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Repercussões maternas e perinatais da hidroterapia na gravidez

Maternal and perinatal effects of hydrotherapy in pregnancy

Resumos

OBJETIVO: estudar os efeitos maternos (composição corporal e capacidade cardiovascular) e perinatais (peso e prematuridade) da prática da hidroterapia na gestação. MÉTODOS: estudo prospectivo, coorte, aleatorizado, com 41 gestantes de baixo risco e gestação única, praticantes (grupo estudo, n=22) e não-praticantes (grupo controle, n=19) de hidroterapia. Avaliações antropométricas definiram-se os índices de peso corporal, massa magra e gordura absoluta e relativa. Por teste ergométrico, definiu-se os índices de consumo máximo de oxigênio(VO2máx), volume sistólico (VS) e débito cardíaco (DC). Como resultado perinatal observaram-se ocorrência de prematuridade e recém-nascidos pequenos para a idade gestacional. Compararam-se os índices iniciais e finais entre e dentro de cada grupo. As variáveis maternas foram avaliadas pelo teste t para amostras dependentes e independentes e empregou-se o chi ² para estudo das proporções. RESULTADOS: a comparação entre os grupos não evidenciou diferença significativa nas variáveis maternas no início e no final da hidroterapia. A comparação dentro de cada grupo confirmou efeito benéfico da hidroterapia: no grupo estudo os índices de gordura relativa foram mantidos (29,0%) e no grupo controle aumentaram de 28,8 para 30,7%; o grupo estudo manteve os índices de VO2máx (35,0%) e aumentou VS (106,6 para 121,5) e DC de (13,5 para 15,1); no grupo controle observaram-se queda nos índices de VO2máx e manutenção de VS e de DC. A hidroterapia não interferiu nos resultados perinatais, relacionados à prematuridade e baixo peso ao nascimento. CONCLUSÕES: a hidroterapia favoreceu adequada adaptação metabólica e cardiovascular materna à gestação e não determinou prematuridade e baixo peso nos recém-nascidos.

Gravidez normal; Hidroterapia; Composição corporal; Capacidade cardiovascular


PURPOSE: to study maternal (body composition and cardiovascular capacity) and perinatal (weight and prematurity) effects of hydrotherapy during pregnancy. METHODS: a prospective, random cohort study, with 41 low-risk pregnant women in their first pregnancy, practicing (study group, n=22) and not (control group, n=19) hydrotherapy. Anthropometric evaluation was used to assess lean mass, and absolute and relative body fat. Ergometric tests were used for maximum oxygen consumption (VO2max), stroke volume (SV) and cardiac output (CO). Perinatal results showed premature births and small for gestational age newborns. Initial and final indexes within and between groups were compared. Maternal variables were evaluated using the t test for dependent and independent values; the chi ² test was used to study proportions. RESULTS: there were no significant differences between the groups for maternal variables at the start and end of hydrotherapy. Comparison within each group confirmed the beneficial effect of hydrotherapy. In the study group, relative fat index was maintained at 29.0%; the control group showed an increase from 28.8% to 30.7%; the study group maintained VO2max at 35%, and increased SV from 106.6 to 121.5 and CO from 13.5 to 15.1; the control group showed a drop in VO2max and no change in SV and CO. There was no relationship between hydrotherapy and perinatal results. CONCLUSIONS: hydrotherapy adequately assisted metabolic and cardiovascular maternal adaptation to pregnancy and did not cause prematurity or weight loss in newborns.

Normal pregnancy; Hydrotherapy; Body composition; Cardiovascular capacity


TRABALHOS ORIGINAIS

Repercussões maternas e perinatais da hidroterapia na gravidez

Maternal and perinatal effects of hydrotherapy in pregnancy

Tânia Terezinha Scudeller Prevedel; Iracema de Mattos Paranhos Calderon; Marta Helena De Conti; Elenice Bertanha Consonni; Marilza Vieira Cunha Rudge

GAMMa – Grupo de Assistência Multidisciplinar à Maternidade – Disciplina de Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Tânia T. Scudeller Prevedel Rua Izidoro Bertáglia, 1717 – Jardim Paraíso II 18610-140 – Botucatu – SP Fone: (14) 6824-5025 – (14) 9708-8737 E-mail: prevedel@laser.com.br

RESUMO

OBJETIVO: estudar os efeitos maternos (composição corporal e capacidade cardiovascular) e perinatais (peso e prematuridade) da prática da hidroterapia na gestação.

