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Efeitos de diferentes doses de tamoxifeno sobre a proliferação celular do epitélio mamário

Effects of different tamoxifen doses on mammary epithelium proliferation

Resumos

OBJETIVO: analisar quantitativamente a imunorreação do anticorpo monoclonal Ki-67 no epitélio de tecido mamário adjacente ao fibroadenoma de mulheres no menacme tratadas com tamoxifeno, durante 50 dias, nas doses de 5, 10 e 20 mg/dia. MÉTODOS: foram incluídas prospectivamente mulheres no menacme. O tamoxifeno foi administrado durante 50 dias, nas doses de 5, 10 e 20 mg/dia. Empregou-se a imunorreação do anticorpo monoclonal Ki-67 (clone Ki-S5) no epitélio mamário adjacente ao fibroadenoma. Avaliou-se, de forma aleatória, em duplo-cego, 58 pacientes eumenorréicas, que foram divididas em quatro grupos: Grupo A (n=13; placebo), Grupo B (n=16; 5 mg tamoxifeno/dia), Grupo C (n=14; 10 mg/dia) e Grupo D (n=15; 20 mg/dia). Todas receberam a medicação a partir do primeiro dia do ciclo menstrual e as cirurgias foram realizadas no último dia da medicação. Contaram-se os núcleos corados e não corados pelo imunorreagente por microscopia óptica (400) acoplada a sistema digital de captura e análise de imagem. RESULTADOS: a porcentagem média de núcleos corados foi calculada para todos os grupos: no Grupo A foi de 2,0 com erro padrão (EP) de 0,3; no Grupo B, de 0,7 (EP=0,2); no Grupo C, de 0,4 (EP=0,2) e, no Grupo D, de 0,1 (EP=0). A análise de variância revelou haver diferença estatística entre os grupos (p<0,001), e o teste de comparações múltiplas de Tukey confirmou haver redução significativa da imunorreação do anticorpo monoclonal Ki-67 nos Grupos B, C e D. CONCLUSÕES: o tamoxifeno, administrado nas doses de 5, 10 e 20 mg/dia durante 50 dias, reduziu de forma significante a imunorreação do anticorpo monoclonal Ki-67 no epitélio mamário de mulheres no menacme. Não houve diferença significante entre os grupos que receberam 5, 10 e 20 mg ao dia de tamoxifeno.

Tamoxifeno; Imuno-histoquímica; Mama; Fibroadenoma


PURPOSE: to quantitatively analyze the immunoreaction of monoclonal antibody Ki-67 in the mammary epithelium adjacent to fibroadenoma of premenopausal women treated with tamoxifen, for 50 days, at doses of 5, 10 and 20 mg/day. METHODS: we studied, prospectively, the effects of tamoxifen administered for 50 days, at doses of 5, 10 e 20 mg/day, by the immunoreaction of the Ki-67 (clone Ki-S5) monoclonal antibody on mammary epithelium adjacent to fibroadenoma in premenopausal women. We studied 58 patients in a double-blind trial who were divided into four groups: Group A (n=13; placebo), Group B (n=16; 5 mg/day tamoxifen), Group C (n=14; 10 mg/day) and Group D (n=15; 20 mg/day). All patients received the medication from the first day on of the menstrual cycle and biopsy was performed on the last day of the treatment. Cells stained and not stained by the immunoreagent were counted by optical microscopy (400X) with a digital image capturing system and image analysis. RESULTS: the average percentage of stained nuclei was calculated for all groups: Group A was 2.0 with a standard error (SE) of 0.3. In Group B it was 0.7 (SE=0.2); in Group C it was 0.4 (SE=0,2) and in Group D it was 0.1 (SE=0). Statistical analysis showed significant reductions between the groups (p<0.001), and Tukey's pairwise comparison test confirmed that there was a significant increase in the immunoreaction of the monoclonal Ki-67 antibody in groups B, C and D. CONCLUSIONS: tamoxifen, administered at doses of 5, 10 and 20 mg/day for 50 days, significantly reduced the immunoreaction of monoclonal Ki-67 in the mammary epithelium of premenopausal patients and there was no significant difference between the groups that received 5, 10 and 20 mg/day tamoxifen.

