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Endoscopic Mini or Less Open Sublay Repair (E/MILOS) na correção das hérnias ventrais: uma alternativa técnica minimamente invasiva

RESUMO

O tratamento cirúrgico ideal para correção das hérnias ventrais ainda é motivo de grande discussão1. O fechamento do defeito associado a utilização de telas para reforço da parede abdominal são passos fundamentais da terapia cirúrgica, podendo ser realizados tanto pela via aberta quanto pelas técnicas minimamente invasivas2. A via aberta apresenta maiores taxas de infecção de sítio cirúrgico, enquanto o reparo laparoscópico IPOM (intraperitoneal onlay mesh) acarreta um risco aumentado de lesões intestinais, aderências e obstruções intestinais, além de requerer uso de telas de dupla face e dispositivos de fixação que encarecem o procedimento e não raro aumentam a dor no pós-operatório3-5. A técnica eTEP (extended/enhanced view totally extraperitoneal), tem ganhado importância, mostrando-se uma boa opção para a correção das hérnias ventrais também2. A fim de se evitar as desvantagens das técnicas abertas e laparoscópicas “clássicas” o conceito MILOS (Endoscopically Assisted Mini or Less Open Sublay Repair), desenvolvido por W. Reinpold et al. em 2009, 3 anos antes do advento do eTEP, possibilita ao cirurgião o uso de telas de grandes dimensões no plano retromuscular através de uma pequena incisão na pele e dissecção laparoscópica deste espaço, conforme modificação realizada em 2016, evitando a colocação de uma tela no espaço intraperitoneal6-7. Esta nova técnica passou a se chamar EMILOS (Endoscopic Mini or Less Open Sublay Repair)8 Este artigo tem como objetivo relatar nossa experiência inicial no emprego da técnica E-MILOS no Brasil, na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.

Palavras-chave:
Hérnia Ventral; Cirurgia Vídeoassistida; Laparoscopia; Laparoscopia Assistida com a Mão

ABSTRACT

The ideal ventral hernia surgical repair is still in discussion1. The defect closure with a mesh-based repair is the base of surgical repair, in open or minimally invasive techniques2. The open methods lead to a higher surgical site infections incidence, meanwhile, the laparoscopic IPOM (intraperitoneal onlay mesh) increases the risk of intestinal lesions, adhesions, and bowel obstruction, in addition to requiring double mesh and fixation products which increase its costs and could worsen the post-operative pain3-5. The eTEP (extended/enhanced view totally intraperitoneal) technique has also arisen as a good option for this hernia repair. To avoid the disadvantages found in classic open and laparoscopic techniques, the MILOS (Endoscopically Assisted Mini or Less Open Sublay Repair) concept, created by W. Reinpold et al. in 2009, 3 years after eTEP conceptualization, allows the usage of bigger meshes through a small skin incision and laparoscopic retro-rectus space dissection, as the 2016 modification, avoiding an intraperitoneal mesh placement6,7. This new technique has been called E-MILOS (Endoscopic Mini or Less Open Sublay Repair)8. The aim of this paper is to report the E-MILOS techniques primary experience Brazil, in Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.

Keywords:
Hernia, Ventral; Video-Assisted Surgery; Laparoscopy; Hand-Assisted Laparoscopy

DESCRIÇÃO DA TÉCNICA E RESULTADOS

Segundo Reinpold, a técnica aplicada pode ser referida como mini open se a incisão na pele for menor que 6cm ou less open se a incisão variar entre 6-12cm, sendo que este valor tem que ser menor do que ¼ do maior diâmetro da tela utilizada no reparo da parede abdominal.

