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Comparação entre as características do sêmen humano preservado a +4ºC e -196ºC por 24 horas

Comparison between the characteristics of human semen preserved at +4ºC and -196ºC for 24 hours

Resumos

OBJETIVOS: avaliar as características do sêmen humano preservado a +4ºC e a -196ºC por 24 h e determinar a técnica ideal para utilização em procedimentos específicos. MÉTODOS: amostras de sêmen de 24 voluntários foram analisadas após a coleta e divididas em duas alíquotas, uma resfriada em a +4ºC e outra congelada a -196ºC. As amostras foram mantidas em baixas temperaturas por 24 h e então em temperatura ambiente por 30 minutos (T1), capacitadas (T2) e incubadas a +37ºC por 90 minutos (T3), sendo avaliadas quanto à concentração e motilidade progressiva em T1, T2 e T3. Para análise dos resultados obtidos com as duas diferentes técnicas foi utilizado o Modelo Linear Geral e para análise dos dados obtidos com a mesma técnica, em dois diferentes momentos de observação, foi utilizado o teste de Wilcoxon (a de 5% e p<0,05). RESULTADOS: houve perda de dados em uma amostra de sêmen fresco, em uma amostra após preservação, em 5 amostras após capacitação e em duas amostras após incubação. A média do número total de espermatozóides móveis/mL (NTEM) nas amostras de sêmen fresco foi 39,7 milhões (1,3-104,0). Após preservação, o NTEM médio no sêmen resfriado foi 9,6 milhões (0-37,4) e no congelado 8,7 milhões (0-41,2). Após capacitação, o NTEM médio foi 5,4 milhões no sêmen resfriado (0-21,7) e no congelado (0-28). Após incubação, o NTEM médio no sêmen resfriado foi 9,8 milhões (0-40,5) e no congelado 4,4 milhões (0-25,6). Não houve diferença significativa (p>0,05) quanto à concentração, motilidade e NTEM entre as técnicas nos três momentos de observação. Tampouco houve diferença entre as variáveis após capacitação e após incubação no sêmen resfriado, mas, no congelado, a concentração foi significativamente superior após capacitação. CONCLUSÕES: embora a concentração e a motilidade progressiva não tenham diferido em ambas as técnicas, sugere-se o uso do resfriamento em procedimentos específicos a curto prazo, devido à simplicidade e baixo custo. Quando o sêmen congelado for necessário, recomenda-se a utilização logo após a capacitação para evitar redução da qualidade do mesmo.

Esperma humano; Infertilidade; Capacitação de espermatozóide


PURPOSE: to compare the characteristics of human semen preserved at +4ºC and at -196ºC for 24 h and to determine which technique is indicated for use in specific procedures. METHODS: semen samples of 24 voluntaries were analyzed after collection and divided into two aliquots, one of them cooled (+4ºC) and the other frozen (-196ºC). Samples were kept at low temperatures for 24 h and then at room temperature for 30 minutes (T1), capacitated (T2) and kept at +37ºC for 90 minutes (T3), being analyzed regarding count and progressive motility at T1, T2 and T3. The General Linear Model was used to analyze results obtained with different techniques, while Wilcoxon's test was used to compare results obtained in two different moments using the same technique (a = 5% e p<0,05). RESULTS: data were missed in one fresh semen sample, in one sample after preservation, in five samples after capacitation and in two samples after incubation. The average number of total motile sperm/mL (NTMS) in fresh semen was 39.7 million (1.3-104.0). After preservation, the average NTMS in cooled semen was 9.6 million (0-37.4) and in frozen semen 8.7 million (0-41.2). After capacitation, the average NTMS was 5.4 million either in cooled (0-21.7), or in frozen semen (0-28). After incubation, the average NTMS in cooled semen was 9.8 million (0-40.5) and in frozen 4.4 million (0-25.6). Concerning count, progressive motility and NTMS, there was no significant difference (p>0,05) between techniques in the three moments of observation. In cooled samples, there was no difference between variables after capacitation and after incubation, but, in frozen semen, count was significantly greater after capacitation. CONCLUSIONS: although there has been no significant difference between semen count and progressive motility in both techniques, the use of cooled semen is recommended for specific procedures within a short time period due to its simplicity and low cost. When frozen semen is necessary, we recommend its use soon after capacitation in order to avoid loss in quality.

