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Valores dos parâmetros da dopplerfluxometria do ducto venoso entre a 10ª e a 14ª semana de gestações normais

Values for ductus venosus doppler flow measurements between the 10th and the 14th week of normal pregnancy

Resumos

OBJETIVO: analisar os valores dos parâmetros dopplerfluxométricos do ducto venoso, entre a 10ª e a 14ª semana de gestação, durante as diferentes fases do ciclo cardíaco: sístole ventricular (onda S), diástole ventricular (onda D), contração atrial (onda a) e dos índices ângulo-independentes. MÉTODOS: foi desenvolvido estudo prospectivo e transversal que examinou 276 gestações únicas. Foram excluídas as gestações múltiplas, malformações fetais, fetos com translucência nucal aumentada e gestantes com doenças associadas. O equipamento utilizado foi Toshiba, modelo SSH-140 A. A análise espectral foi obtida de acordo com os procedimentos padronizados: ângulo de insonação menor que 30° e uso de filtro de 50-70 Hz. O ducto venoso foi identificado em corte sagital e ventral do abdome superior fetal com o Doppler colorido. A amostra de volume (1-2 mm³) foi adquirida imediatamente na origem do ducto venoso. Pelo menos três ondas nítidas e consecutivas foram necessárias para aferição dos parâmetros. Para o estudo estatístico foi realizado o teste de Levene e o método de Bonferroni. RESULTADOS: foi observado aumento na velocidade S de 29 cm/s para 37 cm/s (p=0,013) entre a 10ª e a 14ª semana de gestação. Similarmente, houve aumento na velocidade D (de 25 cm/s para 32 cm/s, p=0,026). A onda a, o índice de pulsatilidade e a relação S/a apresentaram valores constantes no período estudado. CONCLUSÃO: os valores estabelecidos por este estudo podem servir para acompanhamento dopplerfluxométrico de gestações normais. Futuros estudos são necessários para determinar a validade destes parâmetros na população normal e, em particular, para fetos de risco.

Dopplerfluxometria; Ducto venoso; Gravidez normal


PURPOSE: to analyze the values of Doppler ultrasound for blood flow velocity in the ductus venosus between the 10th and the 14th week of gestation, during the different phases of the cardiac cycle: ventricular systole (wave S), ventricular diastole (wave D), atrial systole (wave a), and angle-independent indexes. METHODS: Doppler was used in this prospective cross-sectional study to examine 276 single pregnancies. Fetus malformations, abnormal nuchal translucency, and women with clinical pathologies were excluded. A Toshiba SSH-140 ultrasound equipment was used. The derivation of Doppler frequency spectra was carried out according to standardized measurement procedures: less than 30ºinsonation angle and 50-70 Hz high-pass filter. The ductus venosus was identified in a median sagittal and ventral plane with the presence of color aliasing due to increase in blood flow velocity. The sample volume (1-2 mm³) was placed immediately at the origin of the ductus venosus. At least three clearly and subsequent waves were available for measurement of standard values. The Levene test and the Bonferroni method were used for statistical analysis. RESULTS: increase in blood flow velocity from 29 cm/s to 37 cm/s (p=0.013) was observed during ventricular systole between the 10th and the 14th week of gestation. Similarly, increase in blood flow velocity was recorded during the ventricular diastole (from 25 cm/s to 32 cm/s, p=0.026). There were no changes in wave a, pulsatility index, and S/a ratio in this period. CONCLUSION: the reference ranges established by this study may serve as the basis for Doppler ultrasound follow-up in a normal patient population. Further studies are required to determine the validity of these parameters and, in particular, for the fetus at risk.

