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Gravidez Gemelar com Morte Fetal de Um dos Gêmeos: Avaliação Neurológica dos Gemelares Sobreviventes

Neurological Evaluation of the Surviving Twin When One Dies In Utero

Resumos

Objetivo: verificar as intercorrências pré e perinatais e a evolução neurológica de crianças de gestações gemelares em que um dos fetos apresentou óbito intra-uterino. Métodos: foram avaliados 14 casos de gestações gemelares ocorridas no período de 1988 a 1994 com óbito de um dos fetos, acompanhadas no Setor de Patologia Obstétrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP. Dados do acompanhamento pré e perinatal, bem como de autópsia dos fetos mortos, foram obtidos. As crianças foram convocadas no ano de 1996 para exame neurológico, sendo avaliados dados evolutivos e sinais patológicos nas áreas motoras, sensitivas, sensoriais e funções corticais superiores, incluindo linguagem, praxias e agnosias. Resultados: do total de 14 casos, 10 retornaram para a avaliação neurológica tardia. Destas, apenas uma criança apresentou alteração no exame neurológico, cursando com paresia espástica de MIE de grau leve, tendo apresentado Apgar 0 no primeiro minuto e 5 no quinto minuto. A avaliação da placentação e idade gestacional mostrou 5 casos (35,7%) com placentação monocoriônica e um caso com monoamniótica, 8 casos de pré-termo e 6 casos a termo. O óbito de um dos fetos ocorreu no segundo trimestre em 6 casos (42,8%) e os demais no terceiro trimestre. Conclusões: o problema neurológico constatado em um único feto pode ser atribuído às intercorrências perinatais que este recém-nascido apresentou. Não tivemos como resultado outros RN com seqüelas provavelmente pela opção da conduta conservadora, tendo-se resolvido as gestações após a 32ª semana com diminuição das complicações do parto pré-termo extremo.

Gemelaridade; Óbito fetal; Alterações neurológicas


Purpose: to analyze the effects of prenatal and perinatal complications and the neurological development of surviving twins when the other had died in utero. Methods: fourteen cases of twin pregnancies where one of the twins had died during the pregnancy were analyzed. These patients gave birth between 1988 and 1994 and were subsequently followed-up by the Department of Obstetrics, Pathology Division, at the Hospital das Clínicas, Faculty of Medicine of Ribeirão Preto, University of São Paulo. Data from prenatal and perinatal records as well as findings from the deceased twins' autopsies were analyzed. In 1996, requests were made for the children to have a neurological examination as part of the study. The examination included developmental assessment and pathological signs in the motor, sensory and sensitivy areas and superior cortical functions such as praxis and agnosia. Results: ten of the fourteen contacted subjects complied with the request for neurological examination. Of the ten examined children only one had abnormal neurological findings, presenting a light degree of spastic paresis of the left leg. The pregnancy evaluation showed five cases of monochorionic placenta and one case of monoamnionic pregnancy; six of the fourteen cases reached full-term. In six cases (42.8%) one of the fetus died during the second trimester and in the other they died during the third trimester. Only one newborn, who had Apgar 0 at the first minute, developed neurological sequelae. Conclusion: the neurological problem of one fetus may be a consequence of the perinatal complications that this fetus developed. The other newborns did not develop sequelae, possibly because of the conservatory management, trying to make the pregnancy reach 32 weeks or more, thus decreasing the complications of preterm delivery.

Twin pregnancy; Fetal death; Neurological sequelae


Trabalhos Originais

Gravidez Gemelar com Morte Fetal de Um dos Gêmeos: Avaliação Neurológica dos Gemelares Sobreviventes

