Acessibilidade / Reportar erro

Avaliação do grau de confiança e desenvolvimento de competências em estudantes de graduação em medicina com o uso de simuladores de treinamento urogenital masculino

RESUMO

Introdução:

a formação médica deve fornecer ao futuro profissional, além de conhecimentos teóricos, habilidades gerais e específicas. Na urologia, os simuladores de treinamento urogenital, têm se apresentado como aliado na melhora do grau de confiança e desenvolvimento de competências para estudantes de graduação em medicina.

Métodos:

pesquisa exploratória descritiva, com abordagem quantitativa, de natureza experimental, do tipo randomizado controlado com recorte transversal. Realizada com os estudantes do 4º ano de medicina de uma Instituição de Ensino Superior no Oeste do Paraná.

Resultados:

91 estudantes assistiram a uma aula teórica com explanação completa das atividades a serem realizadas, e responderam ao questionário inicial sobre o grau de confiança para executar tarefas em três estações com simuladores de treinamento urogenital masculino (toque prostático, cateterismo vesical e avaliação escrotal). Destes, 45 receberam orientações e treinamento junto aos simuladores previamente as estações, enquanto 46 deveriam demonstrar habilidades diretamente nas três estações, mimetizando o atendimento ao paciente, apenas com informações das aulas teóricas. Os estudantes que receberam orientação prévia junto aos simuladores, tiveram seus escores no desenvolvimento de competência mais elevados. E, ao repetirem o questionário sobre o grau de confiança para demonstrar habilidades junto aos manequins, houve maior grau de confiança em executar as tarefas, com exceção da execução de uma tarefa considerada mais difícil.

Conclusão:

houve melhora no grau de confiança e no desenvolvimento de competências dos estudantes de graduação em medicina com as orientações nos simuladores de treinamento urogenital masculino.

Palavras-chave:
Treinamento por Simulação; Sistema Urogenital; Educação Baseada em Competências

ABSTRACT

Introduction:

medical training should provide the future professional, in addition to theoretical knowledge, general and specific skills. In urology, urogenital training simulators have been presented as an ally in improving the degree of confidence and development of competencies for undergraduate medical students.

Methods:

exploratory descriptive research with a quantitative approach, of an experimental nature, of the randomized controlled type with cross-sectional cut. Conducted with the students of the 4th year of medicine of a Higher Education Institution in the West of Paraná.

Results:

91 students attended a theoretical class with a complete explanation of the activities to be performed and answered the initial questionnaire about the degree of confidence to perform tasks in three stations with male urogenital training simulators (prostatic touch, bladder catheterization and scrotal evaluation). Of these, 45 received guidance and training with the simulators prior to the stations, while 46 should demonstrate skills directly in the three stations, mimicking patient care, only with information from the theoretical classes. The students who received previous guidance with the simulators had their scores in the development of competence higher. And, when they repeated the questionnaire about the degree of confidence to demonstrate skills with the mannequins, there was a higher degree of confidence in performing the tasks, except for the execution of a task considered more difficult.

Conclusion:

there was an improvement in the degree of confidence and in the development of competencies of undergraduate medical students with the orientations in the male urogenital training simulators.

Keywords:
Urogenital System; Competency-Based Education; Simulation Training

INTRODUÇÃO

No Brasil o Ministério da Educação instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) do Curso de Graduação em Medicina, no ano de 2001, o que representou uma importante mudança nas organizações curriculares das Instituições de Ensino Superior (IES). As DCN, que foram atualizadas em 2014, estabeleceram os princípios, fundamentos e finalidades da formação médica, orientando que os cursos devem formar profissionais generalistas, humanistas, críticos e reflexivos, que atuem em ações de promoção, prevenção, recuperação e reabilitação da saúde11 Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES n.o 3, de 20 de junho de 2014. Institui diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em Medicina e dá outras providências. Brasília, 2014..

As DCN estabelecem que os conteúdos dos cursos de graduação em medicina devem estar relacionados com todo o processo saúde-doença, proporcionando a integralidade das ações do cuidar em medicina, requerendo dos egressos uma perfeita articulação entre conhecimento, habilidades e atitudes para o exercício profissional11 Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES n.o 3, de 20 de junho de 2014. Institui diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em Medicina e dá outras providências. Brasília, 2014..

