Acessibilidade / Reportar erro

Movimento do ombro após cirurgia por carcinoma invasor da mama: estudo randomizado prospectivo controlado de exercícios livres versus limitados a 90º no pós-operatório

Shoulder movement after surgery for invasive breast carcinoma: randomized controlled study of postoperative exercises

Resumos

OBJETIVO: avaliar a eficácia de um protocolo de exercícios físicos na recuperação do movimento do ombro em mulheres submetidas a esvaziamento linfonodal axilar por câncer de mama, comparando exercícios com amplitude livre e restrita do movimento. MÉTODOS: 59 mulheres submetidas a linfadenectomia axilar associada a mastectomia modificada (46) ou quadrantectomia (13) foram incluídas neste estudo clínico, prospectivo e randomizado. No primeiro dia após a cirurgia, 30 mulheres foram randomizadas para realizar os exercícios do ombro com amplitude livre do movimento e 29 mulheres tiveram a amplitude restrita a 90º nos primeiros 15 dias de pós-operatório. Eram realizados 19 exercícios, com três sessões semanais, por seis semanas. Foram comparadas as médias com desvio-padrão (DP) de déficit de flexão e abdução do ombro, assim como as taxas de incidência bruta e ajustadas de seroma e deiscência. RESULTADOS: após 42 dias as médias de flexão e abdução do ombro foram semelhantes nos dois grupos. Houve déficit de flexão de 17,2º e 21,6º, e de abdução de 19,7º e 26,6º, nos grupos com exercício livre e limitado a 90º, respectivamente. As incidência de seroma e deiscência não estiveram relacionadas com o exercício nem com o tipo de cirurgia, tempo de permanência do dreno, número de linfonodos dissecados ou comprometidos, idade ou obesidade. CONCLUSÃO: a fisioterapia precoce com movimentação livre do ombro da mulher não esteve associada com o aumento ou diminuição da capacidade funcional e nem com maiores complicações cirúrgicas.

Mama: câncer; Linfadenectomia axilar; Reabilitação


PURPOSE: to evaluate the efficacy of a physical exercise protocol in the recovery of shoulder movement in women who underwent complete axillary lymph node dissection due to breast carcinoma, comparing free and restricted amplitude movements. METHODS: 59 women who underwent complete axillary lymph node dissection associated with modified mastectomy (46) or quadrantectomy (13) were included in this clinical, prospective and randomized study. On the first day after surgery 30 women were randomized to do the shoulder movement with free amplitude and 29 women had this amplitude restricted to 90º in the first 15 days. Nineteen exercises were done, three sessions per week, for six weeks. Mean (± standard error) deficits of shoulder flexion and abduction were compared, as well as gross and adjusted incidence rates of seroma and dehiscence. RESULTS: 42 days after surgery, flexion and abduction means were similar in the two groups. Both presented a mean flexion deficit (17.2º and 21.6º, respectively), and abduction deficit (19.7º and 26.6º, respectively). The incidence rates of seroma and dehiscence were neither related to exercise nor to the type of surgery, time of drain permanence, number of dissected or compromised lymph nodes, age or obesity. CONCLUSION: early physiotherapy with free movement of the women's shoulder was associated neither with functional capacity nor with postsurgical complications.

Breast cancer; Axillary lymphadenectomy; Rehabilitation


TRABALHOS ORIGINAIS

Movimento do ombro após cirurgia por carcinoma invasor da mama: estudo randomizado prospectivo controlado de exercícios livres versus limitados a 90º no pós-operatório

Shoulder movement after surgery for invasive breast carcinoma: randomized controlled study of postoperative exercises

Marcela Ponzio Pinto e SilvaI, II; Sophie Françoise Mauricette DerchainII; Laura RezendeI; César CabelloII; Edson Zangiacomi MartinezIII

IServiço de Fisioterapia do Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (CAISM)

IIDepartamento de Tocoginecologia (UNICAMP)

IIIServiço de Estatística, Faculdade de Ciências Médicas (FCM), Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Sophie FM Derchain Rua Antonio Hossri 629 - Cidade Universitária 13083-370 - Campinas - SP Fone: (19) 3788-9305 - Fax: (19) 3289-5935 e-mail: derchain@supernet.com.br

RESUMO

OBJETIVO: avaliar a eficácia de um protocolo de exercícios físicos na recuperação do movimento do ombro em mulheres submetidas a esvaziamento linfonodal axilar por câncer de mama, comparando exercícios com amplitude livre e restrita do movimento.