Doppler velocimetry; Ductus venosus; Normal pregnancy


TRABALHOS ORIGINAIS

Valores dos parâmetros da dopplerfluxometria do ducto venoso entre a 10ª e a 14ª semana de gestações normais

Values for ductus venosus doppler flow measurements between the 10th and the 14th week of normal pregnancy

Francisco Herlânio Costa Carvalho; Antonio Fernandes Moron; Rosiane Mattar; Carlos Geraldo Viana Murta; Renato Martins Santana; Flávio Augusto Prado Vasques; Luiz Kulay Junior

Departamento de Obstetrícia da UNIFESP- Escola Paulista de Medicina - Disciplina de Medicina Fetal

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Francisco Herlânio Costa Carvalho Rua Osvaldo Cruz, 2582, apto. 202 - Dionísio Torres 60125-151 - Fortaleza - CE e-mail: herlaniocosta@uol.com.br

RESUMO

OBJETIVO: analisar os valores dos parâmetros dopplerfluxométricos do ducto venoso, entre a 10ª e a 14ª semana de gestação, durante as diferentes fases do ciclo cardíaco: sístole ventricular (onda S), diástole ventricular (onda D), contração atrial (onda a) e dos índices ângulo-independentes.

MÉTODOS: foi desenvolvido estudo prospectivo e transversal que examinou 276 gestações únicas. Foram excluídas as gestações múltiplas, malformações fetais, fetos com translucência nucal aumentada e gestantes com doenças associadas. O equipamento utilizado foi Toshiba, modelo SSH-140 A. A análise espectral foi obtida de acordo com os procedimentos padronizados: ângulo de insonação menor que 30° e uso de filtro de 50-70 Hz. O ducto venoso foi identificado em corte sagital e ventral do abdome superior fetal com o Doppler colorido. A amostra de volume (1-2 mm3) foi adquirida imediatamente na origem do ducto venoso. Pelo menos três ondas nítidas e consecutivas foram necessárias para aferição dos parâmetros. Para o estudo estatístico foi realizado o teste de Levene e o método de Bonferroni.

RESULTADOS: foi observado aumento na velocidade S de 29 cm/s para 37 cm/s (p=0,013) entre a 10ª e a 14ª semana de gestação. Similarmente, houve aumento na velocidade D (de 25 cm/s para 32 cm/s, p=0,026). A onda a, o índice de pulsatilidade e a relação S/a apresentaram valores constantes no período estudado.

CONCLUSÃO: os valores estabelecidos por este estudo podem servir para acompanhamento dopplerfluxométrico de gestações normais. Futuros estudos são necessários para determinar a validade destes parâmetros na população normal e, em particular, para fetos de risco.

Palavras-Chave: Dopplerfluxometria. Ducto venoso. Gravidez normal.

ABSTRACT

PURPOSE: to analyze the values of Doppler ultrasound for blood flow velocity in the ductus venosus between the 10th and the 14th week of gestation, during the different phases of the cardiac cycle: ventricular systole (wave S), ventricular diastole (wave D), atrial systole (wave a), and angle-independent indexes.

METHODS: Doppler was used in this prospective cross-sectional study to examine 276 single pregnancies. Fetus malformations, abnormal nuchal translucency, and women with clinical pathologies were excluded. A Toshiba SSH-140 ultrasound equipment was used. The derivation of Doppler frequency spectra was carried out according to standardized measurement procedures: less than 30oinsonation angle and 50-70 Hz high-pass filter. The ductus venosus was identified in a median sagittal and ventral plane with the presence of color aliasing due to increase in blood flow velocity. The sample volume (1-2 mm3) was placed immediately at the origin of the ductus venosus. At least three clearly and subsequent waves were available for measurement of standard values. The Levene test and the Bonferroni method were used for statistical analysis.

RESULTS: increase in blood flow velocity from 29 cm/s to 37 cm/s (p=0.013) was observed during ventricular systole between the 10th and the 14th week of gestation. Similarly, increase in blood flow velocity was recorded during the ventricular diastole (from 25 cm/s to 32 cm/s, p=0.026). There were no changes in wave a, pulsatility index, and S/a ratio in this period.

CONCLUSION: the reference ranges established by this study may serve as the basis for Doppler ultrasound follow-up in a normal patient population. Further studies are required to determine the validity of these parameters and, in particular, for the fetus at risk.