Tamoxifen; Immunohistochemistry; Breast; Breast; Fibroadenoma


TRABALHOS ORIGINAIS

Efeitos de diferentes doses de tamoxifeno sobre a proliferação celular do epitélio mamário

Effects of different tamoxifen doses on mammary epithelium proliferation

Gil Facina; Edmund Chada Baracat; Geraldo Rodrigues de Lima; Luiz Henrique Gebrim

Departamento de Ginecologia da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina

Endereço para correspondência E ndereço para correspondência Gil Facina Rua Pedro de Toledo, 108 , Cj. 14 – Vila Clementino 04039-000 - São Paulo – SP Tel/Fax: (11) 5575-7200 E-mail: gil.facina@ig.com.br

RESUMO

OBJETIVO: analisar quantitativamente a imunorreação do anticorpo monoclonal Ki-67 no epitélio de tecido mamário adjacente ao fibroadenoma de mulheres no menacme tratadas com tamoxifeno, durante 50 dias, nas doses de 5, 10 e 20 mg/dia.

MÉTODOS: foram incluídas prospectivamente mulheres no menacme. O tamoxifeno foi administrado durante 50 dias, nas doses de 5, 10 e 20 mg/dia. Empregou-se a imunorreação do anticorpo monoclonal Ki-67 (clone Ki-S5) no epitélio mamário adjacente ao fibroadenoma. Avaliou-se, de forma aleatória, em duplo-cego, 58 pacientes eumenorréicas, que foram divididas em quatro grupos: Grupo A (n=13; placebo), Grupo B (n=16; 5 mg tamoxifeno/dia), Grupo C (n=14; 10 mg/dia) e Grupo D (n=15; 20 mg/dia). Todas receberam a medicação a partir do primeiro dia do ciclo menstrual e as cirurgias foram realizadas no último dia da medicação. Contaram-se os núcleos corados e não corados pelo imunorreagente por microscopia óptica (400) acoplada a sistema digital de captura e análise de imagem.

RESULTADOS: a porcentagem média de núcleos corados foi calculada para todos os grupos: no Grupo A foi de 2,0 com erro padrão (EP) de 0,3; no Grupo B, de 0,7 (EP=0,2); no Grupo C, de 0,4 (EP=0,2) e, no Grupo D, de 0,1 (EP=0). A análise de variância revelou haver diferença estatística entre os grupos (p<0,001), e o teste de comparações múltiplas de Tukey confirmou haver redução significativa da imunorreação do anticorpo monoclonal Ki-67 nos Grupos B, C e D.

CONCLUSÕES: o tamoxifeno, administrado nas doses de 5, 10 e 20 mg/dia durante 50 dias, reduziu de forma significante a imunorreação do anticorpo monoclonal Ki-67 no epitélio mamário de mulheres no menacme. Não houve diferença significante entre os grupos que receberam 5, 10 e 20 mg ao dia de tamoxifeno.

Palavras-chave: Tamoxifeno. Imuno-histoquímica. Mama: câncer. Fibroadenoma.

ABSTRACT

PURPOSE: to quantitatively analyze the immunoreaction of monoclonal antibody Ki-67 in the mammary epithelium adjacent to fibroadenoma of premenopausal women treated with tamoxifen, for 50 days, at doses of 5, 10 and 20 mg/day.

METHODS: we studied, prospectively, the effects of tamoxifen administered for 50 days, at doses of 5, 10 e 20 mg/day, by the immunoreaction of the Ki-67 (clone Ki-S5) monoclonal antibody on mammary epithelium adjacent to fibroadenoma in premenopausal women. We studied 58 patients in a double-blind trial who were divided into four groups: Group A (n=13; placebo), Group B (n=16; 5 mg/day tamoxifen), Group C (n=14; 10 mg/day) and Group D (n=15; 20 mg/day). All patients received the medication from the first day on of the menstrual cycle and biopsy was performed on the last day of the treatment. Cells stained and not stained by the immunoreagent were counted by optical microscopy (400X) with a digital image capturing system and image analysis.

RESULTS: the average percentage of stained nuclei was calculated for all groups: Group A was 2.0 with a standard error (SE) of 0.3. In Group B it was 0.7 (SE=0.2); in Group C it was 0.4 (SE=0,2) and in Group D it was 0.1 (SE=0). Statistical analysis showed significant reductions between the groups (p<0.001), and Tukey's pairwise comparison test confirmed that there was a significant increase in the immunoreaction of the monoclonal Ki-67 antibody in groups B, C and D.