MÉTODOS: 59 mulheres submetidas a linfadenectomia axilar associada a mastectomia modificada (46) ou quadrantectomia (13) foram incluídas neste estudo clínico, prospectivo e randomizado. No primeiro dia após a cirurgia, 30 mulheres foram randomizadas para realizar os exercícios do ombro com amplitude livre do movimento e 29 mulheres tiveram a amplitude restrita a 90º nos primeiros 15 dias de pós-operatório. Eram realizados 19 exercícios, com três sessões semanais, por seis semanas. Foram comparadas as médias com desvio-padrão (DP) de déficit de flexão e abdução do ombro, assim como as taxas de incidência bruta e ajustadas de seroma e deiscência.

RESULTADOS: após 42 dias as médias de flexão e abdução do ombro foram semelhantes nos dois grupos. Houve déficit de flexão de 17,2º e 21,6º, e de abdução de 19,7º e 26,6º, nos grupos com exercício livre e limitado a 90º, respectivamente. As incidência de seroma e deiscência não estiveram relacionadas com o exercício nem com o tipo de cirurgia, tempo de permanência do dreno, número de linfonodos dissecados ou comprometidos, idade ou obesidade.

CONCLUSÃO: a fisioterapia precoce com movimentação livre do ombro da mulher não esteve associada com o aumento ou diminuição da capacidade funcional e nem com maiores complicações cirúrgicas.

Palavras-chave: Mama: câncer. Linfadenectomia axilar. Reabilitação.

ABSTRACT

PURPOSE: to evaluate the efficacy of a physical exercise protocol in the recovery of shoulder movement in women who underwent complete axillary lymph node dissection due to breast carcinoma, comparing free and restricted amplitude movements.

METHODS: 59 women who underwent complete axillary lymph node dissection associated with modified mastectomy (46) or quadrantectomy (13) were included in this clinical, prospective and randomized study. On the first day after surgery 30 women were randomized to do the shoulder movement with free amplitude and 29 women had this amplitude restricted to 90º in the first 15 days. Nineteen exercises were done, three sessions per week, for six weeks. Mean (± standard error) deficits of shoulder flexion and abduction were compared, as well as gross and adjusted incidence rates of seroma and dehiscence.

RESULTS: 42 days after surgery, flexion and abduction means were similar in the two groups. Both presented a mean flexion deficit (17.2º and 21.6º, respectively), and abduction deficit (19.7º and 26.6º, respectively). The incidence rates of seroma and dehiscence were neither related to exercise nor to the type of surgery, time of drain permanence, number of dissected or compromised lymph nodes, age or obesity.

CONCLUSION: early physiotherapy with free movement of the women's shoulder was associated neither with functional capacity nor with postsurgical complications.

Keywords: Breast cancer. Axillary lymphadenectomy. Rehabilitation.

Introdução

A linfadenectomia axilar continua sendo procedimento útil e necessário para o estadiamento e tratamento do carcinoma de mama1,2. A manipulação da axila pode levar a complicações sensitivas e motoras nos membros superiores ipsilaterais, que acometem mais de 65% das mulheres tratadas com linfadenectomia3-6. Um entre os sintomas mais referidos pela paciente é a limitação no movimento do ombro. Sugden et al.3 relatam que metade das mulheres submetidas a linfadenectomia associada a mastectomia ou quadrantectomia por carcinoma de mama, apresentam limitação de pelo menos um movimento do ombro 18 meses após a cirurgia. Nagel et al.4 descrevem uma restrição do movimento do ombro em 24% das mulheres submetidas a axilectomia completa. Rietman et al.7, em um artigo de revisão sistemática da literatura, observaram que após cirurgia por câncer da mama as mulheres apresentavam dificuldade em realizar suas atividades da vida diária. Um quinto das mulheres referiam dificuldade em vestir roupa pela cabeça, 18% não conseguiam amarrar o soutien, 72% não eram capazes de fechar um zipper quando nas costas de sua roupa, 16% não conseguiam colocar as mãos sobre a cabeça e 29% tinham dificuldade em levantar peso.