Human sperm; Infertility; Spermatozoa Capacitation


TRABALHOS ORIGINAIS

Comparação entre as características do sêmen humano preservado a +4oC e –196oC por 24 horas

Comparison between the characteristics of human semen preserved at +4oC and –196oC for 24 hours

Ana Luiza Gelpi MattosI; Adriana Bos-MikichII; Luciana Petrucci GiganteI; Danielle de Oliveira GonçalvesI; Sarah Santos BenchayaI; Arnaldo FerrariII

IUniversidade Luterana do Brasil - ULBRA

IIFundação Universitária de Endocrinologia e Fertilidade de Porto Alegre – FUEFE

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Ana Luiza Gelpi Mattos Universidade Luterana do Brasil – ULBRA/Curso de Medicina Rua Miguel Tostes 101 90670-030 - Canoas - RS e-mail: ctges@uol.com.br

RESUMO

OBJETIVOS: avaliar as características do sêmen humano preservado a +4oC e a –196oC por 24 h e determinar a técnica ideal para utilização em procedimentos específicos.

MÉTODOS: amostras de sêmen de 24 voluntários foram analisadas após a coleta e divididas em duas alíquotas, uma resfriada em a +4oC e outra congelada a -196oC. As amostras foram mantidas em baixas temperaturas por 24 h e então em temperatura ambiente por 30 minutos (T1), capacitadas (T2) e incubadas a +37oC por 90 minutos (T3), sendo avaliadas quanto à concentração e motilidade progressiva em T1, T2 e T3. Para análise dos resultados obtidos com as duas diferentes técnicas foi utilizado o Modelo Linear Geral e para análise dos dados obtidos com a mesma técnica, em dois diferentes momentos de observação, foi utilizado o teste de Wilcoxon (a de 5% e p<0,05).

RESULTADOS: houve perda de dados em uma amostra de sêmen fresco, em uma amostra após preservação, em 5 amostras após capacitação e em duas amostras após incubação. A média do número total de espermatozóides móveis/mL (NTEM) nas amostras de sêmen fresco foi 39,7 milhões (1,3-104,0). Após preservação, o NTEM médio no sêmen resfriado foi 9,6 milhões (0-37,4) e no congelado 8,7 milhões (0-41,2). Após capacitação, o NTEM médio foi 5,4 milhões no sêmen resfriado (0-21,7) e no congelado (0-28). Após incubação, o NTEM médio no sêmen resfriado foi 9,8 milhões (0-40,5) e no congelado 4,4 milhões (0-25,6). Não houve diferença significativa (p>0,05) quanto à concentração, motilidade e NTEM entre as técnicas nos três momentos de observação. Tampouco houve diferença entre as variáveis após capacitação e após incubação no sêmen resfriado, mas, no congelado, a concentração foi significativamente superior após capacitação.

CONCLUSÕES: embora a concentração e a motilidade progressiva não tenham diferido em ambas as técnicas, sugere-se o uso do resfriamento em procedimentos específicos a curto prazo, devido à simplicidade e baixo custo. Quando o sêmen congelado for necessário, recomenda-se a utilização logo após a capacitação para evitar redução da qualidade do mesmo.

Palavras-chave: Esperma humano. Infertilidade. Capacitação de espermatozóide.

ABSTRACT

PURPOSE: to compare the characteristics of human semen preserved at +4oC and at –196oC for 24 h and to determine which technique is indicated for use in specific procedures.

