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Quimioterapia neoadjuvante em câncer localmente avançado do colo do útero

Neoadjuvant chemotherapy in locally advanced cancer of the cervix

Resumos

OBJETIVOS: avaliar a quimioterapia neoadjuvante no câncer localmente avançado do colo uterino, por meio da sua aceitabilidade, tolerabilidade, toxicidade, taxa de complicações cirúrgicas, taxa de resposta, taxa de operabilidade e sobrevida em 5 anos. MÉTODOS: foram incluídas 60 mulheres com câncer do colo uterino localmente avançado (IIB e IIIB), submetidas à quimioterapia neoadjuvante com doxorrubicina-bleomicina-cisplatina. Aquelas que se tornaram operáveis após a quimioterapia foram submetidas à cirurgia de Wertheim-Meigs, seguida de radioterapia pélvica complementar. Nas pacientes em que a cirurgia não foi possível após a quimioterapia, realizou-se radioterapia. RESULTADOS: o seguimento médio foi de 108 meses. A taxa de resposta global à quimioterapia foi de 80%, sendo 100% para o estádio IIB e 60% para o estádio IIIB. A porcentagem de pacientes operadas, após a quimioterapia foi de 65%. A sobrevida global em 5 anos para todo o grupo foi 62%. No grupo operado (n=34), a sobrevida global foi de 82,14%, independentemente do estádio inicial. No grupo não operado (n=18), a sobrevida em 5 anos foi 16,67%. CONCLUSÕES: A quimioterapia neoadjuvante com doxorrubicina-bleomicina-cisplatina no câncer do colo uterino localmente avançado é segura, com baixo índice de complicações e permitiu uma alta taxa de operabilidade.

Colo do útero; Quimioterapia neoadjuvante; Câncer; Cancer


PURPOSE: to evaluate neoadjuvant chemotherapy in locally advanced cervical cancer as to its acceptability, tolerability, toxicity, surgical complications, operability, response rate, and overall survival in 5 years. METHODS: sixty women with locally advanced cervical cancer (stages IIB and IIIB), who were submitted to neoadjuvant chemotherapy, were included. All patients were treated with doxorubicin-bleomycin-cisplatin. Those who had a good response, allowing a surgical approach, underwent the Wertheim-Meigs procedure. After surgery, they were submitted to pelvic radiotherapy. Those that could not be submitted to surgery after chemotherapy underwent total radiotherapy. RESULTS: the average follow-up was 108 months, and 80% of the patients had an overall response to neoadjuvant chemotherapy. In the IIB group, the response rate was 100%, and in the IIIB group it was 60%. The operability rate after neoadjuvant chemotherapy was 65%. The overall survival in 5 years was 62%. Comparing the operated group (n=34) with the nonoperated group (n=18), the overall survival in 5 years was 82.14 and 16.67%, respectively. CONCLUSIONS: neoadjuvant chemotherapy with doxorubicin-bleomycin-cisplatin for locally advanced cervical cancer is safe, with a low rate of side effects, and allowed a high operability rate.

Cervical cancer; Neoadjuvant chemotherapy


TRABALHOS ORIGINAIS

Quimioterapia neoadjuvante em câncer localmente avançado do colo do útero

Neoadjuvant chemotherapy in locally advanced cancer of the cervix

Eduardo Schünemann JrI,

11 Serviço de Oncologia Ginecológica do Hospital Nossa Senhora das Graças 2 Departamento de Tocoginecologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná; Cícero de Andrade UrbanI, 11 Serviço de Oncologia Ginecológica do Hospital Nossa Senhora das Graças 2 Departamento de Tocoginecologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná; Vinícius Milani BudelII, 21 Serviço de Oncologia Ginecológica do Hospital Nossa Senhora das Graças 2 Departamento de Tocoginecologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná

I

IIDepartamento de Tocoginecologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná

Endereço para correspondênciaEndereço para correspondência

RESUMO

OBJETIVOS:

MÉTODOS: foram incluídas 60 mulheres com câncer do colo uterino localmente avançado (IIB e IIIB), submetidas à quimioterapia neoadjuvante com doxorrubicina-bleomicina-cisplatina. Aquelas que se tornaram operáveis após a quimioterapia foram submetidas à cirurgia de Wertheim-Meigs, seguida de radioterapia pélvica complementar. Nas pacientes em que a cirurgia não foi possível após a quimioterapia, realizou-se radioterapia.

