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Resultado perinatal de fetos com malformações do trato urinário

Perinatal outcome of fetuses with congenital uropathies

Resumos

OBJETIVO: analisar a evolução perinatal de fetos portadores de malformações do trato urinário. MÉTODOS: estudo retrospectivo envolvendo 35 fetos portadores de malformações do trato urinário. As malformações foram classificadas de acordo com as seguintes características: tipo de uropatia e acometimento. As uropatias estudadas foram: hidronefrose, classificada em alta e baixa, displasia e agenesia renal; quanto à lateralidade da malformação, foi considerado o acometimento uni e bilateral. O resultado perinatal foi confrontado com as características citadas. A análise estatística foi realizada usando-se o teste do c² e teste exato de Fisher, sendo adotado 5% como limite de significância (p<0,05). RESULTADOS: a incidência de hidronefrose foi de 68,6% e o acometimento foi bilateral em metade destes fetos. Displasia renal ocorreu em 17,1% e, em 83,3% destes, foi bilateral. A incidência de agenesia renal foi de 14,3%, sendo sempre bilateral. No grupo displasia/agenesia observou-se 91% de oligoâmnio, prematuridade, baixo peso ao nascimento e de óbito. Nos casos de uropatia bilateral foi significativa a ocorrência de oligoâmnio, prematuridade, baixo peso, óbito, infecção do trato urinário e permanência hospitalar por mais de sete dias. Entre os fetos com obstrução baixa, a permanência hospitalar por mais de sete dias foi significativa. CONCLUSÕES: neste estudo, foram mais freqüentes o acometimento bilateral e a hidronefrose e, dentre elas, as obstruções baixas; o grupo displasia/agenesia apresentou pior prognóstico quando comparado ao grupo hidronefrose; o acometimento renal bilateral determinou pior prognóstico em relação àqueles com acometimento unilateral; a obstrução baixa do trato urinário determinou maior tempo de internação em relação às obstruções altas.

Malformações fetais e prematuridade; Ultra-sonografia; Resultado perinatal


PURPOSE: to evaluate the perinatal outcome of fetuses with congenital anomalies of the urinary tract. METHODS: we reviewed the perinatal outcome of 35 fetuses with congenital anomalies of the urinary tract. The following characteristics related to the uropathy were analyzed: type (hydronephrosis, dysplasia and renal agenesis), side of lesion (bilateral or unilateral), and level of the obstruction (high or low, in hydronephrosis). The perinatal outcome was evaluated according to these characteristics. The data were analyzed by the c² test and by the exact Fisher test. The level of significance was 0.05. RESULTS: the incidence of hydronephrosis was 68.6%. Half of the fetuses had unilateral hydronephrosis. Renal dysplasia occurred in 17.1% of the cases; 83.3% of these were bilateral and 16.7%, unilateral. The incidence of renal agenesis was 14.3%, all bilateral. The fetuses with dysplasia/agenesis had a 91% incidence of oligohydramnios, preterm birth, low birth weight, and death. In the group with bilateral disease the presence of oligohydramnios, preterm birth, low birth weight, death, urinary tract infections, and the need of hospitalization for a period greater than 7 days was significant when compared to the group with unilateral disease. The need of hospitalization for a period greater than 7 days in patients with low obstruction was significantly higher when compared to the patients with high obstruction. CONCLUSIONS: hydronephrosis, bilateral disease, and lower obstruction were the most frequent uropathies. The dysplasia/agenesis group had a worse prognosis when compared with the hydronephrosis group. Bilateral disease had a worse prognosis when compared with the unilateral disease group. In the low obstruction group, the need for a period of hospitalization greater than seven days was higher than in the high obstruction group.

Fetal malformations; Uropathies; Ultrasound; Perinatal outcome


TRABALHOS ORIGINAIS

Resultado perinatal de fetos com malformações do trato urinário

Perinatal outcome of fetuses with congenital uropathies

Maria Letícia Sperandéo de Macedo; Marcos Consonni; Vera Therezinha M Borges; Iracema de Mattos Paranhos Calderon; Marilza Vieira Cunha Rudge

Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP - Departamento de Ginecologia e Obstetrícia, Disciplina de Obstetrícia

Endereço para correspondência E ndereço para correspondência Maria Letícia S. de Macedo Rua Magnólia, 60 – Vila dos Médicos 18603-640 – Botucatu - SP

RESUMO

OBJETIVO: analisar a evolução perinatal de fetos portadores de malformações do trato urinário.

