Acessibilidade / Reportar erro

Diagnóstico pré-natal de seqüestração pulmonar: apresentação de um caso

Prenatal diagnosis of pulmonary sequestration by ultrasound: a case report

Resumos

A seqüestração broncopulmonar consiste em massa de tecido pulmonar anormal que usualmente não mantém comunicação com a árvore traqueobrônquica e cujo suprimento sangüíneo deriva-se da circulação sistêmica, na maior parte das vezes da aorta. Por tratar-se de malformação muito rara, nem sempre é lembrada como possibilidade diagnóstica. Apresentamos o relato de um caso de seqüestração broncopulmonar ressaltando a importância da dopplervelocimetria para o seu diagnóstico ao identificar a artéria originária da aorta descendente irrigando a seqüestração. Apresentamos também o aspecto evidenciado pela ultra-sonografia tridimensional.

Seqüestração broncopulmonar; Malformações fetais; Dopplervelocimetria


Bronchopulmonary sequestration is a mass of anomalous lung tissue, which in general does not communicate with the tracheobronchial tree and receives systemic arterial blood supply more often originating from the aorta. This is such a rare malformation, that is not always thought of as a diagnostic possibility. We present a case of bronchopulmonary sequestration and emphasize the significant role of color Doppler in its diagnosis, as it identifies the artery originating from the descending aorta irrigating the sequestration. We also present its three-dimensional ultrasound features.

Bronchopulmonary sequestration; Fetal malformations; Dopplervelocimetry


RELATO DE CASO

Diagnóstico pré-natal de seqüestração pulmonar: apresentação de um caso

Prenatal diagnosis of pulmonary sequestration by ultrasound: a case report

Ana Luisa Alencar De Nicola; Marcos Valentin Frigério; Sebastião Marques Zanforlin Filho; Thomaz Rafael Gollop

Instituto de Medicina Fetal e Genética Humana

Endereço para correspondência E ndereço para correspondência Thomaz Rafael Gollop Instituto de Medicina Fetal e Genética Humana Rua Félix de Sousa, 321 - Campo Belo 04612-080 - São Paulo - SP E-mail: trgollop@usp.br / genetica@medicinafetal.com.br

RESUMO

A seqüestração broncopulmonar consiste em massa de tecido pulmonar anormal que usualmente não mantém comunicação com a árvore traqueobrônquica e cujo suprimento sangüíneo deriva-se da circulação sistêmica, na maior parte das vezes da aorta. Por tratar-se de malformação muito rara, nem sempre é lembrada como possibilidade diagnóstica. Apresentamos o relato de um caso de seqüestração broncopulmonar ressaltando a importância da dopplervelocimetria para o seu diagnóstico ao identificar a artéria originária da aorta descendente irrigando a seqüestração. Apresentamos também o aspecto evidenciado pela ultra-sonografia tridimensional.

Palavras-chave: Seqüestração broncopulmonar. Malformações fetais. Dopplervelocimetria.

ABSTRACT

Bronchopulmonary sequestration is a mass of anomalous lung tissue, which in general does not communicate with the tracheobronchial tree and receives systemic arterial blood supply more often originating from the aorta. This is such a rare malformation, that is not always thought of as a diagnostic possibility. We present a case of bronchopulmonary sequestration and emphasize the significant role of color Doppler in its diagnosis, as it identifies the artery originating from the descending aorta irrigating the sequestration. We also present its three-dimensional ultrasound features.

Keywords: Bronchopulmonary sequestration. Fetal malformations. Dopplervelocimetry.

Introdução

A seqüestração pulmonar (SP) é massa de tecido pulmonar anormal que usualmente não mantém comunicação com a árvore traqueobrônquica e cujo suprimento sangüíneo é proveniente de artéria anômala derivada da circulação sistêmica1.2.

