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Vaginoplastia com utilização de enxerto de pele da região abdominal inferior

Vaginoplasty using full-thickness skin graft from the lower abdominal region

Resumos

OBJETIVOS: apresentar técnica de vaginoplastia e avaliar os seus resultados e complicações. MÉTODOS: foram incluídas 20 mulheres portadoras de ausência congênita de vagina, atendidas no período de 1989 a 1996, com idades entre 19 e 39 anos. A metodização dos tempos cirúrgicos consistia na abertura de uma cavidade entre o reto e a bexiga e no seu revestimento com enxerto de pele de espessura total retirado da região abdominal inferior, sendo a cavidade mantida com o uso de um molde dilatador e a área doadora suturada em primeira intenção. RESULTADOS: morfologicamente, em 75, 85 e 80% dos casos as vaginas apresentaram bom revestimento epitelial, boa elasticidade e boa amplitude, respectivamente. Funcionalmente, em 80% dos casos o ato sexual foi considerado satisfatório por ambos os cônjuges. CONCLUSÕES: a técnica apresentada possibilitou a obtenção de uma vagina adequada do ponto de vista anatomofuncional, a cicatrização rápida da área doadora em primeira intenção com bom aspecto estético e um baixo nível de complicações.

Vaginoplastia; Ausência congênita de vagina; Enxerto livre de pele


PURPOSE: to present a technique of vaginoplasty and evaluate its results. METHODS: twenty women with congenital absence of the vagina aged between 19 and 39 years were included in the study. They were seen at the Endocrinological Gynecology and Climacteric Clinic of the Obstetrics and Gynecology Department of the Santa Casa of São Paulo, between 1989 and 1996. The surgery consisted of the opening of a cavity between the rectum and the bladder and this cavity was lined with a full-thickness skin graft removed from the lower abdominal region and kept in place with the use of a dilatation mold. The donor area was closed by primary suture. RESULTS: morphologically, in 75, 85 and 80% of the cases, the vagina presented a satisfactory epithelial lining, good elasticity and good amplitude, respectively. Functionally, in 80% of the cases both partners considered sexual intercourse satisfactory. CONCLUSIONS: the technique allows the obtention of an adequate vagina from the anatomic and functional point of view, fast healing of the donor area, closed by primary suture with good esthetical aspect and low level of complications.

Vaginoplasty; Congenital absence of the vagina; Free skin graft


TRABALHOS ORIGINAIS

Vaginoplastia com utilização de enxerto de pele da região abdominal inferior

Vaginoplasty using full-thickness skin graft from the lower abdominal region

José Arnaldo de Souza Ferreira

Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo

Endereço para correspondência Endereço para correspondência José Arnaldo de Souza Ferreira Rua Cincinato Braga 102 – Paraíso 01333-010 – São Paulo – SP FAX/Fone: (11) 288-3800

RESUMO

OBJETIVOS: apresentar técnica de vaginoplastia e avaliar os seus resultados e complicações.

MÉTODOS: foram incluídas 20 mulheres portadoras de ausência congênita de vagina, atendidas no período de 1989 a 1996, com idades entre 19 e 39 anos. A metodização dos tempos cirúrgicos consistia na abertura de uma cavidade entre o reto e a bexiga e no seu revestimento com enxerto de pele de espessura total retirado da região abdominal inferior, sendo a cavidade mantida com o uso de um molde dilatador e a área doadora suturada em primeira intenção.

RESULTADOS: morfologicamente, em 75, 85 e 80% dos casos as vaginas apresentaram bom revestimento epitelial, boa elasticidade e boa amplitude, respectivamente. Funcionalmente, em 80% dos casos o ato sexual foi considerado satisfatório por ambos os cônjuges.

CONCLUSÕES: a técnica apresentada possibilitou a obtenção de uma vagina adequada do ponto de vista anatomofuncional, a cicatrização rápida da área doadora em primeira intenção com bom aspecto estético e um baixo nível de complicações.

Palavras-Chave: Vaginoplastia. Ausência congênita de vagina. Enxerto livre de pele.