MÉTODOS: estudo prospectivo, coorte, aleatorizado, com 41 gestantes de baixo risco e gestação única, praticantes (grupo estudo, n=22) e não-praticantes (grupo controle, n=19) de hidroterapia. Avaliações antropométricas definiram-se os índices de peso corporal, massa magra e gordura absoluta e relativa. Por teste ergométrico, definiu-se os índices de consumo máximo de oxigênio(VO2máx), volume sistólico (VS) e débito cardíaco (DC). Como resultado perinatal observaram-se ocorrência de prematuridade e recém-nascidos pequenos para a idade gestacional. Compararam-se os índices iniciais e finais entre e dentro de cada grupo. As variáveis maternas foram avaliadas pelo teste t para amostras dependentes e independentes e empregou-se o c 2 para estudo das proporções.

RESULTADOS: a comparação entre os grupos não evidenciou diferença significativa nas variáveis maternas no início e no final da hidroterapia. A comparação dentro de cada grupo confirmou efeito benéfico da hidroterapia: no grupo estudo os índices de gordura relativa foram mantidos (29,0%) e no grupo controle aumentaram de 28,8 para 30,7%; o grupo estudo manteve os índices de VO2máx (35,0%) e aumentou VS (106,6 para 121,5) e DC de (13,5 para 15,1); no grupo controle observaram-se queda nos índices de VO2máx e manutenção de VS e de DC. A hidroterapia não interferiu nos resultados perinatais, relacionados à prematuridade e baixo peso ao nascimento.

CONCLUSÕES: a hidroterapia favoreceu adequada adaptação metabólica e cardiovascular materna à gestação e não determinou prematuridade e baixo peso nos recém-nascidos.

Palavras-chave: Gravidez normal. Hidroterapia. Composição corporal. Capacidade cardiovascular.

ABSTRACT

PURPOSE: to study maternal (body composition and cardiovascular capacity) and perinatal (weight and prematurity) effects of hydrotherapy during pregnancy.

METHODS: a prospective, random cohort study, with 41 low-risk pregnant women in their first pregnancy, practicing (study group, n=22) and not (control group, n=19) hydrotherapy. Anthropometric evaluation was used to assess lean mass, and absolute and relative body fat. Ergometric tests were used for maximum oxygen consumption (VO2max), stroke volume (SV) and cardiac output (CO). Perinatal results showed premature births and small for gestational age newborns. Initial and final indexes within and between groups were compared. Maternal variables were evaluated using the t test for dependent and independent values; the c 2 test was used to study proportions.

RESULTS: there were no significant differences between the groups for maternal variables at the start and end of hydrotherapy. Comparison within each group confirmed the beneficial effect of hydrotherapy. In the study group, relative fat index was maintained at 29.0%; the control group showed an increase from 28.8% to 30.7%; the study group maintained VO2max at 35%, and increased SV from 106.6 to 121.5 and CO from 13.5 to 15.1; the control group showed a drop in VO2max and no change in SV and CO. There was no relationship between hydrotherapy and perinatal results.

CONCLUSIONS: hydrotherapy adequately assisted metabolic and cardiovascular maternal adaptation to pregnancy and did not cause prematurity or weight loss in newborns.

Key Words: Normal pregnancy. Hydrotherapy. Body composition. Cardiovascular capacity.

Introdução

A prática regular de atividade física é realidade para muitas mulheres que a mantêm ou até a iniciam na gestação. A literatura, no entanto, apresenta controvérsias quanto à intensidade e freqüência do exercício materno, assim como são conflitantes os resultados relacionados aos efeitos maternos e fetais. Parece haver consenso somente na indicação do exercício aquático como atividade ideal para a gestante1.

As atividades praticadas na água receberam inúmeras denominações, entre elas exercício aquático ou em imersão e hidroginástica. Dyson2 prefere o termo hidroterapia, talvez pelos efeitos curativos a ela relacionados.