Keywords: Doppler velocimetry. Ductus venosus. Normal pregnancy.

Introdução

É aceito que a velocidade sanguínea no ducto venoso (DV) pode refletir alterações na hemodinâmica venosa central ou no retorno venoso umbilical. Existe estreita correlação entre a velocidade e a pressão no fluxo sangüíneo1. Como o DV é uma comunicação direta entre a veia umbilical e o sistema venoso central, sua velocidade sanguínea reflete o gradiente de pressão entre os dois sistemas venosos1,2. A avaliação da mecânica do fluxo neste vaso apresenta, portanto, informações vitais sobre a distribuição do sangue umbilical oxigenado no feto e pode oferecer novas possibilidades de aplicação como método diagnóstico na compreensão da hemodinâmica fetal.

Fetos com restrição ao crescimento apresentam fluxo sanguíneo venoso umbilical diminuído e volume de sangue reduzido a ser distribuído no fígado e DV1. Durante hipoxemia, a proporção de sangue umbilical direcionado ao DV aumenta e mantém um fluxo preferencial através do forame oval2,3.

Outra possível causa de modificação na velocidade de fluxo no DV é falência cardíaca devido a malformações estruturais ou alterações funcionais associadas à insuficiência cardíaca congestiva. Elevação na pressão venosa central demanda aumento na pressão arterial e conseqüentemente requer incremento na velocidade sanguínea através do DV, que pode ser observado já no final do primeiro e início do segundo trimestres da gestação4-6.

Proposição mais recente correlaciona alteração na dopplerfluxometria venosa no final do primeiro trimestre à presença de anomalias cromossômicas6-9. Este fato pode ser explicado pelo conhecimento de que placentas com alterações cromossômicas apresentam defeitos na angiogênese e que fetos portadores de trissomias apresentam cardiopatias estruturais em cerca de 50-90% dos casos10.

Para a compreensão e definição dos aspectos funcionais do DV é importante o conhecimento de seus valores de normalidade. O objetivo do presente estudo foi avaliar preliminarmente os valores dos parâmetros dopplervelocimétricos do DV, no período entre a 10ª e a 14ª semana em gestações normais.

Pacientes e Métodos

O estudo foi realizado de maneira prospectiva. Todas as pacientes eram provenientes de clínica privada que se apresentavam para exame ultra-sonográfico de rotina para medida da translucência nucal (TN). O caráter do estudo foi explicado verbalmente a todas as pacientes em entrevista inicial a fim de que pudessem expressar, por escrito, seu consentimento para a realização do exame. O protocolo de estudo foi aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa da Escola Paulista de Medicina – UNIFESP. Os exames foram realizados entre setembro de 1998 e julho de 2000.

A idade gestacional foi calculada por meio da medida do comprimento cabeça-nádega. Foram incluídas as pacientes entre a 10ª e a 14ª semana de gravidez.

Um único exame foi realizado em cada paciente, caracterizando a natureza transversal da pesquisa. Para tentar assegurar uma amostragem de casos normais foram excluídas do estudo as gestações múltiplas, casos de malformações fetais detectadas durante o exame, fetos com medida da TN maior que 3 mm e pacientes com doenças associadas, como diabete melito, hipertensão arterial crônica, cardiopatias, nefropatias ou relato do uso de teratógenos ou substâncias abortivas.

O seguimento durante a gestação foi realizado por ultra-sonografias seriadas e por contato pessoal e telefônico com a paciente. Durante o seguimento foram excluídos os casos nas quais ocorreu óbito do produto conceptual, restrição ao crescimento fetal, aparecimento de malformações em exame ultra-sonográfico de rotina ou perda do contato com a paciente. Foram excluídos, ainda, os casos nos quais o parto ocorreu antes da 36ª semana completa ou com recém-nascidos apresentando peso inferior a 2.500 g. Os resultados da gestação foram obtidos por contato telefônico com as gestantes ou com os obstetras dirigido à verificação segura da ausência de malformações ou fenótipo anormal que pudessem sugerir alguma síndrome gênica.

