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Detecção do DNA do papilomavírus humano após excisão da zona de transformação com alça diatérmica para tratamento de neoplasia intra-epitelial cervical

Human papillomavirus DNA detection after large loop excision of the transformation zone for the treatment of cervical intraepithelial neoplasia

Resumos

OBJETIVO: avaliar a presença do DNA do papilomavírus humano (HPV) de alto risco oncológico antes e quatro meses após excisão da zona de transformação com alça diatérmica em mulheres com neoplasia intra-epitelial cervical (NIC). MÉTODOS: neste estudo clínico prospectivo foram incluídas 78 mulheres submetidas à excisão da zona de transformação tratadas no período de fevereiro a dezembro de 2001. Todas foram submetidas a colposcopia, citologia oncológica e captura híbrida II (CH II) antes da cirurgia e após 4±1,25 meses. Para análise estatística utilizou-se o cálculo do odds ratio (OR) com intervalo de confiança de 95% (IC 95%). RESULTADOS: antes da excisão, 67 (86%) mulheres apresentavam CH II positiva para DNA-HPV de alto risco oncológico e destas, apenas 22 (33%) mantiveram a CH II positiva quatro meses após. A detecção do DNA-HPV após o tratamento não se relacionou com a carga viral prévia, presença de doença nas margens da peça cirúrgica ou idade da mulher. Após quatro meses, a detecção do DNA-HPV associou-se significativamente com a presença de alterações citológicas (OR = 4,8; IC 95% = 1,7-13,7), porém não se relacionou com doença residual ou recidiva histológica (OR = 6,0; IC 95% = 0,8-52,3). CONCLUSÃO: após o tratamento da NIC, a detecção do DNA-HPV diminuiu significativamente porém não se observou relação com a presença de doença residual ou recidiva histológica.

Colo; Papilomavírus humano; HPV


PURPOSE: to evaluate the detection of high oncogenic risk human papillomavirus DNA (HPV-DNA) immediately before and 4±1.25 months after large loop excision of the transformation zone (LLETZ) in the treatment of cervical intraepithelial neoplasia (CIN). METHODS: in this clinical prospective study, 78 patients submitted to LLETZ from February to December 2001 were enrolled. All patients were submitted to colposcopic evaluation and had Pap smear and hybrid capture II (HC II) specimens collected immediately before LLETZ and four months after the procedure. Statistical analysis was made through odds ratio (OR) calculations with 95% confidence interval (95% CI). RESULTS: before excision, 67 (86%) women had positive HC II for high oncogenic risk HPV-DNA, while four months afterwards only 22 (33%) maintained positive HC II results. Positive results of HPV-DNA after treatment were not associated with previous viral load, compromised margins in the surgical specimen or age. Four months after the procedure, detection of HPV-DNA was significantly associated with cytological abnormalities (OR = 4.8; CI 95%: 1.7-13.7) but not with histological residual disease or relapse (OR = 6.0; CI 95%: 0.8-52.3). CONCLUSION: HPV-DNA detection was significantly reduced after treatment of CIN, but was not associated with the presence of histologic residual disease or relapse.

LLETZ; Hybrid capture; Human papilloma virus


TRABALHOS ORIGINAIS

Detecção do DNA do papilomavírus humano após excisão da zona de transformação com alça diatérmica para tratamento de neoplasia intra-epitelial cervical

Human papillomavirus DNA detection after large loop excision of the transformation zone for the treatment of cervical intraepithelial neoplasia

Priscila Garcia FigueirêdoI; Sophie Françoise Mauricette DerchainI; Luis Otávio Zanatta SarianI; Renata Clementino GontijoI; Liliana Aparecida De Ângelo AndradeII; Elizabete Aparecida CamposIII; Edson Zangiacomi MartinezIII

IDepartamento de Tocoginecologia

IIDepartamento de Anatomia Patológica da Faculdade de Ciências Médicas (FCM)

IIICentro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (CAISM), Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Sophie F. M. Derchain Rua Antônio Hossri, 629 – Cidade Universitária 13083-370 – Campinas – SP Fone: (19) 3788-9305/ Fax: (19) 3289-5935 E-mail: derchain@supernet.com.br

RESUMO

OBJETIVO: avaliar a presença do DNA do papilomavírus humano (HPV) de alto risco oncológico antes e quatro meses após excisão da zona de transformação com alça diatérmica em mulheres com neoplasia intra-epitelial cervical (NIC).

