Acessibilidade / Reportar erro

Validação da curva normal de peso fetal estimado pela ultra-sonografia para o diagnóstico do peso neonatal

Validity of the normal fetal weight curve estimated by ultrasound for diagnosis of neonatal weight

Resumos

OBJETIVO: avaliar a concordância entre o peso fetal estimado (PFE) por ultra-sonografia e o neonatal, o desempenho da curva normal de PFE por idade gestacional no diagnóstico de desvios do peso fetal/neonatal e fatores associados. MÉTODOS: participaram do estudo 186 grávidas atendidas de novembro de 1998 a janeiro de 2000, com avaliação ultra-sonográfica até 3 dias antes do parto, determinação do PFE e do índice de líquido amniótico e parto na instituição. O PFE foi calculado e classificado de acordo com a curva de valores normais de PFE em: pequeno para a idade gestacional (PIG), adequado para a idade gestacional (AIG) e grande para a idade gestacional (GIG). A mesma classificação foi feita para o peso neonatal. A variabilidade das medidas e o grau de correlação linear entre o PFE e o peso neonatal foram calculados, bem como a sensibilidade, especificidade e valores preditivos para o uso da curva de valores normais de PFE para o diagnóstico dos desvios do peso neonatal. RESULTADOS: diferença entre o PFE e o peso neonatal variou entre -540 e +594 g, com média de +47,1 g, e as duas medidas apresentaram um coeficiente de correlação linear de 0,94. A curva normal de PFE teve sensibilidade de 100% e especificidade de 90,5% em detectar PIG ao nascimento, e de 94,4 e 92,8%, respectivamente, em detectar GIG, porém os valores preditivos positivos foram baixos para ambos. CONCLUSÕES: a estimativa ultra-sonográfica do peso fetal foi concordante com o peso neonatal, superestimando-o em apenas cerca de 47 g e a curva do PFE teve bom desempenho no rastreamento diagnóstico de recém-nascidos PIG e GIG.

Peso fetal; Peso neonatal; Ultra-sonografia


PURPOSE: tocompare the ultrasound estimation of fetal weight (EFW) with neonatal weight and to evaluate the performance of the normal EFW curve according to gestational age for the diagnosis of fetal/neonatal weight deviation and associated factors. METHODS: one hundred and eighty-six pregnant women who delivered at the institution from November 1998 to January 2000 and who had one ultra-sonographic evaluation performed until three days prior to delivery with estimation of the amniotic fluid index were included. EFW was calculated and classified in to small for gestational age (SGA), adequate for gestational age (AGA) and large for gestational age (LGA) through the normal EFW curve for this population. Neonatal weight was similarly classified. The variability of the measures and the degree of linear correlation between EFW and neonatal weight, as well as sensitivity, specificity and predictive values for the use of the normal EFW curve in the diagnosis of neonatal weight deviations were calculated. RESULTS: the difference between EFW and neonatal weight ranged from -540 to +594 g, with a mean of +46.9 g, and the two measures presented a linear correlation coefficient of 0.94. The normal EFW curve had a sensitivity of 100% and specificity of 90.5% in detecting SGA neonates and of 94.4 and 92.8%, respectively, in detecting LGA; however, the predictive positive values were low for both conditions. CONCLUSIONS:ultrasound EFW was in agreement with the neonatal weight, with a mean overweight of approximately 47 g, and its normal curve showed a good performance in the screening of SGA and LGA neonates.

Fetal weight; Neonatal weight; Ultrasound


TRABALHOS ORIGINAIS

Validação da curva normal de peso fetal estimado pela ultra-sonografia para o diagnóstico do peso neonatal

Validity of the normal fetal weight curve estimated by ultrasound for diagnosis of neonatal weight

José Guilherme Cecatti; Maria Regina Marrocos Machado; Fabiana da Graça Krupa; Priscila Garcia Figueiredo; Helaine Maria Besteti Pires

Departamento de Tocoginecologia Faculdade de Ciências Médicas Universidade Estadual de Campinas

Endereço para correspondência Endereço para correspondência José Guilherme Cecatti DTG/FCM/UNICAMP Rua Alexander Fleming, 101 13084-881 – Campinas – SP E-mail: cecatti@obelix.unicamp.br Fone (FAX): (19) 3788-9304

RESUMO

OBJETIVO: avaliar a concordância entre o peso fetal estimado (PFE) por ultra-sonografia e o neonatal, o desempenho da curva normal de PFE por idade gestacional no diagnóstico de desvios do peso fetal/neonatal e fatores associados.