Neurological Evaluation of the Surviving Twin When One Dies In Utero

Carolina Araújo Rodrigues Funayama1 1 Departamento de Neurologia, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP. , Diva de Amorim Novaes2 2 Setor de Gestação de Alto Risco do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP. Correspondência: Ricardo de Carvalho Cavalli. Rua Av. Caramuru, 2100, Apto. 1004 – Bairro República 14030-000 – Ribeirão Preto – SP , Fabrício da Silva Costa2 2 Setor de Gestação de Alto Risco do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP. Correspondência: Ricardo de Carvalho Cavalli. Rua Av. Caramuru, 2100, Apto. 1004 – Bairro República 14030-000 – Ribeirão Preto – SP ,Ricardo de Carvalho Cavalli2 2 Setor de Gestação de Alto Risco do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP. Correspondência: Ricardo de Carvalho Cavalli. Rua Av. Caramuru, 2100, Apto. 1004 – Bairro República 14030-000 – Ribeirão Preto – SP , Geraldo Duarte2 2 Setor de Gestação de Alto Risco do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP. Correspondência: Ricardo de Carvalho Cavalli. Rua Av. Caramuru, 2100, Apto. 1004 – Bairro República 14030-000 – Ribeirão Preto – SP , Sérgio Pereira da Cunha2 2 Setor de Gestação de Alto Risco do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP. Correspondência: Ricardo de Carvalho Cavalli. Rua Av. Caramuru, 2100, Apto. 1004 – Bairro República 14030-000 – Ribeirão Preto – SP

RESUMO

Objetivo: verificar as intercorrências pré e perinatais e a evolução neurológica de crianças de gestações gemelares em que um dos fetos apresentou óbito intra-uterino.

Métodos: foram avaliados 14 casos de gestações gemelares ocorridas no período de 1988 a 1994 com óbito de um dos fetos, acompanhadas no Setor de Patologia Obstétrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP. Dados do acompanhamento pré e perinatal, bem como de autópsia dos fetos mortos, foram obtidos. As crianças foram convocadas no ano de 1996 para exame neurológico, sendo avaliados dados evolutivos e sinais patológicos nas áreas motoras, sensitivas, sensoriais e funções corticais superiores, incluindo linguagem, praxias e agnosias.

Resultados: do total de 14 casos, 10 retornaram para a avaliação neurológica tardia. Destas, apenas uma criança apresentou alteração no exame neurológico, cursando com paresia espástica de MIE de grau leve, tendo apresentado Apgar 0 no primeiro minuto e 5 no quinto minuto. A avaliação da placentação e idade gestacional mostrou 5 casos (35,7%) com placentação monocoriônica e um caso com monoamniótica, 8 casos de pré-termo e 6 casos a termo. O óbito de um dos fetos ocorreu no segundo trimestre em 6 casos (42,8%) e os demais no terceiro trimestre.

Conclusões: o problema neurológico constatado em um único feto pode ser atribuído às intercorrências perinatais que este recém-nascido apresentou. Não tivemos como resultado outros RN com seqüelas provavelmente pela opção da conduta conservadora, tendo-se resolvido as gestações após a 32a semana com diminuição das complicações do parto pré-termo extremo.

PALAVRAS-CHAVE: Gemelaridade. Óbito fetal. Alterações neurológicas.

Introdução

A gemelaridade é condição sujeita a maior risco de morbidade neurológica perinatal em relação às gestações com feto único1. Possíveis fatores de risco ou complicações da gravidez são mais freqüentes em gemelares, tais como idade avançada, pré-eclâmpsia, anemia, poliidrâmnio, descolamento prematuro de placenta, corioamnionite, prolapso e circular de cordão1,2. Além do risco a que estão sujeitos devido a prematuridade e/ou baixo peso ao nascimento, os gêmeos apresentam maior chance de ocorrência de hemorragia periventricular intra-uterina. Os gêmeos monozigóticos estão mais sujeitos a malformações, anormalidades cromossômicas, síndrome de transfusão feto-fetal e fenômenos tromboembólicos, como a coagulação intravascular disseminada, no caso de morte intra-uterina de um dos fetos3.

No período de 1988 a 1993, no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto - USP, observou-se taxa de 8% de morte intra-uterina em casos de gestação múltipla. Esta taxa é considerada superior à referida na literatura, que está entre 0,5 e 6,8%4.

As gestações gemelares são mais suscetíveis ao nascimento pré-termo, restrição de crescimento intra-uterino e intercorrências neonatais. Estas intercorrências são causas importantes de alterações neurológicas neonatais, que também podem ser atribuídas a alterações hemodinâmicas após a morte de um dos fetos. Em gestações gemelares monocoriônicas com síndrome de transfusão feto-fetal caracterizadas por anastomose vascular placentária ocorrem hipoperfusão ao gêmeo sobrevivente e múltiplos infartos isquêmicos em orgãos do mesmo3.

A prematuridade extrema, nos casos de gestação menor que 32 semanas, apresenta altos índices de seqüelas neurológicas, com 13,4% de paralisia cerebral e função cognitiva significativamente menor que no grupo controle5.