CONCLUSIONS: tamoxifen, administered at doses of 5, 10 and 20 mg/day for 50 days, significantly reduced the immunoreaction of monoclonal Ki-67 in the mammary epithelium of premenopausal patients and there was no significant difference between the groups that received 5, 10 and 20 mg/day tamoxifen.

Keywords: Tamoxifen. Immunohistochemistry. Breast. Breast: neoplasm. Fibroadenoma.

Conflito de Interesses: O princípio ativo utilizado neste trabalho foi cedido pelo Laboratório Zodiac.

Introdução

O carcinoma de mama representa um dos principais problemas de saúde do mundo ocidental. É considerado doença complexa e multifatorial, que sofre fortes influências de fatores genéticos e ambientais. Sua incidência cresce progressivamente e atinge mulheres cada vez mais jovens1. Redução de 30% na mortalidade foi obtida com a melhoria da prevenção secundária nos países desenvolvidos. O rastreamento mamográfico, por meio de equipamentos de alta resolução, a melhor capacitação de especialistas e a maior conscientização da população proporcionaram diagnóstico precoce em 70% das pacientes, bem como terapêutica menos agressiva e melhor resultado cosmético. Entretanto, em face de mulheres de alto risco, a comunidade científica almeja, há décadas, uma forma de prevenção primária. No início da década de 70 os receptores de estrogênios foram identificados no lóbulo mamário humano e este fato impulsionou a pesquisa de medicamentos que pudessem proporcionar efeito antiproliferativo2. Cuzick e Baum3 foram os primeiros autores a referir menor incidência do carcinoma contralateral em usuárias de tamoxifeno. Em estudo meta-analítico, o Early Breast Cancer Trialists' Collaborative Group4 observou diminuição na incidência de recidiva local e de morte nas pacientes que tomaram tamoxifeno. A redução de carcinoma contralateral foi de 13, 26 e 47%, respectivamente, entre as que receberam a droga durante um, dois e cinco anos.

Em 29 de outubro de 1998, a instituição americana Food and Drug Administration aprovou o tamoxifeno para a profilaxia do carcinoma em mulheres de alto risco. Esta resolução foi baseada nos resultados do estudo americano denominado NSABP P-1 (National Surgical Adjuvant Breast and Bowel Project P-1 Study), trabalho prospectivo e aleatorizado que comparou grupos de mulheres consideradas de risco elevado para a doença, que receberam placebo ou tamoxifeno na dose de 20 mg/dia, durante cinco anos. Os autores concluíram que o tamoxifeno reduziu o risco de carcinoma invasivo em 49%. A diminuição do risco ocorreu em todas as faixas etárias. O estudo permitiu concluir que as mulheres de alto risco deveriam utilizar tamoxifeno por, no mínimo, cinco anos5,6. Por outro lado, vários autores utilizaram o tamoxifeno no tratamento de doenças benignas da mama, tais como alterações fibrocísticas, mastalgia intensa e fibroadenoma, com resultados promissores7-9.

O fármaco pode produzir efeito estrogênico total ou parcial, bem como ação antagonista, a depender do tecido-alvo e da espécie estudada, sendo bem tolerado, e menos de 5% das usuárias interrompem o tratamento devido aos efeitos colaterais. Destes, os mais comumente observados são fogachos (15%), náuseas e vômitos (10%), alterações menstruais, nervosismo, depressão, aumento de peso, tromboembolismo e alterações visuais (catarata e retinopatia), endometriais (pólipo, hiperplasia e carcinoma) e hepáticas (esteatonecrose e elevação de aminotransferases)10.

O tamoxifeno estimula a expressão do gene que controla a produção do fator de crescimento insulinóide tipo I, também denominado de somatomedina-C, reduzindo sua síntese. Da mesma maneira, pode estimular a secreção do fator de crescimento transformante beta, que é importante bloqueador do crescimento celular, e inibe a secreção dos fatores de crescimento transformante alfa e epidermal, ambos capazes de se ligarem a receptores na membrana e promoverem proliferação celular. Sabe-se que o tamoxifeno pode inibir a atividade da calmodulina e da proteína C quinase. Essas substâncias estimulam a proliferação celular por meio da ativação do cálcio como segundo mensageiro; funcionaria, então, como mediador intracelular para a resposta das células à ação hormonal11,12.