MÉTODOS: estudo retrospectivo envolvendo 35 fetos portadores de malformações do trato urinário. As malformações foram classificadas de acordo com as seguintes características: tipo de uropatia e acometimento. As uropatias estudadas foram: hidronefrose, classificada em alta e baixa, displasia e agenesia renal; quanto à lateralidade da malformação, foi considerado o acometimento uni e bilateral. O resultado perinatal foi confrontado com as características citadas. A análise estatística foi realizada usando-se o teste do c2 e teste exato de Fisher, sendo adotado 5% como limite de significância (p<0,05).

RESULTADOS: a incidência de hidronefrose foi de 68,6% e o acometimento foi bilateral em metade destes fetos. Displasia renal ocorreu em 17,1% e, em 83,3% destes, foi bilateral. A incidência de agenesia renal foi de 14,3%, sendo sempre bilateral. No grupo displasia/agenesia observou-se 91% de oligoâmnio, prematuridade, baixo peso ao nascimento e de óbito. Nos casos de uropatia bilateral foi significativa a ocorrência de oligoâmnio, prematuridade, baixo peso, óbito, infecção do trato urinário e permanência hospitalar por mais de sete dias. Entre os fetos com obstrução baixa, a permanência hospitalar por mais de sete dias foi significativa.

CONCLUSÕES: neste estudo, foram mais freqüentes o acometimento bilateral e a hidronefrose e, dentre elas, as obstruções baixas; o grupo displasia/agenesia apresentou pior prognóstico quando comparado ao grupo hidronefrose; o acometimento renal bilateral determinou pior prognóstico em relação àqueles com acometimento unilateral; a obstrução baixa do trato urinário determinou maior tempo de internação em relação às obstruções altas.

Palavras-chave: Malformações fetais e prematuridade. Ultra-sonografia. Resultado perinatal.

ABSTRACT

PURPOSE: to evaluate the perinatal outcome of fetuses with congenital anomalies of the urinary tract.

METHODS: we reviewed the perinatal outcome of 35 fetuses with congenital anomalies of the urinary tract. The following characteristics related to the uropathy were analyzed: type (hydronephrosis, dysplasia and renal agenesis), side of lesion (bilateral or unilateral), and level of the obstruction (high or low, in hydronephrosis). The perinatal outcome was evaluated according to these characteristics. The data were analyzed by the c2 test and by the exact Fisher test. The level of significance was 0.05.

RESULTS: the incidence of hydronephrosis was 68.6%. Half of the fetuses had unilateral hydronephrosis. Renal dysplasia occurred in 17.1% of the cases; 83.3% of these were bilateral and 16.7%, unilateral. The incidence of renal agenesis was 14.3%, all bilateral. The fetuses with dysplasia/agenesis had a 91% incidence of oligohydramnios, preterm birth, low birth weight, and death. In the group with bilateral disease the presence of oligohydramnios, preterm birth, low birth weight, death, urinary tract infections, and the need of hospitalization for a period greater than 7 days was significant when compared to the group with unilateral disease. The need of hospitalization for a period greater than 7 days in patients with low obstruction was significantly higher when compared to the patients with high obstruction.

CONCLUSIONS: hydronephrosis, bilateral disease, and lower obstruction were the most frequent uropathies. The dysplasia/agenesis group had a worse prognosis when compared with the hydronephrosis group. Bilateral disease had a worse prognosis when compared with the unilateral disease group. In the low obstruction group, the need for a period of hospitalization greater than seven days was higher than in the high obstruction group.

Keywords: Fetal malformations. Uropathies. Ultrasound. Perinatal outcome.

Introdução

As anomalias congênitas do trato urinário são responsáveis por grande parte das alterações que levam à insuficiência crônica e falência renais na infância1-3. Nas últimas duas décadas, com o desenvolvimento da ultra-sonografia obstétrica e de estudos experimentais que elucidaram os achados ultra-sonográficos, não só o momento do diagnóstico foi antecipado, como também a história natural destas condições pôde ser melhor compreendida4.