A sua etiologia não é consensual. Há duas hipóteses mais prováveis1,3: formação e migração caudal de broto pulmonar supranumerário que acompanha o esôfago, ou deficiência vascular pulmonar primária justificando a persistência de circulação colateral sistêmica. A primeira explicaria a notória preferência pela localização no hemitórax esquerdo e, mais freqüentemente, no seu terço inferior. Já a segunda justificaria a persistência de suprimento sangüíneo anômalo.

Existem duas formas de seqüestração broncopulmonar: a intralobar (SPI) e a extralobar (SPE). A SPI é mais encontrada em crianças, representando 70% dos casos nesta faixa etária, notando-se discreto predomínio em meninos (1,5 para 1)4. Caracteriza-se por compartilhar o mesmo revestimento pleural visceral do pulmão normal. Sua localização mais freqüente é o segmento póstero-lateral do lobo inferior esquerdo. Seu aporte sanguíneo deriva-se em 75% dos casos da artéria aorta e, nos outros 25% dos casos, de outros vasos torácicos ou abdominais1,4. A drenagem venosa se faz habitualmente pelas veias pulmonares, ou, menos freqüentemente, pelo sistema hemiázigos1,4. Em cerca de 90% das vezes a SPI se apresenta como achado isolado, desacompanhado de outras alterações ecográficas1,3-7.

A SPE é mais comum em fetos e neonatos, notando-se também predomínio maior em meninos (3 para 1)4. Caracteriza-se por possuir revestimento pleural independente do pulmão normal. O seu suporte vascular provém na maior parte das vezes da aorta ou de um dos seus ramos e a sua drenagem venosa pode ser feita pelos sistemas ázigos, hemiázigos, porta ou pelas veias pulmonares4. Sua localização mais comum é a parte posterior do tórax1,4. Em 80 a 90% dos casos encontra-se à esquerda1,4. Em até 15% das vezes pode situar-se em topografia subdiafragmática, devendo sempre ser lembrada como diagnóstico diferencial das massas abdominais4. Há relatos na literatura de topografias mediastinal, retroperitoneal e até intrapericárdica3,8. Em cerca de 60% dos casos a SPE apresenta-se associada com outras anomalias, como: hidropisia, hérnia diafragmática, pectus excavatum, malformação adenomatóide cística do pulmão, fístulas traqueoesofágicas, duplicações gástricas ou colônicas, anomalias vertebrais e cardíacas1,3-7.

Trata-se de malformação rara, representando 0,15 a 6,4% de todas as malformações congênitas pulmonares, tendo incidência estimada entre 0,15 e 1,7% na população geral, não parecendo haver predisposição familiar1,5,6 .

O objetivo deste trabalho é reforçar que, apesar de pouco comum, a SP deve ser incluída como possibilidade diagnóstica em face de massas torácicas ou abdominais fetais e ilustrar, de maneira clara, o excelente suporte oferecido pela ultra-sonografia (bi e tridimensional aliadas à dopplerfluxometria) para este diagnóstico.

Relato do caso

Paciente DES, 28 anos, primigesta submeteu-se na 22ª semana da gestação à ultra-sonografia obstétrica de rotina, que identificou feto único, do sexo feminino, apresentando no terço inferior do hemi-tórax esquerdo massa ecogênica de forma triangular medindo 2,1 x 1,8 cm, contendo duas áreas císticas em seu interior, com diâmetros respectivamente de 0,3 cm e 0,8 cm.

O volume de líquido amniótico era normal e a hipótese diagnóstica considerada foi malformação adenomatóide cística do pulmão. Na mesma semana a paciente procurou o nosso instituto, onde foi realizada ultra-sonografia morfológica, complementada com ultra-sonografia tridimensional e dopplervelocimetria, que confirmou a presença da massa já descrita (Figuras 1 e 2) e identificou, em seu interior, rica vascularização procedente de ramo arterial anômalo da aorta abdominal (Figura 3).