Tendo em vista a complexidade dessas etapas e a dificuldade em se obter tecido mamário humano não neoplásico para se avaliarem os efeitos deste fármaco, surgiram estudos de proliferação celular em tecido mamário adjacente ao fibroadenoma.

Na tentativa de minimizar os efeitos indiretos do tamoxifeno na função gonadal, Facina et al.13 registraram diminuição do número de lisossomos no epitélio mamário de tecido adjacente ao fibroadenoma de pacientes que receberam tamoxifeno, apenas na fase lútea, na dose de 20 mg/dia, durante 10 dias. No mesmo material, Uehara et al.14 observaram redução do volume nuclear e menor índice mitótico. Esses resultados confirmaram a redução da atividade proliferativa e demonstraram que o efeito antiproliferativo do tamoxifeno já se evidenciava após tratamento de curta duração (10 dias).

Pelas dificuldades em estudar os efeitos do tamoxifeno sobre o tecido mamário não neoplásico na pré-menopausa, que possui baixa atividade proliferativa e grande diversidade cinética entre os lóbulos, a utilização de métodos específicos para a atividade proliferativa é mais bem identificada por métodos imuno-histoquímicos.

Gerdes et al.15 descreveram um anticorpo monoclonal murino denominado Ki-67, capaz de reconhecer um antígeno nuclear associado à proliferação. Após este estudo, iniciou-se o emprego de anticorpos monoclonais que reagem contra epítopos específicos do ciclo celular.

O Ki-67 é um dos anticorpos mais utilizados e reage com proteína (antígeno) localizada no núcleo, presente em todas as fases ativas do ciclo celular, ou seja, G1, S, G2 e M, mas ausente na fase G0. Tem aplicabilidade clínica como fator prognóstico na proliferação celular do carcinoma de mama16.

Leers et al.17 analisaram o desempenho de quatro anticorpos para o antígeno Ki-67 (DAKO/PC, MIB-1, Ki-S5 e p-Ki67), em células de carcinoma de mama, e concluíram que o clone Ki-S5 apresentou excelente imunorreatividade, tanto em tecidos fixados como congelados.

Sousa et al.18 analisaram a atividade proliferativa do epitélio mamário de tecido adjacente ao fibroadenoma de 43 mulheres tratadas com tamoxifeno, nas doses de 10 e 20 mg/dia, durante 22 dias. Evidenciaram redução significante da reação do anticorpo monoclonal MIB-1, tanto com as doses de 10 como com as de 20 mg de tamoxifeno.

Interessados em melhor compreender a cinética celular do lóbulo mamário de mulheres no menacme, que utilizaram tamoxifeno para a quimioprofilaxia primária, e devido à escassez de dados na literatura, decidimos empregar método imuno-histoquímico (Ki-67) de menor custo e mais reprodutível, para analisar a ação de diferentes doses da droga.

Pacientes e Métodos

Foram incluídas pacientes atendidas no Setor de Mastologia do Departamento de Ginecologia da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina (UNIFESP – EPM), no período de abril a agosto de 1999.

As pacientes com diagnóstico de fibroadenoma deveriam ter idade inferior a 35 anos, ser eumenorréicas há pelo menos seis meses (ciclos regulares de 28 ± 2 dias), estar cientes da data da última menstruação e com exames ginecológico e colpocitológico normais.

Todas foram submetidas à anamnese e propedêutica mamária. Excluíram-se as mulheres com endocrinopatias, as que fizeram uso de hormônios ou tiveram ciclo gravídico-puerperal nos últimos 12 meses.

O projeto de pesquisa foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital São Paulo – UNIFESP-EPM, sob o no 041/99, e todas as pacientes, após esclarecimento, concordaram em participar do estudo, assinando o termo de consentimento pós-informado.

Assim, foram incluídas prospectivamente 58 pacientes com fibroadenoma, que foram distribuídas em quatro grupos, em estudo do tipo casualizado duplo-cego, e sorteadas aleatoriamente em Grupos A (controle; n=13), B (tamoxifeno - 5 mg/dia; n=16), C (tamoxifeno – 10 mg/dia; n=14) e D (tamoxifeno – 20 mg/dia; n=15).

