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Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial na Gravidez: Comparação da Variabilidade Pressórica entre Gestantes Normotensas e Hipertensas Crônicas

Ambulatory Blood Pressure Monitoring: Comparison of the Blood Pressure Variability in Normotensive and Hypertensive Pregnant Women

Resumos

Objetivos: observar o comportamento da pressão arterial entre gestantes normotensas e hipertensas, determinando a presença ou não da queda noturna, a adesão ao método e possíveis complicações. Métodos: monitorização ambulatorial da pressão arterial em dois momentos distintos da gravidez, em 17 gestantes normotensas e 14 hipertensas crônicas, todas atendidas no Hospital das Clínicas da UFMG. Utilizou-se o método oscilométrico para as comparações entre os grupos. Resultados: tanto as gestantes normotensas quanto as hipertensas apresentaram queda noturna da pressão arterial nos dois exames realizados. Notou-se também nos dois grupos incremento dos níveis pressóricos com o avanço da gravidez. As complicações do uso do aparelho foram insignificantes e não interferiram na porcentagem de adesão ao método, que foi de 100%. Conclusão: a monitorização ambulatorial da pressão arterial é útil na avaliação da variabilidade pressórica de gestantes normotensas e hipertensas, confirmando o gradual incremento da pressão arterial no decorrer da gravidez e a sua queda fisiológica noturna, independentemente dos níveis pressóricos maternos.

Gravidez normal; Hipertensão na gravidez; Ritmo circadiano


Purpose: to observe the circadian pattern of blood pressure variation in normotensive and hypertensive pregnant women, assessing the occurrence of nocturnal blood pressure decrease, as well as the compliance with the method and possible complications. Methods: the blood pressure measurement was carried out in seventeen normotensive and fourteen hypertensive pregnant women at the Hospital das Clínicas of UFMG. Blood pressure was measured on two different occasions during gestation using the oscillometric technique to compare both groups. Results: in both groups nocturnal decrease in blood pressure as well as an increase in pressure levels was observed as pregnancy advanced. No significant complications were seen and they did not interfere with compliance which was 100%. Conclusions: the ambulatory blood pressure measurement is useful to evaluate pressure variation in normotensive and hypertensive pregnant women confirming the gradual increase in blood pressure throughout pregnancy and the nocturnal physiologic decrease which does not depend on maternal pressure levels.

Normal pregnancy; Hypertensive pregnancy; Circadian rhythm


Trabalhos Originais

Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial na Gravidez: Comparação da Variabilidade Pressórica entre Gestantes Normotensas e Hipertensas Crônicas

Ambulatory Blood Pressure Monitoring: Comparison of the Blood Pressure Variability in Normotensive and Hypertensive Pregnant Women

Victor Hugo de Melo, Lia Monserrath Flores Saá

RESUMO

Objetivos: observar o comportamento da pressão arterial entre gestantes normotensas e hipertensas, determinando a presença ou não da queda noturna, a adesão ao método e possíveis complicações.

Métodos: monitorização ambulatorial da pressão arterial em dois momentos distintos da gravidez, em 17 gestantes normotensas e 14 hipertensas crônicas, todas atendidas no Hospital das Clínicas da UFMG. Utilizou-se o método oscilométrico para as comparações entre os grupos.

Resultados: tanto as gestantes normotensas quanto as hipertensas apresentaram queda noturna da pressão arterial nos dois exames realizados. Notou-se também nos dois grupos incremento dos níveis pressóricos com o avanço da gravidez. As complicações do uso do aparelho foram insignificantes e não interferiram na porcentagem de adesão ao método, que foi de 100%.

Conclusão: a monitorização ambulatorial da pressão arterial é útil na avaliação da variabilidade pressórica de gestantes normotensas e hipertensas, confirmando o gradual incremento da pressão arterial no decorrer da gravidez e a sua queda fisiológica noturna, independentemente dos níveis pressóricos maternos.

PALAVRAS-CHAVE: Gravidez normal. Hipertensão na gravidez. Ritmo circadiano.