ABSTRACT

PURPOSE: to present a technique of vaginoplasty and evaluate its results.

METHODS: twenty women with congenital absence of the vagina aged between 19 and 39 years were included in the study. They were seen at the Endocrinological Gynecology and Climacteric Clinic of the Obstetrics and Gynecology Department of the Santa Casa of São Paulo, between 1989 and 1996. The surgery consisted of the opening of a cavity between the rectum and the bladder and this cavity was lined with a full-thickness skin graft removed from the lower abdominal region and kept in place with the use of a dilatation mold. The donor area was closed by primary suture.

RESULTS: morphologically, in 75, 85 and 80% of the cases, the vagina presented a satisfactory epithelial lining, good elasticity and good amplitude, respectively. Functionally, in 80% of the cases both partners considered sexual intercourse satisfactory.

CONCLUSIONS: the technique allows the obtention of an adequate vagina from the anatomic and functional point of view, fast healing of the donor area, closed by primary suture with good esthetical aspect and low level of complications.

Key Words: Vaginoplasty. Congenital absence of the vagina. Free skin graft.

Introdução

Entre as anomalias congênitas do trato genital feminino, a mais comum na prática clínica é a ausência de vagina associada a útero rudimentar, com ovários, trompas e genitais externos normais. A síndrome de Rokitansky, como também é conhecida esta anomalia, apesar de ter incidência relativamente baixa (estimada em 1 para 4.000 mulheres nascidas ou 1 para 20.000 hospitalizadas, constitui sério problema fisiológico, pelo fato de originar infertilidade e incapacidade de realizar um ato sexual com penetração vaginal, e também psicossocial, pelo fato de a mulher saber que tem uma anormalidade e poder sofrer de graus variáveis de depressão, baixa auto-estima e distúrbios de personalidade, com suas conseqüências sociais1.

Por estes motivos, os tratamentos propostos envolvem a preocupação em se obter vagina artificial pela criação de espaço entre o reto e a bexiga, existindo métodos cirúrgicos e não cirúrgicos com esta finalidade. Como não cirúrgico, destaca-se aquele proposto por Frank, no qual por meio de pressões intermitentes no recesso vaginal criava-se uma cavidade1,2. Com relação às técnicas cirúrgicas, tem havido uma evolução crescente, tendo-se utilizado desde técnicas convencionais até aquelas que se valem de métodos endoscópicos3,4.

As técnicas cirúrgicas convencionais são realizadas com maior freqüência e consistem basicamente na separação entre o reto e a bexiga, criando-se espaço vaginal o qual é mantido com o uso de molde dilatador2. Vários tecidos podem ser utilizados com a finalidade de forrar a cavidade neoformada, podendo-se entre eles destacar: os segmentos intestinais5, as membranas ovulares6-8, o peritônio pélvico9,10 e os transplantes de pele pediculados11,12 e livres13-17. Entre estes tecidos, o enxerto de pele sempre foi um dos mais utilizados, sendo esta técnica cirúrgica conhecida com o nome de McIndoe13. No entanto, os resultados nem sempre foram satisfatórios, talvez pelo fato de os enxertos serem de espessura muito fina, pouco resistentes e, portanto, com tendência à necrose parcial ou total, havendo maior dificuldade para integrarem-se à área receptora, levando a retrações e estenoses vaginais18. Além do mais, os enxertos eram retirados com dermátomo, da nádega, da coxa, do flanco ou do hipogástrio, deixando a cicatrização se fazer por segunda intenção, a qual era extensa, demorada, conduzindo a cicatrizes hipertróficas e de mau aspecto estético. O pós-operatório, por conseguinte, era seguido de grande desconforto em conseqüência da dor na área doadora19.

Em virtude desses inconvenientes, propusemos a apresentar uma técnica de vaginoplastia, com utilização de enxerto de pele de espessura total retirado da região abdominal inferior, e a avaliar os seus resultados relativos aos aspectos morfológicos e funcionais da área receptora (neovagina), ao aspecto estético da cicatriz da área doadora, como também às suas complicações.