Os exames foram realizados utilizando equipamento marca Toshiba, modelo SSH-140 A, com transdutores de 6.0 e 3.5 MHz, com capacidade para realização de estudo dopplervelocimétrico colorido e pulsátil. O ângulo de insonação foi sempre menor que 30 graus. Utilizamos filtro de 50 a 70 Hz para minimizar as chances de erros causados pelo movimento das paredes vasculares. A potência máxima utilizada respeitou os limites de segurança estabelecido pela FDA (Food and Drug Administration) para uso em obstetrícia, que é de 94 mW/cm².

O DV foi identificado com Doppler colorido no fígado fetal, aproximadamente entre o lobo direito e o esquerdo, em um plano sagital e ventral. O volume amostral do Doppler pulsátil foi posicionado na região ístmica, imediatamente acima da veia umbilical, local onde o fluxo torna-se mais brilhante e com tonalidade mais clara. O tamanho da amostra de volume foi ajustado de acordo com o tamanho do vaso para evitar interferência com os vasos adjacentes, mantendo-se entre 1 e 2 mm3. Pelo menos três ondas nítidas e consecutivas foram avaliadas para estabelecer os valores padrões.

Os seguintes parâmetros, concernentes ao DV, foram avaliados: pico da velocidade durante sístole ventricular (onda S), pico da velocidade durante diástole ventricular (onda D), velocidade durante contração atrial (onda a), índice de pulsatilidade e (IP) relação S/a.

Foram calculados a mediana e os intervalos de confiança de cada parâmetro em cada grupo de idade gestacional estudado. Utilizamos o teste de Levene para cálculo da homogeneidade de variância entre as variáveis. O estudo estatístico foi realizado por meio da análise de variância com comparações múltiplas pelo método de Bonferroni. Valores de p inferiores a 0,05 foram considerados indicativos de significância.

Resultados

Em 309 fetos, nos quais a obtenção da onda de velocidade de fluxo do DV por meio da dopplerfluxometria foi adequada, realizamos seguimento durante toda a gravidez.

Ocorreram três abortamentos de segundo trimestre em pacientes durante o acompanhamento. Uma paciente teve parto prematuro, com idade gestacional de 33,5 semanas. Quatro recém-nascidos apresentaram pesos menores que 2.500 g ao nascimento. Em 25 casos não conseguimos obter o resultado final da gestação. Após estas exclusões, nossa população de estudo baseou-se nos 276 casos restantes.

Em 140 oportunidades (50,7%), utilizamos a via vaginal para obtenção da onda de velocidade de fluxo do DV. Cento e doze exames (40,6%) foram realizados por via abdominal e 24 deles (8,7%) foram avaliados pelas duas vias.

A idade materna variou entre 18-47 anos, com média de 30,5 anos. Do total de 276 pacientes, 64 (23,6%) encontravam-se com 35 anos de idade ou mais. Destas, 22 (34,3%) submeteram-se a procedimentos invasivos para análise cromossômica fetal. Todos os cariótipos foram normais.

A idade gestacional média à época da avaliação foi 12,5 semanas (variando de 10,7 a 14,4 semanas). O comprimento cabeça-nádegas médio foi 59,5 mm (variando de 38 a 84 mm). A medida da TN variou de 0,8 a 3,0 mm (com média de 1,6 mm).

A idade gestacional no parto variou de 36 a 42 semanas, com média de 39,5 semanas. Os recém-nascidos pesaram em média 3.412 gramas, sendo o menor peso igual a 2.500 e o maior peso encontrado igual a 4.755 gramas. Todos tinham fenótipos normais e nenhum deles apresentou morbidade neonatal precoce.

Houve 16 casos (5,8%) incluídos com 10 semanas de gestação, 61 casos (22,1%) com 11 semanas, 98 (35,5%) com 12 semanas, 74 (26,8%) com 13 semanas e 27 mulheres (9,8%) com 14 semanas de gestação.