Introdução

Os distintos quadros hipertensivos durante a gravidez ainda constituem a maior causa de morbimortalidade materno-fetal e, apesar da mensuração da pressão arterial na gestação ser um procedimento fundamental no acompanhamento obstétrico, a sua prática não é padronizada.

Na grávida o padrão pressórico possibilita 80.000 a 140.000 registros durante um período de 24 horas, com uma importante variabilidade. Assim, a mensuração convencional da pressão arterial, por meio de medidas isoladas, é bastante limitada. Daí a importância de se obterem múltiplas leituras para uma melhor avaliação desse fenômeno hemodinâmico1.

Há mais de 50 anos, com base em diversos estudos epidemiológicos, reconhece-se a variação da pressão arterial nas atividades diárias e no consultório. A chamada "hipertensão do avental branco", que constitui fonte de erro na avaliação de um quadro hipertensivo, deve ser reconhecida na gestante para evitar uma abordagem terapêutica inadequada2.

Desde os anos sessenta os monitores ambulatoriais da pressão arterial vêm sendo utilizados na população em geral. Trata-se de método não-invasivo, com a capacidade de registrar a variabilidade da pressão arterial e freqüência cardíaca, sem interferência nas atividades diárias, incluindo-se o sono1.

Têm sido realizados estudos para observar o comportamento da pressão arterial nas gestantes, em períodos de 24 horas, mas ainda não existem padrões de normalidade estabelecidos, que possam ser utilizados como referência2-4.

O objetivo desse estudo foi avaliar o comportamento da pressão arterial em dois momentos distintos da gravidez, em gestantes normotensas e hipertensas. Para tal utilizou-se o método da monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA) por um período de 24 horas, para verificar a variação pressórica diurna e noturna, com o avanço da gestação. Foi também de interesse verificar as complicações e a adesão ao método.

Pacientes e Métodos

No período de abril de 1996 a março de 1997 foi realizada a MAPA em dois grupos de gestantes que compareceram ao pré-natal do Ambulatório Carlos Chagas, do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte. A proposta deste estudo foi aprovada pela Comissão de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas.

Foram selecionadas 20 mulheres grávidas normotensas, nulíparas ou multíparas, obedecendo-se aos seguintes critérios de inclusão: idade materna entre 18 e 40 anos, idade gestacional entre 20 e 26 semanas, não-evidência clínica de doença materna e/ou obstétrica. Os critérios de exclusão para esse grupo foram: antecedentes de hipertensão arterial crônica, doença hipertensiva específica da gestação ou de hipertensão transitória da gravidez; presença de nefropatia, endocrinopatia, doença neurológica ou cardiopatia; obesidade, conforme o índice de massa corporal (IMC); gestação gemelar ou múltipla; uso de drogas, álcool e/ou fumo.

A média de idade entre as gestantes normotensas foi de 24 anos, variando entre 18 e 32 anos. A média da idade gestacional no primeiro exame foi de 24 semanas (variação de 20 a 26 semanas) e no segundo exame de 35 semanas (variação de 33 a 38 semanas).

Foram selecionadas 15 gestantes hipertensas, nulíparas ou multíparas, obedecendo-se aos seguintes critérios de inclusão: idade materna entre 18 e 40 anos, idade gestacional entre 20 e 26 semanas e diagnóstico de hipertensão arterial crônica leve ou moderada no momento da inclusão. Os critérios de exclusão para esse grupo de gestantes foram praticamente os mesmos do grupo anterior: antecedentes de doença hipertensiva específica da gestação; presença de nefropatia, endocrinopatia, cardiopatia ou doença neurológica; obesidade, conforme o IMC; gestação gemelar ou múltipla; hábito de consumo de álcool e/ou fumo.

Entre as gestantes hipertensas a média de idade materna foi de 32 anos, com variação entre 22 e 40 anos. A média da idade gestacional no primeiro exame foi de 22 semanas (variação de 20 a 26 semanas) e no segundo exame de 33 semanas (variação de 32 a 36 semanas).