MÉTODOS: neste estudo clínico prospectivo foram incluídas 78 mulheres submetidas à excisão da zona de transformação tratadas no período de fevereiro a dezembro de 2001. Todas foram submetidas a colposcopia, citologia oncológica e captura híbrida II (CH II) antes da cirurgia e após 4±1,25 meses. Para análise estatística utilizou-se o cálculo do odds ratio (OR) com intervalo de confiança de 95% (IC 95%).

RESULTADOS: antes da excisão, 67 (86%) mulheres apresentavam CH II positiva para DNA-HPV de alto risco oncológico e destas, apenas 22 (33%) mantiveram a CH II positiva quatro meses após. A detecção do DNA-HPV após o tratamento não se relacionou com a carga viral prévia, presença de doença nas margens da peça cirúrgica ou idade da mulher. Após quatro meses, a detecção do DNA-HPV associou-se significativamente com a presença de alterações citológicas (OR = 4,8; IC 95% = 1,7-13,7), porém não se relacionou com doença residual ou recidiva histológica (OR = 6,0; IC 95% = 0,8-52,3).

CONCLUSÃO: após o tratamento da NIC, a detecção do DNA-HPV diminuiu significativamente porém não se observou relação com a presença de doença residual ou recidiva histológica.

Palavras chaves: Colo: lesões neoplásicas. Papilomavírus humano. HPV, captura híbrida.

ABSTRACT

PURPOSE: to evaluate the detection of high oncogenic risk human papillomavirus DNA (HPV-DNA) immediately before and 4±1.25 months after large loop excision of the transformation zone (LLETZ) in the treatment of cervical intraepithelial neoplasia (CIN).

METHODS: in this clinical prospective study, 78 patients submitted to LLETZ from February to December 2001 were enrolled. All patients were submitted to colposcopic evaluation and had Pap smear and hybrid capture II (HC II) specimens collected immediately before LLETZ and four months after the procedure. Statistical analysis was made through odds ratio (OR) calculations with 95% confidence interval (95% CI).

RESULTS: before excision, 67 (86%) women had positive HC II for high oncogenic risk HPV-DNA, while four months afterwards only 22 (33%) maintained positive HC II results. Positive results of HPV-DNA after treatment were not associated with previous viral load, compromised margins in the surgical specimen or age. Four months after the procedure, detection of HPV-DNA was significantly associated with cytological abnormalities (OR = 4.8; CI 95%: 1.7-13.7) but not with histological residual disease or relapse (OR = 6.0; CI 95%: 0.8-52.3).

CONCLUSION: HPV-DNA detection was significantly reduced after treatment of CIN, but was not associated with the presence of histologic residual disease or relapse.

Key words: LLETZ. Hybrid capture. Human papilloma virus.

Introdução

A excisão da zona de transformação com alça diatérmica é hoje uma das técnicas cirúrgicas mais utilizadas para o diagnóstico e tratamento da neoplasia intra-epitelial cervical (NIC). Existe correlação entre o comprometimento das margens da peça cirúrgica e a freqüência de doença residual e de recidiva. Porém, se 30% das mulheres com margens comprometidas apresentam doença residual no colo restante, 8% daquelas com margens livres, também apresentem doença residual ou recidiva1-3. Assim, atualmente, se tem optado pelo seguimento das mulheres submetidas à conização por NIC independentemente do comprometimento das margens do cone, com a coleta de colpocitologia oncológica (CO) e realização de colposcopia. Porém, um grande impulso vem sendo dado às pesquisas que possam identificar um novo marcador de recidiva após a conização4- 6.

Está bem estabelecido o papel do papiloma vírus humano (HPV) como o fator promotor da neoplasia cervical. A relação do HPV com a carcinogênese depende fundamentalmente do tipo e da carga viral e de sua persistência e integração com a célula hospedeira7. Quando se avalia o seguimento de mulheres tratadas por NIC por meio da conização, muitos estudos analisam a taxa de cura ou recidiva embasados em aspectos morfológicos. Entretanto, ainda são poucos os estudos que avaliam a detecção do vírus como método preditivo da evolução da doença. A detecção do HPV é rara nos tecidos escamosos morfologicamente normais que cercam os locais onde há NIC. Isso não exclui a infecção oculta da história natural da NIC, mas indica que, quando as lesões cervicais induzidas pelo HPV ocorrem, a infecção oculta não se dissemina no epitélio normal circunjacente8.