METHODS: semen samples of 24 voluntaries were analyzed after collection and divided into two aliquots, one of them cooled (+4oC) and the other frozen (–196oC). Samples were kept at low temperatures for 24 h and then at room temperature for 30 minutes (T1), capacitated (T2) and kept at +37oC for 90 minutes (T3), being analyzed regarding count and progressive motility at T1, T2 and T3. The General Linear Model was used to analyze results obtained with different techniques, while Wilcoxon's test was used to compare results obtained in two different moments using the same technique (a = 5% e p<0,05).

RESULTS: data were missed in one fresh semen sample, in one sample after preservation, in five samples after capacitation and in two samples after incubation. The average number of total motile sperm/mL (NTMS) in fresh semen was 39.7 million (1.3-104.0). After preservation, the average NTMS in cooled semen was 9.6 million (0-37.4) and in frozen semen 8.7 million (0-41.2). After capacitation, the average NTMS was 5.4 million either in cooled (0-21.7), or in frozen semen (0-28). After incubation, the average NTMS in cooled semen was 9.8 million (0-40.5) and in frozen 4.4 million (0-25.6). Concerning count, progressive motility and NTMS, there was no significant difference (p>0,05) between techniques in the three moments of observation. In cooled samples, there was no difference between variables after capacitation and after incubation, but, in frozen semen, count was significantly greater after capacitation.

CONCLUSIONS: although there has been no significant difference between semen count and progressive motility in both techniques, the use of cooled semen is recommended for specific procedures within a short time period due to its simplicity and low cost. When frozen semen is necessary, we recommend its use soon after capacitation in order to avoid loss in quality.

Keywords: Human sperm. Infertility. Spermatozoa Capacitation.

Introdução

Os espermatozóides foram as primeiras células a serem congeladas, há mais de 50 anos, após a descoberta casual da capacidade crioprotetora do glicerol1. A partir de então, a técnica de preservação do sêmen humano em nitrogênio líquido a –196oC (congelamento) difundiu-se amplamente. Atualmente, entre as aplicações do sêmen congelado, destaca-se o uso em inseminação artificial, a preservação preventiva em função de cirurgias, irradiação, drogas citotóxicas ou imunossupressoras, vasectomia ou exposição a fatores de risco, a realização de pool de várias amostras visando obtenção de maior número de espermatozóides, o transporte para locais distantes, etc.2-4. O desenvolvimento da tecnologia em reprodução assistida (TRA), com a injeção intracitoplasmática de espermatozóides (ICSI), ao contrário de relegar o congelamento a um plano secundário, veio ampliar ainda mais as indicações dessa técnica, que se mantém atual e em constante aperfeiçoamento5.

Recentemente, a criopreservação no vapor de nitrogênio líquido6, a criopreservação por imersão direta em nitrogênio líquido sem crioprotetor7 e a preservação de apenas um pequeno número de espermatozóides em microgota de meio de congelamento sob óleo de parafina em placa de cultivo8 também se mostraram eficazes.

A preservação do sêmen em geladeira +4oC (resfriamento), por outro lado, é procedimento simples que, apesar de permitir a manutenção das características espermáticas por um período menor de tempo, causa comparativamente menos dano aos espermatozóides do que temperaturas inferiores, como a do nitrogênio líquido (-196oC). Diversos estudos recomendam a utilização dessa modalidade de preservação de sêmen que, além de tecnicamente mais simples, apresenta custo inferior ao do congelamento e pode, inclusive, ser utilizada para pacientes oligozoospérmicos9-11.

Em ambos os procedimentos, previamente à utilização, o sêmen é submetido à capacitação, que visa torná-lo apto a fertilizar, como ocorre fisiologicamente. Várias técnicas são utilizadas para a capacitação, destacando-se entre elas a migração espermática através de diferentes gradientes coloidais.