Para a seleção das pacientes realizou-se o levantamento de prontuários das gestantes que estivessem sendo atendidas no pré-natal, levando-se em conta os critérios mencionados anteriormente. Entrevistou-se cada paciente pré-selecionada para informar-lhe sobre os objetivos do exame e obter o seu consentimento. Foram informadas que poderiam continuar com suas atividades diárias de forma normal, sem qualquer restrição. Foi explicada a necessidade do registro dos eventos do dia, no diário que lhes seria entregue quando da colocação do aparelho, assim como a forma de realização da monitorização. A entrevista serviu também para resolver suas possíveis dúvidas. A paciente assinou um termo de consentimento livre e esclarecido no momento da sua inclusão no estudo, pelo qual concordava também com a realização de um segundo procedimento entre as 32 e 38 semanas de gestação. Toda paciente tinha exame ecográfico para confirmação da idade gestacional.

Foram realizadas duas avaliações de 24 horas da pressão arterial, por meio da MAPA, em todas as gestantes: a primeira avaliação foi realizada entre 20 e 26 semanas e a segunda entre 32 e 38 semanas. O monitor foi aplicado na paciente no seu domicílio. Após 24 horas de uso do monitor a paciente comparecia ao hospital para a sua retirada. Nesse momento avaliavam-se as possíveis complicações e se houve ou não distúrbio do sono, incômodo ou dor durante a realização da monitorização.

Todas as pacientes foram acompanhadas nas consultas posteriores do controle pré-natal, para detectar a ocorrência ou não de complicações da gravidez.

O monitor utilizado para as mensurações foi o A&D TM 2421/2021, automático, não-invasivo. Utilizou-se o gravador TM-2421 e o processador TM-2021. O monitor foi programado para realizar os registros da pressão arterial em três intervalos determinados previamente: das 9 às 24 horas, medindo-se a cada 15 minutos; das 24 às 6 horas, a cada 30 minutos e, finalmente, das 6 às 9 horas, com mensurações novamente de 15 em 15 minutos, totalizando 84 medidas.

Como o monitor pode realizar a medida da pressão arterial pelos métodos auscultatório e oscilométrico, foi realizada uma mensuração convencional da pressão arterial com o esfigmomanômetro de mercúrio, antes da instalação do aparelho, para verificar o melhor local para a leitura do pulso braquial, a cerca de 3 a 5 centímetros da prega do cotovelo da paciente. Aí foi instalado o microfone inferior, posicionando-se o manguito com firmeza, porém de maneira confortável, de acordo com as indicações do fabricante. Utilizou-se quase sempre o braço esquerdo, pois a grande maioria das gestantes era destra.

Após um período de repouso de 5 minutos, já com o aparelho em posição, foram feitas duas mensurações prévias para que a paciente se familiarizasse com o monitor e com a insuflação do manguito, orientando-lhe a manter o braço esticado durante cada mensuração.

Para a realização do exame o gravador deve ser ligado ao manguito adequado. Foi utilizado um manguito de adulto para o braço esquerdo. Recomenda-se o uso em braços com diâmetro entre 20 a 31 cm, sendo permitido o seu uso para diâmetros no máximo de 36 cm. A bexiga de pressurização mede 12 x 22 cm. Para registrar as mensurações o manguito tem dois microfones, o inferior para detectar os sons de Korotkoff e o superior que detecta as oscilações arteriais. É fundamental que eles sejam colocados de maneira correta.

Para análise posterior dos dados o gravador foi unido ao processador e, como uma unidade só, foram ligados ao computador com um dispositivo especial. Os dados obtidos foram analisados no 2021-02 Analysis Software, versão 1.3, que acompanha o aparelho. A análise estatística foi feita quando todos os exames foram realizados para avaliar as prováveis diferenças. Para essa análise utilizou-se o teste não-paramétrico de Wilcoxon para amostras pareadas e o teste de Kruskal-Wallis, para comparações de amostras independentes5 .