O citrato de tamoxifeno, fornecido pelo laboratório Zodiac, foi processado pelo Laboratório de Produtos Naturais da Disciplina de Farmacologia Celular do Departamento de Farmacologia da UNIFESP-EPM. Foram confeccionadas, também, cápsulas com placebo, utilizando-se os mesmos elementos obtidos na fórmula original, excetuando-se o citrato de tamoxifeno e, para as cápsulas com 5, 10 e 20 mg, foi adicionado o citrato de tamoxifeno nas respectivas doses.

Administrou-se a medicação para as pacientes dos quatro grupos de maneira duplo-cega, durante 50 dias, iniciando-se no primeiro dia do ciclo menstrual. O Grupo A, denominado grupo controle, recebeu placebo, e os demais (B, C e D) receberam tamoxifeno, nas doses de 5, 10 e 20 mg/dia, respectivamente.

Todas as pacientes foram submetidas à exérese do fibroadenoma ambulatorialmente, no 50o dia de tratamento, sob anestesia local sem vasoconstritor (lidocaína a 1%). O ato operatório foi efetuado entre 10:00 e 12:00 horas, com o intuito de minimizar a variação circadiana na cinética celular. Os espécimes de tecido mamário foram obtidos em área adjacente ao fibroadenoma, sem qualquer alteração macroscópica, conforme preconizaram Fanger e Ree19, e distando dois centímetros do nódulo, sem tecido adiposo, como preconizaram Russo et al.20.

O nódulo e o tecido mamário adjacente foram fixados em solução de formol líquido saturado a 10%, por período inferior a 24 horas. Foram desidratados em álcool etílico, diafanizados pelo xilol e impregnados pela parafina líquida em estufa. Efetuaram-se dois cortes seriados, consecutivos, de 4 micrômetros em cada bloco, que foram montados em lâminas previamente untadas com albumina de Mayer e mantidas em estufa regulada à temperatura de 37oC, durante 24 horas, para secagem e colagem. Foram então corados pela hematoxilina e eosina (HE) para confirmar o diagnóstico de fibroadenoma simples, segundo a classificação da Organização Mundial de Saúde. O estudo histopatológico do tecido adjacente foi realizado com o intuito de confirmar que se tratava de lóbulo normal, e também para excluir do estudo as pacientes com processos infecciosos ou alterações proliferativas do epitélio e/ou do estroma.

Foram confeccionadas lâminas silanizadas (organo-silano-adesivo) que foram desparafinadas com xilol, hidratadas em concentrações decrescentes de álcool e feita a recuperação antigênica pelo calor úmido. O bloqueio da peroxidase endógena foi feito com água oxigenada a 3% em metanol. Seqüencialmente, incubou-se com o anticorpo monoclonal primário Ki-67 (clone Ki-S5 – Código M 7187 – Lote 059) da Dako na diluição 1/100 em soro albumina bovina a 1%, por uma noite, a 4oC em câmara úmida, e posteriormente com anticorpo secundário BA-2000 – Lote J0814 (Vector) na diluição de 1/300. A amplificação foi feita pela incubação com kit (Dako) Strepto AB Complex/HRP – Código K 0377 – Lote 088, na diluição de 1/500.

O próximo passo foi revelar a reação com o substrato cromógeno (diaminobenzidina – 60 mg%), durante 3 a 5 minutos a 37oC, ao abrigo da luz. Foi observada, ao microscópio, a formação de precipitado castanho-dourado, nas lâminas controle-positivo, como produto final da reação.

Procedeu-se, a seguir, a contracoloração com hematoxilina de Harris e montagem da lâmina e lamínula com bálsamo para leitura em microscopia óptica. Vale ressaltar que todo o nosso material foi processado numa única vez, a fim de evitarmos eventual variação entre diferentes diluições de novas reações. Utilizou-se amostra de carcinoma de mama com forte positividade para o anticorpo Ki-67, como controle positivo para a reação imuno-histoquímica.

A imunorreatividade do Ki-67 foi avaliada quantitativamente, contando-se, no mínimo, 500 células17,21. Da relação entre as células com núcleos corados e não corados, multiplicada por 100, obteve-se o percentual de positividade para cada caso. Foi analisado apenas o componente epitelial da amostra, excluindo-se o estroma.

