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Tratamento do abortamento do primeiro trimestre da gestação: curetagem versus aspiração manual a vácuo

Treatment of miscarriage in the first trimester of pregnancy: curettage versus manual vacuum aspiration

Resumos

OBJETIVO: fazer um estudo comparativo entre a curetagem uterina e a aspiração manual a vácuo (AMV) no tratamento do abortamento do primeiro trimestre da gestação. MÉTODOS:foram incluídas 102 pacientes até a 12ª semana de gestação, com diagnóstico de abortamento, admitidas na Maternidade Escola Januário Cicco, entre janeiro de 1998 e julho de 2001, as quais foram aleatoriamente submetidas à curetagem uterina ou a AMV. As variáveis analisadas foram: controle da dor, necessidade de dilatação cervical mecânica, tempo de esvaziamento uterino, incidência de complicações e permanência hospitalar. As pacientes foram reavaliadas clínico-ecograficamente entre 7 e 10 dias após os procedimentos. Para a análise estatística foi utilizado o teste chi2. RESULTADOS: a anestesia geral foi empregada em todas as pacientes submetidas a curetagem uterina e em nenhuma daquelas que realizaram AMV, cuja dor foi controlada em 64% dos casos com anestesia local. As diferenças entre os dois métodos quanto à necessidade de dilatação cervical mecânica, tempo de esvaziamento e incidência de complicações não foram significativas. A permanência hospitalar foi significativamente menor nas pacientes submetidas a AMV. CONCLUSÕES: não foram observadas vantagens de um método sobre o outro, quanto à técnica e à incidência de complicações. O uso não necessário de anestesia geral e a permanência hospitalar significativamente menor indicam que a AMV deve ser recomendada para todos os serviços com assistência obstétrica, aumentando a resolutividade e diminuindo os riscos, melhorando a qualidade da assistência.

Curetagem uterina; Aspiração manual a vácuo (AMV); Abortamento; Primeiro trimestre da gestação


PURPOSE: to perform a comparative study between uterine curettage and manual vacuum aspiration (MVA) in the treatment of first-trimester miscarriages. METHODS: a hundred and two patients were included up to the 12th week of pregnancy, with diagnosis of miscarriage, admitted at Maternidade Escola Januário Cicco, between January 1998 and July 2001, and who were randomly submitted to uterine curettage or to MVA. The analyzed variables were: pain control, need of mechanical cervical dilation, uterine emptying time, incidence of complications and stay in hospital. The patients were reevaluated clinically and echographycally between 7 and 10 days after the procedures. The chi2 test was used for statistical analysis. RESULTS: general anesthesia was used in all the patients submitted to uterine curettage and in none of those who were submitted to MVA, whose pain was controlled with local anesthesia in 64% of the cases. The differences between the two methods concerning the need of mechanical cervical dilation, emptying time and incidence of complications were not significant. The stay in hospital was significantly shorter in patients submitted to MVA. CONCLUSIONS: no advantage of one method over the other was observed in regard to the technique and the incidence of complications. The unneeded use of general anesthesia and the significantly shorter stay in hospital indicate that MVA should be recommended for all services with obstetrical assistance, increasing resolvability of the cases and decreasing risks, improving the quality of assistance.

Curettage; Manual vacuum aspiration (MVA); Miscarriage; First trimester of pregnancy


TRABALHOS ORIGINAIS

Tratamento do abortamento do primeiro trimestre da gestação: curetagem versus aspiração manual a vácuo

Treatment of miscarriage in the first trimester of pregnancy: curettage versus manual vacuum aspiration

Antônio Arildo Reginaldo de Holanda; Helaine Pompéia Freire; Davi dos Santos; Moisés Ferreira Barbosa; Carlos Frederico Bezerra Barreto; Adriana Siqueira Felinto; Iaperi Soares de Araújo

Maternidade Escola Januária Cicco, UFRN

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Antônio Arildo Reginaldo de Holanda Rua Dep. Joaquim Câmara, 226 aptº 201 - Tirol CEP: 59015-270 - Natal - RN Tel: (84) 201-2658 E-mail: adohol@digi.com.br

RESUMO

OBJETIVO: fazer um estudo comparativo entre a curetagem uterina e a aspiração manual a vácuo (AMV) no tratamento do abortamento do primeiro trimestre da gestação.

