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Uso da eletroestimulação transcutânea para alívio da dor durante o trabalho de parto em uma maternidade-escola: ensaio clínico controlado

The use of transcutaneous nerve stimulation for pain relief during labor in a teaching hospital: a randomized controlled trial

Resumos

OBJETIVOS: determinar os desfechos maternos e neonatais de acordo com a aplicação ou não de estimulação elétrica transcutânea (EET) para alívio da dor do trabalho de parto antes da instalação da técnica combinada (raquianestesia + peridural). MÉTODOS: realizou-se ensaio clínico, randomizado, aberto, envolvendo 22 parturientes, com gestação a termo e feto único em apresentação cefálica, atendidas em hospital-escola de nível terciário em Recife, Brasil. Estas pacientes foram randomizadas para receber ou não EET antes da instalação da anestesia combinada (raquianestesia + anestesia peridural) para analgesia de parto. Avaliaram-se a intensidade da dor pela escala analógica visual (EAV), o tempo transcorrido entre a avaliação inicial e a necessidade de instalação da anestesia combinada, a duração do trabalho de parto, a freqüência de cesariana e parto instrumental, os escores de Apgar e a freqüência de hipóxia neonatal. Para análise estatística, foram utilizados os testes de Mann-Whitney e exato de Fisher, considerando-se o nível de significância de 5%. RESULTADOS: o tempo decorrido entre a avaliação da dor da parturiente e a necessidade de instalação da técnica combinada foi significativamente maior no grupo da EET (mediana de 90 minutos) quando comparado ao grupo controle (mediana de 30 minutos). A duração do trabalho de parto foi similar nos dois grupos (em torno de seis horas). Não houve diferença na evolução dos escores de EAV durante o trabalho de parto. A freqüência de cesariana foi de 18,2% nos dois grupos. Apenas um parto foi ultimado a fórcipe, no grupo controle. A mediana do escore de Apgar no quinto minuto foi 10, não se encontrando nenhum caso de hipóxia neonatal. CONCLUSÕES: a aplicação de EET foi efetiva em retardar a instalação da anestesia combinada para manter analgesia satisfatória durante o trabalho de parto, porém não apresentou efeito significativo sobre a intensidade da dor e a duração do trabalho de parto. Não houve efeitos deletérios maternos e neonatais.

Eletroestimulação transcutânea (EET); Analgesia obstétrica; Parto; Trabalho de parto


PURPOSE: to determine maternal and neonatal outcome according to the application or not of transcutaneous electrical nerve stimulation (TENS) for relief of labor pain before installation of combined spinal epidural (CSE) block. METHODS: a randomized open clinical trial was conducted involving 22 parturients with a singleton, vertex, term fetus, managed in a tertiary-care academic medical center in Recife, Brazil. These patients were randomly assigned to receive or not TENS before CSE block for labor analgesia. Outcome analysis included pain intensity as measured by visual analog scale (VAS), interval between initial evaluation and CSE installation, labor duration, cesarian section and instrumental delivery rate, Apgar scores and frequency of neonatal hypoxia. Statistical analysis was performed using Mann-Whitney and Fisher's exact tests with a 5% level of significance. RESULTS: a significantly prolonged interval between initial evaluation and CSE block was observed in the TENS group (median of 90 min) when compared with the control group (median of 30 min). Duration of labor was similar (about 6 h). No significant difference was found in VAS scores. Cesarian section rate was 18.2% in both groups. There was only one forceps delivery (in the control group). The median of Apgar scores at the 5th minute was 10 and no case of neonatal hypoxia was found. CONCLUSONS: TENS was effective in delaying CSE analgesia installation without affecting pain intensity and duration of labor. There were no adverse effects on mothers or newborns.