O percentual da queda pressórica noturna, assim como o incremento gradual da pressão arterial da primeira para a segunda medida, foram obtidos da seguinte maneira: para avaliar a queda noturna, dividiu-se cada medida noturna pela diurna e subtraiu-se 1 do resultado da divisão. O valor, em decimais, foi então multiplicado por 100 para tornar-se uma porcentagem. Já o aumento percentual das medidas no segundo exame foi obtido subtraindo-se 1 da divisão de cada medida do segundo exame pela medida do primeiro. Da mesma forma o valor, em decimais, foi multiplicado por 100 para tornar-se uma porcentagem. São apresentados os percentuais médios, com os respectivos desvios-padrão.

Todas as comparações cujo valor de p (probabilidade de significância) foi menor que 5% foram consideradas diferenças estatisticamente significativas.

Resultados

Trinta e cinco gestantes foram incluídas no presente estudo. No grupo das normotensas, em apenas 17 gestantes foi possível realizar a MAPA nas duas épocas da gestação, devido à ocorrência de parto pré-termo em três delas. No grupo das hipertensas crônicas foram realizadas as duas avaliações em 14 pacientes, não tendo sido realizado o segundo exame em uma delas, também por parto pré-termo. Assim, foram realizadas 62 monitorizações em 31 gestantes.

Em relação às variáveis foram analisados: o número de mensurações com cada método (os-cilométrico ou auscultatório), a pressão sistólica, a pressão diastólica, a pressão arterial média, a carga pressórica e a queda noturna da pressão arterial.

Os resultados serão apresentados separadamente, conforme a seqüência seguinte: variabilidade da pressão arterial nas gestantes normotensas, variabilidade da pressão arterial nas gestantes hipertensas crônicas, diferenças pressóricas entre os dois grupos, complicações e adesão ao exame.

Gestantes normotensas

A comparação do número médio de medidas realizadas pelos dois métodos de mensuração demonstrou o seguinte: a média do número de medidas realizadas pelo método oscilométrico foi de aproximadamente 81 e pelo método auscultatório foi cerca de 56. Devido a essa importante diferença do número de medidas (p<0,001), conforme orientação do Consenso Brasileiro para MAPA, pelo qual o exame só pode ser considerado válido quando tem pelo menos 80 medidas em 24 horas, foram escolhidas as medidas oscilométricas para a análise.

As médias das medidas pressóricas obtidas no período diurno e noturno no primeiro exame podem ser observadas na Figura 1, na qual se percebe que as medidas do período diurno foram significativamente superiores às do noturno. O mesmo comportamento foi observado no segundo exame, com valores diurnos significativamente superiores aos noturnos, o que pode ser observado na mesma figura.


Comparando-se as medidas pressóricas nas 24 horas do primeiro com as do segundo exame entre as gestantes normotensas observou-se que existe um incremento significante da pressão arterial na segunda mensuração. O mesmo pode ser observado com a carga pressórica. Estes dados estão apresentados na Tabela 1.

A Tabela 2 apresenta a carga pressórica observada nos períodos diurno e noturno, nos dois exames realizados nas gestantes normotensas. Percebe-se que ela é significativamente menor no período noturno.

Gestantes hipertensas

No que diz respeito ao número de medidas obtidas nestas gestantes, durante a monitorização com os métodos auscultatório e oscilométrico, pode-se observar que também foi registrado um menor número de medidas pelo primeiro método. O número médio de medidas do método oscilométrico foi de 82 e pelo auscultatório foi de aproximadamente 66 registros. Da mesma forma, pela diferença significante de medidas (p = 0,001), optou-se pelo método oscilométrico para a análise dos dados.

Na Figura 2 pode-se observar que todos os valores pressóricos noturnos apresentados são significativamente menores que os seus correspondentes no período diurno, no primeiro exame das gestantes hipertensas. O mesmo ocorreu no segundo exame, como mostra a mesma figura.


Na comparação do primeiro para o segundo exame, com 24 horas de registro, observou-se que todas as variáveis sofreram incremento na segunda avaliação, inclusive a carga pressórica. A Tabela 3 ilustra esse comportamento.