Pacientes e Método

Foram submetidas à técnica de vaginoplastia 20 mulheres portadoras de ausência congênita de vagina e útero (síndrome de Rokitansky), atendidas na Clínica de Ginecologia Endócrina e Climatério do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Santa Casa de São Paulo, no período de 1989 a 1996. As idades variavam entre 19 e 39 anos e as pacientes procuraram o serviço para avaliação ginecológica, por serem portadoras de amenorréia primária e apresentarem dificuldade ou impossibilidade para o relacionamento sexual. Condição importante para a indicação da cirurgia foi a paciente desejar iniciar a atividade sexual e estar tendo dificuldade para a sua realização. O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa da instituição.

Sob anestesia geral, a paciente era colocada em posição semiginecológica, sendo feita a antisepsia das regiões genital e abdominal. Em seguida, procedíamos à delimitação das áreas cirúrgicas com campos assépticos e ao cateterismo vesical com sonda de Foley nº 12, com bolsa coletora em sistema fechado. Logo após, realizávamos a marcação dos limites da área de pele destinada ao enxerto com azul de metileno, a qual tinha comprimento entre 10 e 12 cm no sentido transversal e largura entre 7 e 8 cm no sentido longitudinal, estando o seu bordo inferior um pouco acima do limite superior da inserção dos pêlos pubianos. As extremidades transversais eram prolongadas em formato triangular, por motivos estéticos (Figura 1).


Após a marcação da pele iniciávamos o ato cirúrgico via vaginal, fazendo a exposição do vestíbulo e a seguir uma incisão transversal na depressão em fundo cego do intróito vaginal, seguindo-se a dissecção romba do espaço vesicorretal e à divulsão do tecido frouxo existente nesse espaço com o auxílio dos dedos indicadores e da tesoura romba. Esse tempo é bastante facilitado pelo uso de duas valvas de Richardson, as quais são basculadas no sentido anterior e posterior, ajudando a separar o reto da bexiga. Avançávamos com esse plano de dissecção até a reflexão do peritônio pélvico, procedendo, em seguida, à cuidadosa revisão da hemostasia.

A seguir iniciávamos o tempo abdominal, com a retirada do enxerto de pele total da área previamente demarcada, cujo leito era então cuidadosamente hemostasiado. Suas bordas eram mobilizadas e suturadas em dois planos, sendo duas suturas no subcutâneo com catgut nº. 2-0 simples e uma na pele, com pontos intradérmicos contínuos de Dexon ou náilon 4-0.

Ao mesmo tempo em que a área doadora era suturada, um auxiliar fazia a limpeza do retalho de pele retirando toda a tela celular subcutânea do mesmo com auxílio de bisturi e tesoura, até a exposição de todo o derma (Figura 2).


Em seguida, o enxerto era suturado no sentido longitudinal, com pontos separados intradérmicos de Dexon 3-0 sobre o molde de madeira já previamente preparado e de tamanho adequado ao espaço retovesical, de tal forma que a superfície cruenta da pele ficasse voltada para fora e a não cruenta em contacto com a superfície do molde.

Após nova revisão da hemostasia do espaço retovesical, o molde, já revestido de pele, era introduzido na cavidade neoformada, sendo a borda distal do enxerto suturada à borda do recesso do intróito vaginal, com pontos separados de Dexon 3-0. A seguir fazíamos a fixação do molde em sua posição definitiva, aproximando os grandes lábios na linha média com 2 a 3 pontos separados de náilon 2-0, acima e abaixo do parafuso do molde, com o intuito de fechar a vulva e impedir a saída do mesmo. O cateterismo vesical, em sistema fechado, era mantido após o término da cirurgia.

No pós-operatório a paciente era mantida no leito por um período de 24 horas, com dieta alimentar pobre em resíduos para que não ocorresse funcionamento intestinal precoce. O molde era mantido por um período de 7 a 8 dias, durante o qual conservávamos o cateterismo vesical em sistema fechado, com antibioticoterapia preventiva. Durante todo esse período, procedíamos à limpeza diária da região vulvar com solução anti-séptica.