Transcutaneous electrical nerve stimulation (TENS); Obstetrical analgesia; Labor


TRABALHOS ORIGINAIS

Uso da eletroestimulação transcutânea para alívio da dor durante o trabalho de parto em uma maternidade-escola: ensaio clínico controlado

The use of transcutaneous nerve stimulation for pain relief during labor in a teaching hospital: a randomized controlled trial

Flávia Augusta de Orange; Melania Maria Ramos de Amorim; Luciana Lima

Instituto Materno-Infantil de Pernambuco (IMIP)

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Melania Maria Ramos de Amorim Rua Neuza Borborema de Sousa, 300 – Bairro Santo Antônio 58103-313 – Campina Grande – PB E-mail: melamorim@uol.com.br

RESUMO

OBJETIVOS: determinar os desfechos maternos e neonatais de acordo com a aplicação ou não de estimulação elétrica transcutânea (EET) para alívio da dor do trabalho de parto antes da instalação da técnica combinada (raquianestesia + peridural).

MÉTODOS: realizou-se ensaio clínico, randomizado, aberto, envolvendo 22 parturientes, com gestação a termo e feto único em apresentação cefálica, atendidas em hospital-escola de nível terciário em Recife, Brasil. Estas pacientes foram randomizadas para receber ou não EET antes da instalação da anestesia combinada (raquianestesia + anestesia peridural) para analgesia de parto. Avaliaram-se a intensidade da dor pela escala analógica visual (EAV), o tempo transcorrido entre a avaliação inicial e a necessidade de instalação da anestesia combinada, a duração do trabalho de parto, a freqüência de cesariana e parto instrumental, os escores de Apgar e a freqüência de hipóxia neonatal. Para análise estatística, foram utilizados os testes de Mann-Whitney e exato de Fisher, considerando-se o nível de significância de 5%.

RESULTADOS: o tempo decorrido entre a avaliação da dor da parturiente e a necessidade de instalação da técnica combinada foi significativamente maior no grupo da EET (mediana de 90 minutos) quando comparado ao grupo controle (mediana de 30 minutos). A duração do trabalho de parto foi similar nos dois grupos (em torno de seis horas). Não houve diferença na evolução dos escores de EAV durante o trabalho de parto. A freqüência de cesariana foi de 18,2% nos dois grupos. Apenas um parto foi ultimado a fórcipe, no grupo controle. A mediana do escore de Apgar no quinto minuto foi 10, não se encontrando nenhum caso de hipóxia neonatal.

CONCLUSÕES: a aplicação de EET foi efetiva em retardar a instalação da anestesia combinada para manter analgesia satisfatória durante o trabalho de parto, porém não apresentou efeito significativo sobre a intensidade da dor e a duração do trabalho de parto. Não houve efeitos deletérios maternos e neonatais.

Palavras-chave: Eletroestimulação transcutânea (EET). Analgesia obstétrica. Parto. Trabalho de parto.

ABSTRACT

PURPOSE: to determine maternal and neonatal outcome according to the application or not of transcutaneous electrical nerve stimulation (TENS) for relief of labor pain before installation of combined spinal epidural (CSE) block.

METHODS: a randomized open clinical trial was conducted involving 22 parturients with a singleton, vertex, term fetus, managed in a tertiary-care academic medical center in Recife, Brazil. These patients were randomly assigned to receive or not TENS before CSE block for labor analgesia. Outcome analysis included pain intensity as measured by visual analog scale (VAS), interval between initial evaluation and CSE installation, labor duration, cesarian section and instrumental delivery rate, Apgar scores and frequency of neonatal hypoxia. Statistical analysis was performed using Mann-Whitney and Fisher's exact tests with a 5% level of significance.

RESULTS: a significantly prolonged interval between initial evaluation and CSE block was observed in the TENS group (median of 90 min) when compared with the control group (median of 30 min). Duration of labor was similar (about 6 h). No significant difference was found in VAS scores. Cesarian section rate was 18.2% in both groups. There was only one forceps delivery (in the control group). The median of Apgar scores at the 5th minute was 10 and no case of neonatal hypoxia was found.

CONCLUSONS: TENS was effective in delaying CSE analgesia installation without affecting pain intensity and duration of labor. There were no adverse effects on mothers or newborns.

Key Words:Transcutaneous electrical nerve stimulation (TENS). Obstetrical analgesia. Labor.