A avaliação prospectiva de fetos com malformações do trato urinário demonstrou que os principais fatores relacionados ao prognóstico foram: a lateralidade do acometimento (uni ou bilateral), a ocorrência de oligoâmnio, sendo que a condição precipitante do óbito neonatal foi a hipoplasia pulmonar2,5,6.

Além do acometimento bilateral e do oligoâmnio, a presença de displasia ou agenesia renal, assim como a presença de malformações extra-renais, são sinalizadores de pior prognóstico7. Malformações de outros órgãos ou sistemas estão presentes em 35% dos casos de displasia renal bilateral e em metade daqueles com agenesia renal bilateral, além das deformidades de face e membros (síndrome de Potter), que acompanham o quadro de oligoâmnio acentuado8. Quando o acometimento é bilateral, por agenesia ou displasia multicística renal, ou por associação destas alterações, o prognóstico é sempre letal e seu reconhecimento antecipado adquire importância pela possibilidade e benefícios da interrupção precoce da gestação8-10.

A alteração fetal mais freqüentemente detectada no diagnóstico pré-natal é a hidronefrose11,12. Ocorre em 1% das gestações12-14, sendo descrita como dilatações do sistema coletor na altura da pelve renal, maiores que 10 mm no diâmetro ântero-posterior, detectadas após a 20a semana de gestação11. No entanto, em grande parte das vezes não existem alterações urológicas significativas, representando quadro transitório, de resolução espontânea. Estima-se que somente 1:500 hidronefroses detectadas no pré-natal estejam associadas a alterações urológicas significativas, as quais geralmente decorrem de obstrução do trato urinário e podem ser caracterizadas de acordo com a altura da obstrução11-14. As uropatias obstrutivas altas, como estenoses das junções uretero-pélvica (JUP) e uretero-vesical (JUV), representam aproximadamente 60% das uropatias diagnosticadas durante o pré-natal e, na maior parte das vezes, requerem apenas acompanhamento clínico e laboratorial14,15. Em cerca de 20% dos casos há necessidade de correção cirúrgica pós-natal para alívio da obstrução e preservação da função renal. O prognóstico está relacionado ao grau de obstrução e à lateralidade do acometimento14.

Fetos portadores de estenose de JUP unilateral apresentam boa evolução neonatal16. O defeito é bilateral em 21 a 36% dos casos e o prognóstico está relacionado com o grau de obstrução, volume de líquido amniótico e função renal16.

A estenose de JUV ocorre em aproximadamente 10% das hidronefroses fetais14. Esta malformação é bilateral em 25% das vezes e em 16% estão presentes outras alterações como estenose de junção uretero-pélvica, rins multicísticos displásicos, rim pélvico, agenesia renal e refluxo vésico-ureteral14. A resolução espontânea ocorre após o nascimento em 40% dos casos e a necessidade de intervenção cirúrgica está relacionada ao grau de dilatação ureteral14. É importante ressaltar que o diagnóstico diferencial de estenose de JUV e refluxo vésico-ureteral isolado só poderá ser feito no período neonatal.

As obstruções urinárias baixas representam, dentre as condições não letais, as uropatias mais graves diagnosticadas na vida intrauterina17. Respondem por 10% destas uropatias, sendo que em 50% dos casos ocorre oligoâmnio e hipoplasia pulmonar, sem chance de sobrevida6,15. Do restante, 30% desenvolve insuficiência renal entre 10 e 15 anos de vida12,17.

A válvula de uretra posterior (VUP) é a causa mais comum de obstrução baixa. Além de distensão da bexiga e da uretra proximal, ocorre dilatação ureteral e/ou piélica em 40% dos fetos acometidos18. Em 10 a 20% dos fetos com válvula de uretra, a distensão vesical pode regredir, seja por ruptura do aparelho urinário ou formação de pseudocisto paranéfrico. Portanto, a ausência de dilatações do sistema coletor não exclui a ocorrência da obstrução. A detecção de cistos corticais renais e o aumento da ecogenicidade do parênquima renal associados à obstrução distal são indicativos de displasia18,19.