Após 7 ou 8 dias de pós-operatório era feita a primeira troca do molde. Uma vez retirado era colocado na cavidade um outro de igual tamanho, sendo a sua fixação feita com o uso de cinta-calça elástica, justa o suficiente para comprimir a região vulvar e impedir sua eliminação, facilitando a deambulação da paciente. Junto com a primeira troca do molde, retirávamos a sonda vesical de Foley.

Após a troca do molde era dada alta hospitalar à paciente e agendados retornos semanais, ocasião em que eram realizadas trocas do molde pelo próprio médico, verificando o aspecto do enxerto e procedendo à limpeza local com solução anti-séptica. Transcorridas quatro semanas do pós-operatório, quando a integração do enxerto e a cicatrização da sutura do intróito eram suficientes, permitia-se a troca do molde pela própria paciente, uma vez ao dia, para limpeza adequada.

A princípio o uso do molde era contínuo, durante 24 horas, sendo intermitente (somente à noite) passados dois meses da cirurgia. Quando a cicatrização estivesse completa e a tendência à retração da nova cavidade houvesse sido eliminada, o que deveria ocorrer dentro de um período de três a quatro meses, era permitido o início da atividade sexual. Orientávamos o uso do molde, de forma intermitente, por todo o tempo necessário para a manutenção de uma amplitude vaginal adequada, sempre que a freqüência coital fosse insuficiente.

Os critérios adotados para a avaliação da vaginoplastia foram: avaliação morfológica, por meio da observação de três parâmetros: revestimento da cavidade vaginal (exame especular), elasticidade das paredes vaginais (toque bidigital) e amplitude vaginal (toque bidigital, colocação de espéculo de tamanho médio e vaginometria) e avaliação funcional, efetuada mediante a capacidade das pacientes operadas de realizarem ato sexual com penetração normal.

Os critérios adotados para a avaliação das complicações foram: relativas à área receptora (neovagina), subdivididas em imediatas e tardias, e relativas à área doadora (leito do enxerto), subdivididas em imediatas e tardias.

Resultados

As pacientes foram seguidas, após a alta hospitalar, por intervalos de tempo que variaram de seis meses a quatro anos e meio.

Quanto à avaliação morfológica da vaginoplastia, o revestimento da cavidade vaginal apresentou-se completo em 15 casos (75%) e em cinco (25%) houve revestimento incompleto representado por áreas circunscritas, de pequenas dimensões, de tecido de granulação de coloração vinhosa. Quanto à elasticidade das paredes vaginais, em 17 casos (85%), as paredes vaginais apresentavam-se elásticas ao toque em toda sua extensão. Entre os 3 casos restantes (15%), em 2 houve diminuição da elasticidade na cúpula e em 1, em seu terço médio. Em relação à amplitude, as dimensões da cavidade vaginal tiveram reduções durante a evolução em 4 casos (20%). Nos outros 16 casos (80%), a amplitude da vagina foi totalmente satisfatória.

Quanto à avaliação funcional da vaginoplastia, a atividade sexual foi iniciada entre o segundo e o quarto mês após a cirurgia na totalidade das pacientes, sendo que 16 (80%) referiram ato sexual com penetração normal, satisfatória para ambos os cônjuges. As 4 restantes (20%) apresentaram dificuldade à penetração, com dispareunia.

Com relação às complicações imediatas da área receptora (neovagina), dos 20 casos avaliados em apenas 2 (10%) houve deiscência parcial da sutura do enxerto no intróito vaginal. Também ocorreram 5 casos (25%) de perda localizada do enxerto originando área de tecido de granulação, sendo 4 na cúpula vaginal e 1 no terço médio lateral esquerdo da vagina, o que ocasionou sangramentos discretos. Os 13 casos restantes (65%) evoluíram sem qualquer alteração. Entre as complicações tardias, apresentaram-se 4 casos de retração localizada da vagina (20%), sendo 1 com retração de grau médio da cúpula. Os outros 3 casos foram de retrações mais discretas da cúpula vaginal, mas que não impediram o relacionamento sexual. Os 16 casos restantes (80%) apresentaram-se sem qualquer alteração.