MÉTODOS: participaram do estudo 186 grávidas atendidas de novembro de 1998 a janeiro de 2000, com avaliação ultra-sonográfica até 3 dias antes do parto, determinação do PFE e do índice de líquido amniótico e parto na instituição. O PFE foi calculado e classificado de acordo com a curva de valores normais de PFE em: pequeno para a idade gestacional (PIG), adequado para a idade gestacional (AIG) e grande para a idade gestacional (GIG). A mesma classificação foi feita para o peso neonatal. A variabilidade das medidas e o grau de correlação linear entre o PFE e o peso neonatal foram calculados, bem como a sensibilidade, especificidade e valores preditivos para o uso da curva de valores normais de PFE para o diagnóstico dos desvios do peso neonatal.

RESULTADOS: diferença entre o PFE e o peso neonatal variou entre -540 e +594 g, com média de +47,1 g, e as duas medidas apresentaram um coeficiente de correlação linear de 0,94. A curva normal de PFE teve sensibilidade de 100% e especificidade de 90,5% em detectar PIG ao nascimento, e de 94,4 e 92,8%, respectivamente, em detectar GIG, porém os valores preditivos positivos foram baixos para ambos.

CONCLUSÕES: a estimativa ultra-sonográfica do peso fetal foi concordante com o peso neonatal, superestimando-o em apenas cerca de 47 g e a curva do PFE teve bom desempenho no rastreamento diagnóstico de recém-nascidos PIG e GIG.

Palavras chave: Peso fetal. Peso neonatal. Ultra-sonografia.

ABSTRACT

PURPOSE: tocompare the ultrasound estimation of fetal weight (EFW) with neonatal weight and to evaluate the performance of the normal EFW curve according to gestational age for the diagnosis of fetal/neonatal weight deviation and associated factors.

METHODS: one hundred and eighty-six pregnant women who delivered at the institution from November 1998 to January 2000 and who had one ultra-sonographic evaluation performed until three days prior to delivery with estimation of the amniotic fluid index were included. EFW was calculated and classified in to small for gestational age (SGA), adequate for gestational age (AGA) and large for gestational age (LGA) through the normal EFW curve for this population. Neonatal weight was similarly classified. The variability of the measures and the degree of linear correlation between EFW and neonatal weight, as well as sensitivity, specificity and predictive values for the use of the normal EFW curve in the diagnosis of neonatal weight deviations were calculated.

RESULTS: the difference between EFW and neonatal weight ranged from -540 to +594 g, with a mean of +46.9 g, and the two measures presented a linear correlation coefficient of 0.94. The normal EFW curve had a sensitivity of 100% and specificity of 90.5% in detecting SGA neonates and of 94.4 and 92.8%, respectively, in detecting LGA; however, the predictive positive values were low for both conditions.

CONCLUSIONS:ultrasound EFW was in agreement with the neonatal weight, with a mean overweight of approximately 47 g, and its normal curve showed a good performance in the screening of SGA and LGA neonates.

Key words: Fetal weight. Neonatal weight. Ultrasound.

Introdução

A estimativa do peso fetal pela ultra-sonografia é importante para se verificar o bem-estar fetal e avaliar a evolução do crescimento no decorrer da gestação, assim como para reduzir a morbidade e mortalidade associadas a desvios do crescimento intra-útero, por meio do seguimento e adoção de protocolos específicos para a vigilância da vitalidade fetal1,2.

A relação entre o peso fetal e a idade gestacional pode fornecer subsídios para o diagnóstico de condições maternas e fetais que estejam prejudicando o desenvolvimento do potencial intrínseco de crescimento do feto3. No entanto, o peso ao nascimento é apenas uma medida final cuja avaliação não permite nenhum tipo de intervenção para alterar o ganho de peso fetal ainda durante a gravidez2.