De modo específico, os benefícios da atividade física em imersão foram destacados pela possibilidade de controle do edema gravídico, incremento da diurese e prevenção ou melhora dos desconfortos músculo-esqueléticos. Além destes, foram relatados maior gasto energético, aumento da capacidade cardiovascular, relaxamento corporal e controle do estresse1-4.

Estes efeitos específicos da prática de atividade física materna em imersão contribuem para que a adesão à técnica seja cada vez maior, tanto por parte das gestantes como dos profissionais que as acompanham no pré-natal. Além de proporcionar conforto e bem estar, aumenta a capacidade do organismo materno em eliminar calor. A manutenção da temperatura corporal durante a hidroginástica é outro efeito desejável, exclusivo deste tipo de exercício4.

Há alguns programas de exercícios aquáticos desenvolvidos especialmente para a gravidez, como o de Baddiley e Storrie5 - Aquanatal training course- e o de Cohen6 - The prenatal water workout. No entanto, são escassos os estudos aleatorizados comparando os efeitos da hidroterapia com outros tipos de exercício na gestação, ou mesmo entre grupos de gestantes praticantes e não praticantes de qualquer atividade física em meio aquático. Abre-se, portanto, um campo rico de pesquisas, com perspectiva de múltiplos desenhos experimentais, necessários para definir as repercussões da atividade em imersão praticada durante o ciclo gravídico-puerperal.

Diante destas considerações, este trabalho teve como objetivo geral avaliar as repercussões maternas e perinatais da hidroterapia na gestação. Como objetivos específicos, comparar os índices de peso corporal, massa magra e gordura, absoluta e relativa, o consumo máximo de oxigênio (VO2máx), o volume sistólico (VS) e o débito cardíaco (DC) maternos, no início e final do programa de hidroterapia, e comparar a ocorrência (%) de prematuridade e pequenos para a idade gestacional (PIG) entre os recém-nascidos de mães praticantes e não praticantes de hidroterapia na gestação.

Pacientes e Métodos

Trata-se de estudo prospectivo, tipo coorte, aleatorizado, que comparou os resultados maternos e perinatais entre praticantes e não-praticantes de um programa de hidroterapia de intensidade moderada.

Participaram desta pesquisa 60 grávidas acompanhadas no Serviço de Pré-natal da Faculdade de Medicina de Botucatu, primigestas ou adolescentes, com gestação única, ausência de doença clínica ou obstétrica e idade gestacional entre 16e 20 semanas, que assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

As gestantes foram sorteadas (modelo casualizado) para participarem ou não do programa de exercícios aquáticos, constituindo dois grupos: grupo hidroterapia = gestantes participantes do programa de hidroterapia, e grupo controle – gestantes não participantes do programa de hidroterapia.

Consideraram-se a idade, peso corporal, estatura, freqüência cardíaca, pressão arterial média, tabagismo, paridade e sedentarismo como variáveis de controle.

Como variável independente considerou-se a prática ou não da hidroterapia. O programa de hidroterapia foi aplicado por fisioterapeuta a subgrupos de, no máximo, 10 gestantes e acompanhado por obstetra. Foi realizado em piscina coberta e aquecida, a temperatura entre 28ºC e 32ºC, com freqüência de três vezes por semana, intensidade moderada e duração de uma hora.

As sessões dos exercícios aquáticos compreenderam cinco fases, respeitando-se as recomendações do American College of Obstetrician and Gynecologist7. Foram elas: alongamento, aquecimento, resistência, exercícios localizados e relaxamento com exercícios respiratórios.

Durante as sessões de hidroterapia as grávidas tiveram a freqüência cardíaca monitorada por freqüencímetro de punho, para controle da intensidade moderada dos exercícios.

Foram caracterizadas como variáveis dependentes maternas a composição corporal, avaliada pelos índices de peso corporal (kg), massa magra (kg), gordura absoluta (kg) e gordura relativa (%), colhidos pela avaliação antropométrica de peso, estatura, circunferência abdominal e do quadril e medidas das pregas cutâneas subescapular, supra-ilíaca e coxa superior, no início e no final do programa (16 e 38 semanas, respectivamente). A capacidade cardiovascular foi avaliada pelos índices de consumo máximo de oxigênio (VO2máx - mL/kg/min), volume sistólico (VS - mL) e débito cardíaco (DC - L/min), por meio de teste ergométrico submáximo em esteira, onde seguiu-se o protocolo de Balke-Ware e Bruce8, também no início e final do programa de hidroterapia.