Para a contagem foi utilizado o sistema digital de processamento e análise de imagem denominado Imagelab®, desenvolvido pela Softium, e ambientado no sistema operacional Windows. A contagem de células foi feita por meio de objetiva de 40 vezes, com aumento final de 400 vezes, contando-se, no mínimo, 500 células a partir da área com maior reação do Ki-67, com aleatorização dos campos posteriores. Considerou-se positiva a célula cujo núcleo exibisse a coloração castanha, independentemente da disposição e intensidade22.

Inicialmente, foram calculadas medidas RESUMO (média e erro padrão), para todas as variáveis de interesse.

Com o intuito de estudar a igualdade da reação do Ki-67, entre os quatro grupos, usou-se a técnica de análise de variância. Como houve significância estatística nesta análise, a mesma foi complementada pela técnica de comparações múltiplas, utilizando-se o teste de Tukey, com o objetivo de encontrar diferenças na reação do Ki-67 no epitélio mamário entre os quatro grupos23.

Foram construídos ainda gráficos de intervalos de confiança (g=95%) para os valores médios da variável Ki-67, para cada grupo estudado. Utilizou-se o teste de Levene para avaliar a homogeneidade entre os grupos A, B, C e D em relação às variáveis de controle (idade e volume do nódulo)23.

O teste c2 foi aplicado com a finalidade de verificar a homogeneidade entre os Grupos A, B, C e D, para as variáveis paridade e sintomas. Em todos os testes, fixou-se em 0,05 ou 5% o nível de significância.

Resultados

Na Tabela 1 observa-se que o tamoxifeno reduziu de forma significante a imunorreatividade do Ki-67 no epitélio do tecido mamário adjacente ao fibroadenoma nos Grupos B (5 mg; média=0,7 e erro padrão=0,2), C (10 mg; média=0,4 e erro padrão=0,2) e D (20 mg; média=0,1 e erro padrão=0,0) quando comparados com o grupo A (placebo; média=2,0 e erro padrão=0,3). Os Grupos B, C e D foram semelhantes entre si em relação à imunoreatividade do Ki-67, não havendo, portanto, diferença significante entre as várias doses de tamoxifeno (Tabela 1 e Figura 1).


Os Grupos A, B, C e D foram considerados homogêneos em relação às seguintes variáveis de controle: idade (p=0,385), volume do fibroadenoma (p=0,981), paridade (p=0,392) e presença de sintomas (p=0,546).

Discussão

O tamoxifeno foi recentemente aprovado pelo FDA como agente quimioprofilático do carcinoma de mama, a ser empregado em mulheres saudáveis de alto risco. No entanto, seus efeitos sobre a glândula mamária humana normal não estão plenamente estabelecidos. Acredita-se que o efeito na redução de mortalidade seja devido mais à atuação da droga no carcinoma subclínico do que propriamente à inibição da carcinogênese, reforçando a necessidade de se pesquisarem melhor os efeitos na mama normal13,18,24.

No epitélio mamário de tecido adjacente ao fibroadenoma de mulheres no menacme, o tamoxifeno reduziu a proliferação do lóbulo medido pelo índice mitótico, volume nuclear, número de lisossomos, PCNA e MIB-114,17,22. Estes trabalhos demonstraram também que o tamoxifeno atua, de forma antagônica ao estrogênio, no epitélio da mama normal de mulheres no menacme. Entretanto, questões suscitadas sobre a dose mínima e o tempo necessário de tratamento motivaram-nos a efetuar o presente estudo13,14,18,24.

A dose de 5 mg/dia foi incluída em nossa pesquisa, pois sabe-se que o tamoxifeno produz efeito antiproliferativo quando utilizado na dose de 10 mg/dia18,24, havendo dúvida sobre qual seria a dose mínima eficaz. A excelente tolerabilidade associada à escassez de efeitos colaterais permitiu, a fim de melhor refletir o efeito de baixas doses, seu uso mais prolongado por 50 dias. Decidiu-se estudar o tecido mamário adjacente ao fibroadenoma por este ser neoplasia benigna, circunscrita e que não induz a angiogênese. Obteve-se, então, autorização do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina para utilizá-lo em pacientes no menacme com fibroadenoma, pois estas poderiam desfrutar de benefícios com a terapêutica.