Se o peso fetal tem esta importância, seria necessário ainda saber qual a real capacidade do peso fetal estimado (PFE) pela ultra-sonografia em diagnosticar o peso fetal/neonatal. Para isso há a necessidade de se padronizarem os valores de PFE que possam ser considerados normais para a população de interesse, obtidos de maneira metodologicamente adequada, e que se considerem os fatores que possam interferir em sua determinação. Como exemplo, verifica-se que quando existe mais de uma estimativa de peso fetal no terceiro trimestre, a melhor predição do peso é obtida com a avaliação ultra-sonográfica mais tardia em relação ao parto4, o que parece não constituir uma novidade.

Entre os fatores metodológicos que podem ainda influenciar os valores da estimativa do peso fetal adotados como referência, destacam-se o tipo de população estudada (se proveniente de centros de referência hospitalares ou da população geral) a raça, estatura e ossatura maternas, o sexo fetal e o método utilizado para o cálculo da idade gestacional2. Além destes, outros fatores teoricamente também poderiam estar associados à variabilidade do peso fetal/neonatal, incluindo algumas doenças associadas à gravidez, hábitos alimentares, tabagismo, volume de líquido amniótico e outros.

Assim, as possíveis variações no desenvolvimento fetal em diferentes raças constituem uma preocupação metodológica a ser considerada. O peso fetal estimado pela ultra-sonografia, mediante diferentes fórmulas biométricas, não mostrou variações significativas em população asiática próxima ao termo. Embora a fórmula de Hadlock tenha sido originalmente descrita para a população americana, foi igualmente útil para a população asiática5, demonstrando sua utilidade genérica.

Com relação à possível influência do volume do líquido amniótico, estudo americano já demonstrou que a presença de oligoâmnio ou polidrâmnio não influenciou a estimativa de peso fetal pela ultra-sonografia. Este estudo demonstrou ainda sensibilidade relativamente baixa (65%) para identificar fetos macrossômicos quando a estimativa de peso fetal foi maior ou igual a 4.000 g, ao passo que a especificidade para diagnosticar fetos não macrossômicos foi elevada (90%)6. Já para o diagnóstico de restrição de crescimento intra-uterino em estudo populacional desenvolvido na Finlândia, a sensibilidade, especificidade e valor preditivo positivo da estimativa ultra-sonográfica foram elevados (82, 92 e 84%, respectivamente)7.

Quanto à técnica para a estimativa do peso fetal, esta pode sofrer variações com o uso de fórmulas de diferentes autores, já incorporadas aos aparelhos de ultra-sonografia, e também com a variabilidade intra e interobservador das medidas. Estudos têm demonstrado um elevado grau de concordância entre o PFE pela ultra-sonografia e o peso neonatal, e uma relativamente pequena variabilidade tanto intra como interobservador, seja usando uma única ou várias fórmulas. Assim, os resultados da estimativa de peso fetal por ultra-sonografia podem ser genericamente considerados bons e reprodutíveis5,8,9.

Estas várias fórmulas foram criadas para estimar o peso fetal a partir de medidas da sua biometria, incluindo o diâmetro biparietal, o comprimento do fêmur e a circunferência abdominal. Os estudos de Hadlock et al.10 mostram ser necessárias pelo menos três medidas fetais: o diâmetro biparietal ou a circunferência cefálica como índice de crescimento da cabeça; a circunferência abdominal como índice de crescimento do corpo e o comprimento do fêmur, como índice de crescimento em estatura.

