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Reanimação fetal: um relato de caso

Fetal reanimation: a case report

Resumos

Os autores descrevem caso de desaceleração prolongada da freqüência cardíaca fetal, diagnosticada através da cardiotocografia, tratada com sucesso mediante tocólise aguda com terbutalina intravenosa.

Reanimação fetal; Tocólise; Betamiméticos; Sofrimento fetal agudo


A tocolytic treatment is described with the use of terbutaline in a case of cardiotocographic prolonged deceleration of fetal heart rate with successful outcome.

Fetal reanimation; Tocolysis; Betamimetics; Fetal distress


Relatos de Casos

Reanimação Fetal: um Relato de Caso

Fetal Reanimation: a Case Report

José Maria Soares Júnior, Wladimir Correa Taborda, Anna Maria Bertini, Jorge Francisco Kuhn dos Santos

RESUMO

Os autores descrevem caso de desaceleração prolongada da freqüência cardíaca fetal, diagnosticada através da cardiotocografia, tratada com sucesso mediante tocólise aguda com terbutalina intravenosa.

PALAVRAS-CHAVE: Reanimação fetal. Tocólise. Betamiméticos. Sofrimento fetal agudo.

Introdução

As contrações uterinas do trabalho de parto habitualmente comprimem os vasos maternos e alteram o fluxo sangüíneo através do espaço interviloso, reduzindo momentaneamente os intercâmbios metabólicos entre o feto e a mãe. Entretanto, a elevação patológica do tônus (hipertonia), intensidade (hipersistolia), freqüência (taquissistolia ou polissistolia) e duração das contrações uterinas, que podem ocorrem durante a fase ativa do trabalho de parto, determinam alterações do ritmo cardiofetal (principalmente desaceleração prolongada, variável e tardia) e sofrimento do concepto. Isto ocorre com maior freqüência em produtos que já apresentam menor reserva funcional durante a gestação, mas também pode acontecer em fetos hígidos.

O exagero da cinética uterina é mais encontrado nos casos de uso intempestivo de ocitócicos, emprego inadequado de tocoanalgesia e anestesia e, também, de etiologia idiopática. A compressão de vasos umbilicais, especialmente em casos de oligoâmnio, também pode reduzir o fluxo de sangue, tanto no sentido para o feto, quanto para as vilosidades coriônicas, determinando hipoxemia (redução de oxigênio no sangue), hipercapnia (elevação do gás carbônico no sangue), acidose (redução do pH dos tecidos) e outros distúrbios homeostáticos do produto conceptual.

A terapêutica normalmente realizada após o diagnóstico cardiotocográfico de sofrimento fetal (desaceleração prolongada e persistente da freqüência cardíaca) inclui posicionar a paciente em decúbito lateral esquerdo, ministrar oxigênio à mãe e ultimar o parto pela via mais rápida e segura, comumente por fórcipe ou vácuo-extração ou, então, operação cesariana1. Os resultados obtidos com tais métodos, contudo, deixam a desejar. Os recém-nascidos freqüentemente apresentam-se deprimidos, exigindo cuidados intensivos neonatais. Desta forma, diversos autores têm sugerido métodos alternativos e mais eficientes para tratar o concepto in utero, entre os quais destaca-se o emprego de fármacos tocolíticos, com o objetivo de inibir as contrações uterinas excessivas, visando aumentar o fluxo sangüíneo na placenta e a oxigenação fetal, realizando-se o parto somente após a estabilização hemodinâmica e metabólica do concepto.

Diversos estudos relatam a importância e os benefícios da tocólise aguda utilizando drogas betamiméticas como a orciprenalina1, o DU-212203, a ritodrina10, a hexoprenalina6 e a terbutalina9. Mais recentemente têm sido utilizados o sulfato de magnésio, a nifedipina e a aminofilina também com bons resultados2.

Relato de Caso

S.E.C.S., 33 anos, branca, secundigesta, primípara, compareceu à maternidade do Amparo Maternal com queixa de diminuição da movimentação fetal havia dois dias e cefaléia frontal desde o sétimo mês de gestação. Referia ser hipertensa há 2 anos e ter tido, na gestação anterior, parto cesáreo devido a descolamento prematuro da placenta (DPP) que resultou em natimorto pré-termo. A idade gestacional na internação era de 40 semanas, não havendo apresentado outras intercorrências durante o pré-natal, além de hipertensão arterial controlada apenas com dieta e repouso.

