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Gravidez ectópica cervical com embrião vivo: relato de quatro casos

Cervical pregnancy with live embryo: a report of four cases

Resumos

Objetivo: avaliar a eficácia e segurança do tratamento da gravidez ectópica cervical com embrião vivo com a injeção intra-amniótica de metotrexato (MTX). Métodos: quatro pacientes fizeram parte do estudo. O diagnóstico foi efetuado pelo exame clínico e confirmado pela ultra-sonografia, na qual foi visualizado saco gestacional com embrião vivo em topografia do colo uterino. As pacientes foram submetidas a punção do saco gestacional guiada pela ultra-sonografia, tendo sido aspirado o seu conteúdo e injetado metotrexato (1 mg/kg). O controle foi realizado com dosagens seriadas de beta-hCG nos dias 1, 4 e 7 após a injeção e semanalmente até negativação dos títulos. Resultados: os quatro casos foram tratados com sucesso. O tempo necessário para regressão dos níveis de beta-hCG a valores pré-gravídicos foi de: 60 dias (caso 1), 74 dias (caso 2), 28 dias (caso 3) e 10 dias (caso 4). Conclusão: a injeção intra-amniótica de MTX é uma alternativa do tratamento da gravidez ectópica cervical com embrião vivo, pois evita a cirurgia e preserva a fertilidade.

Gravidez ectópica; Quimioterapia; Ultra-sonografia; Colo do útero


Purpose: to evaluate safety and efficacy of intra-amniotic injection of methotrexate (MTX) for treatment of viable cervical pregnancy. Methods: four women with viable cervical pregnancy confirmed by ultrasound (US) were treated with transvaginal injection of MTX (1 mg/kg) under sonographic control. The follow-up was made with serial dosages of beta-hCG on days 1, 4 and 7 after injection and weekly until the titers were negative. Results: the patients were treated with success. The time for the titers of beta-hCG to become negative after the treatment was: 62 days (case 1), 84 days (case 2), 28 days (case 3) and 10 days (case 4). Conclusion: intra-amniotic injection of MTX can be used to avoid surgery in cases of viable cervical pregnancy.

Cervical pregnancy; Methotrexate; Ultra-sound; Ectopic pregnancy


Relato de Caso

Gravidez Ectópica Cervical com Embrião Vivo: Relato de Quatro Casos

Cervical Pregnancy with Live Embryo: a Report of four Cases

Julio Elito Junior, Mary N. Uchiyama, Luiz Camano

RESUMO

Objetivo: avaliar a eficácia e segurança do tratamento da gravidez ectópica cervical com embrião vivo com a injeção intra-amniótica de metotrexato (MTX).

Métodos: quatro pacientes fizeram parte do estudo. O diagnóstico foi efetuado pelo exame clínico e confirmado pela ultra-sonografia, na qual foi visualizado saco gestacional com embrião vivo em topografia do colo uterino. As pacientes foram submetidas a punção do saco gestacional guiada pela ultra-sonografia, tendo sido aspirado o seu conteúdo e injetado metotrexato (1 mg/kg). O controle foi realizado com dosagens seriadas de beta-hCG nos dias 1, 4 e 7 após a injeção e semanalmente até negativação dos títulos.

Resultados: os quatro casos foram tratados com sucesso. O tempo necessário para regressão dos níveis de beta-hCG a valores pré-gravídicos foi de: 60 dias (caso 1), 74 dias (caso 2), 28 dias (caso 3) e 10 dias (caso 4).

Conclusão: a injeção intra-amniótica de MTX é uma alternativa do tratamento da gravidez ectópica cervical com embrião vivo, pois evita a cirurgia e preserva a fertilidade.

PALAVRAS-CHAVE: Gravidez ectópica. Quimioterapia. Ultra-sonografia. Colo do útero.