RESULTADOS: o seguimento médio foi de 108 meses. A taxa de resposta global à quimioterapia foi de 80%, sendo 100% para o estádio IIB e 60% para o estádio IIIB. A porcentagem de pacientes operadas, após a quimioterapia foi de 65%. A sobrevida global em 5 anos para todo o grupo foi 62%. No grupo operado (n=34), a sobrevida global foi de 82,14%, independentemente do estádio inicial. No grupo não operado (n=18), a sobrevida em 5 anos foi 16,67%.

CONCLUSÕES: A quimioterapia neoadjuvante com doxorrubicina-bleomicina-cisplatina no câncer do colo uterino localmente avançado é segura, com baixo índice de complicações e permitiu uma alta taxa de operabilidade.

Palavras-chave: Colo do útero: câncer. Quimioterapia neoadjuvante. Câncer: recorrência.

ABSTRACT

PURPOSE:

METHODS: sixty women with locally advanced cervical cancer (stages IIB and IIIB), who were submitted to neoadjuvant chemotherapy, were included. All patients were treated with doxorubicin-bleomycin-cisplatin. Those who had a good response, allowing a surgical approach, underwent the Wertheim-Meigs procedure. After surgery, they were submitted to pelvic radiotherapy. Those that could not be submitted to surgery after chemotherapy underwent total radiotherapy.

RESULTS: the average follow-up was 108 months, and 80% of the patients had an overall response to neoadjuvant chemotherapy. In the IIB group, the response rate was 100%, and in the IIIB group it was 60%. The operability rate after neoadjuvant chemotherapy was 65%. The overall survival in 5 years was 62%. Comparing the operated group (n=34) with the nonoperated group (n=18), the overall survival in 5 years was 82.14 and 16.67%, respectively.

CONCLUSIONS: neoadjuvant chemotherapy with doxorubicin-bleomycin-cisplatin for locally advanced cervical cancer is safe, with a low rate of side effects, and allowed a high operability rate.

Key words: Cervical cancer. Neoadjuvant chemotherapy. Cancer: relapse.

Introdução

O câncer de colo uterino é a segunda neoplasia mais freqüente no sexo feminino em todo o mundo. Estima-se que a incidência mundial esteja em torno de 500.000 novos casos/ano, sendo que 80% dos casos invasivos são diagnosticados em países em desenvolvimento1. No Brasil, a sua incidência está em primeiro lugar entre todos os tumores do aparelho genital feminino.

Apesar do grande avanço técnico ocorrido durante os últimos 40 anos, não houve mudanças significativas em relação à sobrevida em 5 anos, quando analisado cada estádio em separado. No estádio I, a média de sobrevida em 5 anos varia entre 70 e 90%; no estádio II, entre 40 e 60%; no estádio III, entre 20 e 40% e, no estádio IV, entre zero e 20%2.

Os resultados insatisfatórios nos tumores avançados levaram à busca de novas estratégias terapêuticas e, entre elas, o uso da quimioterapia (QT). Nos últimos anos, os resultados de vários ensaios clínicos, principalmente empregando a QT nos tumores de colo uterino localmente avançados, trouxeram novas perspectivas para este grupo de pacientes3. Entretanto, o papel da cirurgia após a QT não foi adequadamente testado na maior parte destes estudos.

