavel - PR e Hospital Dr Aurélio (Nova Aurora, PR).

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  • Fonte de financiamento:

    nenhuma.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    24 Dez 2022
  • Aceito
    02 Abr 2023
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