De maneira geral, concorda-se que a fisioterapia deve ser incluída no planejamento de assistência para reabilitação física da mulher no período pós-operatório do câncer da mama, prevenindo algumas complicações, promovendo adequada recuperação funcional e, conseqüentemente, propiciando melhor qualidade de vida7-12. Atualmente discute-se amplamente o tipo de movimentação ideal, o melhor momento para que os exercícios com o ombro sejam realizados e a necessidade ou não de supervisão3,9,13,14. A fisioterapia iniciada nos primeiros dias após a cirurgia poderia trazer inúmeras vantagens, como prevenção de linfedema, retrações e disfunção do ombro, pelo aumento de volume de sangue e linfa drenados, e do próprio encorajamento da paciente em reassumir as atividades normais6,7,9,10,12. Entretanto, alguns estudos prospectivos randomizados mostraram que o início muito precoce dos exercícios poderia aumentar a freqüência de seromas e isto poderia retardar o retorno na mobilidade normal do ombro14,15.

Por outro lado, os protocolos de exercícios descritos são múltiplos e incluem movimentos de flexão e extensão, abdução e adução, rotação interna e externa, com repetição, duração e amplitude variados9,13,14,16.

Assim, o objetivo deste estudo foi avaliar a eficácia de um protocolo de exercícios físicos pré-estabelecidos na recuperação da amplitude de movimento do ombro em mulheres submetidas a esvaziamento linfonodal axilar associado a quadrantectomia ou mastectomia por câncer de mama. Avaliou-se a recuperação do movimento do ombro assim como a presença de deiscência e seroma, seis semanas após a cirurgia, comparando-se um grupo de mulheres que praticou os exercícios com amplitude livre do movimento do ombro com um grupo que praticou os mesmos exercícios, porém com amplitude restrita a 90º.

Pacientes e Métodos

Este estudo clínico de coorte prospectivo e randomizado foi realizado no Serviço de Fisioterapia do Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (CAISM) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). As mulheres internadas na enfermaria de oncologia do CAISM, com câncer da mama e indicação de linfadenectomia axilar dos três níveis da axila associada a mastectomia modificada a Halsted (3), Patey (40) ou Madden (3) ou quadrantectomia (13), foram convidadas a participar do estudo. Foram excluídas as mulheres que apresentavam linfedema previamente à cirurgia, limitação de movimento no membro ipsilateral à cirurgia com déficit maior que 20º, incapacidade de compreender os exercícios propostos, cirurgia bilateral e/ou reconstrução imediata da mama. O projeto foi aprovado pelo Comité de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas e todas as mulheres assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido antes de serem incluídas na pesquisa.

No dia anterior à cirurgia, foi aplicado um questionário e realizado exame clínico referente às características físicas da paciente, tais como idade, peso e altura. A seguir, foi avaliada a amplitude de movimento da articulação do ombro na flexão e abdução, em graus, por meio do goniômetro. A gonometria é teste realizado para medir a amplitude de movimento da articulação do ombro em graus, por meio de instrumento de plástico, constituído por um círculo completo graduado de 0 a 360º com dois braços articulados, denominado goniômetro. Foram avaliados o tipo de cirurgia realizada e o número de linfonodos dissecados e comprometidos. A indicação do tipo de cirurgia realizada seguiu os critérios da Área de Oncologia Ginecológica e Patologia Mamária do CAISM-UNICAMP e era baseada no tamanho do tumor, comprometimento linfonodal axilar e tamanho da mama17. A equipe cirúrgica era variada, sempre incluindo um mastologista com residentes de terceiro ano de tocoginecologia. Durante o período correspondente à realização deste estudo, o nervo intercostobraquial não era sistematicamente preservado pelos cirurgiões envolvidos no estudo.