A gravidez ectópica cervical (GEC) é patologia obstétrica das mais graves e dramáticas. Em 1953 Baptist Jr.1 fez a seguinte reflexão: "A maioria dos grandes obstetras nunca viram um caso de GEC. No entanto, uma minoria que teve esta oportunidade gostaria de jamais tê-la visto". Este comentário de Baptist há mais de 40 anos é em verdade absolutamente atual. A implantação cervical é acompanhada de hemorragia maciça por ser a cérvix um órgão muito vascularizado e pobre em musculatura.

A GEC é forma rara de gravidez, representando 0,1% dos casos; a incidência oscila de 1:2.5002 a 1:50.000 gravidezes3. Com o desenvolvimento dos métodos propedêuticos como a beta-hCG e a ultra-sonografia, o diagnóstico pode ser feito precocemente, antes que se manifestem as complicações. A ultra-sonografia (US) evidencia dados que confirmam uma GEC, quais sejam: cavidade uterina vazia, eco endometrial espessado em razão da reação decidual, útero com formato de ampulheta, canal cervical aumentado, saco gestacional na cérvix com embrião no seu interior exibindo ou não batimentos cardíacos, tecido placentário circundando o saco gestacional e orifício interno do colo fechado.

Casos não-diagnosticados e não-tratados na sua fase inicial podem se transformar em catastrófica emergência obstétrica coroada por hemorragia intensa. O ominoso prognóstico devido ao sangramento vultuoso faz com que o médico tome condutas efetivas, indicando, na maioria dos casos (50-70%) a histerectomia total2,4. Ressalte-se que representa tocurgia trabalhosa e difícil, com freqüente necessidade de transfusão de sangue, além do risco de lesões do trato urinário.

Em situações particulares podemos tentar condutas cirúrgicas menos radicais, como curetagem5, circlagem, amputação do colo, ligadura da artéria hipogástrica e tamponamento cervical. O sucesso dessas formas de tratamento, contudo, é precário, e a maioria dos casos evolui para histerectomia.

Em função do desfecho cirúrgico com elevada morbidez e mortalidade, estamos propondo tratamento medicamentoso com o uso do metotrexato (MTX), preservando, destarte, a capacidade reprodutiva da paciente. Com o intuito de preservar a fertilidade futura, muitos casos de GEC têm sido tratados com medicamentos, sendo o mais utilizado o MTX4,6. Acrescente-se que diversos trabalhos salientaram o uso do MTX no tratamento da gravidez ectópica (GE) tubária7,8, com ótimos resultados e poucos efeitos colaterais e complicações.

Ao analisarmos a literatura, observamos que existem restrições ao uso do tratamento sistêmico com MTX por via intramuscular na vigência de embrião com batimentos cardíacos, sendo esta uma relativa contra-indicação para o uso desta terapêutica7,8,9. Nestas situações, podemos lançar mão do tratamento local, isto é, injetar o MTX no interior do saco gestacional. O acompanhamento deve ser feito com dosagens de beta-hCG no 4o e 7o dias após a punção, e depois semanalmente até a obtenção de títulos inferiores a 25 mUI/ml. A US é um parâmetro ruim de acompanhamento, já que a imagem ultra-sonográfica persiste, mesmo após títulos de beta-hCG negativos.

Nós descreveremos resultados de quatro casos de gravidez ectópica cervical com embrião vivo tratados com injeção intra-amniótica de metotrexato.