Nos casos de VUP, o acometimento é sempre bilateral. Apesar de nem sempre ser simétrico, há algum grau de comprometimento de ambos os ureteres e pelves, assim como alterações do parênquima renal. Em 20 a 25% das vezes existem outras anomalias gênito-urinárias associadas e ainda podem ser observados defeitos cromossômicos ou alterações de outros órgãos e sistemas18. O prognóstico também está relacionado à quantidade de líquido amniótico. Quando seu volume encontra-se muito reduzido, pode ocorrer o óbito neonatal precoce, conseqüente a hipoplasia pulmonar, ou tardio, por insuficiência renal19.

O reconhecimento dos efeitos devastadores da VUP sobre o desenvolvimento fetal determinou, no início dos anos oitenta, o aparecimento de técnicas de derivações intra-uterinas com o propósito de aliviar a obstrução e restabelecer o volume de líquido amniótico20. No entanto, nem sempre os resultados são favoráveis, sendo os maiores desafios o diagnóstico precoce e a aplicação de parâmetros seguros de avaliação da função renal do feto20,21.

São poucos os relatos na literatura relacionando a evolução neonatal das uropatias e os achados do ultra-som obstétrico morfológico. A maior parte dos estudos analisa as repercussões da uropatia a partir dos primeiros sinais clínicos na infância4. O diagnóstico pré-natal permitiu elucidar muito do curso natural destas anomalias. Contudo, é necessário compreender melhor o impacto de alterações vistas no ultra-som obstétrico, correlacionando-as com aspectos evolutivos de interesse clínico, o que abre a possibilidade de novas diretrizes na abordagem destas doenças.

Diante destas considerações, o objetivo geral deste trabalho foi analisar a evolução perinatal de fetos portadores de malformações do trato urinário e determinar a distribuição e ocorrência de uropatias fetais entre as gestações acompanhadas no ambulatório de Medicina Fetal da Faculdade de Medicina de Botucatu-UNESP.

Pacientes e Métodos

Trata-se de estudo retrospectivo, do tipo descritivo, desenvolvido no período de janeiro de 1995 a setembro de 2002, no ambulatório de Medicina Fetal da Faculdade de Medicina de Botucatu-UNESP. Foram avaliados fetos com diagnóstico pré-natal de malformações do trato urinário, cujas mães foram acompanhadas no referido ambulatório.

As variáveis analisadas foram o tipo de uropatia e a lateralidade da malformação, definidas pelos achados do ultra-som obstétrico e pelos resultados de exames físico, laboratoriais e anatomopatológico realizados no período neonatal. Quanto ao tipo de uropatia, foram consideradas: hidronefrose, definida pela medida do maior diâmetro ântero-posterior de pelve renal acima de 10 mm, após a 20a semana de gestação1, sendo a lesão obstrutiva considerada alta - na obstrução observada no nível da JUP ou JUV - ou baixa – nas obstruções da uretra proximal; displasia renal - quando observado desarranjo do parênquima renal com formação de cistos de vários tamanhos que não se comunicam entre si18 e agenesia renal – quando da ausência dos rins18. Quanto à lateralidade da malformação foi considerado o acometimento unilateral, com apenas um dos rins comprometido, e bilateral, quando ambos os rins apresentaram alteração. Para expressar o resultado perinatal foram propostas as seguintes variáveis dependentes: volume de líquido amniótico, quantificado pelo índice de líquido amniótico para caracterizar o oligoâmnio e o polidrâmnio; idade gestacional ao nascimento, considerado-se prematuridade idade gestacional inferior a 37 semanas completas, conforme estimada pelo ultra-som obstétrico; tipo de parto - vaginal e cesárea; baixo peso ao nascer, quando menor que 2.500 g; vitalidade ao nascer, avaliada pelo índice de Apgar de 1º e 5º minuto, considerados alterados índices menores que 7; ocorrência de óbito, sendo considerados os óbitos fetal e neonatal precoce; avaliação da função renal neonatal, definida como alterada com valores de uréia plasmática maiores que 12 mg/dL e de creatinina maiores que 1,0 mg/dL para recém-nascidos a termo com 1-4 dias de vida e uréia maior que 25 mg/dL e creatinina maior que 1,37 mg/dL para recém-nascidos prematuros até 10 dias de vida; infecção do trato urinário durante o período neonatal, confirmada em cultura de urina obtida por punção suprapúbica ou presença de mais de 100.000 colônias em urina obtida do saco coletor; necessidade de correção cirúrgica – considerando-se correções até o primeiro ano de vida; tempo de internação – considerando-se períodos menores ou iguais e maiores que sete dias.