Após a cirurgia as pacientes eram submetidas a exercício supervisionado18. A técnica de fisioterapia utilizada foi a cinesioterapia realizada por meio de 19 exercícios, seguindo um protocolo desenhado especialmente para o estudo. Inicialmente, na posição ortostática, eram realizados movimentos ativos. Após inclinar, rodar, fletir e estender a cabeça, as mulheres eram orientadas para elevar, rodar externamente e internamente os ombros assim como fletir e estender os cotovelos na direção das pernas, dos ombros e acima da cabeça. Realizavam então movimentos de flexão e abdução dos ombros, levantando e abaixando os braços estendidos, abrindo e fechando as mãos simultaneamente. Na seqüência, com as mãos entrelaçadas, fletiam os braços do abdome até a testa, e com os braços abduzidos na lateral do corpo, rodavam internamente e externamente os punhos, além de fletir e estender os cotovelos. Continuavam os exercícios com as mãos sobre os ombros, aduzindo, abduzindo e aproximando os cotovelos. A seguir, segurando um bastão sempre nas costas, com ambas as mãos, realizavam três exercícios: extensão dos braços para trás, flexão dos cotovelos até a altura axilar e deslizamento diagonal com uma mão por cima e outra abaixo do ombro. Estes movimentos com bastão permitem que as mãos se aproximem nas costas da mulher, movimentos estes necessários para atividades diárias tais como enxugar as costas, vestir uma roupa e particularmente abotoar o soutien. Em decúbito dorsal na posição mais confortável para a paciente, eram realizados os últimos exercícios ativos, que consistiam em rodar internamente e externamente os braços com ombro abduzido. Finalmente, o alongamento foi orientado na seqüência descrita a seguir: em decúbito dorsal, com os cotovelos esticados, com e sem as mãos entrelaçadas, a mulher elevava os braços. Em decúbito lateral, eram realizados movimentos de abdução e adução na linha da cabeça, na linha do ombro e na diagonal. Todos os movimentos descritos eram repetidos dez vezes.

Três exercícios foram iniciados no primeiro dia após a cirurgia no hospital. Após 48 horas da cirurgia, os exercícios foram realizados no ambulatório de fisioterapia. As sessões tiveram duração de 40 minutos, três vezes por semana, por seis semanas. As pacientes foram alocadas em dois grupos, com o uso de uma seqüência de números aleatórios gerados em computador. Num grupo foram incluídas 30 mulheres que fizeram os exercícios do ombro com movimentação livre até o limite possível da mulher, desde o primeiro dia após a cirurgia (GLV). No segundo grupo foram incluídas 29 mulheres que realizaram os exercícios do ombro com movimentação limitada a 90º nos primeiros 15 dias após a cirurgia, sendo a amplitude do movimento livre após este período (G90). Para evitar viés foram comparados os grupos em relação às características físicas, e observou-se que a média e desvio padrão (DP) de idade e o índice de massa corpórea (kg/m2) foram semelhantes nos dois grupos. Da mesma forma, a média da amplitude de movimento na flexão e abdução pré-operatória foram entre 175º e 178º para ambos os grupos estudados.

As pacientes foram avaliadas no 14º (57 mulheres), 28º (58 mulheres) e 42º (59 mulheres) dias do pós-operatório, incluindo goniometria, tempo de permanência do dreno, presença ou não de seroma e deiscência da cicatriz como afastamento anormal da bordas cirúrgicas. As médias ± DP das diferentes medidas da abdução e flexão do braço e o déficit aos 42 dias foram comparados pela diferença entre elas, com seus respectivos intervalo de confiança (IC) de 95%. Foram avaliadas as taxas de incidência de seroma e deiscência nos grupos com exercício livre e limitado a 90º. Foram empregadas as razões de taxa de incidência (RTI) bruta que, posteriormente foram ajustadas segundo o tipo da cirurgia, tempo de permanência do dreno, número total de linfonodos retirados e número de linfonodos positivos, pelo modelo de regressão de Breslow-Cox19.

Resultados

Na Tabela 1 observa-se que após 42 dias as médias ± DP de flexão do ombro foram semelhantes nos dois grupos, sendo 161,7 ± 16.6º e 157 ± 26,1o no GLV e G90, respectivamente. Em relação à abdução estes valores foram de 157,2º ± 22,4º e 148,6º ± 32,8, respectivamente para os grupos GLV e G90. Os déficits de flexão e abdução do ombro aos 42 dias foram de -17,2º (DP ±15,7º) e -19,7º (DP ±18,8º) no grupo com exercício livre, e no grupo com exercício limitado a 90º foram de -21,6º (DP ±26º) e - 26,6º (DP ± 31,7º), respectivamente. Os déficits na flexão e abdução do ombro até 42 dias de pós-operatório foram semelhantes nos dois grupos.