Existem evidências de que a taxa de detecção do DNA-HPV no trato genital inferior diminui significativamente após o tratamento eficiente da NIC sugerindo que a excisão da zona de transformação pode ser efetiva para o desaparecimento viral. Este fato é condizente com a baixa taxa de recorrência da NIC tratada por excisão, assim como com os baixos índices de positividade para o HPV durante o seguimento. Não se sabe entretanto, se a detecção do DNA-HPV após o tratamento da NIC, pode ser utilizada como fator clínico preditivo de persistência ou recidiva da doença. Muitos autores acreditam que a detecção do DNA-HPV ajuda a selecionar as mulheres que apresentarão recidiva, porém outros não verificaram associação entre a detecção viral e a presença de doença residual ou recorrente9-15.

O objetivo deste estudo foi avaliar a taxa de detecção do DNA-HPV de alto risco oncogênico antes e quatro meses após a excisão da zona de transformação com alça diatérmica, em mulheres com NIC, em relação à gravidade da lesão cervical, ao comprometimento das margens da peça cirúrgica e à idade da mulher, e verificar se existe alguma associação entre a persistência do DNA-HPV e as alterações citológicas e histológicas, após o tratamento.

Pacientes e Métodos

Seleção dos sujeitos e coleta de dados

Para este estudo clínico prospectivo, aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Ciência Médicas da UNICAMP, foram inicialmente selecionadas as mulheres com indicação de excisão da zona de transformação por alça diatérmica. Todas as pacientes tinham CO, colposcopia ou biópsia sugestiva de NIC. Na primeira consulta, após assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, as mulheres respondiam a questionário e eram submetidas a exame ginecológico com inspeção dos genitais externos e região perianal. A seguir, uma espátula de Ayre e uma escova endocervical eram utilizadas para coleta de material da ectocérvice e da endocérvice para nova CO. Finalmente, realizava-se a colposcopia com ácido acético a 3%, com observação de toda a zona de transformação. Procedia-se à biópsia de áreas morfologicamente anormais, sugestivas de neoplasia, guiada pela colposcopia.

A excisão com alça diatérmica foi indicada nos casos de citologia sugestiva de NIC 3/carcinoma invasor ou quando a biópsia confirmou neoplasia intra-epitelial de alto grau (NIC 2/NIC 3). A indicação de excisão da zona de transformação com alça nos casos de colposcopia insatisfatória se deu em função do resultado da colpocitologia oncológica.

Indicada a conização, a paciente era instruída a retornar durante a primeira fase do ciclo menstrual. Em caso de irregularidade menstrual, um teste de B-HCG urinário era realizado para afastar gravidez. Antes do início da cirurgia era coletado material para detecção do DNA-HPV por meio da captura híbrida II (CH II). Após o procedimento, as mulheres retornavam em 40 dias para o resultado histológico, sendo que, naquelas com NIC na peça cirúrgica, era agendado um retorno em quatro meses para seguimento. Foram excluídas da análise as mulheres sem doença na peça cirúrgica ou com carcinoma microinvasor ou invasor. Permaneceram neste estudo 78 mulheres que, 4±1,25 meses após a excisão da zona de transformação por alça diatérmica, retornaram para controle com nova coleta de CO, CH II e colposcopia.

Descrição dos métodos

A colposcopia era realizada após embrocação com aplicação de ácido acético a 3% e observação com colposcópio com luz branca e filtro verde, em aumentos de seis a 16 vezes. As imagens encontradas foram descritas conforme a Nomenclatura Internacional dos Achados Colposcópicos16 e classificadas em achados colposcópicos normais, anormais maiores ou menores, suspeita de câncer invasor franco ou colposcopia insatisfatória.

Avaliação da citologia

O esfregaço cervical foi constituído de amostras representativas do fundo de saco vaginal, ectocérvice e endocérvice. Este material foi avaliado pelo Laboratório de Citopatologia do CAISM. As lâminas foram coradas pelo método de Papanicolaou e foram avaliadas com base no Sistema de Bethesda17. Os esfregaços foram incialmente classificados em: alterações inflamatórias; lesões escamosas pré-invasoras incluindo atipias de células escamosas de origem indeterminada (ASCUS), lesões de baixo grau incluindo NIC 1/HPV, lesões de alto grau, correspondentes a NIC 2 e NIC 3. Também foram avaliados como atipias glandulares pré-invasoras, considerando as atipias indeterminadas e adenocarcinoma in situ, e finalmente carcinoma invasor, escamoso ou glandular. No seguimento de quatro meses, não foi encontrado nenhum caso com atipias glandulares, sendo os resultados dos esfregaços classificados em com ou sem atipias escamosas.