A pesquisa aqui apresentada fundamentou-se em um estudo preliminar, realizado em 1985, que avaliou a resposta à QT neoadjuvante em câncer localmente avançado do colo uterino3. Neste estudo, 15 pacientes com estádios IIB e IIIB foram submetidas a QT, seguida de cirurgia e/ou radioterapia. Obteve-se assim 80% de resposta global, sendo 20% de resposta completa e 60% de resposta parcial. Deste total, procedeu-se ao tratamento cirúrgico em 10 (66%) pacientes4.

Em 1987, a partir destes resultados favoráveis, iniciou-se este estudo. Foram selecionadas 60 pacientes com câncer do colo uterino localmente avançado, submetidas, seqüencialmente, à QT neoadjuvante com doxorrubicina-bleomicina-cisplatina, cirurgia (quando possível) e radioterapia. Os resultados obtidos serão aqui apresentados e discutidos.

Pacientes e Métodos

O desenho deste estudo é de um ensaio clínico prospectivo e descritivo, para o qual foram recrutadas 60 pacientes (30 IIB e 30 IIIB), com média de idade de 48 anos, durante o período compreendido entre 1987 e 1995. As principais características das pacientes estão na

Tabela 1

Os critérios de inclusão foram: câncer do colo uterino, estadiado segundo a FIGO (versão 1987) em IIB ou IIIB; tipo histológico - carcinoma espinocelular; assinatura do termo de consentimento informado; apresentar performance status entre 0 e 1, conforme classificação do "Swiss Cooperative Group"; provas de funções hepática, renal, cardíaca, pulmonar e hematológica dentro dos limites normais; a idade máxima era de 67 anos e não deveria ter sido submetida anteriormente a tratamento oncológico. Foram excluídas as pacientes que não cumpriram as orientações do protocolo ou que perderam seguimento, as que recebiam tratamento oncológico concomitante para outro tipo de câncer ou que não puderam ou não desejaram continuar a receber o esquema quimioterápico.

O estadiamento foi realizado através do exame especular e do toque bimanual combinado, vaginal e retal. O tamanho do tumor no colo era medido diretamente em centímetros e a extensão parametrial foi avaliada pelo toque retal. O exame ginecológico foi realizado por três profissionais médicos, pertencentes ao Serviço de Oncoginecologia do Hospital Nossa Senhora das Graças e, somente quando houve concordância quanto ao estadiamento clínico, a paciente foi incluída no protocolo. Em casos de discordância sobre o estadiamento, um novo exame foi realizado, sob narcose, e, persistindo a discordância, a paciente era excluída da seleção.

Cada paciente foi submetida aos ciclos de QT, contendo três drogas, conforme o esquema: doxorrubicina - 50 mg/m² dia 1, cisplatina – 75 mg/m² dia 1 e bleomicina – 15 mg/m² dia 1, no dia 3, a cada 3 ou 4 semanas. Foram aplicados no mínimo 2 ciclos e, no máximo, 4 ciclos, até a avaliação final da resposta. Cada ciclo de QT foi repetido somente se o número de leucócitos por mm3 estivesse acima de 3.000 e o de plaquetas acima de 100.000. Na proposta do estudo, quando a creatinina atingisse mais que 1,6 mg/L, ou quando a paciente apresentasse manifestações clínicas, tais como dispnéia, taquicardia ou alterações no ECG ou na radiografia de tórax, a QT era suspensa.

O exame ginecológico era realizado após cada ciclo de QT, com mensuração direta do tamanho tumoral no colo uterino e avaliação parametrial por meio do toque retal. Nos casos em que houvesse redução tumoral a partir do segundo ou terceiro ciclos, tornando o tumor operável, a QT era suspensa e a paciente encaminhada à cirurgia e, na seqüência, à radioterapia. Quando a resposta era parcial após 3 ciclos, administrava-se um quarto e último ciclo, para posterior avaliação das condições de operabilidade. Caso, não ocorresse resposta após 3 ciclos, a QT era suspensa e a paciente encaminhada para tratamento radioterápico.