A distribuição das mulheres segundo a variação da flexão e abdução do ombro pode ser observada na Figura 1, no pré-operatório e aos 14, 28 e 42 dias do pós-operatório, e observa-se que foi semelhante nos dois grupos. Embora após 14 dias da cirurgia tenha-se notado menor amplitude de movimento, esta amplitude foi semelhante nos dois grupos.


Na Tabela 2 observa-se que a incidência de seroma foi de 17% no grupo com exercício livre, e 21% no grupo com exercício limitado a 90º, com RTI bruta de 1,2 (IC 95% 0,4 – 0,6) e ajustada de 1,3 (IC 95%, 0,3–4,5), sem diferença significativa. A incidência global do seroma também não esteve relacionada com o tipo de cirurgia, tempo de permanência do dreno, número total de linfonodos dissecados, número de linfonodos comprometidos, idade e índice de massa corpórea. A incidência global de deiscência da cicatriz foi elevada, sendo de 47% no grupo com exercício livre e 41% no grupo com exercício limitado 90º. A incidência global de deiscência também não esteve relacionada com o tipo de cirurgia, tempo de permanência do dreno, número total de linfonodos dissecados, número de linfonodos comprometidos, idade e índice de massa corpórea.

Discussão

Este ensaio clínico randomizado comparou exercício livre e exercício limitado a 90º nos primeiros 15 dias de pós-operatório em mulheres operadas de câncer de mama com linfadenectomia axilar. Acompanhando esta série de exercícios, observou-se déficit da flexão e abdução menor que 30º, sem diferenças nas incidências de seroma e deiscência da cicatriz em função da amplitude do movimento nos primeiros quinze dias de pós-operatório. Box et al.9 referem que mulheres submetidas a exercício supervisionado do ombro tem recuperação significativamente maior da amplitude do movimento quando comparadas com mulheres que não se submetem a um programa de fisioterapia. No nosso estudo, as médias de flexão e abdução do ombro foram próximas de 150º após seis semanas de exercícios. Estes dados são compatíveis com os de outros autores que preconizam os exercícios ativos e supervisionados no pós-operatório11. Rietman et al.7, em sua revisão de literatura, detectou prevalência de 2 a 51% de restrição na amplitude de movimento do ombro, sendo restrição séria em apenas 2% dos casos e especialmente em mulheres submetidas a radioterapia axilar.

É importante salientar que a amplitude de movimento foi medida por meio do bom alinhamento postural na posição deitada, sem a permissão de substituição por outros movimentos. Quando as mulheres ficavam em pé e realizavam os movimentos de flexão e abdução, o déficit encontrado no resultado final era minimizado com a substituição de outros movimentos, sem grandes alterações posturais. A limitação da movimentação do ombro menor de 30º tanto na flexão como na abdução do ombro é compatível com as tarefas diárias e básicas a serem realizadas por uma mulher, como pentear os cabelos e abotoar o soutien7.

Neste estudo o tipo de cirurgia, tempo de permanência do dreno, número de linfonodos dissecados, número de linfonodos comprometidos, idade e índice de massa corpórea foram similares nos dois grupos e não apresentaram associação com a recuperação da flexão e abdução do ombro em seis semanas. Alguns autores têm se preocupado em preservar o nervo intercostobraquial20,21. No nosso serviço, Torresan et al.20 demonstraram que a preservação deste nervo foi factível em todos os casos levando a diminuição significativa das alterações da sensibilidade dolorosa no braço, sem interferir no tempo cirúrgico e no número de linfonodos dissecados. Schijven et al.21, entretanto, relatam que a preservação do nervo, embora diminua significativamente a morbidade sensitiva, pouco interfere com a função do ombro.

Outro aspecto a ser considerado na abordagem cirúrgica da axila é a utilização do linfonodo sentinela em mulheres com tumoração em estádios iniciais1,2,21. Haid et al.22 avaliaram a morbidade do membro superior em mulheres submetidas a linfadenectomia axilar completa comparada com aquela apresentada após biópsia do linfonodo sentinela. Os autores observaram que a amplitude do movimento foi significativamente maior nas mulheres submetidas a biópsia do linfonodo sentinela apenas.