Na urologia, além da formação teórica, a parte prática dos exames e procedimentos do trato urogenital (TGU) deve ser bem desenvolvida pelos estudantes, e costuma causar grande ansiedade nos mesmos22 Pugh CM, et al. Use of Mannequin-Based Simulation to Decrease Student Anxiety Prior to Interacting With Male Teaching Associates. Teach Learn Med. 2012;24(2):122-7. doi: 10.1080/10401334.2012.664534.
https://doi.org/10.1080/10401334.2012.66...
. O treinamento habitualmente recebido pelos alunos nos métodos de ensino tradicionais, muitas vezes é conhecido como: “veja um, faça um, ensine um”, o que pode levar a uma deficiência no aprendizado do estudante, bem como ser motivo de grande estresse e frustração33 Kaplan AG, et al. Preliminary Evaluation of a Genitourinary Skills Training Curriculum for Medical Students. J Urol. 2009 Aug;182(2):668-73. doi: 10.1016/j.juro.2009.04.037.
https://doi.org/10.1016/j.juro.2009.04.0...
.

A preocupação com estas formas de ensino, que podem causar déficit no aprendizado, levou à busca por novas modalidades de instrução, que possam sistematizar o ensino, através do desenvolvimento de técnicas e habilidades, melhorando a forma de aprender e diminuindo o estresse dos estudantes.

Nesta questão, os simuladores têm representado um grande aliado, evoluindo e atraindo estudantes das mais variadas áreas do conhecimento. Estas simulações têm por objetivo prover informações com características da vida real, permitindo a participação em cenários e situações próximos às vivenciadas no dia a dia.

Vários trabalhos têm demonstrado que o treinamento sistemático com simuladores e manequins, previamente ao contato direto com o paciente, representam um importante papel no desenvolvimento de habilidades dos estudantes33 Kaplan AG, et al. Preliminary Evaluation of a Genitourinary Skills Training Curriculum for Medical Students. J Urol. 2009 Aug;182(2):668-73. doi: 10.1016/j.juro.2009.04.037.
https://doi.org/10.1016/j.juro.2009.04.0...
,44 Naylor RA, et al. Can medical students achieve skills proficiency through simulation training? Am J Surg. 2009;198(2):277-82. doi: 10.1016/j.amjsurg.2008.11.036.
https://doi.org/10.1016/j.amjsurg.2008.1...
, além de ser factível, podendo ser implantado sem grandes transtornos, melhorando o currículo médico55 Dayal AK, et al. Simulation Training Improves Medical Students' Learning Experiences When Performing Real Vaginal Deliveries. Simul Healthc. 2009;4(3):155-9. doi: 10.1097/SIH.0b013e3181b3e4ab.
https://doi.org/10.1097/SIH.0b013e3181b3...
.

Estudos evidenciam que a simulação pode ser aplicada tanto para ensinar quanto para avaliar, pois considerando a simulação como atividade prática, é possível avaliar tanto o conhecimento quanto a competência66 Vozenilek JS, Huff J, Reznek M, Gordon J. See one, do one, teach one: advanced technology in medical education. Acad Emerg Med. 2004;11(11):1149-54. doi: 10.1197/j.aem.2004.08.003.
https://doi.org/10.1197/j.aem.2004.08.00...
.

Outro importante fator que sugere a necessidade da sistematização no aprendizado do TGU, é o número expressivo de trabalhos mostrando que há falha neste treinamento na área de urologia, o que tem levado os novos médicos a realizar diagnósticos imprecisos, e em procedimentos considerados até simples, ocasionar lesões iatrogênicas77 Davis NF, et al. Incidence, Cost, Complications and Clinical Outcomes of Iatrogenic Urethral Catheterization Injuries: A Prospective Multi-Institutional Study. J Urol. 2016;196(5):1473-7. doi: 10.1016/j.juro.2016.05.114.
https://doi.org/10.1016/j.juro.2016.05.1...
.