As respostas pós-QT foram classificadas em: resposta completa - desaparecimento clínico total da neoplasia; resposta parcial - diminuição superior a 50% do volume tumoral; sem resposta - diminuição inferior a 50% e resposta global - soma das respostas completas e parciais.

Após 3 a 4 semanas do término da QT, as pacientes que se tornaram operáveis foram submetidas à cirurgia de Wertheim-Meigs. Três a quatro semanas após a cirurgia, as pacientes foram encaminhadas ao serviço de radioterapia e submetidas à radioterapia externa, com dose de 5000 cGy, abrangendo toda a pelve. As pacientes que não se tornaram operáveis após a QT neoadjuvante foram encaminhadas para radioterapia, recebendo a dose preconizada para o tratamento radioterápico exclusivo (pélvico externo e radiomoldagem), com dose total no ponto A de 8000 cGy. O tempo total do tratamento oscilou em torno de 8 semanas.

Foi realizado seguimento clínico das pacientes a cada 2 meses durante o primeiro ano; no segundo ano, a cada 3 meses; no terceiro ano, a cada 4 meses; no quarto e quinto anos, a cada 6 meses e, a partir do quinto ano, anualmente. Os exames clínicos e laboratoriais foram realizados e solicitados, conforme os seguintes intervalos: exame geral e ginecológico, a cada consulta; ecografia de abdômen total, radiografia de tórax, creatinina e hemograma, a cada 6 meses, durante os 3 primeiros anos. Após o terceiro ano, os exames foram anuais. A citologia oncótica (Papanicolaou) foi realizada semestralmente nos 3 primeiros anos e após, anualmente.

A análise da taxa acumulada de sobrevida após o uso da QT foi feita pelo método de Tabela de Vida, com intervalo de confiança de 95%, processado por software específico para esse fim (SPSS), baseado nos métodos de Tietze-Lewit. Na análise estatística das Tabelas de Vida, foi empregado o teste de Wilcoxon Geham, para comparação das amostras. Os testes, relativos à sobrevida entre operadas e não operadas após QT, também foram avaliados utilizando-se a análise de variância, por se considerar o delineamento casualizado.

Resultados

Das 60 pacientes selecionadas, apenas 52 foram avaliadas. Oito pacientes foram excluídas da análise: duas devido a recusa em continuar a QT, pois não toleraram as reações causadas pela medicação, sendo a alopécia a principal razão alegada; três não aceitaram a cirurgia e três perderam seguimento.

De acordo com a

Tabela 2

As complicações cirúrgicas que ocorreram pós-QT neoadjuvante foram: disfunção vesical (29%), infecção de parede (3%) e linfedema (3%).

Na

Tabela 3

O índice de respostas parciais à QT neoadjuvante no estádio IIB foi maior (89%) do que no estádio IIIB (48%). As respostas completas ocorreram igualmente nos 2 grupos (no estádio IIB, 11%, e no estádio IIIB, 12%). Todas as 27 pacientes no estádio IIB tiveram resposta global, enquanto que, entre as 25 pacientes do estádio IIIB, isto ocorreu em 15 pacientes (60%).

Após a QT neoadjuvante, 2 em cada 3 pacientes do grupo de estudo tornaram-se operáveis (65,5%). Foram operadas quase o triplo de pacientes em estádio inicial IIB, em relação àquelas cujo estádio inicial era IIIB (93 versus 36%). Entre as 27 pacientes do estádio IIB, quase a totalidade (93%) tornou-se operável pós-QT neoadjuvante, enquanto apenas 9 pacientes (36%) no estádio IIIB foram submetidas à cirurgia preconizada (

Tabela 4

A sobrevida em todo o grupo, após a QT neoadjuvante, em um seguimento de cinco anos, foi de 62,61%. Na análise da sobrevida por estadiamento, notou-se sobrevida maior nas pacientes no estádio IIB (77%) em relação às pacientes IIIB (45%), com p=0,02, diferença esta demonstrada na