MÉTODOS:foram incluídas 102 pacientes até a 12a semana de gestação, com diagnóstico de abortamento, admitidas na Maternidade Escola Januário Cicco, entre janeiro de 1998 e julho de 2001, as quais foram aleatoriamente submetidas à curetagem uterina ou a AMV. As variáveis analisadas foram: controle da dor, necessidade de dilatação cervical mecânica, tempo de esvaziamento uterino, incidência de complicações e permanência hospitalar. As pacientes foram reavaliadas clínico-ecograficamente entre 7 e 10 dias após os procedimentos. Para a análise estatística foi utilizado o teste c2.

RESULTADOS: a anestesia geral foi empregada em todas as pacientes submetidas a curetagem uterina e em nenhuma daquelas que realizaram AMV, cuja dor foi controlada em 64% dos casos com anestesia local. As diferenças entre os dois métodos quanto à necessidade de dilatação cervical mecânica, tempo de esvaziamento e incidência de complicações não foram significativas. A permanência hospitalar foi significativamente menor nas pacientes submetidas a AMV.

CONCLUSÕES: não foram observadas vantagens de um método sobre o outro, quanto à técnica e à incidência de complicações. O uso não necessário de anestesia geral e a permanência hospitalar significativamente menor indicam que a AMV deve ser recomendada para todos os serviços com assistência obstétrica, aumentando a resolutividade e diminuindo os riscos, melhorando a qualidade da assistência.

Palavras-chave: Curetagem uterina. Aspiração manual a vácuo (AMV). Abortamento. Primeiro trimestre da gestação.

ABSTRACT

PURPOSE: to perform a comparative study between uterine curettage and manual vacuum aspiration (MVA) in the treatment of first-trimester miscarriages.

METHODS: a hundred and two patients were included up to the 12th week of pregnancy, with diagnosis of miscarriage, admitted at Maternidade Escola Januário Cicco, between January 1998 and July 2001, and who were randomly submitted to uterine curettage or to MVA. The analyzed variables were: pain control, need of mechanical cervical dilation, uterine emptying time, incidence of complications and stay in hospital. The patients were reevaluated clinically and echographycally between 7 and 10 days after the procedures. The c2 test was used for statistical analysis.

RESULTS: general anesthesia was used in all the patients submitted to uterine curettage and in none of those who were submitted to MVA, whose pain was controlled with local anesthesia in 64% of the cases. The differences between the two methods concerning the need of mechanical cervical dilation, emptying time and incidence of complications were not significant. The stay in hospital was significantly shorter in patients submitted to MVA.

CONCLUSIONS: no advantage of one method over the other was observed in regard to the technique and the incidence of complications. The unneeded use of general anesthesia and the significantly shorter stay in hospital indicate that MVA should be recommended for all services with obstetrical assistance, increasing resolvability of the cases and decreasing risks, improving the quality of assistance.

Keywords: Curettage. Manual vacuum aspiration (MVA). Miscarriage. First trimester of pregnancy.

Introdução

O abortamento, uma das intercorrências mais freqüentes e preocupantes na gestação, por acometer anualmente grande parcela da população feminina na faixa etária economicamente ativa, vem sendo considerado importante proble ma de saúde pública mundial, com enormes conseqüências sociais, políticas e médico-legais1-3. Nos países subdesenvolvidos, apresenta o agravante de ser praticado amiúde de forma ilícita e sob condições de risco2,3.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que, anualmente, ocorrem no mundo todo cerca de 20 milhões de abortos sob essas condições2,3, o que determina entre 50.000 e 100.000 mortes3. No Brasil, em função do sub-registro, os números relacionados a abortamento e mortalidade são apenas estimados. Dados da última década indicam que anualmente são realizados entre 300.000 e 3 milhões de abortamentos ilegais, determinando mais de 200 mortes3.

Vários estudos afirmam que o abortamento, sobretudo quando sob condições de risco, está entre as três causas mais freqüentes de morte materna nos países subdesenvolvidos4,5, sendo identificado também, em outros relatos, como a principal causa6-9.