O diagnóstico sugerido então foi de seqüestração broncopulmonar. Por tratar-se de achado isolado, não haver desvio do mediastino ou sinais de insuficiência cardíaca, a conduta foi expectante, com acompanhamento ultra-sonográfico. O controle evolutivo durante o pré-natal evidenciou involução da massa, que ao termo media 1,3 cm no seu maior eixo. O parto deu-se na 39ª semana, por via abdominal. A recém-nascida pesou 3.090 g e a evolução pós-natal foi normal. Aos 33 dias de vida a radiografia de tórax era normal, comprovando a total involução da massa diagnosticada no período pré-natal.

Discussão

O diagnóstico pré-natal da SP é sempre ultra-sonográfico, podendo ser feito a partir do segundo trimestre9. Não há relatos de seu diagnóstico ainda no primeiro trimestre. A forma mais comum de manifestação ultra-sonográfica da SP é como uma massa sólida hiperecogênica, freqüentemente com forma piramidal, geralmente pequena, podendo ter ou não áreas císticas no seu interior5,10,11. Estas seriam conseqüentes à ausência de drenagem para o fluido pulmonar10 (Figuras 1 e 2). O estudo com dopplerfluxometria colorida é o ponto de destaque para o diagnóstico, uma vez que esta técnica pode evidenciar o(s) vaso(s) anômalo(s) que irriga(m) a massa originando-se da circulação sistêmica (Figura 3). A identificação da circulação no interior da massa é considerada como principal critério para diagnóstico de SP3,12. Porém, mesmo sendo incomum, outras massas podem ter fluxos internos evidentes e também pode não se identificar o suprimento vascular da SP quando há torção do pedículo13.

O principal diagnóstico diferencial se faz com malformação adenomatóide cística do pulmão (MACP), especialmente a do tipo III, cujas características sonográficas ao modo bidimensional podem ser as mesmas11. Esta malformação, por ser mais comum que a SP, é mais freqüentemente aventada como primeira possibilidade diagnóstica diante de massas torácicas fetais. O estudo com Doppler colorido auxilia na identificação do suprimento sangüíneo até o interior da massa que caracteriza a SP. Usualmente a MACP é diagnosticada mais tardiamente que a SP3. Vale ressaltar que existem relatos de coexistência de SP e MACP e que a primeira pode mimetizar inclusive alguns critérios histológicos de diagnóstico desta última, sugerindo que não existe linha marcante de diferença do ponto de vista embriológico entre as duas condições11. Além da MACP, o diagnóstico diferencial inclui ainda: teratoma, neuroblastoma, hérnia diafragmática, atresia laríngeo-tráqueo-bronquial, enfisema lobar congênito, malformação arteriovenosa pulmonar e tampão mucoso bronquial5.

A evolução da SP depende do seu tipo, localização, presença ou não de outras anomalias associadas e de hidropisia. A hidropisia é o principal critério de mau prognóstico, seguida de hipoplasia pulmonar, ascite e polidrâmnio. Na ausência de hidropisia e hipoplasia pulmonar, o prognóstico geralmente é muito bom3,5. Mesmo massas maiores podem reduzir de volume e também desaparecer espontaneamente até o nascimento1,5.

A gravidez deverá ser monitorada com ultra-sonografias seriadas a fim de acompanhar o crescimento ou a involução da malformação e detectar o surgimento de possíveis complicações. Para aqueles casos em que já se instalou a hidropisia fetal ou derrame pleural em idades gestacionais inferiores a 32 semanas, deve ser considerada a indicação de derivação tóraco-amniótica. Nos casos de compressão mediastinal por grandes massas contendo fartas porções císticas, há que se considerar a punção torácica para seu esvaziamento3,5.

A confirmação diagnóstica no neonato é obtida pela angiografia, que torna possível o estudo preciso do número e da disposição dos vasos anômalos que irrigam o segmento seqüestrado, passo importante para a ressecção cirúrgica5. Para as formas de SP extralobares a cirurgia é o tratamento de escolha. Nas formas intralobares pode-se proceder à embolização ainda no período neonatal ou na infância1,5.