Como variáveis dependentes neonatais utilizaram-se a classificação da idade gestacional e a relação peso/idade ao nascimento9 nas seguintes categorias: RN de termo (RN com idade gestacional mínima de 37 semanas); RN pré-termo (RN com idade gestacional inferior a 37 semanas); RN GIG (RN com peso grande para a idade gestacional - peso superior ao percentil 90); RN AIG (RN com peso adequado para a idade gestacional - peso entre os percentis 10 e 90) e RN PIG (RN com peso pequeno para a idade gestacional - peso inferior ao percentil 10).

Considerou-se descontinuidade a não-adesão ao programa, definida por mais de três faltas/mês às sessões de hidroterapia, a desistência do pré-natal ou parto fora do Serviço e o desenvolvimento de complicações clínicas ou obstétricas.

A comparação entre as médias das variáveis maternas relativas a peso corporal, massa magra, gordura absoluta, gordura relativa, VO2máx, VS e DC entre os dois grupos (controle e hidroterapia) foi realizada pelo teste t para amostras independentes. Dentro de cada grupo, as mesmas médias foram comparadas pelo teste t para amostras dependentes. As freqüências relacionadas às características maternas e à classificação dos recém-nascidos foram avaliadas pelo teste do c2. Adotou-se 5% como limite de significância estatística (p<0,05).

Este projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Botucatu-Unesp.

Resultados

Das 60 gestantes participantes desta pesquisa, 31 foram sorteadas para integrarem o grupo controle e 29 para o grupo hidroterapia. Foram excluídas 19 por desistência (não-adesão), abandono da assistência pré-natal no Serviço, desenvolvimento de doenças clínicas ou obstétricas e ocorrência de parto em outros serviços. Deste modo, o grupo controle foi concluído com 19 e o grupo hidroterapia com 22 grávidas.

No momento do sorteio não se observaram diferenças significativas entre os grupos de pacientes. A média de idade foi de 20 anos, o peso de 58 kg e a estatura oscilou entre 159 e 161 cm. A freqüência cardíaca ficou em torno de 84 bpm e os níveis de pressão arterial média entre 75 e 79 mmHg. As gestantes eram nulíparas em sua maioria, com índice de tabagismo de 10% e sedentarismo confirmado em 73% da amostra estudada.

A avaliação inicial (16-20 semanas) da composição corporal materna não diferenciou o grupo controle do de hidroterapia. Todas as gestantes tinham peso corporal equivalente, distribuído na média de 44 kg de massa magra e 18 kg de massa gorda (gordura absoluta). A proporção de gordura (gordura relativa) foi de 28,8% no grupo controle e 29,9% no grupo hidroterapia, também sem diferença significativa (Tabela 1).

No final da gestação (36-40 semanas) o peso corporal médio foi de 72,3 (grupo controle) e 73,2 kg (grupo hidroterapia), sendo, respectivamente, 49,5 e 51,5 kg massa magra e 22,8 e 21,7 kg de gordura absoluta. A gordura relativa correspondeu, em média, a 30% do peso corporal. Estas variáveis também não evidenciaram diferença entre os grupos (Tabela 1).

As variáveis relacionadas à capacidade cardiovascular não diferenciaram os grupos controle e hidroterapia no início do programa (16-20 semanas). O valor médio de VO2máx foi de 37,0 mL/kg/min no grupo controle e de 34,5 mL/kg/min no grupo hidroterapia. O VS correspondeu, em média, a 110,4 mL no grupo controle e 106,6 mL no grupo hidroterapia, e o DC a 14,2 e 13,5 L/min, respectivamente (Tabela 1).

No final do programa (36-40 semanas), os grupos também não apresentaram diferença estatística quanto à capacidade cardiovascular. O VO2máx foi de 32,4 e 35 mL/kg/min, respectivamente, nos grupos controle e hidroterapia. Da mesma forma, o VS apresentou valores médios de 108 e 121,5 ml e o DC manteve média de 14,2 e 15,1 L/min, respectivamente (Tabela 1).