A avaliação ultra-sonográfica transfontanelar nos recém-nascidos provenientes de gemelares, com morte de um dos fetos logo após o nascimento, revelou lesões de maior e menor grau, caracterizando lesão cerebral adquirida no período antenatal6.

A perda de um dos fetos na gestação gemelar é relativamente freqüente, com risco maior na gemelaridade monocoriônica. Se a perda fetal ocorrer após a 16 semana de gestação, o gêmeo sobrevivente apresenta risco aumentado de morte intra-uterina7. Em gemelaridade monocoriônica o risco de seqüela neurológica com morte unifetal pode chegar a 25%, sendo que as lesões são conseqüência da hipoperfusão aguda imediatamente após a morte de um dos fetos7. O seguimento e a evolução destas gestações irão depender do tipo de placenta, da idade gestacional e das condições do gêmeo sobrevivente, lembrando-se que a prematuridade também é importante causa de morbimortalidade neonatal com possíveis seqüelas neurológicas5 o que pode dificultar a análise.

Para comparar as seqüelas observadas em crianças gêmeas, tanto aquelas decorrentes de condições perinatais associadas a prematuridade ou outras, como a do período de morte unifetal intra-uterina, impõe-se investigação detalhada durante o período pré-natal e após o nascimento. O objetivo do presente trabalho foi verificar as intercorrências pré e perinatais e a evolução neurológica de crianças de gestações gemelares em que um dos fetos evoluiu para óbito intra-uterino.

Pacientes e Métodos

Foram analisados por meio de trabalho retrospectivo de coorte 14 casos de gestações gemelares atendidos no Setor de Patologia Obstétrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP) no período de 1988 a 1994, em que um dos fetos foi a óbito intra-útero.

Dados de acompanhamento pré, peri e pós-natais, bem como de autópsia dos fetos mortos, foram obtidos dos protocolos de atendimento nos Serviços de Ginecologia e Obstetrícia e de Patologia do HCFMRP.

Os dados de acompanhamento pré e perinatais foram coletados pela análise de prontuário médico, com avaliação da idade materna em anos, paridade, idade gestacional do óbito unifetal e idade gestacional do parto, antecedentes pessoais e obstétricos, tipo de placenta e cavidade amniótica, tipo de parto e dados do recém-nascido ao nascimento.

A idade gestacional em semanas foi definida pelo tempo de amenorréia em pacientes com ciclos menstruais regulares e com ultra-sonografia do primeiro trimestre compatível. Foi utilizada a idade gestacional obtida pela ultra-sonografia nos casos de data da última menstruação ignorada e/ou ultra-sonografia do primeiro trimestre incompatível com o tempo de amenorréia.

Os dados do recém-nascido coletados ao nascimento foram peso, estatura e Apgar de primeiro minuto e quinto minuto.

As crianças sobreviventes foram convocadas, no ano de 1996, para exame clínico neurológico, realizado por neurologista e de acordo com o protocolo do Serviço de Neurologia Infantil deste hospital. Foram avaliados dados evolutivos e sinais patológicos nas áreas motoras, sensitivas, sensoriais e de funções corticais superiores, incluindo linguagem, praxias e agnosias.

O projeto foi submetido à avaliação da Comissão de Ética, com aprovação.

Resultados

Do total de 14 gestações gemelares e nascimentos acompanhados, 10 crianças retornaram ao serviço para a avaliação neurológica tardia. Houve 4 casos em que o seguimento foi perdido, tendo sido solicitado comparecimento por carta, sem resposta.

Em relação à idade materna, nove das 14 gestantes (64,2%) tinham idade igual ou superior a 29 anos, com média de idade de 26,7 anos. Quanto a paridade, 6 pacientes eram primigestas e 8 pacientes tinham tido duas ou mais gestações. Cinco pacientes (35,7%) possuíam doenças prévias à gravidez, sendo que uma delas tinha diagnóstico de alcoolismo e dependência a drogas ilícitas. Estes dados estão apresentados na Tabela 1.

Em 5 (35,7%) dos 14 casos, a placentação era monocoriônica, das quais uma era monoamniótica. O óbito de um dos fetos ocorreu no segundo trimestre em 6 casos (42%) e em 8 casos (46%) no terceiro trimestre. A idade gestacional da resolução variou de 24 a 41 semanas (Tabela 1).