Assim, questionou-se: é possível melhorar o grau de confiança e o desenvolvimento de competências através da sistematização do ensino relativo ao trato urogenital com uso de simuladores para estudantes de graduação em medicina?

MÉTODOS

A pesquisa constitui-se como exploratória descritiva, com abordagem quantitativa, de natureza experimental, do tipo randomizado controlado com recorte transversal88 Gil AC. Metodologia do ensino superior. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1997..

Foi realizada em uma instituição de ensino superior (IES) do oeste do Paraná. Participaram da pesquisa, os estudantes de graduação do curso de medicina que estivessem cursando a disciplina de Urologia, e que possuíssem 18 anos ou mais.

Foram excluídos da pesquisa, os estudantes que participassem de ligas acadêmicas de urologia, os que tinham cursado estágios na urologia previamente, os que não queriam se submeter as atividades com o uso de manequins, ou que não preenchessem os questionários.

Preliminarmente à execução da pesquisa, o projeto foi encaminhado a um Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), conforme a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde9 e teve o projeto aprovado, número de parecer 4.698.241.

Descrição das etapas da pesquisa

Etapa 1: Os participantes receberam as informações sobre a pesquisa e após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), assistiram a aula teórica dialogada, com detalhamento das atividades as quais esperam que demonstrem suas competências.

Etapa 2: Os estudantes responderam a um questionário (Q1) com informações sociodemográficas, e sobre seus conhecimentos prévios acerca das suas atividades em urologia, procurando identificar o atual grau de informação e formação sobre as atividades que foram desenvolvidas.

Etapa 3: Pré-teste. Os estudantes responderam a um questionário (Q2) com Escala de Likert (em anexo) sobre o grau de compreensão das atividades expostas na aula que acabaram de participar, antes do contato com as estações com manequins.

Etapa 4: Os estudantes foram divididos em dois grupos sendo o primeiro grupo denominado (G1 - Intervenção) e o segundo grupo (G2 - Controle).

O grupo G1, com as informações obtidas na aula expositiva dialogada, e pós treinamento do orientador, o qual demonstrou a maneira correta de executar os procedimentos junto aos manequins modelo, já sob supervisão de dois avaliadores, realizou o atendimento ao paciente simulado nas estações: cateterismo vesical masculino, avaliação prostática e avaliação perineal masculina, sendo a avaliação das competências observadas apontadas através do checklist.

O grupo G2 deveria apenas, com as informações obtidas na aula expositiva dialogada, e sob supervisão de dois avaliadores, demonstrar compreensão no atendimento ao paciente simulado com manequins, divididos em três estações: cateterismo vesical masculino, avaliação prostática masculina e avaliação perineal masculina, sendo novamente a avaliação da competência observada por checklist.

Os estudantes foram divididos nos grupos por amostragem aleatória e os avaliadores não receberam informação acerca da situação prévia do estudante, ou seja, tentou-se criar um modelo próximo ao duplo-cego de forma a limitar o conhecimento dos avaliadores quanto ao nível de treinamento dos estudantes. Diminui-se assim, a possibilidade de induzir à resposta dos avaliadores, como preconizado em ensaios clínicos randomizados.

Descrição das estações

Todos os estudantes na aula expositiva dialogada receberam as instruções de como realizar os procedimentos que encontrariam nas 3 estações a serem estudadas:

Estação 1: Cateterismo vesical masculino no manequim simulado

Estação 2: Toque de próstata no manequim simulado de próstata

Estação 3: Exame perineal masculino no manequim de bolsa escrotal

Desta forma, eram divididos em dois grupos aleatoriamente, sendo que o estudante 1 (ímpar) recebia o treinamento junto ao manequim de um instrutor; e o estudante 2 (par) apenas com as instruções da aula expositiva dialogada, sem instrutor, e assim sucessivamente.