A carga pressórica observada nos dois exames das gestantes hipertensas, nos períodos diurno e noturno, está apresentada na Tabela 4.

Comparação entre as gestantes normotensas e hipertensas

No primeiro exame o percentual da queda noturna da pressão diastólica e pressão arterial média foi significativamente maior entre as normotensas, quando comparadas com as hipertensas crônicas. Somente a pressão arterial sistólica não apresentou queda significativamente diferente entre os dois grupos na primeira avaliação pressórica (Tabela 5).

No segundo exame o percentual da queda pressórica noturna no grupo das normotensas foi significativamente superior ao das hipertensas, em todas as pressões avaliadas. Estes resultados são também apresentados na Tabela 5.

No período de 24 horas houve um aumento percentual do nível pressórico do primeiro para o segundo exame, tanto para as gestantes normotensas quanto para as hipertensas, sem diferenças significantes entre os grupos (Tabela 6).

Complicações e adesão ao método

Todas as pacientes (normotensas e hipertensas) selecionadas para o estudo apresentaram adesão total ao método: nenhuma paciente retirou o manguito ou o aparelho durante a monitorizacão. O segundo exame não foi realizado em três pacientes normotensas e em uma hipertensa, que tiveram parto pré-termo, antes da data agendada para a segunda monitorização.

Nas pacientes normotensas constatou-se no primeiro exame dermatite em duas gestantes. Outra relatou incômodo sem especificação. Assim, das 17 gestantes, em 14 (82,3%) não houve queixas ou complicações. No segundo exame, somente duas pacientes queixaram-se de dores no braço e na mão, tendo sido verificada a presença de dermatite e edema na mão de uma paciente e equimose em outra; 13 gestantes (78,9%) não tiveram queixas.

No grupo das gestantes hipertensas crônicas, 12 (85,7%) dentre as 14 examinadas não apresentaram queixas no primeiro exame; foi relatado um caso de dor no braço e um de dormência no braço no período noturno. Não se registrou qualquer queixa no segundo exame.

Discussão

A mensuração de pressão arterial na gestante é um procedimento de singular importância, mas muitas limitações têm sido descritas1,4. O surgimento da MAPA permitiu a análise da variabilidade da pressão arterial, mas ainda não se encontram disponíveis valores de referência para gestantes que permitam estabelecer o padrão normal do comportamento desse fenômeno.

Têm sido realizados estudos em gestantes, em diversas épocas da gestação, no intuito de validar monitores, de observar o comportamento da pressão arterial nas 24 horas, de estabelecer perfis de normalidade e na busca de parâmetros para o prognóstico da doença hipertensiva específica da gestação1-4,6.

Não existe, nos distintos trabalhos analisados, uniformidade no que diz respeito ao momento da gestação no qual a monitorização deve ser realizada para avaliar as possíveis mudanças de um trimestre para outro, fato que reflete a falta de padronização ainda existente1,2,7. Os intervalos de idade gestacional adotados no presente estudo levaram em consideração os diversos trabalhos publicados na literatura.

No presente trabalho foi utilizado o TM-2421, que é uma versão mais moderna do TM-2420, que fora já validado por Clark et al.3 para ser usado em gestantes. Estes autores demonstraram que as mensurações realizadas de forma convencional pelos observadores e aquelas obtidas pelo monitor foram muito similares e os resultados enquadraram-se dentro das normas estabelecidas pela Association for the Advancement of Medical Instrumentation (AAMI), tendo, portanto, seu uso recomendado nesse grupo de pacientes.