Introdução

Apesar de ser processo fisiológico e natural, culminando em momento de especial felicidade para a família, qual seja o nascimento de um bebê, o trabalho de parto resulta, paradoxalmente, em dor intensa para muitas mulheres1. Além de representar uma experiência desagradável para a mãe, a dor do parto desencadeia uma série de respostas fisiológicas que, todavia, podem ser danosas ao binômio materno-fetal2 .

Cumpre destacar que diversos estudos já demonstraram que a dor do trabalho de parto pode e deve ser abolida, uma vez que interfere desfavoravelmente na evolução do mesmo, afetando tanto a contratilidade como o fluxo sangüíneo uterino, com conseqüente prejuízo para o concepto2. Diversos métodos, tanto farmacológicos como não farmacológicos, encontram-se disponíveis atualmente para controle da dor durante o trabalho de parto.

Dentre os métodos farmacológicos, a anestesia peridural contínua e, mais recentemente, a técnica combinada (raquidiana e peridural) têm ganhado popularidade em diversos países, representando opções bastante efetivas e seguras, promovendo analgesia de boa qualidade, sem bloqueio motor e com resultados perinatais favoráveis3.

Por outro lado, existe uma ampla gama de métodos não farmacológicos para alívio da dor do parto. As terapias alternativas recomendadas podem incluir a terapia herbal, massagens, quiroprática, acupuntura, aromaterapia, hidroterapia, homeopatia e aplicações bioelétricas ou magnéticas4. Embora a eficácia de algumas opções não tenha ainda sido comprovada, existem evidências confiáveis da segurança e efetividade de várias técnicas, que podem ser utilizadas durante o trabalho de parto, aumentando o conforto da parturiente e auxiliando outras técnicas de analgesia5. Deve-se ainda destacar que os métodos alternativos são encorajados pela Organização Mundial de Saúde, em suas recomendações para o atendimento ao parto normal, classificando-os como "condutas que são claramente úteis e que deveriam ser encorajadas"6.

Apesar desse vasto leque de opções alternativas, a perspectiva da maioria dos médicos envolvidos na assistência pré-natal e ao parto direciona-se basicamente ao uso de drogas anestésicas e analgésicas para o alívio da dor do trabalho de parto. Essa atitude dos profissionais médicos parece contrapor-se às expectativas e anseios das gestantes, na verdade as mais interessadas em técnicas seguras que lhes garantam a redução da dor do parto, permitindo-lhes a participação ativa durante todo o trabalho, sem repercussões desfavoráveis para os recém-nascidos7.

Dentre os vários recursos existentes para controle da dor do trabalho de parto, a eletroestimulação transcutânea (EET) desponta como opção interessante, constituindo método comprovadamente seguro, de baixo custo e isento de efeitos colaterais para o binômio materno fetal8. A técnica consiste basicamente em administrar impulsos ou estímulos elétricos de baixa voltagem através de eletrodos colocados sobre a pele. Embora possa ser aplicada a qualquer momento durante o trabalho de parto, refere-se maior efetividade nas fases iniciais7.

Alguns estudos controlados encontraram resultados positivos da EET para alívio da dor do parto e do delivramento9,10. Entretanto, Lee et al.11, comparando o efeito da EET com o placebo, não encontraram diferença significante entre os grupos. Uma metanálise de oito estudos, publicada em 1997, também questionou a efetividade da técnica, embora três dos ensaios clínicos incluídos sugerissem um efeito favorável12.

Na verdade, a EET representa um método adjuvante, que não se propõe a substituir outras técnicas e tampouco ser utilizado como único recurso7. A proposta atual é de utilizar a eletroestimulação para diminuir a sensação dolorosa nas fases iniciais do trabalho de parto, retardando com isto a necessidade da utilização de métodos farmacológicos. Em conseqüência, o eventual efeito benéfico seria o menor tempo de exposição da mãe e feto aos fármacos utilizados para alívio da dor, o que diminuiria a incidência de efeitos indesejáveis como parada da progressão do parto e depressão fetal8.

Nesse sentido, o método tem sido pouco estudado. Apesar de existirem muitos estudos na literatura com EET para alívio da dor do parto, são escassas as pesquisas para verificar a influência da EET na incidência de requerimento de outra forma de analgesia, como a anestesia peridural ou a técnica combinada10.