Nos países em desenvolvimento, o peso ao nascimento é provavelmente o fator determinante da morbidade e mortalidade neonatal, além de influir também na mortalidade pós-neonatal. Isto fica evidente ao se verificar que o risco de morte neonatal é quatro vezes menor nas crianças que nascem pesando entre 2.500 e 2.999 g e dez vezes menor naquelas com 3.000 a 3.499 g, comparativamente àquelas com baixo peso ao nascimento, inferior a 2.500 g11. Assim, em se tratando de problema de saúde pública, estudos clínicos e epidemiológicos têm direcionado a atenção aos fatores causais que podem influenciar o peso fetal12. Em países desenvolvidos, as causas de baixo peso ao nascimento são mais relacionadas à prematuridade, em contraposição àqueles em desenvolvimento, cujas causas estão mais relacionadas à restrição de crescimento intra-útero.

Fatores como desnutrição materna, idade materna avançada, antecedentes de filhos com baixo peso, história de partos prematuros, multiparidade, tabagismo, falta de acompanhamento pré-natal e outros poderiam agir, isolada ou associadamente, com maior intensidade em nossa população, em comparação a outros países cujas curvas de peso fetal/neonatal adotam-se aqui para classificar o peso ao nascimento.

Assim, foi objetivo deste estudo avaliar o grau de concordância entre a estimativa ultra-sonográfica do peso fetal e o peso neonatal e o desempenho da curva normal de PFE por idade gestacional, desenvolvida por Cecatti et al.13 na mesma população, no diagnóstico de alterações do peso neonatal, além de possíveis fatores associados à variação desse desempenho.

Pacientes e Método

O estudo realizado foi descritivo, de validação da curva normal de PFE para a idade gestacional pela ultra-sonografia, elaborada por Cecatti et al.13, para a predição do peso neonatal e o diagnóstico das alterações do peso em função da idade gestacional. Foram incluídas 186 gestantes com idade gestacional entre 28 e 42 semanas. Estas mulheres foram acompanhadas e deram à luz no Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher da Universidade Estadual de Campinas, Estado de São Paulo, no período de novembro de 1998 a janeiro de 2000.

Foram considerados elegíveis todos os casos que tiveram, por qualquer indicação, avaliação ultra-sonográfica realizada no máximo até três dias antes do parto ocorrido na instituição e incluindo a estimativa do peso fetal conforme técnica padronizada no serviço. Grávidas com hipertensão arterial, diabetes, infecção do trato urinário, trabalho de parto prematuro, cardiopatias, doenças do colágeno e crescimento intra-útero restrito (CIUR) também foram incluídas. Entretanto, foram excluídas as que apresentassem quaisquer das seguintes condições: gemelaridade, hidropisia fetal, imunização pelo sistema Rh e óbito fetal.

A variável principal do estudo foi o PFE pelo exame ultra-sonográfico, para a idade gestacional correspondente ao momento do exame, empregando a fórmula de Hadlock et al.1,com erro estimado em 10%, expresso em gramas, pela equação: [Log10 (peso ao nascer)] = 1,3596 - 0,00386 (CA) (F) + 0,0064 (CC) + 0,00061 (DBP) (CA) + 0,0424 (CA) + 0,174 (F),onde CA corresponde à medida da circunferência abdominal, CC à circunferência cefálica, F ao comprimento do fêmur, e DBP ao diâmetro biparietal.

Após o cálculo do PFE, este foi classificado em pequeno para a idade gestacional (PIG), adequado para a idade gestacional (AIG) e grande para a idade gestacional (GIG), segundo curva normal do PFE por ultra-sonografia13. A classificação dependia da posição do peso na referida curva, respectivamente abaixo do percentil 10, entre percentil 10 e 90, ou acima do percentil 90. A mesma classificação foi realizada com o peso neonatal (medido imediatamente após o nascimento por meio da pesagem do recém-nascido em balança antropométrica eletrônica neonatal digital), utilizando a curva de peso neonatal para idade gestacional de Lubchenco et al.14 como padrão-ouro. Foram ainda estudadas as variáveis de controle: idade, número de gestações, paridade, antecedente de cesárea, antecedente de aborto, idade gestacional (determinada por exame ultra-sonográfico precoce realizado antes da 20a semana ou pela amenorréia conhecida com certeza por mulher com ciclos regulares e sem uso de hormônios), tempo decorrido entre o exame e o parto e volume do líquido amniótico (índice de líquido amniótico, ILA).