No que diz respeito às complicações imediatas da área doadora (leito do enxerto), tivemos 3 casos (15%): 1 caso (5%) de hematoma subcutâneo e 2 casos (10%) de deiscência localizada de sutura, tendo havido cicatrização satisfatória por segunda intenção. Nos 17 casos restantes (85%), a cicatrização ocorreu em primeira intenção, sem nenhuma alteração. Entre as complicações tardias, tivemos apenas 3 (15%): duas de alargamento localizado da cicatriz e uma de cicatriz hipertrófica. Nos 17 casos restantes (85%), as cicatrizes se apresentaram com bom aspecto estético.

Discussão

Atualmente, a técnica mais utilizada para a correção da ausência congênita de vagina é aquela que combina as técnicas de Abbe-Wharton-McIndoe ou, como é mais conhecida, técnica de McIndoe13.

A técnica por nós apresentada consiste em uma modificação daquela de McIndoe, na qual utilizamos para recobrir o molde um enxerto de pele, retirado da região abdominal inferior, de espessura total. A diferença entre essa técnica e as anteriormente descritas, que também se valem do enxerto de pele, revela-se em detalhes relacionados à espessura do enxerto, ao local de sua retirada (área doadora), à fixação do molde no pós-operatório e à integração do enxerto.

No tocante à espessura do enxerto, McIndoe20 estabeleceu os princípios básicos de aplicação dos enxertos de pele nos revestimentos de cavidades, adaptando-os à vaginoplastia e recomendando a retirada de enxerto de pele delgada, em lâmina única, com uso permanente do molde entre quatro e seis meses, até que a tendência de retração do mesmo desaparecesse. McIndoe e Banister13 apresentaram o primeiro resultado satisfatório de cirurgia de ausência congênita de vagina.

Os enxertos delgados de pele eram empregados, na época, por não existirem dermátomos com graduação e também pela menor quantidade de anexos cutâneos nesses tipos de enxerto. Com o advento dos dermátomos manuais com graduação da espessura, passou-se a retirar enxertos de maior espessura em área glabra de pele, como foi preconizado por Fara et al.18. O fato de estes serem mais ricos em anexos cutâneos não deve restringir o seu uso, pois os autores que estudaram sua biologia, quando aplicados à neovagina, encontraram como alteração importante a atrofia e o desaparecimento dos anexos21.

Assim sendo, devido ao fato de a retirada de pele ser feita com dermátomo e com espessura parcial, deixando a área doadora com cicatrização demorada, por segunda intenção, procurou-se modificar esse processo. Assim sendo, foram publicados estudos sobre uma técnica em que se extraíam dois enxertos de pele de espessura total, com bisturi de lâmina fria, de cada uma das regiões inguinais, unindo-os, para em seguida recobrir o molde. As áreas doadoras eram suturadas, ocorrendo cicatrização em primeira intenção com melhor resultado estético e possibilitando às pacientes um pós-operatório indolor2,22. Além do mais, os enxertos mais espessos parecem ter integração mais rápida, devido à maior resistência, menos necrose e menor tendência à retração18.

Na técnica por nós utilizada, retiramos enxerto de pele da região hipogástrica, em lâmina única, mas de espessura total. Dessa forma, existe a vantagem de o enxerto ser único, não havendo necessidade de unir dois fragmentos, como nas técnicas preconizadas anteriormente5,19,22. O leito doador é suturado em dois planos, obtendo-se apenas uma cicatriz transversa estética e indolor. Apesar de a região não ser totalmente glabra, não tivemos problemas com os pêlos, pois o limite inferior do enxerto está acima do limite superior da inserção dos pelos pubianos e, como já foi dito, uma das primeiras alterações do enxerto na neocavidade é a atrofia e desaparecimento dos anexos da pele.