O seroma foi diagnosticado em 18% dos casos, confirmando a incidência esperada. O tempo médio de permanência do dreno foi maior que 12 dias em 73% das mulheres. Mas é importante lembrar que para alguns autores a retirada precoce do dreno - muitas vezes por motivos de acidente, ar no circuito e infecção - pode ser outro fator que colabora para a formação do seroma. É provável que a incidência do seroma também esteja relacionada a outros fatores como técnica cirúrgica, infecção, tempo de cirurgia, tamanho das mamas e linfonodos comprometidos19,23.

Observamos neste estudo alta incidência de deiscência. Deve se considerar que as cirurgias foram realizadas em hospital-escola, o que implica treinamento de médicos residentes na prática de cirurgia mamária. Entretanto, contrariando a idéia de que o exercício livre provocasse maior afastamento das bordas cirúrgicas quando comparado ao exercício limitado, a incidência de deiscência esteve igualmente distribuída nos dois grupos. Na literatura, a deiscência está possivelmente associada a outros fatores, como presença de infecção, obesidade e idade média maior que 55 anos, condições especiais em que se faz necessário maior tempo para uma correta cicatrização19,21,23. Além da obesidade e idade, a presença de linfonodos comprometidos, tempo de cirurgia, diferentes técnicas cirúrgicas utilizadas e radioterapia são outros fatores possivelmente associados às complicações pós-operatórias. A obesidade pode aumentar a incidência de linfedema e volume total drenado da fossa axilar, parede torácica e quantidade aspirada14,24.

Os programas de reabilitação que utilizam exercícios têm mudado ao longo dos anos e deixaram de ter apenas uma postura "curativa/reabilitativa", para se preocupar principalmente com a prevenção de complicações, proporcionando, cada vez mais, melhor qualidade de vida para as mulheres operadas4,6,9,13,16.

Acredita-se que permitir movimentação livre após a cirurgia de câncer de mama poderá possibilitar: maior bem-estar à mulher operada, menos medo de movimentar o ombro espontaneamente, promoção do retorno mais rápido às atividades do dia-a-dia, respeitando seus limites de dor, e maior rapidez na sua reintegração social. Alguns autores realizaram seus estudos apenas com a indicação dos exercícios. Os exercícios realizados neste protocolo são de alongamento, ação livre e ação assistida nas diversas posições em pé, deitada em decúbitos dorsal e lateral ao lado oposto do operado e sob supervisão de fisioterapeuta. Foi possível assegurar a todas as mulheres adequada supervisão e realização dos exercícios em grupo, pela quantidade média limitada de mulheres, no máximo 15, conveniente para o ambulatório em que foram realizados.

Concluímos com este estudo que, em mulheres operadas por câncer da mama, a realização dos exercícios ativos e de alongamento, com amplitude livre desde o primeiro dia de pós-operatório, permitiu boa recuperação da capacidade funcional do ombro sem aumento de seroma ou deiscência.