Considerando estas limitações, resolvemos realizar o presente estudo, um ensaio clínico controlado, para comparar os desfechos maternos e neonatais de acordo com a aplicação ou não de EET para alívio da dor do trabalho de parto, antes da instalação de bloqueio combinado (raquianestesia e peridural).

Métodos

Realizou-se ensaio clínico aberto, randomizado, para comparar os resultados da aplicação ou não da EET para alívio da dor durante o trabalho de parto, antes da instalação de analgesia combinada (raquidiana e peridural). O estudo foi realizado na Maternidade do Instituto Materno-Infantil de Pernambuco (IMIP), em Recife, Pernambuco, no período de agosto a outubro de 2002. O protocolo original da pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição, obedecendo aos requisitos da Declaração de Helsinque (emenda de 2000) e à resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.

Foram incluídas pacientes em trabalho de parto, com gestação única e tópica, a termo, feto vivo em apresentação cefálica de vértice, com boas condições de vitalidade. Foram excluídos os casos de pré-eclâmpsia grave/eclâmpsia, síndromes hemorrágicas da gravidez (placenta prévia, DPPNI), além das pacientes com indicação imediata de cesariana (desproporção céfalo-pélvica, sofrimento fetal, macrossomia fetal, oligo-hidrâmnio grave, iterativas) ou contra-indicações absolutas para a realização de anestesia regional (coagulopatia, hipovolemia).

A seleção das pacientes era realizada nos plantões semanais de Obstetrícia (12 horas) freqüentados pela pesquisadora responsável. Todas as pacientes foram devidamente informadas sobre o estudo, sobre a técnica de EET e o bloqueio regional com anestesia combinada. Obteve-se a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido daquelas que concordaram em participar.

O tamanho da amostra foi calculado para testar a diferença entre os grupos (com EET e sem EET), utilizando-se teste para diferença de duas médias, para nível de significância de 5% e poder de 80%. Para detectar diferença de pelo menos 40 minutos no tempo transcorrido entre a primeira avaliação e a instalação de analgesia regional pela técnica combinada, a partir da solicitação da paciente, de acordo com a utilização ou não de EET, seriam necessárias 20 pacientes, 10 em cada braço do estudo. Esse número foi aumentado para 11, prevendo-se eventuais perdas. As estimativas de média e desvio-padrão foram obtidas a partir de estudos anteriores13.

A randomização foi realizada a partir de tabela de números randômicos gerada no programa Epitable, do Epi-Info 6.04d. Somente após assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, o pesquisador realizou a alocação da paciente em um dos dois grupos, após abertura de envelope lacrado que continha o grupo selecionado para aquela participante, garantindo-se a ocultação da alocação.

Após randomização e alocação, e antes da aplicação da EET, a dor das participantes era mensurada, utilizando-se a escala analógica visual (EAV) da dor. A partir de então, esta avaliação era repetida a cada 30 (trinta) minutos pelo pesquisador. No momento em que a gestante referisse valor comparado na escala analógica visual igual ou superior a seis, instalava-se a analgesia combinada (raquianestesia associada a peridural), independente do estágio do trabalho de parto da gestante.

Para aplicação da EET, os dois pares de eletrodos que compõem o aparelho eram colocados sobre a pele na área dolorosa para que pudessem ativar os mecanorreceptores aferentes aí localizados, que no caso do trabalho de parto correspondem a duas áreas diferentes: um par de eletrodos era colocado na área paravertebral no nível da décima vértebra torácica (T10/L1) e o outro par era colocado na área paravertebral no nível da segunda vértebra sacral (S2). A partir da colocação dos eletrodos na posição exata o equipamento era programado para gerar estímulos numa freqüência de 90 Hz e duração de pulso de 90 ms. A intensidade da corrente era ajustada a cada paciente, sendo estas orientadas a informar a partir de que valor de intensidade de corrente começavam a sentir estímulos semelhantes a pequenos tremores na região da aplicação do eletrodo. Primeiramente era ajustada a corrente do par de eletrodos superiores (correspondente à 10ª vértebra torácica) e posteriomente o mesmo procedimento era utilizado para o par de eletrodos inferiores (segunda vértebra sacral). Estes parâmetros eram mantidos até o nascimento do concepto.