Este estudo tem por objetivos comparar as características do sêmen humano preservado a +4o C (resfriamento) e a –196oC (congelamento) por 24 horas, determinar indicações de uso para cada técnica e a relação custo-benefício de cada, para otimizar resultados e racionalizar custos.

Métodos

Em estudo prospectivo realizado na Fundação Universitária de Endocrinologia e Fertilidade de Porto Alegre, previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Instituição, foram analisadas amostras de sêmen de 24 homens. Estes concordaram voluntariamente em participar do estudo, mediante assinatura de termo de consentimento livre e esclarecido. O sêmen coletado foi analisado conforme recomendado pela Organização Mundial da Saúde12 e dividido em duas alíquotas, uma destinada ao resfriamento e outra ao congelamento.

Para resfriamento, uma das alíquotas foi diluída em igual volume (1 mL:1 mL) com meio de refrigeração TYBâ (Irvine) e conservada em geladeira a +4oC por 24 h, sendo então mantida em temperatura ambiente por 30 minutos. Para congelamento, a outra alíquota foi diluída da mesma forma com meio de congelamento TYBâ (Irvine), resfriada a +4oC por 30 a 60 minutos, acondicionada em palhetas de 0,5m L e exposta ao vapor de nitrogênio líquido por cerca de 5 minutos, sendo então mergulhada em nitrogênio líquido (-196oC), onde permaneceu por 24 h. Foram descongeladas quatro palhetas por ejaculado, cada palheta contendo 0,5 mL (0,25 mL sêmen:0,25 mL TYB). O material contido nas palhetas foi homogeneizado, submetido à capacitação e à análise.

Após a preservação em baixas temperaturas e manutenção em temperatura ambiente por cerca de 30 minutos, antes do processamento para uso as amostras foram capacitadas em Percollâ isotônico e HamF10â e avaliadas à microscopia óptica quanto à motilidade progressiva (% graus a e b) e quanto à concentração (espermatozóides/mL), utilizando-se câmara de Makler, logo após a manutenção em temperatura ambiente (T1), após a capacitação (T2) e após 90 minutos de incubação a +37oC (T3).

Para análise estatística dos resultados obtidos com as duas diferentes técnicas foi utilizado o Modelo Linear Geral (MANOVA). Para análise dos dados obtidos com a mesma técnica, em dois diferentes momentos de observação, foi utilizado o teste de Wilcoxon com nível de significância de 0,05.

Resultados

Houve perda de dados em uma amostra de sêmen fresco, em uma amostra após preservação, em cinco amostras após a capacitação e em duas amostras após 90 minutos de incubação.

Nas 23 amostras de sêmen fresco analisadas, a concentração média foi 87,5 (4,2-185) milhões de espermatozóides/mL e a motilidade progressiva (graus a+b) de 44,1 % (20-80%). Três indivíduos apresentaram oligozoospermia (< 20 milhões/mL) e cinco participantes mostraram motilidade progressiva inferior a 30%. A média do número total de espermatozóides móveis/mL nas amostras de sêmen fresco foi 39,7 milhões (1,3-104,0).

Das 23 amostras analisadas após a preservação, todas apresentaram redução na concentração e na motilidade, tanto no sêmen resfriado quanto no congelado, em comparação ao sêmen fresco. A concentração média de espermatozóides nas amostras de sêmen resfriado foi de 39,2 (0,9-100) milhões/mL e, no congelado, de 38,8 (2-92) milhões de espermatozóides/mL (Figura 1). A motilidade progressiva média do sêmen resfriado foi de 18% (0-55%) e, no congelado, também de 18% (0-70%) (Figura 2). O NTEM foi superior no sêmen resfriado em 13 amostras, no congelado em 8 e igual em duas amostras, sendo o NTEM médio no sêmen resfriado 9,6 milhões (0-37,4) e no congelado 8,7 milhões (0-41,2) (Figura 3).