Para a análise dos dados, inicialmente procedeu-se à distribuição das mulheres entre as categorias das variáveis de controle para a caracterização da amostra. Calculou-se então a variabilidade da medida entre o PFE e o peso neonatal por testes de comparação de médias da diferença e por teste de correlação linear entre variáveis numéricas contínuas (coeficiente de correlação linear r). Essas estimativas foram controladas pelo tempo decorrido entre o exame ultra-sonográfico até o parto e pelo ILA. Calcularam-se ainda a sensibilidade, especificidade e valores preditivos do diagnóstico de PIG e GIG pela curva normal de peso fetal estimado por idade gestacional, tendo como padrão ouro o diagnóstico de PIG e GIG dado pelo peso neonatal classificado pela curva de Lubchenco et al.14.

Para a realização dos exames ultra-sonográficos nas mulheres grávidas, utilizaram-se os aparelhos Toshiba SSA-140 e Acuson XP4A, com sonda convexa de 3,75 MHz em ambos, normalmente adotada como padrão para exames ultra-sonográficos obstétricos. Os exames foram realizados por mais de um observador, propositalmente para se testar a reprodutibilidade do procedimento em serviço. As mulheres cujos dados foram utilizados no estudo submeteram-se, quando indicado e solicitado, a exame ultra-sonográfico na Seção Técnica de Ultra-sonografia da instituição, realizada por médico habilitado para a realização deste tipo de exame. A mulher foi acomodada em mesa de exame clínico em decúbito dorsal horizontal, sendo realizado o exame ultra-sonográfico por via abdominal, avaliando-se rotineiramente o andar superior do abdômen e a gravidez propriamente dita, incluindo avaliação fetal global, placenta e cordão umbilical, o volume do líquido amniótico e a estimativa do peso fetal. A fonte inicial para a identificação dos casos e coleta das informações foi o registro dos partos e o sistema informatizado de laudos ecográficos da instituição.

Como as informações de interesse para o estudo seriam retrospectivamente coletadas de exames ultra-sonográficos já realizados rotineiramente e dos prontuários clínicos das mulheres, não se pode utilizar um consentimento livre e esclarecido. O projeto seguiu, entretanto, todas os requisitos estabelecidos para este tipo de pesquisa com seres humanos, tendo sido previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição.

Resultados

A idade das 186 gestantes estudadas variou entre 14 a 40 anos, com média de 26,2 anos. Cerca de um terço das mulheres eram nulíparas e quase 29% tinham antecedente de cesárea. A idade gestacional variou de 28 a 42 semanas, com média de 37,4 semanas. A caracterização da população amostral pode ser vista na Tabela 1.

Para cada caso, a diferença entre o PFE e o peso neonatal real variou de –540 g a +594 g, com média de +47,1 g superestimando o peso neonatal. A correlação linear entre peso fetal estimado e peso neonatal foi bem alta (coeficiente de correlação linear r=0,94), como mostra a Figura 1. Não houve variação significativa da diferença entre o PFE e o peso neonatal em função do tempo decorrido entre a realização do exame ultra-sonográfico e o parto (p=0,26) e da medida do ILA (diferença média de +75,5 g ± 174,9 para ILA <80 mm e +30,4 ± 214,2 para ILA >80 mm, p=0,14).


Correlacionando-se os diagnósticos dos desvios do PFE pela curva normal de Cecatti et al.13 com os mesmos diagnósticos do peso neonatal pela curva de Lubchenco et al.14 como padrão-ouro, a sensibilidade diagnóstica para PIG foi de 100% e a especificidade de 90,5%, porém com um baixo valor preditivo positivo (VPP) e alto valor preditivo negativo (VPN). Para a detecção de GIG, obtiveram-se sensibilidade e especificidade de 94,4 e 92,8%, respectivamente, com um melhor VPP de 58,6% e alto VPN de 99,4% (Tabela 2).