Na análise estatística, as freqüências foram comparadas pelos testes do c2 e exato de Fisher, adotando-se 5% como limite de significância (p<0,05). Foi utilizado o programa Epi-Info, versão 6,04b (1996). Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Botucatu-UNESP.

Resultados

Foram incluídos no estudo 35 fetos com diag-nóstico de malformações do trato urinário. Vinte e quatro fetos (68%) apresentaram hidronefrose e, em metade deles o acometimento foi unilateral e em outra metade, bilateral. Seis (17%) apresentaram displasia, dentre eles, um (3%) teve acometimento unilateral e cinco (14%) bilateral. Cinco fetos (14%) apresentaram agenesia renal bilateral (Figura 1).


O estudo da relação entre o tipo de uropatia e o resultado perinatal está expresso na Tabela 1. Os fetos com displasia e agenesia renal foram analisados em conjunto. Nesta tabela, algumas variáveis perinatais não foram consideradas devido à grande incidência de óbito nos casos de displasia e agenesia renal (91%), resultado que mostrou significância estatística. As incidências de oligoâmnio, prematuridade e baixo peso também foram maiores neste grupo. Apesar de a cesárea ter sido mais freqüente nos fetos com hidronefrose, esta diferença não foi significativa.

A análise da relação entre a lateralidade do acometimento e o resultado perinatal está expressa na Tabela 2. O grupo com acometimento bilateral apresentou maior ocorrência de oligoâmnio, prematuridade, baixo peso, óbito, infecção do trato urinário e período de internação maior que sete dias. Estas diferenças foram significativas. As demais variáveis foram mais freqüentes no grupo com acometimento bilateral, sem demonstrar significância estatística.

Dos fetos que apresentaram hidronefrose, em 54% observou-se obstrução baixa. A análise da relação entre altura da obstrução e o resultado perinatal está apresentado na Tabela 3. Para todas as variáveis estudadas, o grau de comprometimento foi maior no grupo de fetos com obstrução baixa do trato urinário e somente neste grupo observou-se óbito perinatal. Entre os fetos sobreviventes portadores de obstrução baixa, 80% permaneceram internados por mais de sete dias, contra 25% dos portadores de obstrução alta. Apenas para esta variável confirmou-se significância estatística.

Discussão

A possibilidade de obter informações precisas na ultra-sonografia obstétrica quanto à morfologia do trato urinário condicionou a escolha das variáveis independentes. Na totalidade dos casos houve concordância dos achados do ultra-som obstétrico com os exames neonatais, quanto às características da uropatia14-16,22.

As variáveis dependentes foram escolhidas para analisar as condições perinatais. O oligoâmnio representa importante marcador prognóstico2,8,20,23. As ocorrências de prematuridade, baixo peso, infecções urinárias, déficit de função renal e necessidade de correção cirúrgica no período neonatal interferem na conduta neonatal, pela necessidade de cuidados específicos, e prorrogam o momento da alta13,14,17. O maior tempo de permanência hospitalar também está relacionado à ocorrência de complicações clínicas e à realização de exames laboratoriais, interferindo no contato com os pais e aumentando o risco de infecções.

As malformações do trato urinário representam 16% das malformações fetais diagnosticadas no setor de Medicina Fetal da Faculdade de Medicina de Botucatu-UNESP. Os 35 casos deste estudo constituem amostra similar àquelas encontradas na literatura17,19 e correspondem a todos os casos de malformações do trato urinário diagnosticados e acompanhados no setor no período considerado.

A incidência de uropatias foi maior no sexo masculino (67%). Anomalias de outros órgãos e sistemas estiveram presentes em oito casos (23%), sendo encontradas alterações de órgãos genitais e face (50%), do trato gastrointestinal (37%), do sistema nervoso central (25%) e malformações múltiplas (37%). O cariótipo fetal foi realizado em nove casos, todos com resultado normal.