Das 19 amostras analisadas após a capacitação, a concentração média do sêmen resfriado foi de 14,3 (0-40) milhões/mL e, do congelado, de 18,4 (0-45) milhões de espermatozóides/mL (Figura 1). A motilidade progressiva média foi 34,2% (0-100%) no sêmen resfriado e 26,8% (0-100%) no congelado (Figura 2). Nesta fase, o NTEM foi superior no sêmen resfriado em 8 amostras, no congelado em 6, e igual em 5. O NTEM médio foi 5,4 milhões tanto no sêmen resfriado (0-21,7), quanto no congelado (0-28) (Figura 3).

Das 22 amostras analisadas após a incubação, a concentração média, no sêmen resfriado, foi de 19,1 (0-50) milhões e, no congelado, de 9,6 (0-54) milhões de espermatozóides/mL (Figura 1); a motilidade progressiva foi de 39,4% (0-90%) no sêmen resfriado e 37,4% (0-90%) no congelado (Figura 2). O NTEM foi superior no sêmen resfriado em 14, no congelado em três e igual em cinco amostras. O NTEM médio no sêmen resfriado foi 9,8 milhões (0-40,5) e no congelado 4,4 milhões (0-25,6) (Figura 3).

Não houve diferença estatisticamente significativa entre as técnicas (p>0,05) quanto à concentração e motilidade nos três momentos de observação. O tempo influenciou negativamente todas as variáveis estudadas, havendo redução significativa da concentração, da motilidade progressiva e do número total de espermatozóides móveis em todos os momentos de observação em relação ao sêmen fresco.

Como o sêmen é geralmente utilizado logo após a capacitação, ou após 90 minutos de incubação a +37oC, foi realizada a comparação dos resultados obtidos nestes momentos, em cada técnica. Nas amostras resfriadas, a diferença entre ambos os momentos não foi significativa para nenhuma das variáveis (concentração: p=0,054; motilidade: p=0,315; total de espermatozóides móveis: p=0,078). Nas amostras congeladas, houve diferença significativa em relação à concentração (teste de Wilcoxon p=0,041), superior após a capacitação, mas não quanto à motilidade (p=1,000), ou ao número total de espermatozóides móveis (p=0,508).

Observou-se, ainda, variação no comportamento das amostras de sêmen, tanto entre os diferentes indivíduos, quanto no comportamento da amostra de um mesmo indivíduo em relação aos dois tratamentos utilizados.

Discussão

A média do número total de espermatozóides móveis/mL (NTEM), calculada a partir da concentração e da motilidade progressiva, é utilizada para discussão dos resultados.

Imediatamente após a preservação, embora não tenha havido variação significativa entre o NTEM das amostras resfriadas (9,6 milhões) e congeladas (8,7 milhões), ambos foram significativamente inferiores ao NTEM do sêmen fresco (39,7 milhões), provavelmente pelo fato de o meio protetor limitar o movimento espermático. Stanic et al.13, ao avaliarem a influência do meio de criopreservação na motilidade e na morfologia do sêmen humano, verificaram que a motilidade diminuiu devido à exposição do sêmen ao meio, embora não houvesse influência sobre a morfologia.

No presente estudo, imediatamente após a capacitação, o NTEM no sêmen congelado e no resfriado foi exatamente o mesmo (5,4 milhões), embora significativamente inferior em relação ao sêmen fresco. Estes resultados concordam com os de Hallak et al.14, que também observaram redução significativa na percentagem de espermatozóides móveis após congelamento/descongelamento e lavado espermático, em comparação ao sêmen fresco, em ambos os meios testados, TYB e TYB-glicerol, embora a motilidade, a morfologia e a integridade da membrana espermática fossem significativamente superiores com o uso de TYB.