Figura 1

O estudo das curvas de sobrevida, com intervalo mensal para o total da amostra, evidencia que entre as pacientes que foram operadas pós-QT neoadjuvante, a taxa de sobrevida em 5 anos foi 4 vezes maior em relação àquelas pacientes que não foram operadas (82,14 versus 16,67%, respectivamente). Essas diferenças, segundo o teste de Wilcoxon Geham, têm significado estatístico (p<0,01). Das 52 pacientes avaliadas, 34 (65,5%) foram operadas e 18 (33,5%) não puderam ser submetidas ao tratamento cirúrgico.

Ao mesmo tempo que a sobrevida global em cinco anos foi quase duas vezes maior no estádio IIB em relação ao estádio IIIB não houve diferença de sobrevida entre os estádios IIB e IIIB, quando se comparam somente as pacientes que foram operadas. Em ambos os estádios, quando operadas, as pacientes alcançaram sobrevida global em cinco anos de aproximadamente 80%. O p de 0,70 ao se compararem os casos operados, IIB e IIIB, significa que, com base nessa amostra, não há evidências para rejeitar a hipótese de que as taxas de sobrevida sejam iguais.

Os dados relativos à sobrevida, obtidos pela análise de variância, entre pacientes submetidas ou não à cirurgia pós-QT neoadjuvante, mostram diferença estatística significante, mesmo com alto coeficiente de variação, fato de essencial reforço ao resultado encontrado.

Discussão

Neste ensaio clínico, o tratamento pela QT neoadjuvante revelou-se método com boa tolerabilidade e aceitabilidade por parte das pacientes. Este resultado está de acordo com a literatura, na qual vários autores têm confirmado a tolerabilidade da QT para tratamento de câncer do colo uterino2,5-9.

É de grande relevância e pertinência, considerando os casos aqui avaliados, relatar que não ocorreu óbito e também foi desnecessário suspender o esquema de QT. Também não ocorreu nenhum efeito tóxico após QT neoadjuvante que colocasse em risco a vida da paciente. Ainda sobre a baixa toxicidade da QT, afirme-se que tem sido descrita por vários autores2,7-9.

Sempre houve dúvidas se o tratamento pela QT neoadjuvante é capaz de aumentar o índice de complicações cirúrgicas, principalmente em razão da ação destes fármacos em diminuir a imunidade e a este fator somar-se outro, o possível efeito de retardar a cicatrização. Muito embora e apesar de ser grande o porte cirúrgico do procedimento realizado (Classe III na Classificação das Histerectomias de Piver e Rutledge)10, foi pouco significativo o índice de complicações cirúrgicas ocorrido com as pacientes deste estudo. Ressalte-se que este índice obtido encontra-se dentro dos limites inferiores, descritos na literatura, quando o tratamento realizado é exclusivamente cirúrgico11. Acrescente-se que também não houve maior dificuldade técnica para a realização do ato cirúrgico pós-QT neoadjuvante.

No grupo das pacientes observadas, o tratamento pela QT neoadjuvante mostrou-se eficaz em obter regressão dos tumores. Também se observou que todas as pacientes do estádio IIB obtiveram resposta, ao passo que no estádio IIIB, houve apenas 60% de respostas. Estes resultados parecem confirmar os resultados da literatura, que mostram que quanto maior for o volume tumoral, menor é a eficácia do tratamento pela QT. Para efeito de clareza, infere-se aqui que este nível elevado de respostas obtém-se apenas quando a quimioterapia é usada como tratamento primário (anterior a outros tratamentos). Na literatura, consta que as pacientes com tratamento prévio (cirurgia e/ou radioterapia) apresentam nível de resposta à quimioterapia inferior em duas a três vezes em relação àquelas que não foram tratadas12,13. A explicação para tal fato se deve a diminuição da vascularização tumoral (pelos procedimentos anteriores), impedindo assim o aporte ideal do quimioterápico ao tumor.