Em cada estação, a rotina era a mesma, e o estudante tinha o tempo de 3 minutos para desenvolver a atividade junto ao manequim:

  1. Identificar o prontuário junto ao manequim (olhando ou pegando e lendo o prontuário).

  2. Apresentar-se ao paciente (manequim).

  3. Identificar o manequim como paciente através do nome.

  4. Explicar o procedimento ao paciente manequim.

  5. Colocar as duas luvas corretamente.

  6. Realizar assepsia local com gaze.

  7. Realizar o procedimento da estação.
    1. Cateterismo vesical: passar a sonda, observar a saída de urina - o manequim emite som de apito quando a sonda chega na bexiga e há saída de urina (no caso soro); descartar a sonda e a luva em local correto.

    2. No toque retal: realizar o toque e identificar a patologia da próstata (no caso um nódulo único prostático); descartar a luva em local correto.

    3. No exame perineal: palpar o escroto de silicone, identificar o nódulo testicular; descartar a luva em local correto.

  8. Avaliação de descarte de materiais.

Em todas as estações os estudantes eram avaliados pelo pesquisador, pelo professor de Urologia convidado, e por uma técnica de enfermagem que realiza instrumentação cirúrgica, sendo os apontamentos anotados na ficha única por comum acordo, ou por maioria.

Posteriormente ao desenvolvimento das atividades nas estações com manequins, os estudantes que receberam treinamento foram submetidos a um novo questionário sobre o nível de confiança e sua capacidade de desenvolver as competências.

RESULTADOS

A população disponível para o estudo foi de 98 estudantes que, após o preenchimento dos quesitos para participar da pesquisa, resultaram em uma amostra de noventa e um (91) estudantes, com idade entre 19 e 40 anos. A Tabela 1 apresenta o resultado descritivo dos escores médios obtidos pelos estudantes em cada estação, dividido entre aqueles que realizaram treinamento com o orientador (G1) e os que não realizaram treinamento (G2).

Tabela 1
Scores médios obtidos pelos estudantes com e sem treinamento prévio frente ao checklist em cada um dos três cenários.

Verifica-se que a estação 1, nos dois grupos, foi mais fácil de ser executada pelos estudantes. A estação 3 foi a segunda em ordem de dificuldade e a estação 2, a terceira. Estes dados apontam que, independentemente de receber treinamento, a passagem de sonda vesical foi considerada como procedimento mais fácil de ser executado, enquanto o exame de próstata, o mais complexo.

Figura 1:
Dados comparativos entre tipos de treinamento e cenários (C.1, C.2, C.3) avaliados frente ao checklist.

Este resultado é confirmado pela Análise de Variância de duas Vias (ANOVA). O fator coluna (Nível de treinamento) é considerado estatisticamente distinto nos dois grupos (p<0,001, F=79,87, dF=1). Da mesma forma, o fator linha (diferentes estações) é considerado estatisticamente distinto (p<0,001, F=28,95, dF=2), demonstrando que cada estação apresenta resultados distintos e podem ser categorizados por ordem de dificuldade.

Ainda que os escores dos estudantes que receberam treinamento foram mais elevados, a avaliação dos mesmos por checklist apresentou variações dentro de cada estação.

O grau de dificuldade é avaliado pela regressão logística do número de estudantes que não atingem determinado item. Assim, a questão número 4, é aquela onde 57,4 % dos estudantes não cumpriram com o proposto. Este item refere-se à “explicar o procedimento ao paciente”.

Considerando o aspecto “simplificado” desta operação, observa-se que o estudante acredita ser de pouca importância relatar o procedimento ao paciente, e só o faria mediante treinamento prévio. Este fenômeno é reforçado no grupo sem treinamento, onde o número de estudantes que não cumpriram a tarefa (76,1) é 18,7% superior.

Considera-se para efeitos práticos que cada 0,2 pontos corresponde a um nível de dificuldade. Assim, de 0,00 - 0,199, corresponde a itens muito difíceis seguido por 0,200 - 0,399 (difíceis); 0,400 - 0,599 (médios); 0,600 - 0,799 (fáceis); 0,800 - 1,000 (muito fáceis).