Após indicação da técnica combinada, a gestante era conduzida ao bloco cirúrgico, onde se realizava o bloqueio, sempre com a paciente sentada, com os ombros relaxados, mantendo o queixo junto ao tórax. Todos os procedimentos foram realizados por uma das pesquisadoras (F.A.O.) ou por médicos-residentes sob sua orientação. Utilizando-se técnica asséptica, realizava-se punção ao nível do espaço L3-L4, infiltrando-se inicialmente a derme e o plano músculo-ligamentar com anestésico local, e a seguir puncionando-se o espaço subaracnóideo com agulha de Withacre calibre 27. Instilavam-se então 2,5 mg de bupivacaína pesada a 0,5%, associada a 5 µg de sufentanil. Posteriormente, a punção do espaço peridural era realizada com agulha de Tuohy descartável número 16G, por via mediana, no mesmo espaço interespinhoso utilizado para a punção subaracnóidea, passando-se o cateter de peridural através da agulha de Tuohy e fixando-o no dorso da paciente com esparadrapo.

Trinta minutos após a punção subaracnóidea iniciava-se a administração de 5 mL de uma solução contendo bupivacaína a 0,05% e sufentanil 0,2 mg por mL através do cateter de peridural. Esta solução era administrada em intervalos repetidos de 30 minutos até o nascimento do concepto, sempre antecedida de aspiração e verificação de instalação de bloqueio motor, para afastar migração do cateter para um vaso ou para dentro do espaço subaracnóideo.

Depois da instalação da analgesia e até o nascimento do concepto, as participantes eram avaliadas pelo mesmo observador (um dos pesquisadores), que anotava os valores da EAV a cada 30 minutos. Além disso, estas gestantes receberam também a cada hora a avaliação obstétrica por meio do partograma, consistindo na verificação da dinâmica uterina, dilatação cervical, ausculta cardíaca fetal e pressão arterial materna. Havendo indicação de cesariana no decorrer do trabalho de parto, a gestante recebia inicialmente uma dose de 15 mL de bupivacaína a 5% e, caso se constatasse nível anestésico inadequado para cirurgia, doses complementares de 2 mL de bupivacaína a 0,5% eram administradas até estabelecimento de anestesia em nível adequado (quarta vértebra torácica). O cateter de peridural era retirado pelo pesquisador após o nascimento do concepto.

Todos os conceptos foram avaliados pela equipe de Neonatologia, que prestava os cuidados iniciais, estabelecendo os escores de Apgar.

Considerou-se como variável independente a aplicação ou não de EET, comparando-se ambos os grupos em relação às variáveis dependentes: características maternas (idade, paridade, idade gestacional) para teste da randomização, escores da escala visual analógica durante todo o trabalho de parto, tempo (em minutos) transcorrido entre a avaliação da dor da participante e a necessidade da instalação de técnica adicional de analgesia, duração do trabalho de parto (em minutos), tipo de parto (vaginal ou cesárea), freqüência de parto instrumental, escores de Apgar e freqüência de hipóxia neonatal (Apgar menor que 7 no quinto minuto).

A análise estatística foi realizada com o programa Epi-Info 2000. Para comparação das variáveis quantitativas, utilizou-se o teste não paramétrico de Mann-Whitney, porque estas não tinham distribuição normal. Para determinação da diferença entre as variáveis categóricas, utilizou-se o teste exato de Fisher. Adotou-se o nível de significância de 5%.

Resultados

Em dez plantões de Obstetrícia, encontraram-se 22 parturientes consideradas elegíveis para inclusão no estudo (em um total de 73 partos assistidos no período). Todas concordaram em participar e foram randomizadas para receber ou não EET (11 pacientes em cada grupo).