No grupo de pacientes estudadas, o tratamento pela QT neoadjuvante mostrou-se eficaz, não apenas em obter a regressão das lesões, mas também em tornar operáveis tumores antes considerados inoperáveis. Há grande pertinência no fato de o tratamento pela QT neoadjuvante permitir que 65% das pacientes de todo este grupo fossem submetidas à cirurgia. Estes resultados também foram relatados por vários autores7,8,14-16.

A sobrevida global em 5 anos de todo o grupo foi de 62,6%, cerca de 12 pontos percentuais acima da média da literatura em pacientes IIB e IIIB submetidas ao tratamento radioterápico exclusivo4,17. Quando se avaliou a sobrevida global, separadamente por estádio, observou-se que no grupo IIB houve 17 pontos percentuais acima da média histórica e no grupo IIIB, apenas 5 pontos percentuais acima. Estes dados poderiam sugerir que pela QT neoadjuvante haveria melhor sobrevida no estádio IIB. Entretanto, quando se comparou o grupo de pacientes operadas com o grupo de não operadas, os resultados de sobrevida global de 80% em 5 anos foram idênticos aos obtidos nos estádios iniciais (I e IIA). Por outro lado, quando se analisou o grupo de pacientes não operadas, encontrou-se taxa de sobrevida global de 16,6%, valor este inferior aos existentes na literatura com pacientes submetidas ao tratamento radioterápico exclusivo. Provável explicação para este fato é que a QT neoadjuvante poderia selecionar clones de células resistentes à radioterapia2,7, ou que pode existir resistência cruzada, entre o tratamento quimioterápico e o radioterápico18.

A seqüência QT-cirurgia-radioterapia, teoricamente, permite melhor controle local e sistêmico do câncer do colo uterino localmente avançado. O controle local mais adequado obtém-se pela retirada cirúrgica dos clones resistentes, somados aos efeitos da radioterapia pélvica, que eliminam as possíveis margens cirúrgicas microscópicas comprometidas, com doses variando de 4500 e 5000 cGy4. A radioterapia e a cirurgia são tratamentos locais, porém, com mecanismos de ação diferentes, e as duas modalidades terapêuticas se complementam. O melhor controle sistêmico ocorre pela possibilidade de a QT agir nos eventuais focos de micrometástases e diminuir as chances de aparecimento de metástases a distância19.

Havia dúvidas sobre a eficiência da QT no tratamento do câncer do colo. A partir dos resultados de quatro estudos prospectivos e randomizados20,21, utilizando QT concomitante com radioterapia, evidenciou-se que existe definitivamente lugar de destaque para a QT no tratamento dos tumores do colo uterino. Este trabalho confirmou que esse tumor é químio-sensível, conseguindo-se operar dois terços das pacientes que eram consideradas inoperáveis antes da QT, e que as operadas alcançaram uma sobrevida global em 5 anos de 80%. Apesar de não ser um trabalho analítico, os seus dados sugerem que o tratamento seqüencial QT-cirurgia-radioterapia possa ser modalidade terapêutica viável a ser oferecida às pacientes com câncer do colo uterino localmente avançados.

Referências

Rua Rosa Saporski 320, Mercês

80810-120, Curitiba, PR

Fone/fax: (41) 335-3300

e-mail: lauraschu@hotmail.com

Recebido em: 14/10/2002

Aceito com modificações em: 4/12/2002

Projeto financiado pela FAPESP (Processo 98/16467-3)

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  • Endereço para correspondência
  • 1
    Serviço de Oncologia Ginecológica do Hospital Nossa Senhora das Graças
    2
    Departamento de Tocoginecologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Mar 2003
    • Data do Fascículo
      Dez 2002

    Histórico

    • Recebido
      14 Out 2002
    • Aceito
      04 Dez 2002
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