Após a preservação das amostras por 90 minutos a +37oC, momento em que o sêmen é geralmente utilizado nos diversos procedimentos de reprodução assistida, o NTEM no sêmen resfriado foi mais elevado que no congelado. Este resultado, embora não significativo, indica melhor aproveitamento das amostras, após 24 horas, quando é utilizada a técnica de resfriamento. O resfriamento ainda apresenta a vantagem da execução simples e menos dispendiosa, ao dispensar o armazenamento em nitrogênio líquido. Essa técnica, no entanto, se restringe a procedimentos executados em prazo de tempo limitado. Embora, no presente estudo, o período de armazenamento tenha sido limitado a 24 horas, outros estudos9-11 referem preservação das características e da capacidade fertilizante do sêmen mantido a +4oC por períodos mais longos, ampliando ainda mais as possibilidades de utilização dessa técnica.

Ao comparar as variáveis nos diferentes períodos de tempo em que as amostras são passíveis de utilização, isto é, imediatamente após a capacitação ou após a incubação, dentro de cada técnica, não houve diferença significativa quando foi utilizado o resfriamento. O NTEM no sêmen resfriado foi levemente superior após a incubação que após a capacitação, provavelmente pela ativação do metabolismo espermático pelo calor. No entanto, no sêmen congelado, a concentração foi significativamente superior após a capacitação que após a incubação. Uma possível explicação para esse achado é que, como o congelamento submete os espermatozóides a estresse maior do que o resfriamento, a capacitação e subseqüente incubação a +37oC provocaria rápido esgotamento das reservas energéticas, ou mesmo lesão estrutural dos espermatozóides já desgastados, sua precipitação e conseqüente desaparecimento da porção média da amostra, utilizada para análise. Assim, quando a utilização do sêmen congelado se fizer necessária, sugere-se que esta se dê o mais brevemente possível após a capacitação.

Ainda, em relação às características individuais das amostras, observou-se que o sêmen de alguns indivíduos conservou suas características de concentração e motilidade melhor que o de outros, nos três momentos de análise, ou no sêmen res-friado, ou no congelado. Estes resultados concordam com os de Thurston et al.15, que verificaram que, independentemente da qualidade antes do congelamento, o sêmen de certos indivíduos vai congelar consistentemente mal, resultando em motilidade reduzida, ruptura da membrana acrossômica e plasmática e, conseqüentemente, capacidade fertilizante reduzida. Segundo os autores, isso indicaria variação nas propriedades de membrana de possível origem genética. Al-Inany et al.16 estudaram o potencial de fertilização de doadores de sêmen individualmente, comparando ejaculados de qualidade ótima e subótima. O índice de fecundação médio dos doadores foi 10,5%, sendo que as amostras ótimas e subótimas proporcionaram resultados similares. Conforme os autores, potenciais doadores não deveriam ser excluídos de programas de inseminação artificial em função de resultados subótimos da análise do sêmen.

Estes achados sugerem que testes de preservação de sêmen em baixas temperaturas (congelamento/descongelamento/análise) sejam utilizados para seleção de doadores, já que, conforme também observado no presente estudo, o fato de o sêmen fresco apresentar boa qualidade não significa necessariamente que essa se mantenha após a preservação em baixas temperaturas.

Em conclusão, visto não haver diferenças significativas entre as características do sêmen submetido ao resfriamento e ao congelamento por 24 horas, e visto ser a técnica de resfriamento mais simples e menos dispendiosa, sugere-se a utilização do sêmen resfriado em procedimentos realizados a curto prazo. Quando da utilização de amostras congeladas, recomenda-se que esta se dê o mais rapidamente possível após a capacitação para evitar a redução da qualidade do sêmen.

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Recebido em: 26/6/2003

Aceito com modificações em: 10/11/2003

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  • Endereço para correspondência
    Ana Luiza Gelpi Mattos
    Universidade Luterana do Brasil – ULBRA/Curso de Medicina
    Rua Miguel Tostes 101
    90670-030 - Canoas - RS
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Abr 2004
    • Data do Fascículo
      Dez 2003

    Histórico

    • Recebido
      26 Jun 2003
    • Aceito
      10 Nov 2003
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