O TM-2421 é um monitor ambulatorial da pressão arterial que possui ambos os métodos para a mensuração da pressão arterial. Assim, o usuário poderá usar o método oscilatório ou o auscultatório para a análise. Como anotado por vários autores3,7 , a mensuração da pressão arterial pode estar afetada pelo ruído ambiental, vibrações, tremores musculares e a inadequada posição do braço onde o manguito estiver localizado no momento da insuflação. No presente estudo foi observada uma perda significante no número de medidas obtidas pelo monitor com o método auscultatório. Assim, foram utilizadas para a análise as medidas obtidas pelo método oscilatório, por ter este último se mostrado mais eficaz na obtenção de um número maior de registros dos níveis pressóricos ao longo do período de monitoramento. Com esse método, o número de mensurações em 24 horas ficou dentro dos parâmetros exigidos pelo The National High Blood Pressure Education Program4, no qual se propõe que, para que seja considerado de boa qualidade, um exame deve totalizar entre 50 e 100 registros em 24 horas.

Segundo o Consenso Brasileiro para a utilização da MAPA6, realizado pela Sociedade Brasileira de Cardiologia em 1992, um exame é adequado quando tem um mínimo de 80 leituras válidas. Este estudo apresentou uma média de 80 mensurações válidas em 24 horas nas gestantes normotensas e de 82 medidas nas hipertensas, em todos os exames realizados. Isso confirma o achado de Halligan et al.8 que destacaram as vantagens do monitor oscilométrico no que diz respeito à sua capacidade de registrar medidas exatas, mesmo em ambientes com ruído ou com alterações produzidas pela respiração.

O Consenso Brasileiro definiu como carga pressórica o percentual dos valores acima de 140/90 mmHg durante o dia e 120/80 mmHg durante a noite - que devem ser ajustados conforme a idade da paciente e situações especiais (como a gravidez) -, encontrados numa monitoração de 24 horas. Com relação à variabilidade pressórica, o Consenso entendeu que ela pode ser estimada pelo desvio-padrão das medidas obtidas. Entretanto, não existe até o momento um valor numérico que defina o limite normal para a análise da variabilidade pressórica. Considera-se que a queda da pressão arterial noturna em relação à diurna deve ser, no mínimo, de 10% para as pressões sistólica e diastólica.

A análise estatística do presente estudo foi realizada com o teste não paramétrico de Wilcoxon e o teste Kruskal-Wallis, também utilizados por Churchill e Beevers2 que, apesar de terem uma amostra com distribuição normal, quiseram evitar possíveis erros na análise e utilizaram esses testes não-paramétricos para testar as diferenças entre os grupos.

Nos estudos já realizados com gestantes normotensas a média da idade variou entre 24,6 anos e 30 anos7,9. No presente estudo a média da idade foi de 24 anos.

Com relação à paridade, esta foi abordada por Contard et al.7, que estudaram o comportamento da pressão arterial em 48 gestantes normotensas. Destas 39,5% eram nulíparas e 60,4% multíparas, enquanto no presente estudo, 52,9% eram nulíparas e 47,1% eram multíparas. Os resultados obtidos por aqueles autores tiveram valores, em média, próximos aos desta pesquisa.

A pressão arterial, ao longo do dia, seguiu um padrão similar àquele da população em geral, refletindo um ritmo circadiano, tanto no primeiro quanto no segundo exame, no qual as medidas da pressão arterial sistólica, pressão arterial diastólica, pressão arterial média e carga pressórica, do período de vigília, foram em média superiores ao período de sono, confirmando a presença da queda noturna relatada em outros estudos em gestantes normotensas1,2,7,9.

A queda noturna avaliada em valores percentuais, encontrada entre as nossas pacientes normotensas, confirma os dados obtidos por Contard et al.7 e por Churchill e Beevers2 que observaram, nos três trimestres, uma diminuição da pressão arterial noturna nas gestantes normotensas.

No segundo exame realizado nas pacientes normotensas, entre 32 e 38 semanas, foi confirmada a elevação dos níveis da pressão arterial sistólica, diastólica e média, no período de 24 horas, nos horários diurno e noturno. Esse incremento coincidiu com os dados relatados em vários estudos, embora as monitorizacões pressóricas desses autores não tenham sido realizadas na mesma idade gestacional do presente trabalho, nem com o mesmo monitor1,6,7,10,11.