As características basais das pacientes foram semelhantes nos dois grupos (idade, paridade, idade gestacional e escore inicial da escala visual analógica). Aproximadamente 82% das parturientes eram primíparas, com mediana da paridade de zero. A idade gestacional variou entre 37 e 40 semanas e a mediana do escore inicial da escala visual analógica foi de 5 (Tabela 1). Todas as pacientes foram submetidas a bloqueio regional pela técnica combinada quando atingiram um escore de 6 na EAV e todas receberam ocitocina para condução do parto após instalação da analgesia.

O tempo transcorrido entre a avaliação da dor da parturiente e a necessidade da instalação de técnica adicional de analgesia (técnica combinada) foi significativamente maior no grupo que recebeu a EET, quando comparado com o grupo controle. A mediana do grupo que utilizou a EET foi de 90 minutos, com variação de 30 a 150 minutos, ao passo que no grupo controle foi de 30 minutos, variando entre 30 e 210 minutos (Tabela 2). Em relação à EAV, verificou-se comportamento semelhante dos valores da mediana nos dois grupos, durante todo o trabalho de parto, antes e depois da instalação da analgesia combinada (Figura 1).

Analisando-se a duração do trabalho de parto, a mediana foi de 256 minutos no grupo da EET e de 220 minutos no grupo controle, não se evidenciando diferença estatisticamente significante. Quanto à resolução do parto, a taxa de cesárea foi semelhante nos dois grupos (dois casos em cada grupo), com um percentual de 18,2%. Realizou-se aplicação de fórcipe em um único caso, no grupo controle (esses dados não estão expressos em tabelas).

Quando se comparou a freqüência de hipóxia neonatal, não se evidenciou nenhum caso de escore de Apgar menor que 7 nas gestantes submetidas a analgesia de parto pela técnica combinada, sendo aplicada ou não a EET. A mediana foi igual nos dois grupos (mediana de 10).

Discussão

Os resultados deste estudo sugerem que a aplicação da EET nas fases iniciais do trabalho de parto retarda a necessidade de técnicas adicionais de analgesia, neste caso a analgesia combinada (raquianestesia associada à anestesia peridural). A aplicação da EET não parece interferir com a duração do trabalho de parto, incidência de cesariana ou parto instrumental, e tampouco acarreta efeitos desfavoráveis para o concepto. Não se encontrou nenhum caso de hipóxia neonatal na presente série.

Os fundamentos fisiológicos para utilização da EET já se encontram bem definidos. Devemos destacar a teoria dos portões de controle da dor de Melzack e Wall14, bem como a estimulação do sistema opióide endógeno. De acordo com estas hipóteses, a estimulação das fibras nervosas aferentes, de largo diâmetro e alta velocidade, preveniria a transmissão dos sinais dolorosos das fibras A-delta e C, de menor diâmetro e baixa velocidade, para os centros cerebrais7. Justifica-se, portanto, o achado de retardo na introdução de outra técnica analgésica, farmacológica, entre as parturientes que receberam EET em nosso estudo, refletindo o alívio da dor durante o primeiro estágio do trabalho de parto.

Esses resultados vêm confirmar os de outros estudos já realizados, encorajando o uso da EET durante o trabalho de parto e o parto. No estudo de Augustinsson et al.15, incluindo 147 parturientes que receberam EET, 44% destas referiram alívio significativo da dor (bom ou muito bom), enquanto 44% experimentaram apenas moderado alívio e outras 12% consideraram a intervenção inadequada. Em outro estudo, Bundsen et al.16 realizaram questionário logo depois do parto vaginal com 566 mulheres, das quais 283 tinham recebido EET. Embora não se tratasse de ensaio clínico, avaliou-se retrospectivamente o grau de alívio da dor, conforme referido pelas pacientes. Pela análise multivariada, concluiu-se que a EET tinha ação específica sobre a dor lombar baixa e pouco impacto sobre a dor suprapúbica, com duração semelhante do trabalho de parto nos dois grupos, porém uma tendência a melhores escores de Apgar no grupo que recebeu EET, possivelmente pela redução do uso de óxido nitroso (para anestesia complementar) nestas pacientes.