Observou-se que o docente pode avaliar com segurança o estudante que desenvolveu a habilidade proposta quando questões de dificuldade média ou difícil são atingidas, ao contrário das muito fáceis (acima de 0,8 em ambos os grupos), onde estas questões não demonstram habilidade técnica por si só, uma vez que tanto estudantes com, quanto sem treinamento cumprem perfeitamente estes itens. São eles: passar a sonda corretamente, identificar o prontuário, colocar as luvas corretamente, ocorrer a drenagem da urina.

A Análise de Variância de duas Vias (ANOVA), confirma este dado. O fator coluna (Nível de treinamento) é considerado estatisticamente distinto nos dois grupos (p<0,01, F=66,98, dF=1). Da mesma forma, o fator linha (diferentes estações) é considerado estatisticamente distinto (p<0,01, F=43,83, dF=8), demonstrando que cada estação apresenta resultados distintos e podem ser categorizados por ordem de dificuldade (Tabela 2).

Tabela 2
Nível de dificuldade das questões obtidas pela teoria de resposta ao item de três parâmetros logísticos ordenados em ordem crescente de facilidade para o cenário 1.

Em pós teste de Bonferroni, os itens 9, 10, 3, 6 e 2; são considerados distintos entre si, demonstrando que estas questões tendem a diferenciar melhor os estudantes que possuem a competência exigida neste cenário.

Análise comparativa dos questionários pré-teste

Após a aula expositiva dialogada, todos os estudantes responderam um questionário (Q2a) para avaliar seu entendimento quanto aos aspectos teóricos do tema, bem como sua segurança em executar as técnicas exigidas.

Os 45 estudantes que receberam treinamento prévio com o docente (Q2b), responderam o questionário uma segunda vez, com as mesmas perguntas, para verificar o nível de compreensão e confiança dos mesmo após a realização de treinamento prático.

A partir da Figura 2, é possível observar que o score médio obtido pelos estudantes com treinamento é maior nas cinco primeiras questões, antes do treinamento com docente. Na sexta questão, que se refere a confiança do estudante de ensinar um paciente a realizar o cateterismo vesical em casa, o escore diminuiu, sugerindo que a necessidade de executar uma tarefa mais difícil, torna-os ciente do grau de sua dificuldade e sua confiança diminui.

Figura 2:
Análise comparativa entre os questionários sobre nível de compreensão e confiança, respondidos por todos os estudantes e apenas por aqueles que realizaram o treinamento prático.

Cálculo odds ratio

Para o cálculo das razões de chances (odds ratio), foi elencado um grau de dificuldade médio, ou seja, a relação entre os estudantes que alcançaram um mínimo de 50 % de acertos em cada cenário, demonstrado na Tabela 3. Neste modelo, não se levou em consideração a dificuldade do cenário para que fosse possível comparar as razões dos três cenários entre si.

Tabela 3
Cálculo das razões de chances (odds ratio), nos três cenários abordados.

A partir dos dados obtidos, existe, respectivamente, 1,48; 1,80 e 2,0 vezes mais chance dos estudantes que passaram pelo treinamento obterem scores maiores que os que não passaram pelo treinamento.

DISCUSSÃO

A presente pesquisa abordou o desenvolvimento de competências em estudantes de graduação em medicina com o uso de manequins de treinamento urogenital, e trouxe como contribuição a análise dos estudantes na execução dos procedimentos após treinamento teórico e em conjunto com treinamento em manequins.

A simulação surgiu como uma ferramenta que pode fornecer um custo benefício eficiente em termos de tempo e segurança no treinamento, e mais ainda, na segurança do paciente. Em 2008, o Comitê de Revisão de Residências em cirurgia, decretou que todos os programas de treinamento dentro dos Estados Unidos devem “incluir simulação e laboratórios de competências”1212 Brewin J, Ahmed K, Challacombe B. An update and review of simulation in urological training. Int J Surg. 2014;12(2):103-8. doi: 10.1016/j.ijsu.2013.11.012.
https://doi.org/10.1016/j.ijsu.2013.11.0...
.