Embora as complicações resultantes do abortamento sejam emergência médica comum, a atenção prestada às pacientes nos países subdesenvolvidos se processa em contexto de crise, marcado pela centralização da assistência em determinados serviços, condicionando atraso no atendimento e colocando em risco a vida de muitas delas2.

O tratamento do abortamento tradicionalmente se faz por esvaziamento da cavidade uterina mediante curetagem, com ou sem dilatação cervical mecânica, sob narcose, requerendo o internamento das pacientes por várias horas2,3. Os riscos inerentes à anestesia e ao esvaziamento uterino, bem como a maior exposição das pacientes sob permanência prolongada a infecção, podem contribuir para aumento da morbidade materna, elevando os custos hospitalares3.

Em alguns países e, na última década, também no Brasil, têm se preconizado a aspiração a vácuo, elétrica ou manual, como alternativa à curetagem para o esvaziamento uterino em casos de abortamento no primeiro trimestre da gestação e para obtenção de amostras endometriais com finalidade diagnóstica. Em ambas as situações, este procedimento comprovou ser seguro e eficaz, com a primazia de utilizar instrumental de fácil manuseio e apresentar técnica simplificada1-3,10-12.

Os diversos serviços que têm utilizado a vácuo-aspiração, especificamente a aspiração manual a vácuo (AMV), enumeram como vantagens a satisfação e aceitabilidade do método pelas pacientes e profissionais13-15, o uso de analgésicos ou anestésicos locais em substituição aos anestésicos gerais, a diminuição da permanência hospitalar vinculada à maior agilidade no atendimento e precocidade da alta e conseqüentemente a redução da morbimortalidade materna e dos custos hospitalares, tornando o emprego da técnica viável em unidades de saúde de menor complexidade1-3,16.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO) têm reconhecido a AMV e recomendado o seu uso na atenção pós-abortamento, como parte de assistência mais ampla para reduzir a mortalidade materna1-3.

Apesar de haver diversos estudos internacionais em que estes dois métodos de esvaziamento uterino são comparados, há poucas referências na literatura nacional versando sobre este assunto e não existe total convergência de opiniões de que, seguramente, um método é melhor que o outro.

O objetivo desta pesquisa foi fazer um estudo comparativo entre a curetagem uterina e a AMV em pacientes com abortamento do primeiro trimestre da gestação, no que tange ao controle da dor, à necessidade de dilatação cervical mecânica, ao tempo de esvaziamento, à ocorrência de complicações e à permanência hospitalar.

Pacientes e Métodos

No período de janeiro de 1998 a julho de 2001, foram incluídas para estudo 102 pacientes, provenientes de Natal ou municípios da Grande Natal, admitidas no pronto atendimento da Maternidade Escola Januário Cicco, da UFRN, com diagnóstico de abortamento até a 12ª semana de gestação. A faixa etária variou de 15 a 42 anos, com média de 24 anos. Foram empregadas aleatoriamente a curetagem uterina e a AMV, realizadas por uma mesma equipe, composta por um chefe de plantão e três médicos residentes, sob supervisão do primeiro.

Foram excluídas as pacientes que apresentavam infecção ou choque hipovolêmico à admissão, que tiveram um diagnóstico prévio ou durante o procedimento de abortamento molar, que optaram por inserção imediata de DIU após o esvaziamento, que apresentavam indicação de abortamento terapêutico, bem como 15 pacientes que não retornaram ao serviço para o controle agendado.

Para os procedimentos, as pacientes foram colocadas em posição ginecológica, feito anti-sepsia da genitália, esvaziamento vesical e introdução de espéculo vaginal, após o que apreendeu-se o colo uterino com pinça de Pozzi para centralizar o corpo uterino.

A aspiração manual, aplicada em 51 pacientes, consistiu na retirada do conteúdo uterino por sucção, mediante transferência de vácuo produzido em seringa de 60 mL, através de cânula inserida na cavidade endometrial. Foram empregadas as seringas de válvula simples que se conectam às cânulas menores ou iguais a 6 mm e as de válvula dupla, conectadas às cânulas maiores ou iguais a 6 mm, selecionadas de acordo com a dilatação cervical.