Dos fetos com hidronefrose, metade apresentou acometimento bilateral. Este achado contrasta com achados de outros autores. No estudo de Paduano et al.24 observou-se 13% de hidronefrose bilateral e no de Corteville et al.25, 33%. É possível que a maior ocorrência de defeito bilateral seja decorrente do encaminhamento para centro de referência de casos de maior gravidade e mais evidentes à ultra-sonografia obstétrica.

Oligoâmnio e óbito fetal ou neonatal precoce ocorreram em todos os fetos com agenesia e displasia renal bilateral. O óbito de todos os casos está de acordo com a literatura9,10,21. Houve opção pela interrupção da gestação em três desses casos. Esse fato explica em parte a maior incidência de prematuridade e baixo peso no grupo displasia/agenesia, além da ocorrência natural de óbito fetal. A maioria dos óbitos se deu nas primeiras horas de vida, à exceção de um caso com hidronefrose bilateral e válvula de uretra posterior, que ocorreu aos 15 dias. Os três óbitos no grupo hidronefrose foram observados em fetos com esta forma da doença8.

Os parâmetros de função renal no período neonatal não mostraram diferenças entre os grupos. O oligoâmnio é marcador ultra-sonográfico indireto do déficit de função renal, além de estar relacionado ao óbito neonatal por hipoplasia pulmonar2,8,20,23. A ocorrência de óbito excluiu os casos de maior gravidade da avaliação neonatal da função renal. O oligoâmnio esteve presente de forma significativa nos grupos displasia/agenesia e acometimento bilateral e em quase metade dos casos com obstrução baixa.

As incidências de prematuridade e baixo peso ao nascer foram significativas no grupo com acometimento bilateral. Estas duas variáveis estão correlacionadas, já que muitas vezes o baixo peso é decorrente da prematuridade. A elevada incidência de fetos com agenesia/displasia e acometimento bilateral explica este achado. Em mais da metade (55%) dos recém-nascidos com obstrução baixa observou-se prematuridade. Esta incidência foi de 48% no estudo de Oliveira et al.17. Este fato pode agravar as condições neonatais, interferindo no tempo de permanência hospitalar.

Não foi observada diferença significativa entre o parto vaginal e a cesárea nos grupos estudados, mas o parto vaginal foi mais freqüente no grupo displasia/agenesia. Este resultado é esperado pela letalidade destas doenças. As três cesáreas ocorridas neste grupo foram por indicação materna. O elevado índice de cesárea no grupo obstrução baixa (73%) é explicado pela gravidade das condições intra-uterinas e perspectiva de tratamento neonatal imediato12, o que também aumenta a incidência de prematuridade.

Apesar da instituição precoce da antibioticoterapia profilática13, a ocorrência de infecção urinária foi significativa no grupo com acometimento bilateral. Parece ser este um fator predisponente para infecção, mais importante que o próprio nível da obstrução. Contudo, deve-se salientar que este resultado pode estar influenciado pela prematuridade.

O tempo de permanência hospitalar foi maior nos grupos com acometimento bilateral e obstrução baixa. Esta variável é influenciada por prematuridade, infecção urinária e correção cirúrgica, além da necessidade de realização de exames diagnósticos complementares16, demonstrando a gravidade das condições neonatais nestes dois grupos.

O resultado perinatal nas uropatias fetais está diretamente relacionado ao grau de acometimento anatômico e funcional dos rins. Portanto, a associação de mau prognóstico com agenesia, lesões displásicas, obstruções baixas e bilateralidade do acometimento renal é esperada. O diagnóstico pré-natal das malformações do trato urinário pode influenciar favoravelmente no prognóstico perinatal pela oportunidade de investigação diagnóstica, tratamento precoce e seguimento especializado.

Agradecimentos

Agradecemos aos professores Lídia Raquel de Carvalho e Wilson Roberto de Jesus, pela analise estatística.

Recebido em: 10/10/2003

Aceito com modificações em: 11/11/2003

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  • E
    ndereço para correspondência
    Maria Letícia S. de Macedo
    Rua Magnólia, 60 – Vila dos Médicos
    18603-640 – Botucatu - SP
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Abr 2004
    • Data do Fascículo
      Dez 2003

    Histórico

    • Aceito
      11 Nov 2003
    • Recebido
      10 Out 2003
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