Os resultados nas gestantes normotensas apresentaram valores próximos àqueles obtidos por Churchill e Beevers2, que monitoraram um grupo de 209 nulíparas, utilizando o SpaceLabs 90207 em forma consecutiva na 18ª, 28ª e 36ª semanas de gestação, demonstrando que existe um aumento significante da pressão arterial no último trimestre, achado que coincide com os dados aqui apresentados.

Neste estudo a carga pressórica em 24 horas sofreu um incremento significante (p<0,05) do primeiro para o segundo exame nas grávidas normotensas, para valores de pressão sistólica acima de 140 mmHg e de pressão diastólica acima de 90 mmHg, conforme mostrado na Tabela 1. Nota-se na mesma tabela alta variabilidade dos valores percentuais da carga pressórica, com desvios-padrão em geral maiores que as médias, mostrando que essa variável se comporta de forma instável, o que dificulta o poder de previsão sobre ela. Quando analisada por períodos separados, observou-se maior carga pressórica durante o dia, com queda noturna significante, nos dois momentos de análise. Margulies et al.10, analisando a carga pressórica nas gestantes normotensas do seu grupo, encontrou valores acima de 140 mmHg em 1,38% e acima de 90 mmHg em 2,82%, das grávidas no terceiro trimestre. Estes percentuais são bem menores quando comparados aos que se observaram no presente estudo, tanto no período de 24 horas quanto no período diurno.

Observamos que no primeiro exame das gestantes hipertensas os níveis pressóricos diferiram significativamente, comparando-se as medidas diurnas e noturnas, sendo observada também uma queda nos valores pressóricos noturnos.

No presente estudo a adesão ao exame foi total e as complicações relacionadas à monitorização foram de pequena monta e em número reduzido, não interferindo nos resultados, destacando-se que no segundo exame do grupo das hipertensas a monitorização não teve complicações, como ocorreu no relato de outros autores12-15. Halligan et al.8 obtiveram 95% de aceitabilidade, 50% de leve incômodo, 60% de sono perturbado e 40% de leve distúrbio no sono.

É importante destacar aqui a importância que tem a explicação prévia à paciente sobre o exame a ser realizado e a sua devida compreensão, para se obter o sucesso da monitorização.

Concluímos que a monitorização ambulatorial da pressão arterial é útil na avaliação da variabilidade pressórica de gestantes normotensas e hipertensas, confirmando o gradual incremento da pressão arterial no decorrer da gravidez e a queda fisiológica noturna, nos dois diferentes momentos analisados. Pode-se perceber também que a queda noturna foi mais acentuada nas normotensas. A excelente adesão ao método deve-se, sobretudo, à forma como as gestantes foram orientadas com relação à monitoração. Certamente o fato de não terem ocorrido complicações ou queixas importantes das gestantes, no decorrer do período de avaliação, também contribuiu para o sucesso da monitoração.

SUMMARY

Purpose: to observe the circadian pattern of blood pressure variation in normotensive and hypertensive pregnant women, assessing the occurrence of nocturnal blood pressure decrease, as well as the compliance with the method and possible complications.

Methods: the blood pressure measurement was carried out in seventeen normotensive and fourteen hypertensive pregnant women at the Hospital das Clínicas of UFMG. Blood pressure was measured on two different occasions during gestation using the oscillometric technique to compare both groups.

Results: in both groups nocturnal decrease in blood pressure as well as an increase in pressure levels was observed as pregnancy advanced. No significant complications were seen and they did not interfere with compliance which was 100%.

Conclusions: the ambulatory blood pressure measurement is useful to evaluate pressure variation in normotensive and hypertensive pregnant women confirming the gradual increase in blood pressure throughout pregnancy and the nocturnal physiologic decrease which does not depend on maternal pressure levels.

KEY WORDS: Normal pregnancy. Hypertensive pregnancy. Circadian rhythm.

Referências

Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFMG

Hospital das Clínicas da UFMG

Correspondência: Victor Hugo de Melo

Faculdade de Medicina da UFMG

Av. Alfredo Balena, 190

30130-100 - Belo Horizonte - MG

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Out 2005
  • Data do Fascículo
    Maio 2000
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