Relato dos casos

Caso 1

Paciente de 32 anos, primípara com história de 11 semanas de atraso menstrual, apresentando sangramento genital. Ao exame dos genitais internos, apresentava colo amolecido, aspecto de tonel e orifício externo impérvio. Ao especular, conteúdo vaginal hemático e colo de coloração violácea, aumentado de tamanho, com 6 cm de diâmetro. A US evidenciou saco gestacional na cérvix, com embrião no seu interior, medindo 37 mm no comprimento cabeça-nádegas, com atividade cardíaca, e o orifício interno do colo encontrava-se fechado. O valor da beta-hCG inicial era de 68.090,0 mUI/ml. A paciente foi tratada com punção do saco gestacional guiada pela ultra-sonografia, sendo aspirado o seu conteúdo e injetado MTX (1 mg/kg). Os batimentos cardíacos do feto persistiram após o procedimento, tendo desaparecido no exame de controle no dia seguinte. Este procedimento foi realizado no centro cirúrgico, com a paciente sob efeito de sedação anestésica. Devido aos valores elevados de beta-hCG e ao fato de a gravidez cervical estar avançada, optamos por adicionar uma dose de MTX (50 mg/m2) por via intramuscular. A paciente foi monitorizada com dosagens seriadas de beta-hCG no 4o e 7o dias e depois semanalmente até negativação dos títulos. Os títulos de beta-hCG ficaram negativos 60 dias após a injeção. A imagem ultra-sonográfica desapareceu 3 meses após o tratamento. Após este período realizamos histerossalpingografia que apresentou: pequena área pseudodiverticular à esquerda do colo uterino. Dois anos após o tratamento a paciente apresentou gravidez intra-uterina, evoluindo com parto normal e o RN pesou 2.910 g. Agora a paciente está novamente grávida e realizando pré-natal.

Caso 2

Paciente de 35 anos, II gesta 0 para, I aborto, com história de 9 semanas de atraso menstrual, queixando-se de dores no hipogástrio. Ao exame ginecológico, presença de colo aumentado de tamanho, com aproximadamente 5 cm de diâmetro. A ultra-sonografia confirmou a presença de saco gestacional em topografia de colo apresentando embrião no seu interior, com batimentos cardíacos. A beta-hCG inicial era de 4.527,9 mUI/ml. Realizamos a punção do saco gestacional guiada pela ultra-sonografia, sendo aspirado o seu conteúdo e injetado MTX na dose de 1 mg/kg. Após o procedimento, os batimentos cardíacos do feto desapareceram. O procedimento foi realizado no centro cirúrgico, com sedação da paciente. No entanto, ocorreu subida dos títulos de beta-hCG, sendo que no 7o dia este era de 6.312 mUI/ml, quando realizamos nova dose de MTX 50 mg/m2 IM. A partir desta dose houve queda paulatina dos títulos, com demora de 74 dias para que retorno a níveis pré-gravídicos. A imagem no US persistiu, mesmo após títulos negativos, por mais 2 meses.

Caso 3

Paciente de 20 anos, primípara, com história de 8 semanas de atraso menstrual. Ao exame especular apuramos colo aumentado de tamanho, com diâmetro de 5 cm, com orifício externo pérvio para meia polpa; ao especular, presença de discreto sangramento pelo orifício do colo. A ultra-sonografia confirmou se tratar de GEC pela visibilização de saco gestacional na cérvix, com embrião vivo no seu interior. A beta-hCG inicial era de 6.500,0 mUI/ml. A paciente foi tratada por punção do saco gestacional guiada pela ultra-sonografia transvaginal e injeção de MTX (1 mg/kg), em ambiente cirúrgico, sob efeito de anestesia geral. No dia seguinte ao procedimento ocorreu a parada dos batimentos cardíacos do feto. Os títulos de beta-hCG tornaram-se negativos após 28 dias da punção. A imagem ultra-sonográfica desapareceu 2 meses após o tratamento.

Caso 4

Paciente de 34 anos, III gesta II para, com 1 aborto espontâneo, apresentando 9 semanas de gestação, queixando-se de sangramento genital. Ao exame ginecológico, o colo encontrava-se aumentado e, ao especular observava-se sangramento escuro pelo orifício externo do colo. O título de beta-hCG era de 17.157 mUI/ml. A US transvaginal confirmou a presença de saco gestacional na topografia do colo do útero, com orifício interno fechado, e no interior do saco gestacional foi visibilizado embrião vivo. A paciente foi tratada em caráter ambulatorial por meio da punção do saco gestacional guiada pela ultra-sonografia transvaginal e injeção de MTX (1 mg/kg). O procedimento foi realizado sem anestesia, sendo que a paciente tomou sedativo 1 hora antes da punção. Os batimentos cardíacos fetais persistiram até o dia seguinte ao da punção. A paciente apresentou no sexto dia após o procedimento sangramento genital moderado, com eliminação do concepto da gravidez ectópica. A ultra-sonografia transvaginal demonstrou um discreto espessamento da parede do colo uterino, não sendo mais visibilizado o saco gestacional. Os títulos de beta-hCG regrediram rapidamente, ficando negativos 10 dias após o procedimento.