Optou-se por estudar a proliferação celular pela imuno-histoquímica, por ser técnica de fácil aplicação, reprodutível, de baixo custo e largamente empregada. Dentre os marcadores disponíveis, o Ki-67 mostrou ser o de maior sensibilidade para se estudar a proliferação celular. A baixa atividade proliferativa da mama normal exige anticorpos sensíveis. A capacidade de expressar-se nas fases G1, S, G2 e M do ciclo celular, e abster-se durante a fase G0, o tornam mais fidedigno do que o PCNA, pois este último está presente em todas as fases do ciclo celular17,18. O clone Ki-S5 resiste à fixação por formol e à digestão por tripsina, em contraste com os epítopos reconhecidos pelos clones MIB-1, Dako/PC e policlonal Ki-6717. Estes dados, associados à praticidade, ao menor custo e à reprodutibilidade, nos conduziram a escolher, dentre os anticorpos de segunda geração para o antígeno Ki-67, o clone Ki-S5, sendo, pois, o primeiro estudo em mama não neoplásica.

A imunorreatividade do Ki-67 foi avaliada quantitativamente, contando-se no mínimo 500 células, por dois observadores independentes, por meio de microscopia de luz acoplada a software para captura e análise de imagem17. Consideraram-se como positivos todos os núcleos corados, independentemente da intensidade22.

A análise dos dados revelou que, após 50 dias de terapêutica, houve redução significante do número de células coradas nas pacientes que receberam tamoxifeno nas doses de 5, 10 e 20 mg/dia. Pode-se inferir, portanto, que a droga foi capaz de diminuir a atividade proliferativa do epitélio mamário de tecido adjacente ao fibroadenoma, independentemente da dose ministrada.

Observou-se ainda existir grande variação da imunorreatividade do anticorpo Ki-67 numa mesma paciente, quando analisada separadamente. A heterogeneidade observada entre as pacientes de um mesmo grupo, e até mesmo individualmente, reflete a complexidade do epitélio mamário. Considerando-se a expressiva variação individual, fez-se necessário o emprego do erro padrão na análise estatística.

Por questões éticas, utilizou-se o tecido adjacente ao fibroadenoma. As pesquisas com este tecido apresentam inúmeras vantagens em relação àqueles obtidos em mamoplastia redutora, mastectomia por carcinoma e peças de necropsia. Na mamoplastia redutora, o material apresenta grande componente de tecido adiposo. Em peças obtidas durante o tratamento do carcinoma, há dúvidas quanto à integridade do tecido estudado e, naquelas oriundas de necropsia, a presença de grau variável de autólise poderia interferir no estudo25.

As pacientes do Grupo D apresentaram menor variação na média de células coradas e, praticamente, não houve atividade proliferativa nestas pacientes. Possivelmente, o tamoxifeno quando administrado por longo período poderá ser capaz de manter as células do epitélio mamário em repouso, o que ocorreria com doses menores (5 e 10 mg), porém novas pesquisas utilizando-se a droga por períodos maiores de tempo deverão ser realizadas.

Com os resultados deste trabalho, abre-se a perspectiva de se estudar a ação do tamoxifeno em pacientes no menacme, com risco aumentado para carcinoma de mama, empregando-se, na quimioprofilaxia, doses mais baixas (5 e 10 mg/dia) por tempo prolongado. Assim, poder-se-ia obter os efeitos desejados, a menores custos e praticamente sem efeitos colaterais e, talvez, estas doses pudessem ser eficazes na terapêutica adjuvante do carcinoma de mama.

Futuros estudos clínicos poderão comprovar estes achados e apresentar vantagens na redução de efeitos colaterais e custos.

Agradecimentos

Ao Prof. Dr. Ismael Dale Cotrim Guerreiro da Silva, responsável pelo Laboratório de Ginecologia Experimental da UNIFESP – EPM, pelo auxílio durante a captura e interpretação das imagens, e ao Prof. Dr. Venâncio Avancini Ferreira Alves, pela colaboração intelectual durante a escolha do método imuno-histoquímico empregado.

Recebido em: 11/2/2003

Aceito após modificações em: 2/4/2003

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Set 2003
    • Data do Fascículo
      Abr 2003

    Histórico

    • Recebido
      11 Fev 2003
    • Aceito
      02 Abr 2003
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