A curetagem uterina, também empregada em 51 pacientes, insistiu no esvaziamento uterino, por raspagem da cavidade endometrial por meio de curetas e apreensão e retirada do conteúdo ovular com pinças de Winter. Foram empregadas curetas fenestradas, cortantes ou não, números 1 a 6, e pinça de Winter, números 1 a 3.

Em ambos os procedimentos, foram considerados como sinais de finalização a presença de sangue vermelho-rutilante espumoso e a sensação de aspereza da cavidade vazia, que na aspiração, também determinou uma limitação dos movimentos da cânula, devido a sua apreensão pelas paredes uterinas na presença do vácuo.

Para cada paciente, foi preenchido um protocolo específico, após assinarem o termo de consentimento para participarem do estudo. Durante o procedimento, foram analisados o controle da dor, a necessidade de dilatação cervical, o tempo de esvaziamento e a ocorrência de complicações. Para o controle da dor na AMV, foi empregado bloqueio para cervical com xilocaína a 2%, com infiltração de 2,5 mL às 5 e 7 horas, associando-se meperidina 100 mg, por via intramuscular, às pacientes que referiram desconforto à primeira tentativa de iniciar o procedimento. Naquelas que referiram alergias ao anestésico foi usado exclusivamente o analgésico ou não se empregou droga alguma. Foi considerada, em todas as situações, a decisão das pacientes de optarem por alguma das formas de controle da dor.

Quando o colo uterino não permitiu a penetração da menor cânula de AMV ou da menor cureta, foi realizada a dilatação cervical mecânica gradual com velas de Hegar.

Por ocasião da alta, foi registrado o tempo da permanência hospitalar e recomendado retorno ao serviço para avaliação clínica e ecográfica pela mesma equipe que realizou os procedimentos, entre 7 e 10 dias ou antes, caso surgissem complicações, tais como febre ou sangramento transvaginal importante.

Em relação aos antecedentes obstétricos, 37,2% eram primigestas, 28,4% tinham tido um parto e 25,4% dois ou mais partos. Quanto à recorrência, 16,7% referiram um abortamento prévio e 6,9%, dois ou mais, sendo que 11,8% deste total foram provocados.

O diagnóstico de abortamento foi dado por anamnese e exame clínico exclusivos em 85,3% das pacientes e em 14,7% confirmado por exame ecográfico transvaginal, sendo as idades gestacionais encontradas ou calculadas pela data da última menstruação, variáveis desde 4 até 12 semanas. Clinicamente foi considerado abortamento incompleto (79,4%) quando havia dilatação cervical, acompanhada de sangramento e eliminação de conteúdo ovular, com o volume uterino aquém do esperado para a idade gestacional; abortamento inevitável (5,9%) quando havia sangramento, dilatação cervical, sem eliminação do conteúdo gestacional, e abortamento retido (14,7%) quando não havia dilatação cervical ou sangramento e o volume uterino estava aquém do esperado. Nas situações em que o exame clínico não foi elucidativo, lançou-se mão de ecografia transvaginal, confirmando o diagnóstico.

Em relação ao quadro clínico, 85,3% das pacientes apresentavam perdas sangüíneas transvaginais de pequeno a médio vulto, 54% queixavam-se de cólicas no hipogástrio e 20,6% não apresentavam queixas.

A grande maioria (75,5%) referiu ter sido o abortamento espontâneo e dentre os provocados (24,5%), o método abortivo mais utilizado foi o misoprostol oral e/ou vaginal em 60,6% dos casos.

Para o estudo estatístico, na comparação dos dois métodos, foi empregado o teste c2, adotando-se 5% como nível de significância.

Resultados

A Figura 1 mostra as formas de controle da dor segundo a técnica de esvaziamento uterino utilizada, onde se constata que todas as pacientes submetidas a curetagem uterina receberam anestesia geral. Dentre as pacientes submetidas a AMV, em 64,7% foi usado o bloqueio paracervical, em 3,9% analgésicos e em 23,5% houve associação destas duas formas. Em 7,8% dos casos nenhuma droga foi empregada para o controle da dor.


Em relação à necessidade de dilatação cervical mecânica, a Tabela 1 mostra que as pacientes submetidas a curetagem uterina (11,8%) obtiveram maior percentual, em comparação àquelas tratadas com AMV (7,8%). Esta diferença, entretanto, não foi significativa (p=0,801).