Para a detecção do DNA-HPV foi utilizado o exame de CH II (Digene Diagnostic Inc.®), obtendo-se o material com utilização de uma escova endocervical. Após a coleta, o material, juntamente com a escova, eram depositados em um tubo com meio líquido específico (STM) e processado no Laboratório de Procedimentos Especializados do CAISM seguindo as instruções da Digene Diagnostics Inc®. Para classificar o resultado da CH II e quantificar a carga viral, foi utilizado um valor de corte diário (cutoff), sendo que amostras com emissão de luz maior que o ponto de corte foram consideradas positivas e aquelas com emissão de luz menor foram consideradas negativas. Nos casos positivos, foram identificadas as cargas virais medidas em unidades relativas de luz (RLU) em quimioluminômetro, sendo que a intensidade da luz é proporcional à carga de DNA-HPV. Assim, os espécimes cuja relação RLU/cutoff foi maior que um foram considerados positivos. Uma unidade de RLU corresponde a 1 pg/ml de DNA-HPV, equivalente a 0,1 cópia de vírus/célula. Neste estudo foram utilizadas somente sondas contendo DNA-HPV de alto risco oncológico - tipo 16, 18, 31, 33, 35, 39, 45, 51, 52, 56, 58, 59 e 6018.

Excisão da zona de transformação com alça diatérmica

A excisão da zona de transformação com alça diatérmica foi realizada no Ambulatório de Patologia Cervical do CAISM/UNICAMP. Foi utilizado um gerador de energia de alta freqüência (modelo SS-200 da WEM) conectado a um aspirador de vapor com filtro biológico (Wavevac da Loktal). O gerador era utilizado na forma monopolar, com energia de corte de 50-60 watts e energia de coagulação de 50 watts, configurado no modelo blend. Para cauterização das bordas a energia de coagulação era mantida em 50-60 watts. Foram utilizados espéculos de número 2 ou 3, recobertos de tinta epóxi para isolamento elétrico, com pequeno cano em sua parede anterior para aspiração de fumaça, ligado ao aspirador biológico e envoltos por condom seccionado na extremidade para afastar as paredes vaginais. Para o bloqueio anestésico era utilizada seringa odontológica, acoplada a agulha gengival longa, 27 G, sendo infiltrados de 0,4 mL a 0,5 mL de cloridrato de lidocaína a 2% com norepinefrina 1:50.000 em cada um dos pontos cardeais do colo uterino. Todas as excisões foram realizadas com auxílio do colposcópio, utilizando-se alças de tungstênio (WEM®), cujas dimensões variavam de 15 mm x 15 mm, 20 mm x 20 mm ou 25 mm x 15 mm e, quando necessário, era realizado reforço endocervical, com alça de 10 mm x 10 mm. As excisões englobavam a zona de transformação e porção do canal endocervical. Eram obtidos espécimes cirúrgicos cônicos com medidas que variavam de 3,8 a 1,8 cm no maior diâmetro e 1,8 a 0,4 cm de profundidade. Após o procedimento, era realizada a cauterização das bordas cruentas para hemostasia com um eletrodo esférico de 5 mm. A seguir, era aplicada solução hemostática de percloreto férrico a 80%. As pacientes eram orientadas quanto ao período de abstinência sexual de 40 dias e a retornar ao ambulatório para resultado do exame anátomo-patológico e conduta.

Todo o material obtido para avaliação histológica incluindo biópsia e peça cirúrgica da excisão foi avaliado no Laboratório de Anatomia Patológica do Hospital de Clínicas da UNICAMP. As peças cirúrgicas foram analisadas macroscopicamente com medidas da extensão, largura e profundidade, marcação da margem ectocervical com tinta nanquim preta e da margem endocervical com o corante azul de Alcian. Foram totalmente recortadas e incluídas em parafina, sendo coradas em hematoxilina-eosina. Além do diagnóstico histológico, o laudo da peça forneceu informações sobre as margens cirúrgicas: livres, comprometidas ou próximas do epitélio atípico. As lâminas foram avaliadas segundo os critérios mais recentes da Organização Mundial de Saúde (OMS)19 e classificadas em processo reacional, cervicite, metaplasia escamosa, NIC 1, 2 ou 3.