A velocidade durante a contração ventricular (onda S) apresentou padrão ligeiramente crescente em relação às idades gestacionais estudadas (29 cm/s na 10ª semana, 27 cm/s na 11ª semana, 30 cm/s na 12ª semana, 30 cm/s na 13ª semana e 37 cm/s na 14ª semana). A análise de variância pelo método de Bonferroni mostrou diferença significativa entre a 11ª com a 13ª e a 14ª semana (p=0,029 e < 0,001, respectivamente). Houve ainda diferença entre a 12ª e a 14ª semana (p=0,013).

A velocidade durante a diástole ventricular (onda D) também apresentou padrão ligeiramente crescente em relação às idades gestacionais estudadas (25 cm/s na 10ª semana, 22 cm/s na 11ª semana, 25 cm/s na 12ª semana, 25 cm/s na 13ª semana e 32 cm/s na 14ª semana). A análise de variância pelo método de Bonferroni mostrou diferença significativa da 10a com a 14a semana (p=0,026). Houve também diferença significativa da 11ª com a 13ª e a 14ª semana (p=0,019 e < 0,001, respectivamente) e ainda entre a 12ª e a 14ª semana (p=0,006).

A velocidade a, o IP (índice de pulsatilidade) e a relação S/a apresentaram padrão constante entre a 10ª e a 14ª semana de gestação. A análise de variância não mostrou diferença significativa quando comparamos as várias idades gestacionais (p>0,10).

Analisamos os dados e construímos curva com os valores dos percentis 5, 50 e 95 para cada idade gestacional em relação aos parâmetros avaliados (Tabela 1).

Discussão

O primeiro estudo caracterizando o comportamento da onda de velocidade de fluxo do DV em fetos humanos foi publicado por Kiserud et al.11. Estes autores avaliaram 29 gestantes saudáveis, na segunda metade da gravidez, e encontraram aumento progressivo nas velocidades máxima (onda S) e mínima (onda a) com o progredir da gestação. Não encontraram fluxo ausente ou reverso durante contração atrial em nenhuma ocasião.

Há poucas curvas de normalidade para o Doppler do DV no final do primeiro e início do segundo trimestres: Huisman et al.12 com 45 gestações normais entre 12 e 15 semanas; Van Splunder et al.13 com 262 gestações normais entre 9 e 20 semanas; Montenegro et al.8 com 61 fetos de gestações entre 10 e 13 semanas e Bahlmann et al.14 com 696 gestantes com idade gestacional de 14 a 41 semanas. Entre estas curvas, somente as duas últimas expressaram valores de normalidade separados por idade gestacional.

Montenegro et al.8 encontraram, entre 10 e 13 semanas, constância nos valores das velocidades de fluxo (S, D, a), no IP e na relação S/D. Estes achados poderiam ser explicados pela ausência de alterações importantes na volemia, na complacência cardíaca fetal e no volume ejetado durante o período estudado. Após esse período há aumento progressivo na complacência cardíaca fetal15 e redução acentuada na pós-carga16. Estas alterações fisiológicas justificariam os valores mais elevados, relacionados com a idade gestacional, encontrados nas velocidades de fluxo no DV no final do segundo e durante o terceiro trimestre17-19.

Montenegro et al.20 encontraram valores médios para velocidade na onda S na 10ª semana de 23,3 cm/s, na 11ª semana de 24,5 cm/s, na 12ª semana de 25,1 cm/s e na 13a semana de 23,8 cm/s. Para as velocidades durante a contração atrial os valores encontrados foram: na 10ª semana 5,7 cm/s, na 11ª semana 4,9 cm/s, na 12ª semana 3,5 cm/s e na 13ª semana. 4,1 cm/s. Estes valores são ligeiramente inferiores aos nossos, no entanto ainda dentro da variação considerada normal de acordo com o desvio padrão calculado pelos autores. O valor encontrado para o IP foi 1,3 em todas as idades gestacionais analisadas, valor este pouco superior aos nossos, porém dentro da faixa de normalidade.