Recentemente, Kaplan et al.9 analisaram 104 mulheres que receberam EET durante o trabalho de parto, por meio de questionário estruturado, e a maioria das pacientes (mais de 70%) consideraram a técnica efetiva para controle da dor durante o trabalho de parto. Os autores também referiram encurtamento do primeiro estágio do trabalho de parto e redução do número de doses de analgésicos relacionados à aplicação de EET.

Por outro lado, alguns ensaios clínicos controlados questionaram a efetividade da EET durante o trabalho de parto. Em metanálise publicada em 1997, Carroll et al.12 encontraram resultados conflitantes, quando analisaram oito ensaios clínicos controlados (incluindo os três estudos citados anteriormente), envolvendo 712 mulheres, com documentação dos resultados em termos de alívio da dor. No total, 436 tinham recebido EET e 441 serviram como controles (placebo de EET ou ausência de intervenção). Nesta revisão sistemática, não se observou diferença significativa no alívio primário da dor, embora três dos dez estudos evidenciassem melhora nos resultados secundários, como redução de analgesia complementar ou maior tempo até a administração de outras intervenções analgésicas. Mesmo assim, o resultado final não demonstrou redução no uso de outras técnicas analgésicas. A conclusão dos autores foi que a EET não acarretava controle adequado da dor, podendo atrasar o início de intervenções mais efetivas, de forma que recomendaram que seu uso deveria ser "cuidadosamente reconsiderado".

Os resultados dessa metanálise entram em contradição com os nossos, de forma que merecem uma análise mais aprofundada. Destacamos inicialmente que três dos estudos que demonstraram efeito benéfico da EET não foram publicados em língua inglesa, tendo sido realizados em populações distintas (França e Dinamarca), com práticas obstétricas e aspectos culturais bem diferentes, por exemplo, dos Estados Unidos e Austrália. Assim, nós acreditamos que esta discrepância pode ser explicada pelo perfil das gestantes nas diversas populações estudadas.

Pacientes que já tiveram em seu pré-natal toda uma preparação para realização de bloqueios regionais, com a promessa de alívio completo da dor, provavelmente não ficariam satisfeitas com EET, que ao contrário dos bloqueios regionais, é capaz apenas de atenuar a sensação dolorosa. Isto gera aumento do requerimento de outras formas de analgesia, diminuindo o tempo transcorrido desde a aplicação de EET e a necessidade de instalação de outras técnicas. Por outro lado, as mulheres européias em geral estão mais preocupadas com o resgate do parto natural que as americanas, com maior valorização das práticas alternativas, inclusive do parto domiciliar.

Em relação à nossa população, salientamos que todos esses partos foram assistidos antes da implementação do programa de humanização da assistência ao parto no IMIP, de forma que foram incluídas parturientes em sua maioria sem preparação pré-natal, sem direito a acompanhante, experimentando situação de estresse e sofrimento durante o trabalho de parto. Desta forma, a implementação de qualquer estratégia com a intenção de aliviar a dor neste grupo de mulheres tem elevada chance de obter êxito. Lembramos ainda que o estudo não foi cego, porque não empregamos placebo de EET, e os resultados foram comparados com o grupo sem intervenção, o que pode eventualmente ter gerado um viés. Entretanto, analgesia regional combinada foi garantida a todas as mulheres, e todas foram periodicamente avaliadas e receberam atenção semelhante durante o trabalho de parto, o que pode minimizar este viés.

Cumpre ressaltar, ainda, que apesar de ter sido inicialmente utilizada como técnica única de analgesia, à medida que surgiram evidências de que o uso isolado era ineficaz para controle da dor durante o trabalho de parto, a EET passou a ser empregada como método complementar para as outras técnicas de analgesia de parto. Em um estudo recente, realizado por van der Spank et al.10, do qual participaram 59 parturientes, das quais 24 receberam a EET e 35 não receberam, encontraram-se escores de EAV significativamente menores no grupo que recebeu EET, apesar de não ter se verificado diferença em relação ao requerimento de técnicas adicionais de analgesia. Esse estudo mostrou resultados semelhantes aos nossos, sugerindo que a EET, por meio de sua ação na modulação da dor, é capaz de diminuir a sensação dolorosa nas fases iniciais do trabalho de parto, retardando assim a necessidade da utilização de métodos farmacológicos.