Análise estatística

Para mensurar a associação entre a detecção do DNA-HPV antes e após a conização e o resultado histológico do cone, margens do cone e a carga viral, assim como o resultado da CO, colposcopia e histologia, utilizou-se o cálculo do odds ratio (OR) com intervalo de confiança a 95% (IC 95%)20.

Resultados

Observa-se na Tabela 1 que, das 78 mulheres avaliadas, dez apresentavam NIC 1, 12 tinham NIC 2 e 56, NIC 3 na peça cirúrgica. O DNA-HPV de alto risco oncológico foi detectado em 67 (86%) mulheres e esteve significativamente associado com a presença de NIC 3.

Entre as 67 mulheres nas quais inicialmente o DNA-HPV era detectável, apenas 22 mantiveram o exame alterado quatro meses após o tratamento. Todas as mulheres nas quais a detecção do DNA-HPV era negativa mantiveram-se negativas (Tabela 2).

A distribuição da carga viral antes e quatro meses após a excisão da zona de transformação manteve uma distribuição heterogênea. A carga viral nas mulheres nas quais se detectou o DNA-HPV foi menor quatro meses após a conização (Figura 1).


Quando se avaliou a presença do DNA-HPV quatro meses após o tratamento em função da gravidade da lesão histológica no cone, observou-se que das 22 mulheres que mantiveram a carga viral positiva, 16 apresentavam lesão histológica compatível com NIC 3, três com NIC 2 e três com NIC 1. A detecção do DNA-HPV não se relacionou com a gravidade histológica da lesão. A detecção viral quatro meses após a excisão da zona de transformação também não esteve relacionada com a presença de comprometimento das margens da peça cirúrgica, a profundidade ou a largura do cone e a idade da paciente (Tabela 3).

Durante o seguimento, 26 mulheres apresentaram alterações morfológicas na CO: uma apresentou alterações sugestivas de NIC 1, sete de NIC 2, dez de NIC 3, sete de ASCUS e uma apresentou esfregaço com alterações morfológicas sugestivas de invasão. Não foi observada associação entre o comprometimento das margens, a profundidade ou a largura do espécime cirúrgico e a presença de anormalidades citológicas (p>0,05). Na Tabela 4 pode-se observar que nas mulheres em que o DNA-HPV foi detectado quatro meses após o tratamento, a taxa de anormalidades citológicas neste momento também foi significativamente maior (OR = 4,8; IC 95% = 1,7-13,7). Em relação à colposcopia, entretanto, não houve associação entre a detecção do DNA-HPV e a presença de alterações maiores ou menores. E, finalmente, foi observado que a detecção do DNA-HPV quatro meses após a excisão da zona de transformação não esteve associada à persistência ou recidiva de lesão histológica escamosa.

Discussão

Foi observado neste estudo que apenas 33% das mulheres com NIC mantiveram DNA-HPV de alto risco oncológico detectável quatro meses após a excisão com alça diatérmica da zona de transformação. Elfgren et al.9 demonstraram que o DNA-HPV e os níveis de anticorpos, especialmente a antiglobulina A, apresentam declínio significativo após o tratamento eficiente, sugerindo que a conização pode ser efetiva para o desaparecimento viral. Kjellberg et al.13 acompanharam 108 mulheres submetidas a conização a laser por vários graus de NIC, coletando o DNA-HPV antes e três anos após. Entre 82 mulheres em que o DNA-HPV foi inicialmente detectado, apenas três (2,7%) mantiveram o vírus detectável após três anos e, nestes casos, o tipo viral era diferente. Deve-se considerar, entretanto, o longo tempo entre os exames e a possibilidade de nova infecção. Kucera et al.14 acompanharam com CO e DNA-HPV por CH II, durante 12 meses, 142 mulheres tratadas por NIC com conização por alça. Concluíram que, ao final deste período, 94% das mulheres nas quais inicialmente detectava-se o DNA-HPV de alto risco oncológico não apresentavam mais o vírus.