O tempo de esvaziamento uterino variou de acordo com a técnica empregada. As pacientes submetidas a AMV, em maior percentual de casos (58,8%), necessitaram de um tempo igual ou menor que 5 minutos, em oposição às submetidas a curetagem uterina (49,0%). O valor "p" obtido (0,611) não foi significativo, mostrando que não houve diferença entre as técnicas quanto ao tempo de esvaziamento uterino.

A análise de complicações revelou que 5,9 e 7,8% das pacientes submetidas a AMV e a curetagem uterina, respectivamente, tiveram algum tipo de complicação durante os procedimentos. O confronto entre as duas técnicas, porém, não demonstrou significância estatística (p=0,926).

Quanto à permanência hospitalar, constatou-se que 45,1% das pacientes submetidas a AMV e apenas 2% das tratadas mediante curetagem uterina estiveram internadas por período menor ou igual a uma hora. Este resultado demonstrou relevância estatística (p=0,000002).

Discussão

Muitas mulheres que procuram um serviço de emergência por abortamento necessitam ser prontamente tratadas, sob pena de terem agravamento do quadro clínico, com hemorragia e infecção, podendo evoluir rapidamente para choque hipovolêmico ou sepse, culminando com o êxito letal2.

O atendimento médico de emergência das complicações do abortamento deve ser eficaz e seguro, como forma de reduzir a morbimortalidade materna, uma vez que, segundo vários estudos, o abortamento constitui a primeira6-9 ou pelo menos está entre as três causas mais importantes, nos países subdesenvolvidos4,5.

Diversas referências apresentam a AMV como uma alternativa terapêutica à curetagem uterina, por ter se revelado procedimento seguro e eficaz, por permitir a substituição da anestesia geral por analgésicos ou anestésicos locais, por encurtar a permanência hospitalar, devido a maior agilidade no atendimento e precocidade da alta, e por reduzir os custos hospitalares1-3,16. Também foi relatado bom grau de satisfação com relação ao método, tanto por parte dos médicos assistentes quanto das usuárias, muitas das quais, havendo necessidade, voltariam a optar pelo mesmo procedimento13-15. Estas vantagens, principalmente no que se refere à redução dos custos, permitem que alguns estudos concluam ser a AMV muito apropriada para os serviços de menor complexidade, onde os recursos são mais escassos, como forma de melhorar a resolutividade e diminuir os riscos para as usuárias1-3,16,17.

O presente estudo objetivou fazer uma análise comparativa entre as duas técnicas de esvaziamento uterino, no que concerne ao controle da dor, à necessidade de dilatação cervical, ao tempo de esvaziamento, à ocorrência de complicações e à permanência hospitalar.

Para o manejo da dor na AMV, são usados amiúde anestésicos locais, analgésicos, sedativos ou alguma combinação dos três, tendo em vista que o colo uterino encontra-se freqüentemente com embebição gravídica e alguma dilatação, permitindo a passagem da cânula e a aspiração sem determinar dor de forte intensidade2,17.

De acordo com a literatura, que relata quase sempre ser desnecessária a anestesia geral na AMV2,3, este estudo mostrou que o uso de anestésicos locais, por meio de bloqueio paracervical, bem como a analgesia ou a associação destas duas formas de controle da dor foram empregadas na maioria das pacientes e suficientes para a realização do procedimento. Kizza e Rogo17, em estudo com 300 pacientes submetidas a AMV, referiram que em 54 delas não foi necessário o emprego de drogas para o controle da dor, o mesmo ocorrendo em 7,8% das pacientes do presente estudo.

As cânulas pertencentes ao instrumental de AMV, cujos diâmetros são uniformes e medem de 3 a 12 mm, têm sido identificadas como menos traumáticas para a cérvix, quando comparadas às curetas, dispensando, freqüentemente, por este motivo, a dilatação cervical mecânica18. Neste estudo, esta foi necessária em 7,84 e 11,8% das pacientes submetidas a AMV e a curetagem uterina, respectivamente. Este diferença, entretanto, não apresentou significância estatística.