Como demonstrado na Tabela 1, foi possível identificar que os estudantes com treinamento tiveram facilidade em executar a prática, o que corrobora com o estudo de Motta1010 Motta EV, Baracat EC. Treinamento de habilidades cirúrgicas para estudantes de medicina - papel da simulação / Surgical skills training for medical students - role of simulation. Rev Med (São Paulo). 2018;97(1):18-23., que descreve que o desenvolvimento de um processo educacional amplo, abrangendo diferentes aptidões, permite ao docente identificar os aspectos positivos e negativos de diferentes estudantes, sendo possível estabelecer estratégias de resgate na formação, utilizando diferentes modalidades de simulação.

Este fato, por si, aponta para a importância do treinamento com manequins possivelmente ser estratégia na formação dos estudantes, utilizando várias modalidades de simuladores como forma de consolidação do conhecimento teórico adquirido.

Um estudo randomizado22 Pugh CM, et al. Use of Mannequin-Based Simulation to Decrease Student Anxiety Prior to Interacting With Male Teaching Associates. Teach Learn Med. 2012;24(2):122-7. doi: 10.1080/10401334.2012.664534.
https://doi.org/10.1080/10401334.2012.66...
, mostrou os benefícios da utilização de aulas apoiadas em manequins versus o estudo tradicional na diminuição da ansiedade dos estudantes, quando realizavam a avaliação do trato urogenital dos pacientes à beira do leito, comparado com os estudantes que fizeram somente as aulas teóricas. O trabalho de Rodrígues-Díez1111 Rodríguez-Díez MC, et al. La simulación mejora la confianza de los estudiantes para adquirir competencias en urología. Actas urol. esp. 2014;38(6):367-72. doi: 10.1016/j.acuro.2013.10.007.
https://doi.org/10.1016/j.acuro.2013.10....
demonstrou que o treinamento com simuladores de urologia para cateterismo vesical e exame retal melhorou a confiança do estudante no desempenho dessas habilidades.

Quanto ao impacto de uso de simuladores sobre a confiança dos estudantes, pode-se afirmar que com a inclusão de simuladores nos programas de treinamento, o grau de confiança do estudante, bem como habilidades adquiridas, foi significativo.

Assim, foi possível notar que independente da estação, no que se refere à competência, os estudantes que realizaram treinamento possuem escore médio mais alto comparados àqueles que não receberam treinamento prévio. Logo, o nível de treinamento dos estudantes afeta seu desempenho na avaliação.

Ainda, pode-se inferir que a prática com manequins traz um novo significado aos estudantes, pois, na medida que ocorre a interação da parte prática com a aula expositiva dialogada, ou seja, do seu conhecimento prévio teórico, os manequins trazem uma nova estrutura de informação, fazendo que o estudante solidifique o aprendizado, melhorando sua confiança.

Portanto, o trabalho desenvolvido, em concordância com diversos autores supracitados, demonstrou a necessidade de mudanças na forma de ensino, com atividades que utilizem os manequins de simulação do trato urogenital pelos estudantes de graduação em medicina, a fim de melhorar o seu nível de confiança; e, através da sistematização dos métodos, adquirir novas competências em urologia.

Pode-se afirmar, após a análise dos resultados, que o desenvolvimento de habilidades médicas no que concerne ao aprendizado de urologia, é afetado positivamente, quanto maior a aproximação dos estudantes com o conteúdo. Aqui inclui-se as aproximações teóricas, bem como as aplicações práticas ou clínicas do conteúdo estudado.

Já, as atividades desenvolvidas apenas com base na aula teórica dialogada, levou a um déficit no cumprimento das tarefas junto aos manequins, ocasionando maior estresse e ansiedade nos estudantes.

Assim, sugere-se que através da implantação do uso de manequins de simulação do trato urinário na disciplina de urologia, novos trabalhos possam ser realizados para o aprimoramento do método, almejando o conforto do estudante, a segurança do paciente e uma formação médica mais equilibrada entre a teoria em sala de aula e a prática clínica no contato com o paciente. Neste sentido, reforça-se a necessidade de adicionar o tamanho da amostra de forma a aumentar o quantitativo de dados.