Analisadas dentro de cada grupo, as variáveis antropométricas (composição corporal) apresentaram aumento significativo dos índices de peso corporal e massa magra, tanto no grupo controle como no hidroterapia. O mesmo ocorreu com os valores de gordura absoluta, também aumentados de maneira significativa nos dois grupos.

Os índices de gordura relativa tiveram comportamento diferenciado das demais variáveis antropométricas. No grupo controle a proporção de gordura foi maior no final da gestação; nas praticantes de hidroterapia este índice permaneceu inalterado.

Os indicadores da capacidade cardiovascular (VO2máx, VS e DC) apresentaram comportamentos distintos entre gestantes praticantes e não praticantes da hidroterapia. No grupo controle o consumo máximo de oxigênio (VO2máx) diminuiu de modo significativo (de 37,0 para 32,4 mL/kg/min) no final da gestação, enquanto que no grupo hidroterapia esse índice foi constante (entre 34,5 e 35,0 mL/kg/min). De maneira oposta, observou-se manutenção dos índices de VS e DC no grupo controle com aumento significativo nas praticantes da hidroterapia (Tabela 2).

No momento do parto, a média da idade gestacional foi de 39 semanas e o peso médio dos recém-nascidos foi de 3.175 g no grupo controle e 3.110 g no grupo hidroterapia, sem diferença estatística. Não houve óbito perinatal em nenhum dos grupos.

Independente da prática da hidroterapia, a maioria dos recém-nascidos foi de termo e de peso adequado. Apenas quatro recém-nascidos foram prematuros, com idade gestacional média de 36 semanas e cinco dias, e nenhum deles foi classificado como PIG (Tabela 3).

Discussão

A gravidez é período específico associado com ganho de peso materno, decorrente do crescimento do feto e de seus anexos e das adaptações do organismo materno, envolvendo o tecido adiposo. Este ganho de peso no final das 40 semanas de gestação pode chegar a aproximadamente 12,5 kg, correspondendo a aumento de cerca de 20% do peso corporal para a maioria das mulheres10.

Os resultados deste trabalho evidenciaram que, durante a gravidez, o ganho de peso materno não sofreu modificação em função da hidroterapia. Os dois grupos de pacientes apresentaram peso corporal equivalente, tanto na avaliação inicial como no final do programa de atividade física. Mesmo na comparação dentro de cada grupo, a diferença significativa demonstrada entre os pesos iniciais e finais também não confirmou a influência da prática da hidroterapia. Ainda que esta atividade física específica não tenha interferido de modo satisfatório no ganho de peso materno, o contrário também é verdadeiro – a hidroterapia não resultou em restrição do ganho de peso em gestantes livres de patologias clínicas ou obstétricas.

Pesquisas mais recentes demonstraram a eficácia do treinamento físico na promoção de alteração dos componentes do peso corporal. Já se observaram, em indivíduos obesos, resultados de sejáveis, entre eles redução do peso corporal e diminuição da massa gorda e da gordura corporal relativa, com manutenção ou aumento da massa isenta de gordura (massa magra)11. Rössner destacou a importância de estudos prospectivos e casualizados para se conhecerem os efeitos específicos da atividade física no controle de peso gestacional. Ressaltou, ainda, a possibilidade de respostas importantes sobre a composição corporal materna ideal na gestação e no pós-parto12.

Na evolução da gravidez, as modificações na composição corporal materna são decorrentes de adaptações metabólicas, diferenciadas em duas fases: a primeira, que se inicia com a implantação e vai até a 27ª semana, é caracterizada por anabolismo materno e fetal, com estoque energético em tecido adiposo materno; a segunda, após a 27ª semana até o termo, caracteriza-se por catabolismo materno, com queima dos estoques de gordura, e anabolismo fetal13. Na primeira fase os depósitos de gordura estocada representam cerca de 2,5 a 3,5 kg no peso corporal materno, que é destinado a gastos energéticos próprios na segunda metade da gestação13.