O tempo necessário para o esvaziamento uterino é apontado como significantemente menor na AMV quando confrontado à curetagem uterina19. Edelman et al.20, em estudo envolvendo médicos experientes e residentes, observaram que o tempo de operação e a sensação dolorosa durante a dilatação mecânica na aspiração manual intra-uterina são inversamente proporcionais à experiência do cirurgião, sendo o tempo médio de 6,9 minutos.

No presente estudo, o tempo necessário foi de até 5 minutos em 58,8% das pacientes submetidas a AMV e 49,0% para as tratadas com curetagem uterina. O nível descritivo (p) encontrado (0,611) não foi, contudo, significativo.

Por ser associada a número pequeno de complicações, tais como perfuração uterina, laceração cervical, exacerbação do sangramento uterino e infecção10, a AMV tem sido referida como sendo mais segura que a curetagem uterina ou pelo menos apresenta resultados semelhantes no que concerne à segurança e eficácia1,12,19. Em estudo no qual os dois métodos foram comparados envolvendo pacientes com abortamento do primeiro trimestre, observou-se que não existiam diferenças significativas com relação a sangramento excessivo, necessidade de transfusão sanguínea, infecção, esvaziamento incompleto com novo esvaziamento, reinternamento, dor pós-procedimento e uso de antibióticos19.

Westfall et al.10, empregando a AMV em abortamentos do primeiro trimestre, relataram eficácia de 99,5% e não constataram complicações maiores, como perfuração uterina, com melhores resultados nas pacientes até a 10a semana de gestação.

A diferença entre incidência de complicações observadas neste estudo quando comparados os dois métodos, não mostrou significância estatística.

Dentre as complicações, foram observadas neste estudo, esvaziamento incompleto, presente nas mesmas proporções (6%) nos dois procedimentos, e endometrite em 2% das pacientes submetidas a curetagem uterina, nas quais não foram previamente identificados fatores de risco. Estas duas complicações menores são, todavia, referidas como de baixa incidência e facilmente tratáveis10.

A maior permanência hospitalar tanto está relacionada a uma elevação dos riscos por maior exposição da paciente a infecções, como também eleva os custos hospitares3. O emprego da AMV como alternativa à curetagem uterina tem sido relacionado a menor tempo de espera antes do esvaziamento, a menor duração do procedimento, bem como a maior precocidade da alta16. Um estudo para avaliar custos revelou que a AMV permite reduzir a permanência em 77% e os custos, em 41%21, mantendo sintonia com os dados deste estudo, no qual 45,1% das pacientes submetidas a AMV receberam alta precoce, sendo liberadas na primeira hora após o procedimento, em oposição a apenas 2,0% das tratadas com curetagem uterina. Esta diferença percentual mostrou ser significativa (p<0,05).

Considerando os dados relativos à dilatação cervical, ao tempo de esvaziamento e à incidência de complicações, constata-se que não há vantagens de um método sobre o outro, quanto à técnica em si ou à morbidade a ela relacionada, não obstante os relatos da literatura2,3,16.

Os resultados pertinentes ao controle da dor, não empregando anestesia geral, e à permanência hospitalar significantemente menor permitem que sejam feitas recomendações para introduzir o emprego da AMV nos protocolos assistenciais dos serviços que tratam do abortamento, enfaticamente naqueles de menor complexidade, como forma de melhorar a resolutividade e diminuir os riscos para as pacientes, melhorando a qualidade da assistência.

Estes resultados apontam, ao que tudo indica, para redução da morbimortalidade materna e dos custos hospitalares, necessitando, porém, que outros estudos abordando estes aspectos sejam feitos posteriormente.

Recebido em: 17/9/2003

Aceito com modificações em: 15/5/2003

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  • Endereço para correspondência
    Antônio Arildo Reginaldo de Holanda
    Rua Dep. Joaquim Câmara, 226 aptº 201 - Tirol
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Set 2003
    • Data do Fascículo
      Maio 2003

    Histórico

    • Aceito
      15 Maio 2003
    • Recebido
      17 Set 2003
    Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia Av. Brigadeiro Luís Antônio, 3421, sala 903 - Jardim Paulista, 01401-001 São Paulo SP - Brasil, Tel. (55 11) 5573-4919 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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