CONCLUSÕES

A melhora da compreensão e execução de procedimentos pelos estudantes de graduação em medicina, após treinamento teórico e prático junto aos manequins, reforça que a busca por novas modalidades de ensino, como o uso de simuladores de treinamento urogenital, é fundamental na evolução do aprendizado e do grau de confiança.

Os resultados demonstraram que houve mudança de aptidão e desenvolvimento de competência dos estudantes para realização de semiologia do trato urogenital e para a realização de procedimentos como sondagem vesical masculina, toque retal e exame perineal masculino, após o treinamento com simuladores.

REFERENCES

  • 1
    Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES n.o 3, de 20 de junho de 2014. Institui diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em Medicina e dá outras providências. Brasília, 2014.
  • 2
    Pugh CM, et al. Use of Mannequin-Based Simulation to Decrease Student Anxiety Prior to Interacting With Male Teaching Associates. Teach Learn Med. 2012;24(2):122-7. doi: 10.1080/10401334.2012.664534.
    » https://doi.org/10.1080/10401334.2012.664534
  • 3
    Kaplan AG, et al. Preliminary Evaluation of a Genitourinary Skills Training Curriculum for Medical Students. J Urol. 2009 Aug;182(2):668-73. doi: 10.1016/j.juro.2009.04.037.
    » https://doi.org/10.1016/j.juro.2009.04.037
  • 4
    Naylor RA, et al. Can medical students achieve skills proficiency through simulation training? Am J Surg. 2009;198(2):277-82. doi: 10.1016/j.amjsurg.2008.11.036.
    » https://doi.org/10.1016/j.amjsurg.2008.11.036
  • 5
    Dayal AK, et al. Simulation Training Improves Medical Students' Learning Experiences When Performing Real Vaginal Deliveries. Simul Healthc. 2009;4(3):155-9. doi: 10.1097/SIH.0b013e3181b3e4ab.
    » https://doi.org/10.1097/SIH.0b013e3181b3e4ab
  • 6
    Vozenilek JS, Huff J, Reznek M, Gordon J. See one, do one, teach one: advanced technology in medical education. Acad Emerg Med. 2004;11(11):1149-54. doi: 10.1197/j.aem.2004.08.003.
    » https://doi.org/10.1197/j.aem.2004.08.003
  • 7
    Davis NF, et al. Incidence, Cost, Complications and Clinical Outcomes of Iatrogenic Urethral Catheterization Injuries: A Prospective Multi-Institutional Study. J Urol. 2016;196(5):1473-7. doi: 10.1016/j.juro.2016.05.114.
    » https://doi.org/10.1016/j.juro.2016.05.114
  • 8
    Gil AC. Metodologia do ensino superior. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1997.
  • 9
    Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Ensino Superior. Ministério da Saúde. Secretaria da Gestão do Trabalho e Educação na Saúde. Matriz de correspondência curricular para fins de revalidação de diplomas de médico obtidos no exterior / Ministério da Educação, Ministério da Saúde. Brasília: MEC, MS, 2009.
  • 10
    Motta EV, Baracat EC. Treinamento de habilidades cirúrgicas para estudantes de medicina - papel da simulação / Surgical skills training for medical students - role of simulation. Rev Med (São Paulo). 2018;97(1):18-23.
  • 11
    Rodríguez-Díez MC, et al. La simulación mejora la confianza de los estudiantes para adquirir competencias en urología. Actas urol. esp. 2014;38(6):367-72. doi: 10.1016/j.acuro.2013.10.007.
    » https://doi.org/10.1016/j.acuro.2013.10.007
  • 12
    Brewin J, Ahmed K, Challacombe B. An update and review of simulation in urological training. Int J Surg. 2014;12(2):103-8. doi: 10.1016/j.ijsu.2013.11.012.
    » https://doi.org/10.1016/j.ijsu.2013.11.012
  • Fonte de financiamento:

    nenhuma.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    15 Maio 2023
  • Aceito
    15 Out 2023
Colégio Brasileiro de Cirurgiões Rua Visconde de Silva, 52 - 3º andar, 22271- 090 Rio de Janeiro - RJ, Tel.: +55 21 2138-0659, Fax: (55 21) 2286-2595 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revista@cbc.org.br