Os valores encontrados por Bahlmann et al.14 para as velocidades na 14ª semana foram: onda S: 48 cm/s, onda D: 41,7 cm/s, onda a: 11,2 cm/s e IP: 1,21. Os valores das velocidades S e D encontram-se, em média, 10 cm/s maiores que os nossos. O valor da velocidade a, está, em média 4 cm/s maior que o padrão encontrado por nós. Os valores do IP e da relação S/a foram semelhantes aos nossos.

Como utilizamos análise estatística semelhante à de Bahlmann et al.14, uma possível explicação para os menores valores encontrados por nós na 14ª semana seria a presença de fetos de gestações de no máximo 14 semanas e 3 dias. Possivelmente fetos no final da 14ª semana venham a ter velocidades maiores que a encontrada no início desta semana, já que é neste período que parecem ocorrer as maiores alterações fisiológicas em níveis cardíaco e extracardíaco.

O desempenho cardiovascular fetal é dependente de determinantes fisiológicos da função cardíaca: a função sistólica, primariamente determinada pela quantidade de sangue distendendo os ventrículos antes da contração (pré-carga), a combinação de resistência ao fluxo sanguíneo, massa ventricular e leitos vasculares periféricos e centrais (pós-carga), a habilidade intrínseca das fibras musculares em contrair (função contrátil), freqüência de contração (freqüência cardíaca) e a função diastólica. Nenhum destes determinantes age de maneira isolada, e, portanto, não causarão efeitos independentes em cada vaso21.

O feto é limitado em sua capacidade para aumentar o débito ventricular combinado pelo recrutamento do mecanismo de Frank-Starling, implicando que o comprimento das fibras musculares cardíacas (isto é, a extensão da pré-carga) é proporcional ao volume diastólico final. Esta limitação é parcialmente causada pela imaturidade e maior rigidez do miocárdio22,23.

A redução da pós-carga é resultado da diminuição da resistência vascular placentária ocasionada pelas ondas de migração trofoblástica, que destroem a camada muscular das artérias espiraladas, transformando-as em vasos de baixa resistência. Estas alterações placentárias são mais evidentes na 14ª semana16.

Os ventrículos fetais estão em desvantagem do ponto de vista de enchimento porque têm arranjo estrutural miocárdico menos organizado, com menos unidades de sarcômero por unidade de massa, menores diâmetros e operam sob freqüência cardíaca significativamente maior, permitindo menos tempo para inativação da contração21.

O reconhecimento de alterações na onda de velocidade de fluxo venoso pode ser útil no diagnóstico de desvios no desenvolvimento fisiológico fetal, como manifestação precoce do comprometimento miocárdico. As modificações mais sistematicamente encontradas são identificadas no ducto venoso, onde o fluxo durante a contração atrial (onda a) pode constituir o sinal mais precoce do comprometimento cardíaco e identificar os fetos de risco para anomalias cromossômicas e/ou falência cardíaca23-24. A ausência de modificações importantes na onda de velocidade de fluxo no ducto venoso deve-se ao fato de que a redução da resistência placentária e a maturação na função diastólica ventricular (aumento na complacência) só ocorrem após o período estudado.

Os valores dos parâmetros estabelecidos por esse estudo podem servir como base para acompanhamento de gestações normais. Futuros estudos são necessários para determinar a validade destes parâmetros nesta população e, em particular, em fetos de risco.

Recebido em: 4/2/2002

Aceito com modificações em: 2/12/2003

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  • Endereço para correspondência
    Francisco Herlânio Costa Carvalho
    Rua Osvaldo Cruz, 2582, apto. 202 - Dionísio Torres
    60125-151 - Fortaleza - CE
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Abr 2004
    • Data do Fascículo
      Fev 2004

    Histórico

    • Aceito
      02 Dez 2002
    • Recebido
      04 Fev 2002
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