Iniciamos o procedimento com uma incisão com cerca de 4cm, geralmente peri-umbilical ou sobre o defeito herniario. Dissecamos a fáscia anterior do reto (Figura 1) e o saco herniario quando presente, seguido de incisão na borda do reto abdominal e dissecção do espaço retromuscular em todas as direções, ou seja, lateralmente, cranial e caudalmente ao redor do defeito herniário com afastatores e pinças de cirurgia aberta. Para a dissecção distal utilizamos o EndotorchTM, que é uma cânula iluminada através da qual inserimos pinças de laparoscopia e sob visão direta alcançamos as regiões mais distais do xifoide e supra-pubica (Figura 2)66 Reinpold W, Schröder M, Berger C, Nehls J, Schröder A, Hukauf M, et al. Mini- or Less-open Sublay Operation (MILOS): A New Minimally Invasive Technique for the Extraperitoneal Mesh Repair of Incisional Hernias. Ann Surg. 2019;269(4):748-55. doi: 10.1097/SLA.0000000000002661.
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7 Reinpold W, Schröder M, Berger C, Stoltenberg W, Köckerling F. MILOS and EMILOS repair of primary umbilical and epigastric hernias. Hernia. 2019;23(5):935-944. doi: 10.1007/s10029-019-02056-x.
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-88 Schwarz J, Reinpold W, Bittner R. Endoscopic mini/less open sublay technique (EMILOS)-a new technique for ventral hernia repair. Langenbecks Arch Surg. 2017;402(1):173-80. doi: 10.1007/s00423-016-1522-0.
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.

Figura 1
Abertura da bainha posterior do musculo reto abdominal.

Figura 2
Dissecção do espaço pré-peritoneal e retromuscular com afastadores maleáveis e auxílio do Endotorch Light TubeTM.

Fechamos a fáscia posterior e introduzimos o Alexis® que é um dispositivo circular para retração de incisão que permite o acesso a cavidades, de forma não traumática, o que permite uma excelente exposição com uma incisão pequena. Através de sua tampa, o primeiro trocater e inserido permitindo a confecção do pneumoperitoneo e a passagem da ótica no espaço retromuscular.

Prossegue-se com a introdução de mais dois trocaters laterais de 5mm para as pinças laparoscópicas e dissecção do espaço retromuscular (Figura 3). Essa dissecção deve ultrapassar pelo menos 6 cm das bordas do defeito herniario. Para isso, se necessário, pode-se prosseguir com uma separação de componentes posterior com a liberação do musculo transverso do abdômen.

Figura 3
Colocação do Alexis® no local da incisão e passagem de trocateres de trabalho laterais

Seguindo, realizamos o fechamento do defeito herniario na parede anterior com fio absorvível (Figura 4) (preferência para a utilização do fio farpado, se disponível) e colocação da tela de polipropileno macroporosa de média ou alta gramatura (Figura 5). Fixamos com cola ou sutura e dependendo do tamanho do defeito, não fixamos a tela.

Figura 4
Síntese do defeito com fio farpado associada a correção de diástase do musculo reto abdominal.

Figura 5
Colocação de tela no espaço retromuscular.

Por fim, retiramos os trocateres e o Alexis com posterior fechamento da fáscia anterior do reto abdominal, fixação da cicatriz umbilical (se necessário), e fechamento da pele.

Nossa experiência inicial na utilização desta técnica envolve 8 pacientes com uma idade média de 46,6 anos (variando entre 20 e 65 anos) sendo 6 do sexo feminino e 2 do sexo masculino. O IMC médio é de 26,4kg/m2 (variando entre 18,9 e 33,8) e a principal comorbidade deste grupo é o tabagismo, presente em 37,5 % dos casos.

Com relação as hérnias, foram corrigidas um total de 9 hérnias, pois uma das pacientes apresentava 2 hérnias distintas na parede abdominal. Destas 7 eram incisionais e 1 era primaria (umbilical). Além disso, apenas duas estavam fora da linha média. A correção de diástase dos músculos retos abdominais foi realizada em 37,5% dos casos. O tamanho médio das hérnias era de 4,3cm (variando entre 1,5 e 8,0cm) e o tamanho médio da tela utilizada foi de 20 x 18cm (variando entre 15 x 15 e 25 x 20). O tempo cirúrgico médio foi de 3,5 horas.

Em 1 dos casos optou-se pela conversão para cirurgia aberta por dificuldade técnica e em apenas 3 casos o espaço retromuscular foi drenado com um tempo médio de permanência do dreno de 6,3 dias.

O tempo médio de internação foi de 1,75 dias com um tempo de seguimento pós-operatório médio de 13 meses (variando entre 1 e 21 meses).