A principal vantagem deste retardo (em torno de uma hora, no presente estudo) seria o menor tempo de exposição da mãe e do feto aos fármacos utilizados para alívio da dor, o que poderia reduzir a incidência de efeitos indesejáveis, como parada da progressão do parto e depressão fetal8,9. Apesar de todo o progresso com o desenvolvimento da analgesia regional durante o trabalho de parto, esta não é desprovida de efeitos indesejáveis. Quando bem conduzida, a técnica não parece interferir com a evolução do trabalho de parto e com a freqüência de cesariana e parto instrumental, e os resultados neonatais são favoráveis na maioria dos casos, porém há relatos de depressão neonatal associada ao uso do opióide, bem como uma freqüência maior de febre de etiologia não infecciosa em recém-nascidos cujas mães receberam analgesia de parto com peridural contínua ou técnica combinada17.

O presente estudo representa, até onde chega nosso conhecimento, o primeiro ensaio clínico randomizado sobre EET publicado no Brasil, onde a experiência com a técnica é ainda bastante limitada, sendo raras as referências sobre seu uso, em geral revisões da literatura18,19. Identificamos nos bancos de dados LILACS/SCIELO apenas um estudo original brasileiro em que se utilizou EET (ensaio clínico não controlado) para alívio da dor durante o trabalho de parto em 40 parturientes no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais20. Em outro estudo brasileiro, a técnica foi utilizada para indução do parto por um grupo da Universidade de São Paulo21. Não encontramos referência de nenhum ensaio clínico controlado brasileiro de aplicação obstétrica da EET.

Mesmo assim, é importante destacar que, apesar de termos realizado um ensaio clínico randomizado, em que a alocação aleatória das participantes permite o controle de fatores confundidores, como acontece nos estudos observacionais ou de intervenção não randômico, persistem algumas limitações metodológicas, que devem ser aqui apontadas.

Em primeiro lugar, não foi possível utilizar grupo placebo, pois o aparelho de EET emite vibrações semelhantes a pequenos choques elétricos que eram sentidas pela paciente, não sendo possível a utilização de placebo que produzisse tal efeito. De fato, a inclusão de grupo placebo no caso de EET é controversa, visto que nenhum placebo seria capaz de mimetizar a estimulação sensorial promovida pela EET. Depois, o tamanho de nossa amostra foi calculado baseado no tempo transcorrido entre a aplicação ou não da EET e a necessidade da introdução de técnica adicional de analgesia (realizada quando o valor da EAV fosse igual ou superior a seis). Assim sendo, crítica pertinente é que essa amostra pode ter sido insuficiente para determinar o risco relativo relacionado a incidência de cesariana, de parto instrumental e hipóxia neonatal (variáveis categóricas), uma vez que de acordo com a incidência de cada uma em particular, poderiam ser necessárias amostras diferentes, provavelmente superiores à deste estudo.

Vale ressaltar que variável que não foi pesquisada e que muito poderia ter enriquecido nosso estudo foi o grau de satisfação da anestesia referida pela paciente, que poderia ajudar na avaliação da qualidade da analgesia, pois muitas vezes determinada técnica pode ser considerada eficaz pelo médico, mas sua realização ser incômoda e desagradável o bastante para inviabilizar o seu uso corrente.

Apesar destas limitações, inerentes a estudo pequeno e à experiência ainda incipiente com a técnica em nosso meio, devemos destacar sua importância, uma vez que este representa um dos poucos ensaios clínicos randomizados que avaliam o tempo desde a aplicação ou não da EET e o requerimento de anestesia combinada para manter satisfatória a analgesia de parto.

Recebido em: 3/1/2003

Aceito com modificações em: 14/1/2003

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  • Endereço para correspondência
    Melania Maria Ramos de Amorim
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Maio 2003
    • Data do Fascículo
      Fev 2003

    Histórico

    • Aceito
      14 Jan 2003
    • Recebido
      03 Jan 2003
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