O exame físico revelava bom estado geral, pressão arterial de 150/100 mmHg, pulso radial de 88 ppm, altura uterina de 35 cm, atividade uterina de trabalho de parto ausente e tônus uterino normal. Feto em apresentação cefálica com freqüência cardíaca rítmica de 136 bpm. Ao toque, o colo uterino era impérvio e posterior. Os exames laboratoriais mostravam-se normais.

A cardiotocografia anteparto de repouso na admissão da gestante era normal (Figura 1). No dia seguinte, evidenciou-se, ao exame clínico, atividade uterina regular com duas contrações de sessenta segundos num período de dez minutos e adequado relaxamento uterino intercontratural. O colo uterino permanecia sem dilatação e o especular não revelava sangramento genital. A cardiotocografia, entretanto, demonstrou atividade uterina intensa e prolongada acompanhada de profunda e duradoura desaceleração da freqüência cardíaca fetal (FCF), que manteve-se em 60 bpm durante seis minutos.


Procedeu-se à ministração intravenosa imediata de 0,5 mg de terbutalina (uma ampola), lentamente, que prontamente normalizou a FCF, conforme ilustra a Figura 2. Após a melhora do padrão tococardiográfico, foi realizado o parto cesáreo sob a indicação de sofrimento fetal agudo sem causa aparente. O recém-nascido do sexo masculino pesou 3.820 g e foi considerado adequado para a idade gestacional. O índice de Apgar foi de 8 e 9, no primeiro e quinto minutos, respectivamente. A placenta pesou 500 g, não exibindo sinais de descolamento. O neonato evoluiu sem intercorrências no berçário, tendo alta com a mãe no terceiro dia de vida.


Discussão

O sofrimento fetal intraparto decorrente de efeito isquêmico agudo sobre o espaço interviloso ou, às vezes, sobre a própria circulação umbilical, é geralmente causado por contrações uterinas excessivas ou pelo DPP. A acidose fetal e depressão neonatal decorrentes são capazes de produzir alterações neurológicas graves e permanentes e até mesmo o óbito8.

A tocólise intraparto, definida por redução farmacológica da contratilidade uterina exacerbada, tem sido proposta nestes casos já que reduz a resistência uterina materna e melhora o fluxo sangüíneo útero e/ou fetoplacentário, aumentando a transferência placentária de oxigênio e melhorando as condições fetais para uma possível intervenção5.

O sofrimento fetal agudo pode ser caracterizado por meio da cardiotocografia quando esta evidencia desacelerações prolongadas, tardias (dips II repetitivos) ou variáveis (dips III ou umbilicais profundos e duradouros), mormente quando acompanhadas de redução da variabilidade da linha de base da FCF. No caso relatado verificou-se uma desaceleração prolongada de seis minutos de duração, atingindo valores no nadir da desaceleração de 60 bpm, bastante sugestiva de sofrimento fetal agudo.

A opção pela tocólise com terbutalina intravenosa melhorou o padrão da FCF ao abolir as contrações uterinas que precipitavam a desaceleração grave. Deste modo foi possível evitar a cesariana de emergência, que apresenta maiores riscos maternos e fetais (lacerações e hematomas do canal do parto, anestesia de emergência, tocotraumatismos no feto e infecções), aguardando-se a reversão da acidose fetal para sua retirada em melhores condições de oxigenação cerebral, pulmonar e cardíaca. Isto pode ser comprovado pela pontuação de Apgar do recém-nascido e sua boa evolução no berçário.

Apesar do sucesso no caso descrito, há contra-indicações para a tocólise aguda que devem ser bem conhecidas e incluem: óbito fetal, malformação fetal incompatível com a vida, sofrimento fetal não decorrente de hipercinesia uterina (hemorragia genital importante por DPP ou inserção baixa da placenta), rotura uterina, hipertireoidismo e choque materno. O procedimento também será desnecessário quando o parto é iminente, já que a episiotomia e a aplicação do fórcipe ou do vácuo-extrator podem ser alternativas para a rápida ultimação do nascimento.