Discussão

Até onde foi possível averiguar na literatura científica disponível, esta é a primeira validação científica de uma curva de PFE por ultra-sonografia feita com dados de uma população brasileira. Tal avaliação mostrou haver uma grande concordância entre o PFE pela ultra-sonografia e o peso neonatal. Houve tendência do PFE de superestimar o peso neonatal em apenas cerca de 47 gramas. Mesmo utilizando a fórmula de Hadlock para o cálculo do PFE, descrita originalmente para uma população americana, a diferença média encontrada com relação ao peso neonatal foi bem menor que a relatada recentemente por Chien et al.9, comparando diferentes fórmulas. Além disso, o alto coeficiente de correlação linear entre as duas medidas (muito próximo de um que seria a correlação perfeita) também confirma esta correspondência.

Na atualidade, com a disponibilidade de maiores recursos humanos e técnicos no acompanhamento de gestações de alto risco, é fundamental a existência de técnicas de vigilância do crescimento fetal intra-uterino que representa um dos mais importantes indicadores da vitalidade fetal. Se por um lado é verdade que existem procedimentos ultra-sonográficos visando estimar o peso fetal há relativamente bastante tempo, por meio de fórmulas matemáticas que incorporam algumas medidas da biometria fetal, por outro lado também é verdade que estas estimativas não têm sido adequadamente avaliadas quanto à sua capacidade de predizer de fato o peso fetal/neonatal e também seus desvios.

Integrando o interesse clínico obstétrico ao valor do PFE pela ultra-sonografia na determinação da CIUR e no acompanhamento dos fetos com baixo ou excessivo ganho de peso durante a gestação, surgiu a necessidade de utilização de uma curva mais específica para a população brasileira e que, preferentemente, refletisse melhor a estimativa do peso fetal por ocasião da avaliação ultra-sonográfica. Foi com este objetivo que se construiu a curva de peso fetal estimado pela ultra-sonografia em função da idade gestacional utilizada no presente estudo e que foi motivo de outra publicação13. Para a recomendação da utilização mais alargada desta curva referida, havia a necessidade da validação da mesma como um procedimento realmente capaz de predizer o peso fetal/neonatal e também seus desvios, que correspondem aos objetivos do presente estudo.

Dessa forma, a utilização desta curva com seus valores percentilares também permitiu diagnosticar os desvios do peso fetal, tanto para mais (GIG) como para menos (PIG), com relativo bom desempenho. Para ambas situações foram bastante elevadas a sensibilidade, a especificidade e o VPN, mas baixo o VPP. Isso permite inferir que a estimativa ultra-sonográfica do peso fetal e a utilização desta curva de valores normais constituem bom método para o rastreamento diagnóstico, tanto para fetos com peso dentro dos padrões de normalidade como para os PIG e GIG, existindo, porém, parcela considerável de falso-positivos. Eles cumprem exatamente o requisito principal de teste diagnóstico a ser utilizado para rastreamento, o de ter alta sensibilidade, permitindo a identificação da grande maioria dos casos afetados que serão posteriormente submetidos a outros testes de avaliação da vitalidade fetal.

Especificamente para o diagnóstico de CIUR, ou seja, de PIG, Palo et al.7 encontraram VPP maior (84%) utilizando o PFE por ultra-sonografia, porém com menores valores de sensibilidade e especificidade. É importante ainda lembrar que o VPP varia diretamente em função da prevalência da condição. Como a prevalência tanto de PIG (3,2%) como de GIG (9,7%) foi baixa na amostra estudada, era mesmo de se esperar que os valores preditivos fossem baixos. É provável que sua utilização em populações mais selecionadas de risco para tais condições resulte em valores preditivos bem mais elevados.

Neste estudo, as avaliações ultra-sonográficas foram realizadas por diversos examinadores que não tinham conhecimento de que a medida do PFE seria comparada posteriormente ao peso neonatal. Isso permitiu a obtenção de medidas rotineiramente coletadas e que não tivessem sido motivo de um cuidado técnico especial de medida. Dessa forma pretendeu-se assegurar a reprodutibilidade do procedimento na prática diária e provavelmente aumentando a validade externa do estudo. Esse foi considerado aspecto técnico importante, já que a variabilidade intra e interobservador relatada para situações semelhantes é pequena8.