Discussão

A gravidez ectópica cervical é uma situação rara e pode trazer sérios problemas para a paciente. Estes casos podem evoluir com hemorragias profusas, perda da fertilidade e em alguns casos podem resultar em morte. A histerectomia tem sido o tratamento definitivo em aproximadamente 70% dos casos2. Com o objetivo de se preservar a fertilidade, é importante realizar o diagnóstico na sua fase precoce, e a ultra-sonografia é o principal método propedêutico nestas circunstâncias. Muitos casos de gravidez cervical têm sido tratados com quimioterápicos, sendo o metotrexato a droga mais freqüentemente usada e esta terapêutica tem contribuído para melhorar o prognóstico desta doença. A maioria dos autores concordam que a presença de gravidez ectópica com embrião vivo é uma relativa contra-indicação para o tratamento sistêmico com MTX. Pacientes com gravidez ectópica tubária apresentando embrião vivo submetidas a tratamento sistêmico com MTX (50 mg/m2 IM) geralmente evoluem com insucesso da terapêutica7,8,9. Por outro lado, diversos autores demonstraram bons resultados no tratamento da gravidez cervical com feto vivo, quando submetidos a injeção intra-amniótica de MTX10.

Neste estudo, realizamos o tratamento local com MTX em quatro casos. É um procedimento simples, e três das pacientes foram submetidas a anestesia geral, e a quarta paciente não recebeu anestesia, apenas sedativo. Puncionamos o saco gestacional guiados pela US e aspiramos o seu conteúdo e posteriormente injetamos MTX (1 mg/kg). Nós acreditamos que não há necessidade de realizar a punção intracardíaca do feto e injeção de MTX ou KCl. De nossos 4 casos, em apenas um ocorreu a parada imediata dos batimentos cardíacos fetais; nos demais, o feto permaneceu vivo após 1 hora da punção e no US de controle no dia seguinte já não se observava batimentos cardíacos e provavelmente isto ocorreu pela toxicidade do MTX no interior do saco gestacional. Três casos evoluíram com reabsorção da gravidez cervical. Nestes casos, o tempo necessário para regressão dos títulos de beta-hCG foi prolongado, o mesmo ocorrendo com o desaparecimento da imagem ultra-sonográfica. Em um caso ocorreu a eliminação do produto da gravidez cervical, com rápida resolução dos títulos de beta-hCG e da imagem ultra-sonográfica.

O sucesso destes quatro casos de GEC tratados com injeção intra-amniótica de MTX nos encoraja a considerar esta terapêutica como promessa valiosa, pois evita a histerectomia, diminuindo os riscos maternos e não comprometendo a capacidade reprodutora.

SUMMARY

Purpose: to evaluate safety and efficacy of intra-amniotic injection of methotrexate (MTX) for treatment of viable cervical pregnancy.

Methods: four women with viable cervical pregnancy confirmed by ultrasound (US) were treated with transvaginal injection of MTX (1 mg/kg) under sonographic control. The follow-up was made with serial dosages of beta-hCG on days 1, 4 and 7 after injection and weekly until the titers were negative.

Results: the patients were treated with success. The time for the titers of beta-hCG to become negative after the treatment was: 62 days (case 1), 84 days (case 2), 28 days (case 3) and 10 days (case 4).

Conclusion: intra-amniotic injection of MTX can be used to avoid surgery in cases of viable cervical pregnancy.

KEY WORDS: Cervical pregnancy. Methotrexate. Ultra-sound. Ectopic pregnancy.

Referências

Disciplina de Obstetrícia da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina

Correspondência: Julio Elito Junior

Rua Sampaio Vidal, 824 - Jardim Paulistano

01443-000 - São Paulo - SP

Tel.:(11) 852-4769

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Ago 2006
  • Data do Fascículo
    Jul 1999
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