Além do aumento de peso materno equivalente nos dois grupos, as modificações na composição corporal materna ocorreram, também, de maneira independente da prática de hidroterapia. Os índices de peso corporal, massa magra e gordura, absoluta e relativa, aumentaram tanto no grupo controle quanto no grupo hidroterapia. Entretanto, quando se comparou a evolução destes índices, dentro de cada grupo, os efeitos da hidroterapia tornaram-se evidentes: apesar de todas as gestantes exibirem aumento nos índices de peso corporal, massa magra e gordura absoluta, independentemente do grupo, nas gestantes que praticaram a hidroterapia observou-se manutenção dos valores de gordura relativa, que foram significativamente progressivos na evolução da gravidez no grupo controle.

O ganho de peso adequado à gestação é aquele que garante crescimento, bem-estar fetal e provê estoques gordurosos suficientes para a mãe no período gestacional e no pós-parto, oferecendo suporte para a lactação sem risco de obesidade14. Nesse contexto, Wilmore e Costill11 relacionaram o conceito de obesidade à quantidade excessiva de gordura corporal, aferida pela relação peso/ gordura (gordura relativa) e não somente ao excesso de peso. O aumento excessivo de gordura e de peso corporal repercute de maneira negativa, tanto na qualidade como na expectativa de vida dos indivíduos.

No grupo de gestantes adeptas da hidroterapia os índices de massa magra aumentaram de modo significativo entre o início e o final da gestação e, apesar do aumento significativo de gordura absoluta, a proporção peso/gordura foi mantida. Tais observações confirmaram que, com a hidroterapia, o aumento de peso corporal materno foi representado pelo incremento de massa muscular. Este efeito é desejável e deve ser valorizado14,15 - a adiposidade influencia negativamente no desempenho físico, favorecendo maior risco de doenças potencialmente fatais; o peso magro relaciona-se com força e vitalidade do organismo. Assim, pode-se inferir que o ganho de peso do grupo de gestantes praticantes da hidroterapia foi, no mínimo, de melhor qualidade comparado ao grupo controle. Estes resultados têm repercussões a curto e médio prazo. Para Lederman et al.14 o aumento excessivo de peso na gestação pode causar obesidade no pós-parto, pela dificuldade em perder peso, ou ainda, facilidade em acumular mais gordura após o parto.

O período gestacional é acompanhado por adaptações significativas na utilização de substratos, no controle cardiovascular e na regulação ácido-básica do organismo materno. Essas variáveis têm efeito importante na resposta ao exercício16. Apesar da sobrecarga fisiológica que representam a gravidez e o exercício, não é raro encontrar mulheres grávidas em programas de treinamento físico.

Na literatura pouco se encontra sobre os efeitos da interação gravidez-exercício. Somente no final da década de 60 é que os estudos relacionados começaram a se desenvolver com desenhos metodológicos mais adequados. De início, enfocaram avaliações de teste de esforço para identificar as respostas cardiovasculares das gestantes frente ao exercício agudo. A partir da década de 80, surgiram estudos sobre os resultados do treinamento físico durante a gestação. Mesmo assim, nada se concluiu sobre a influência da gestação na capacidade física da gestante e, conseqüentemente, na realização de determinado tipo de exercício.

Em grávidas, a suposta redução da habilidade física ao exercício poderia estar relacionada ao declínio do retorno venoso e da reserva cardiovascular. Isto explicaria porque o VO2máx em mulheres grávidas é menor que o observado em não grávidas. Entretanto, durante o período gestacional, não se comprovou diferença significativa nos índices de VO2máx, apesar da tendência a menores valores com o avanço da gestação17. Alguns estudos apontam para maior capacidade aeróbica em gestantes fisicamente treinadas18, enquanto outros resultados não confirmaram diferença significativa nos índices de VO2máx, comparados entre gestantes ativas e inativas19.

Observamos que o programa de hidroterapia não influenciou o marcador da capacidade funcional cárdio-respiratória quando se compararam gestantes praticantes e não-praticantes. Os índices de VO2máx foram estatisticamente semelhantes entre os grupos, tanto no início como no final da gestação. Entretanto, quando se avaliou a evolução destes índices, dentro de cada grupo, os efeitos da hidroterapia tornaram-se evidentes: o grupo controle foi caracterizado por queda nos valores de VO2máx; ao passo que no grupo hidroterapia observou-se manutenção desses índices.