Nesta casuística também não ocorreu uma variação significativa da capacidade do PFE em predizer o peso neonatal em função do tempo decorrido entre o exame e o parto, como já esperado, visto que este tempo foi de no máximo três dias, e do volume de líquido amniótico. Este último achado é concordante com outros estudos publicados6.

A avaliação do presente estudo permite concluir que o PFE por ultra-sonografia teve excelente capacidade de predizer o peso neonatal. O diagnóstico dos desvios da normalidade pela curva normal de peso fetal estimado por ultra-sonografia13, quando utilizada para população com características semelhantes àquelas da população brasileira, mostrou bom desempenho no rastreamento dos recém-nascidos PIG e GIG.

Recebido em: 15/10/2002

Aceito com modificações em: 9/1/2003

  • 1. Hadlock FP, Harrist RB, Martinez-Poyer J. In utero analysis of fetal growth: a sonographic weight standard. Radiology 1991; 181:129-33.
  • 2. Gardosi J, Mongelli M, Wilcox M, Chang A. An adjustable fetal weight standard. Ultrasound Obstet Gynecol 1995; 6:168-74.
  • 3. Ott WJ. Defining altered fetal growth by second trimester sonography. Obstet Gynecol 1990; 75:1053-9.
  • 4. Larsen T, Greisen G, Petersen S. Prediction of birth weight by ultrasound-estimated fetal weight: comparison between single and repeated estimates. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol 1995; 60:37-40.
  • 5. Venkat A, Chinnaiya A, Gopal M, Mongelli JM. Sonographic fetal weight estimation in a south-east Asian population. J Obstet Gynaecol Res 2001; 27:275-9.
  • 6. Benacerraf BR, Gelman R, Frigoletto FD Jr. Sonographically estimated fetal weights: accuracy and limitation. Am J Obstet Gynecol 1988; 159:1118-21.
  • 7. Palo P, Erkkola R, Piiroinen O, Ruotsalainen P. Accuracy of ultrasonic fetal weight estimation and detection of small for gestational age fetuses. Am J Perinatol 1989; 6:400-4.
  • 8. Chang TC, Robson SC, Spencer JA, Gallivan S. Ultrasonic fetal weight estimation: analysis of inter and intra-observer variability. J Clin Ultrasound 1993; 21:515-9.
  • 9. Chien PF, Owen P, Khan KS. Validity of ultrasound estimation of fetal weight. Obstet Gynecol 2000; 95:856-60.
  • 10.Hadlock FP, Harrist RB, Sharman RS, Deter RL, Park SK. Estimation of fetal weight with the use of head, body, and femur measurements. A prospective study. Am J Obstet Gynecol 1985; 151:333-7.
  • 11.Ashworth A. Effects of intrauterine growth retardation on mortality and morbidity in infants and young children. Eur J Clin Nutr 1998; 52 (Suppl 1):S34-41.
  • 12.Kramer MS. Intrauterine growth and gestational duration determinants. Pediatrics 1987; 80:502-11.
  • 13.Cecatti JG, Machado MRM, Santos FFA, Marussi EF. Curva dos valores normais de peso fetal estimado por ultra-sonografia segundo a idade gestacional. Cad Saúde Pública 2000; 16:1083-90.
  • 14.Lubchenco LO, Hansman C, Byd E, Dressler M. Intrauterine growth as estimated from liveborn birth weight data at 24 to 42 weeks of gestation. Pediatrics 1963; 32:793.
  • Endereço para correspondência
    José Guilherme Cecatti
    DTG/FCM/UNICAMP
    Rua Alexander Fleming, 101
    13084-881 – Campinas – SP
    E-mail:
    Fone (FAX): (19) 3788-9304
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Maio 2003
    • Data do Fascículo
      Fev 2003

    Histórico

    • Aceito
      04 Jan 2003
    • Recebido
      15 Out 2002
    Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia Av. Brigadeiro Luís Antônio, 3421, sala 903 - Jardim Paulista, 01401-001 São Paulo SP - Brasil, Tel. (55 11) 5573-4919 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: editorial.office@febrasgo.org.br