Recebido em: 14/10/2003

Aceito após modificações em: 11/3/2003

  • 1. Lizardo JR. Secuestro pulmonar: presentación de un caso y revisión. Rev Med Hond 1997; 65:124-7.
  • 2. Nicolette LA, Kosloke AM, Barlow SA, Murphy S. Intralobar pulmonary sequestration: a clinical and pathological spectrum. J Pediatr Surg 1993; 28:802-5.
  • 3. Morin L, Crombleholme TM, D'Alton ME. Prenatal diagnosis and management of fetal thoracic lesions. Semin Perinatol 1994; 18:228-53.
  • 4. White J, Chan YF, Neuberger S, Wilson T. Prenatal sonographic detection of intra-abdominal extralobar pulmonary sequestration: report of three cases and literatuture review. Prenat Diagn 1994; 14:653-8.
  • 5. Briseno Sainz A, Torres Montesa A, Lima Rogel MV, Uzziel Medina Serpa A. Consideraciones del diagnóstico prenatal del sequestro broncopulmonar a las 26 semanas de gestacion: Informe de un caso. Ginecol Obstet Mex 2000; 68:249-53.
  • 6. Savic B, Birtel FJ, Tholen W, Funke HO, Knoche R. Lung sequestration: report of seven cases and review of 540 published cases. Thorax 1979; 34:96-101.
  • 7. Kim HJ, Kim JH, Chung SK, Rhi S, Chung SH. Coexistent intralobar and extralobar pulmonary sequestration: imaging findings. AJR Am J Roentgenol 1993; 160:1199-200.
  • 8. Hernanz-Schulman M, Johnson JE, Holcomb GW 3rd, Neblett WW 3rd, Heller RM, Ambrosino MM. Retroperironeal pulmonary sequestration: imaging findings, histopathologic correlation, and relationship to cystic adenomatoid malformation. AJR Am J Roentgenol 1997; 168:1227-81.
  • 9. Morin L, Crombleholme TM, Louis F, D'Alton ME. Bronchopulmonary sequestration: prenatal diagnosis with clinicopathologic correlation. Curr Opin Obstet Gynecol 1994; 6:479-81.
  • 10.Hirose R, Suita S, Taguchi T, Koyanagi T, Nakano H. Extralobar pulmonary sequestration mimicking cystic adenomatoid malformation in prenatal sonographic appearence and histological findings. J Pediatr Surg 1995; 30:1390-3.
  • 11.Chandran H, Upadhyay V, Pease PW. Congenital cystic adenomatoid malformation and extralobar sequestration occuring independently in the ipsilateral hemithorax. Pediatr Surg Int 2000; 16:102-3.
  • 12.Smulian JC, Guzman ER, Ranzini AC, Benito CW, Vintzileos AM. Color and duplex Doppler sonographics investigation of in utero spontaneous regression of pulmonary sequestration. J Ultrasound Med 1996; 15:789-92.
  • 13.Meizner I, Rosenak D. The vanishing fetal intrathoracic mass: consider an obstructing mucous plug. Ultrasound Obstet Gynecol 1995; 5:275-7.
  • E
    ndereço para correspondência
    Thomaz Rafael Gollop
    Instituto de Medicina Fetal e Genética Humana
    Rua Félix de Sousa, 321 - Campo Belo
    04612-080 - São Paulo - SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Set 2003
    • Data do Fascículo
      Abr 2003

    Histórico

    • Recebido
      14 Out 2003
    • Aceito
      11 Mar 2003
    Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia Av. Brigadeiro Luís Antônio, 3421, sala 903 - Jardim Paulista, 01401-001 São Paulo SP - Brasil, Tel. (55 11) 5573-4919 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: editorial.office@febrasgo.org.br