No presente estudo, a alta carga viral antes da excisão da zona de transformação não esteve relacionada à detecção do DNA-HPV quatro meses após, embora a maior parte das mulheres nas quais o DNA-HPV após o procedimento foi detectável apresentassem carga viral menor do que aquela encontrada antes do tratamento. Foi observado também que, entre as 11 mulheres nas quais não se detectou o DNA-HPV antes da cirurgia, o DNA-HPV não foi detectável após quatro meses, o que pode ser explicado pela presença de tipos virais não incluídos na CH II ou pela carga viral muito baixa, considerada negativa com o ponto de corte de 1,0 pg/ml16.

O estado das margens da peça cirúrgica também não esteve significativamente relacionado ao desaparecimento do vírus após a excisão da zona de transformação. Paraskevaidis et al.21, comparando mulheres com e sem recidiva da NIC, observaram que a recidiva em cinco anos foi independente da presença de doença nas margens do cone e apenas associada à detecção do DNA-HPV durante o seguimento. Os autores, entretanto, não avaliaram se os casos com margens comprometidas apresentavam maior taxa de detecção viral após a conização, quando comparado com mulheres cujos cones apresentavam margens livres.

Observamos no nosso estudo que, embora exista correlação evidente entre a detecção do DNA-HPV e as alterações citológicas escamosas encontradas no esfregaço cervical, 50% das mulheres com alterações morfológicas da CO no seguimento apresentaram CH II negativa. E, finalmente, não encontramos neste grupo de mulheres analisadas associação significativa entre a detecção do DNA-HPV quatro meses após o tratamento da NIC e a recidiva ou persistência da doença histológica. Foi observado também que a presença de anormalidades morfológicas detectadas pela CO quatro meses após a excisão da junção escamo-colunar com alça diatérmica não esteve associada a freqüência mais elevada de anormalidades histológicas no colo uterino residual. Entretanto, antes de considerar as implicações dos resultados deste estudo é importante considerar suas limitações. Quatro meses após uma excisão da zona de transformação por NIC, as anormalidade citológicas não apresentam relação significativa com a presença de doença histológica residual. Deve-se considerar que o tempo determinado pode ser considerado curto em face dos processos cicatriciais ainda ativos no colo do útero, levando a muitos erros de interpretação da CO.

Chua e Hjerpe10, comparando 26 mulheres com recidiva após a conização com 22 mulheres sem recidiva, identificaram a presença de DNA-HPV por reação em cadeia de polimerase (PCR) no material de biópsia fixado em parafina em 25 das 26 mulheres com recidiva histológica da NIC. Os autores não detectaram o DNA-HPV nas 22 pacientes sem recidiva após a conização pertencentes ao grupo controle. Da mesma forma, Distefano et al.11 detectaram o DNA viral por PCR em 33% de 27 mulheres que não apresentaram recidiva após conização enquanto 100% das mulheres com recidiva morfológica apresentavam DNA-HPV detectável. Bollen et a.l12 avaliaram 43 mulheres submetidas à conização e que apresentaram alguma anormalidade citológica durante o seguimento clínico. Verificaram que o risco de apresentar alguma alteração histológica era 5,3 vezes maior naquelas em que a detecção do DNA-HPV de alto risco oncológico era positiva do que naquelas em que o DNA-HPV era ausente. Finalmente, Cruickshank et al.15 concluíram que a persistência de DNA-HPV 16 e 18 após a conização foi um fator significativamente associado com a recidiva da doença em mulheres tratadas por NIC 3.

Concluímos com estes resultados que o tratamento da NIC com excisão da zona de transformação com alça diatérmica também é efetivo para eliminar o HPV ou, ao menos, levar sua carga viral a níveis menores que uma RLU. A aplicabilidade prática do exame do DNA-HPV quatro meses após o tratamento, entretanto, ainda é questionável, pois não houve associação entre a presença do DNA-HPV e a existência de doença histológica. É necessário acompanhamento destas mulheres por um tempo maior, para definir o valor preditivo da persistência da detecção viral no seguimento de mulheres tratadas por NIC por meio da retirada da zona de transformação por alça.

Recebido em: 17/12/2002

Aceito com modificações em: 6/1/2003

Estudo financiado pela FAPESP (00/11264-0) e CNPq (300354/01)

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  • Endereço para correspondência
    Sophie F. M. Derchain
    Rua Antônio Hossri, 629 – Cidade Universitária
    13083-370 – Campinas – SP
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Maio 2003
    • Data do Fascículo
      Fev 2003

    Histórico

    • Aceito
      06 Jan 2003
    • Recebido
      17 Dez 2002
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