Nenhum dos pacientes operados evoluiu com complicações pós-operatórias e, até o momento, nenhum paciente apresentou recidiva herniaria.

Passo a passo

  1. Incisão peri-umbilical (infra ou supra)

  2. Dissecção completa do saco herniario

  3. Dissecção completa do anel herniario

  4. Abertura da bainha posterior do reto abdominal

  5. Dissecção da fáscia posterior utilizando retratores maleáveis

  6. Dissecção do espaço retromuscular e preperitoneal na linha alba com o Endotorch Light TubeTM

  7. Incisão da bainha posterior em sentido longitudinal nos quatro quadrantes à borda medial do musculo reto abdominal

  8. Colocação do Alexis® com tampa

  9. Inserção de um trocater de 10 ou 12mm no Alexis®

  10. Insuflação de CO2 (10mmHg) no espaço retromuscular

  11. Inserção de 2 trocateres de 5mm

  12. Dissecção endoscópica do espaço retromuscular com preservação da linha alba, tendo como limite cranial o apêndice xifoide e limites laterais as bordas laterais do reto e a linha semilunar

  13. Fechamento do defeito herniario (opções técnicas: Rives-Stoppa ou Separação Posterior de Componentes)

  14. Colocação de tela de polipropileno

  15. Retirada do Alexis®

  16. Fechamento da fáscia anterior do reto abdominal.

DISCUSSÃO

Nossos primeiros resultados da técnica E/MILOS no tratamento das hérnias ventrais, tanto primarias quanto incisionais, são promissores. A combinação dos benefícios da técnica aberta com colocação de uma ampla tela no espaço retromuscular associado a uma pequena incisão (Figura 7) a qual gera menores taxas de complicações pós-operatórias e menor trauma a parede abdominal fornece a técnica E/MILOS os principais benefícios dos reparos abertos e laparoscópicos evitando suas principais limitações 88 Schwarz J, Reinpold W, Bittner R. Endoscopic mini/less open sublay technique (EMILOS)-a new technique for ventral hernia repair. Langenbecks Arch Surg. 2017;402(1):173-80. doi: 10.1007/s00423-016-1522-0.
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.

O E/MILOS deve ser indicado preferencialmente em pacientes que necessitam de reforço em toda a parede abdominal na topografia da linha média, ou seja, paciente que apresentam diástase de reto abdominal associada a uma hérnia ventral99 ElHawary H, Barone N, Zammit D, Janis JE. Closing the gap: evidence-based surgical treatment of rectus diastasis associated with abdominal wall hernias. Hernia. 2021;25(4):827-53. doi: 10.1007/s10029-021-02460-2.
https://doi.org/10.1007/s10029-021-02460...
. Apesar da literatura indicar a técnica predominantemente em casos em que a hérnia se encontra na linha média, nossa experiência mostra que é factível a aplicação da técnica em casos fora da linha média também.

É importante frisar que o tempo cirúrgico acima de 3 horas se relaciona com a curva de aprendizado da técnica, que segundo o autor da técnica, é entre 5 e 10 procedimento a depender da expertise do cirurgião77 Reinpold W, Schröder M, Berger C, Stoltenberg W, Köckerling F. MILOS and EMILOS repair of primary umbilical and epigastric hernias. Hernia. 2019;23(5):935-944. doi: 10.1007/s10029-019-02056-x.
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.

Outras vantagens da técnica estão listadas na Tabela 1.

Tabela 1
Principais Vantagens da Técnica E-MILOS.

CONCLUSÃO

Quando comparado com a cirurgia aberta com colocação de tela no espaço retromuscular ou com as técnicas laparoscópicas (IPOM e eTEP), a técnica E/MILOS mostra-se tão eficaz quanto as técnicas tradicionais de correção das hérnias ventrais, porém com um número significativamente menor de complicações pós-operatórias, reoperações e reinternações não planejadas. Além disso, confirmamos que a técnica é de fácil reprodutibilidade e factível de se realizar em um hospital da rede pública de saúde.

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  • Fonte de financiamento:

    nenhuma.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    24 Jul 2022
  • Aceito
    02 Out 2022
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