Entre os natimortos detectou-se um caso de hidropsia não imune, em feto de mãe hipertensa crônica (caso 1) e outro com laudo anatomopatológico de hemorragia intraventricular (caso 7). Dois casos apresentavam malformações. O primeiro apresentava onfalocele, tetralogia de Fallot, hidroencefalia e persistência da veia cava superior esquerda (caso 11) e o outro, dilatação cística do quarto ventrículo (caso 13). Entre os nativivos não foram constatadas malformações.

Em relação às intercorrências neonatais, foi constatado um caso de enterocolite e hemorragia parenquimatosa intraventricular grau III (HPIV III) (caso 2), um caso com crises convulsivas e broncodisplasia (caso 3), um caso de membrana hialina, arritmia cardíaca, hipertensão pulmonar e HPIV III (caso 4) e um caso com fístula traqueo-esofágica com pertuito cervical (caso 14) (Tabela 2).

Em relação à idade gestacional, seis recém-nascidos (RN) vivos eram a termo, entre os quais 4 pequenos para a idade gestacional (PIG), e os 8 casos restantes tiveram partos pré-termo, dos quais 5 eram PIG (Tabela 2).

Dos 14 recém-nascidos vivos (sobreviventes), apenas um apresentou índice de Apgar zero no primeiro minuto e 5 no 5o minuto (Apgar <7 no 5o min). Este RN teve várias intercorrências perinatais, caracterizadas por membrana hialina, hipertensão pulmonar e arritmia cardíaca, sendo o único que evoluiu com seqüela neurológica na avaliação tardia. Apresentou hemorragia intraventricular, constatada em exame de ultra-sonografia realizado uma semana após nascimento. No retorno tardio, encontrava-se com 5 anos e 8 meses e apresentava paresia espática de grau leve no membro inferior esquerdo.

Discussão

Na presente casuística ocorreu um número maior de gestantes com idade superior a 29 anos, o que está acima da média de nossa população, que é em torno de 22 anos. Este dado está de acordo com aquele observado no "National Center for Health Statistics" dos Estados Unidos no ano de 19901.

Na avaliação das doenças maternas, observou-se que 3 gestantes (21%) apresentavam hipertensão arterial crônica e nenhuma evoluiu para pré-eclâmpsia. Machado et al.2 relataram apenas uma caso com hipertensão arterial crônica (5,8%) em 17 casos de gestação múltipla, e 80 (28%) de 283 gestações únicas, sugerindo ser uma intercorrência pouco comum na gestação múltipla. Quanto à pré-eclâmpsia, entretanto, estes autores observaram uma taxa de 41,2% nas gestações múltiplas e 20,5% nas gestações únicas, embora não tenham encontrado diferenças significativas nas freqüências e tipos de hipertensão arterial entre as duas populações estudadas.

No presente estudo, dos 14 casos em que o feto foi a óbito, as causas não foram estabelecidas em 10 casos. Várias causas de morte fetal em gêmeos são citadas na literatura, entre elas casos isolados como trombose decorrente de enroscamento de cordão8, insuficiência vascular com comprometimento renal9 e insuficiência placentária10.

Importância maior é dada à síndrome de transfusão feto-fetal na gestação gemelar monocoriônica, com aumento considerável da morbimortalidade perinatal. A morte de um dos fetos intra útero nos casos de gestação com síndrome de transfusão feto-fetal acarreta acréscimo nos riscos de lesão neurológica para o feto sobrevivente e risco de coagulação intravascular disseminada (CIVD) na gestante11,12. Com o óbito de um dos fetos, o gêmeo sobrevivente apresenta risco aumentado de fenômenos tromboembólicos graves ou complicações por hipoperfusão em vários órgãos, principalmente o cérebro. O dano ao cérebro, fígado, baço e rim pode ser o resultado de transferência de proteínas pro-coagulantes do feto morto para o feto sobrevivente através da circulação placentária por anastomose vascular ou por aumento da pressão sanguínea intra-uterina após a morte de um dos fetos, com atividade uterina presente. Estudo recente postulou seqüestro agudo de sangue do feto sobrevivente sendo desviado para o feto morto através da anastomose da circulação placentária, levando a uma hipotensão aguda no feto sobrevivente, com dano cerebral irreversível13.