Os betamiméticos são os tocolíticos de escolha, já que proporcionam melhores resultados perinatais7. Os efeitos colaterais maternos incluem palpitações, mal-estar, tremores musculares, vermelhidão no rosto, sudorese, taquicardia e hipotensão. Assim, pacientes portadoras de cardiopatia (arritmia ou insuficiência cardíaca congestiva), hipertensão arterial grave, diabetes mélito descompensado, glaucoma ou hipertiroidismo exigem outras opções como o sulfato de magnésio ou os bloqueadores do canal de cálcio (nifedipina).

O efeito colateral fetal mais comum é a taquicardia. Hofmeyr4 sugere que os betamiméticos são úteis para ganhar tempo para um parto operatório, para analgesia regional e para a transferência da parturiente de sua casa ou de outro serviço para um hospital com recursos adequados4. Existem relatos, contudo, de agravamento das condições fetais e também de óbito perinatal, razão pela qual julgamos serem necessários estudos prospectivos controlados sobre esta proposta terapêutica para adequadas conclusões sobre a eficácia, a necessidade da tocurgia e, principalmente, a suposta redução da morbidade e mortalidade neonatal decorrentes.

SUMMARY

A tocolytic treatment is described with the use of terbutaline in a case of cardiotocographic prolonged deceleration of fetal heart rate with successful outcome.

KEY WORDS: Fetal reanimation. Tocolysis. Betamimetics. Fetal distress.

Correspondência:

José Maria Soares Junior

Amparo Maternal

Disciplina de Obstetrícia da Escola Paulista de Medicina - Universidade Federal de São Paulo

Rua Botucatu, 740

04023-900 – São Paulo – SP

  • 1- Caldeyro-Barcia R, Magaña JM, Castillo JB, Poseiro JJ, Méndez-Bauer C, Pose SV, Escarcena, L, Casacuberta C, Bustos JR, Giussi G. Nuevo enfoque para el tratamiento del sufrimiento fetal agudo intraparto. In: Actas de la VIII Reunión del Comité Asesor de la OPS sobre Investigaciones Médicas. Washington. 1969, 185: 241-6.
  • 2- Cheng-Lian Z. Prospective study on intrauterine fetal resuscitation with aminophylline. Chin J Obstet Gynecol 1992, 27:76-9.
  • 3- Esteban-Altirriba J, Maiques V. Inhibition of human myometrial activity by a new b-adrenergic drug (DU21220). J Obstet Gynaec Brit Cwlth 1969, 76:656-62.
  • 4- Hofmeyer GJ. Betamimetics for suspected intrapartum fetal distress. In: Neilson JP, Crowther CA, Hodnett ED, Hofmeyer GJ, Keirse MJNC, editors. Pregnancy and Childbirth Module of The Cochrane Database of Systematic Reviews. Oxford: The Cochrane Library 1997, 1-5.
  • 5- Kastendieck E. Akuttokolyse während der Geburt: Pathophysiologie und Klinik der intrauterinen Reanimation. Gynäkologe 1984; 17:265-78.
  • 6- Lipshitz J, Shaver DC, Anderson GD. Hexoprenaline tocolysis for intrapartum fetal distress and acidosis. J Reprod Med 1986, 31:1023-6.
  • 7- Magann EF, Clevenland RS, Dockery Jr, Chauhan SP, Martin Jr JN, Morrison JC. Acute tocolysis for distress: terbulaline versus magnesium sulphate. Aust N Z J Obstet Gynaecol 1993, 33:362-4.
  • 8- Mendez-Bauer C, Shekarloo A, Cook V, Freese U. Treatment of acute intrapartum fetal distress by b2-sympathomimetics. Am J Obstet Gynecol 1987, 156:638-43.
  • 9- Shekarloo A, Mendez-Bauer C, Cook V, Freeze U. Terbutaline (intravenous bolus) for the treatment of acute intrapartum fetal distress. Am J Obstet Gynecol 1969, 160:615-8.
  • 10- Sheybany S, Murphy JF, Evans D, Combe RG, Pearson JF. Ritodrine in the management of fetal distress. Brit J Obstet Gynaecol 1982, 89:723-6.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Abr 2007
  • Data do Fascículo
    Abr 1998
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