A fixação do molde recoberto pelo enxerto constitui aspecto importante da cirurgia. McIndoe e Banister13 fixavam o molde suturando o óstio da neovagina em dois planos, sepultando o molde que ficava retido por quatro meses. Outros autores fixavam o molde usando cordões elásticos ou faixas amarradas no abdômen23,24.

Em nosso estudo, não utilizamos esses métodos de fixação do molde. Fixamos o mesmo com pontos separados de náilon 2-0, aproximando os grandes lábios na linha média acima e abaixo da extremidade do parafuso em alça, impedindo sua expulsão. Tal fixação permanece até sua primeira troca (entre sete e oito dias após a cirurgia), permitindo a deambulação segura da paciente, conservando-se em sua posição, sem o incômodo de faixas no abdome, as quais necessitam de ajustes a todo momento.

Após a primeira substituição do molde, por outro de igual tamanho, passamos a fazer sua fixação com a utilização de cinta-calça elástica, justa o suficiente para comprimir a vulva e manter o molde em sua posição, permitindo deambulação tranqüila sem haver os problemas de fixação com as incômodas e pouco práticas faixas de crepe, principalmente pelo fato de que afrouxavam a todo momento e se impregnavam de urina.

No que diz respeito à integração do enxerto, observada pela inspeção da cavidade vaginal, alguns autores relataram perda total ou parcial, com formação local de tecido de granulação, prejudicando a epitelização12,21.

Em nossa série, tivemos cinco casos com área localizada de tecido de granulação devido à necrose e perda localizada do enxerto, tendo conseguido a reepitelização por meio de curativos locais com ácido metacresolsulfônico ou eletrocauterização. Nenhuma paciente necessitou de outro enxerto, como o ocorrido com outros autores13.

Acreditamos que a falha na integração do enxerto decorra da não-realização de hemostasia rigorosa e da menor espessura do enxerto, havendo menor resistência e maior tendência à necrose, com a retração cicatricial conseqüente. O contrário acontece com os enxertos de pele de espessura total18,22. Não há, portanto, relação com o uso de molde rígido, uma vez que este recebe pressão passiva e uniforme dos tecidos circunvizinhos, que são elásticos e móveis, não prejudicando a sua integração.

Analisando os resultados da literatura, em relação às vaginoplastias com enxerto de pele, pudemos verificar que alguns autores consideravam como ótimos se a vagina tivesse pelo menos 12 cm de profundidade e 3 cm de diâmetro. Eram classificados como bons se os procedimentos resultassem em vaginas com comprimentos entre 7 e 11 cm e ruins se o comprimento fosse menor que 7 cm13,25.

Em nossa casuística, tivemos somente resultados considerados ótimos e bons, ou seja, vaginas com mais de 8 cm de profundidade. Nos casos em que houve retração localizada da vagina, a reintrodução correta do molde resultou em recuperação eficaz. Chamamos ainda a atenção para o fato de que a cicatriz da área doadora é esteticamente superior àquela resultante da retirada do enxerto com o uso de dermátomo, em que a cicatrização se fazia por segunda intenção, originando cicatriz de mau aspecto estético.

O bom resultado final da vaginoplastia resume-se à aquisição de vagina anatomicamente adequada à função sexual. Esse objetivo depende de perfeita colaboração da paciente, que pode ser obtida informando-a a respeito de sua anomalia e orientando-a sobre os cuidados pós-operatórios, principalmente quanto ao uso do molde. O parceiro também deve ser esclarecido no que concerne à anomalia de sua companheira, para que possa colaborar quando for liberada para o ato sexual, por meio de atividade sexual adequada para a manutenção das dimensões da vagina.

Recebido em: 13/12/02

Aceito após modificações em: 20/1/03

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  • Endereço para correspondência

    José Arnaldo de Souza Ferreira
    Rua Cincinato Braga 102 – Paraíso
    01333-010 – São Paulo – SP
    FAX/Fone: (11) 288-3800
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Maio 2003
    • Data do Fascículo
      Fev 2003

    Histórico

    • Recebido
      13 Dez 2002
    • Aceito
      20 Jan 2003
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