Com a morte de um dos fetos no segundo ou terceiro trimestre gestacional, aumenta o risco de complicações e morte do feto sobrevivente, principalmente quando o quadro de coagulação intravascular disseminada (CIVD) se instala, sendo preponderante nos casos de óbito durante o terceiro trimestre14.

Na presente casuística houve 5 casos de placentação monocoriônica em que ocorreu morte unifetal no segundo ou terceiro trimestre, com apenas dois partos ocorridos a termo. Em um destes casos o RN sobrevivente apresentou seqüela neurológica, devido a eventos perinatais (hemorragia intraventricular), sendo realizada ultra-sonografia de crânio no final da primeira semana de vida, não demonstrando sinais antigos de lesão na substância branca ou cortical. Segundo Bejar et al.15,16, para ser considerada a possibilidade de necrose cerebral antenatal, o diagnóstico pela ultra-sonografia de necrose da substância branca deve ser feito até três dias após o nascimento.

É sabido que os riscos em uma gestação múltipla são bem maiores, seja ela monozigótica ou dizigótica. Entretanto, não podemos deixar de lembrar que estas gestações, geralmente, têm um parto mais precoce, de onde advém problema importante da prematuridade e suas seqüelas (baixo peso, membrana hialina, risco aumentado de infecções). Já é reconhecido que as seqüelas neurológicas estão também mais freqüentemente associadas às intercorrências neonatais, que são normalmente associadas com a prematuridade17,18.

Em função destes dados, tem-se procurado protelar ao máximo a resolução gestacional precoce, mesmo nos casos de gestações múltiplas com óbito de um dos fetos, quando as avaliações mostram condições obstétricas favoráveis para a gestante e o feto sobrevivente19,20.

No presente trabalho, o distúrbio neurológico constatado em um único feto, no entanto, pode ser atribuído às intercorrências perinatais que este recém-nascido apresentou, em vez de ser considerado seqüela de óbito do outro gemelar. Não tivemos como resultado outros RN com seqüelas da prematuridade, provavelmente pela opção da conduta conservadora, tendo-se gestações com duração de 32 semanas ou mais, diminuindo as complicações do parto pré-termo extremo.

ABSTRACT

Purpose: to analyze the effects of prenatal and perinatal complications and the neurological development of surviving twins when the other had died in utero.

Methods: fourteen cases of twin pregnancies where one of the twins had died during the pregnancy were analyzed. These patients gave birth between 1988 and 1994 and were subsequently followed-up by the Department of Obstetrics, Pathology Division, at the Hospital das Clínicas, Faculty of Medicine of Ribeirão Preto, University of São Paulo. Data from prenatal and perinatal records as well as findings from the deceased twins' autopsies were analyzed. In 1996, requests were made for the children to have a neurological examination as part of the study. The examination included developmental assessment and pathological signs in the motor, sensory and sensitivy areas and superior cortical functions such as praxis and agnosia.

Results: ten of the fourteen contacted subjects complied with the request for neurological examination. Of the ten examined children only one had abnormal neurological findings, presenting a light degree of spastic paresis of the left leg. The pregnancy evaluation showed five cases of monochorionic placenta and one case of monoamnionic pregnancy; six of the fourteen cases reached full-term. In six cases (42.8%) one of the fetus died during the second trimester and in the other they died during the third trimester. Only one newborn, who had Apgar 0 at the first minute, developed neurological sequelae.

Conclusion: the neurological problem of one fetus may be a consequence of the perinatal complications that this fetus developed. The other newborns did not develop sequelae, possibly because of the conservatory management, trying to make the pregnancy reach 32 weeks or more, thus decreasing the complications of preterm delivery.

KEY WORDS: Twin pregnancy. Fetal death. Neurological sequelae.

Recebido em: 17/10/01

Aceito com modificações em: 07/03/02

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  • 1
    Departamento de Neurologia, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP.
  • 2
    Setor de Gestação de Alto Risco do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP.
    Correspondência:
    Ricardo de Carvalho Cavalli.
    Rua Av. Caramuru, 2100, Apto. 1004 – Bairro República
    14030-000 – Ribeirão Preto – SP
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Jun 2002
    • Data do Fascículo
      Mar 2002

    Histórico

    • Aceito
      07 Mar 2002
    • Recebido
      17 Out 2001
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