Tais achados estão de acordo com pesquisas anteriores17, nas quais se relata que as gestantes exibiram perda significativa da reserva funcional durante a gravidez, o que parece limitar a capacidade física dessas mulheres em realizar esforços. Após treinamento aeróbico, essas gestantes, submetidas à prova de esforço submáximo, melhoraram sua função cardiovascular e toleraram bem o exercício.

O condicionamento físico, resultado da prática regular de exercícios e aferido pelo VO2máx, tem estreita ligação com o débito cardíaco. A gestação e o condicionamento físico são processos fisiológicos complexos, que podem alterar a estrutura cardíaca, as condições hemodinâmicas do ventrículo esquerdo e o controle neuro-endócrino da função cardíaca20.

Em gestações normais ocorre aumento da volemia materna, com o objetivo básico de garantir a oferta adequada de nutrientes e oxigênio ao feto. O aumento da volemia resulta em incremento do débito cardíaco, explicado pela relação direta entre o volume minuto e freqüência cardíaca12. Neste material os índices de débito cardíaco, avaliados entre a 16ª e a 20ª e na 38ª semana de gestação, foram estatisticamente semelhantes entre os grupos de gestantes. Apesar disso, a evolução desses valores dentro de cada grupo diferenciou-se entre gestantes praticantes e não praticantes da hidroterapia: no grupo controle os índices de volume sistólico e débito cardíaco mantiveram-se estáveis; no grupo hidroterapia, confirmou-se elevação significativa desses resultados.

Dos resultados desse estudo pode-se inferir que a prática de exercícios aquáticos otimizou a adaptação circulatória materna, favorecendo aumento significativo do volume sistólico e do débito cardíaco. Esse aumento pode estar influenciado pela manutenção do VO2máx e pelo incremento da pré-carga, decorrente do retorno venoso elevado em resposta à pressão hidrostática da água21.

Na realidade, a confirmação da adequada adaptação circulatória materna, dependente da prática da hidroterapia, permite alusão a uma série de outras modificações cárdio-circulatórias de interesse na gestação. Estariam relacionados o estímulo da pré e a diminuição da pós-carga que, associados à contratilidade miocárdica, à freqüência cardíaca e ao próprio aumento do débito cardíaco, determinariam melhor desempenho ventricular22. O trabalho cardíaco estimulado determina hipertrofia muscular do ventrículo esquerdo e fecha um círculo vicioso, cujo resultado final seria aumento de volume sistólico e débito cardíaco23.

Além dos efeitos maternos desejáveis, a adequada adaptação metabólica e cárdio-circulatória à gravidez são de fundamental interesse no resultado perinatal – gestante bem adaptada dá à luz recém-nascido de peso e idade gestacional adequados24. Por outro lado, a prática de exercícios durante a gestação tem sido alvo de crítica quando relacionada à prematuridade e ao menor peso do recém-nascido25.

Nesse aspecto, a hidroterapia, apesar de não diferenciar os resultados perinatais, não determinou prejuízo aos recém-nascidos das gestantes que sofreram a intervenção. Nos dois grupos a maioria deles foi de termo e peso adequado e não se observou óbito fetal ou neonatal. Acrescente-se, ainda, que nenhum recém-nascido do grupo de mães praticantes de hidroterapia foi classificado como pequeno para a idade gestacional.

A despeito de dificuldades técnicas e financeiras e do limite de tempo, que não permitiram o acompanhamento de maior número de gestantes, estes resultados pioneiros, além de validarem a prática da hidroterapia na gestação, deverão reforçar sua inclusão nas rotinas de assistência pré-natal.

Agradecimentos

À Profa. Titular Maria Aparecida Mourão Brasil, pela análise estatística dos resultados.

Recebido em: 14/10/2002

Aceito com modificações em: 29/1/2003

Este estudo recebeu financiamento "Auxílio à Pesquisa" FAPESP – Processo nº1999/07734-0

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Maio 2003
    • Data do Fascículo
      Fev 2003

    Histórico

    • Recebido
      14 Out 2002
    • Aceito
      29 Jan 2003
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