Recebido em: 16/1/2004

Aceito com modificações em: 26/2/2004

  • 1. Schwartz GF, Guiliano AE, Veronesi U; Consensus Conference Committee. Proceeding of the consensus conference of the role of sentinel lymph node biopsy in carcinoma or the breast April 19-22, 2001, Philadelphia, PA, USA. Breast J 2002; 8:124-38.
  • 2. Edge SB, Niland JC, Bookman MA, et al. Emergence of sentinel node biopsy in breast cancer as standard-of-care in academic comprehensive cancer centers. J Natl Cancer Inst 2003; 95:1514-21.
  • 3. Sugden EM, Rezvani M, Harrison JM, Hughes LK. Shoulder movement after the treatment of early stage breast cancer. Clin Oncol (R Coll Radiol) 1998; 10:173-81.
  • 4. Nagel PH, Bruggink ED, Wobbes T, Strobbe LJ. Arm morbidity after complete axillary lymph node dissection for breast cancer. Acta Chir Belg 2003; 103:212-6.
  • 5. Yap KP, McCready DR, Narod S, Manchul LA, Trudeau M, Fyles A. Factors influencing arm and axillary symptoms after treatment for node negative breast carcinoma. Cancer 2003; 97:1369-75.
  • 6. Christodoulakis M, Sanidas E, de Bree E, Michalakis J, Volakakis E, Tsiftsis D. Axillary lymphadenectomy for breast cancer - the influence of shoulder mobilisation on lymphatic drainage. Eur J Surg Oncol 2003; 29:303-5.
  • 7. Rietman JS, Dijkstra PU, Hoekstra HJ, et al. Late morbidity after treatment of breast cancer in relation to daily activities and quality of life: a systematic review. Eur J Surg Oncol 2003; 29:229-38.
  • 8. Shimozuma K, Ganz PA, Petersen L, Hirji K. Quality of life in the first year after breast cancer surgery: rehabilitation needs and patterns of recovery. Breast Cancer Res Treat 1999; 56:45-57.
  • 9. Box RC, Reul-Hirche HM, Bullock-Saxton JE, Furnival CM. Shoulder movement after breast cancer surgery: results of a randomised controlled study of postoperative physiotherapy. Breast Cancer Res Treat 2002; 75:35-50.
  • 10.Box RC, Reul-Hirche HM, Bullock-Saxton JE, Furnival CM. Physiotherapy after breast cancer surgery: results of a randomised controlled study to minimise lymphoedema. Breast Cancer Res Treat 2002; 75:51-64.
  • 11.Gosselink R, Rouffaer L, Vanhelden P, Piot W, Troosters T, Christiaens MR. Recovery of upper limb function after axillary dissection. J Surg Oncol 2003; 83:204-11.
  • 12.McKenzie DC, Kalda AL. Effect of upper extremity exercise on secondary lymphedema in breast cancer patients: a pilot study. J Clin Oncol 2003; 21:463-6.
  • 13.Na YM, Lee JS, Park JS, Kang SW, Lee HD, Koo JY. Early rehabilitation program in postmastectomy patients: a prospective clinical trial. Yonsei Med J 1999; 40:1-8.
  • 14.Chen SC, Chen MF. Timing of shoulder exercise after modified radical mastectomy: a prospective study. Changgeng Yi Xue Za Zhi 1999; 22:37-43.
  • 15.Abe M, Iwase T, Takeuchi T, Murai H, Miura S. A randomized controlled trial on the prevention of the seroma after partial or total mastectomy and axillary lymph node dissection. Breast Cancer 1998; 5:67-9.
  • 16.Morimoto T, Tamura A, Ichihara T, et al. Evaluation of a new rehabilitation program for postoperative patients with breast cancer. Nurs Health Sci 2003; 5:275-82.
  • 17.Haagensen CD. Clinical classification of the stage of advancement of breast carcinoma. In: Diseases of the breast. 3rd ed. Philadelphia: Saunders; 1986. p.851-63.
  • 18.Kisner C, Colby LA. Exercícios terapêuticos. Fundamentos e técnicas. 2Ş ed. São Paulo: Manole; 1992.
  • 19.Skov T, Deddens J, Petersen MR, Endahl L. Prevalence proportion ratios: estimation and hypothesis testing. Int J Epidemiol 1998; 27:91-5.
  • 20.Torresan RZ, Santos CC, Conde DM, Brenelli HB. Preservação do nervo intercostobraquial na linfadenectomia axilar por carcinoma de mama. Rev Bras Ginecol Obstet 2002; 24:221-6.
  • 21.Schijven MP, Vingerhoets AJ, Rutten HJ, et al. Comparison of morbidity between axillary lymph node dissection and sentinel node biopsy. Eur J Surg Oncol 2003; 29:341-50.
  • 22.Haid A, Kuehn T, Konstantiniuk P, et al. Shoulder-arm morbidity following axillary dissection and sentinel node only biopsy for breast cancer. Eur J Surg Oncol 2002; 28:705-10.
  • 23.Schultz I, Barholm M, Gröndal S. Delayed shoulder exercises in reducing seroma frequency after modified radical mastectomy: a prospective randomized study. Ann Surg Oncol 1997; 4:293-7.
  • 24.Nieto A, Lozano M, Moro MT, Keller J, Carralafuente C. Determinants of wound infections after surgery for breast cancer. Zentralbl Gynakol 2002; 124:429-33.
  • Endereço para correspondência

    Sophie FM Derchain
    Rua Antonio Hossri 629 - Cidade Universitária
    13083-370 - Campinas - SP
    Fone: (19) 3788-9305 - Fax: (19) 3289-5935
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Maio 2004
    • Data do Fascículo
      Mar 2004

    Histórico

    • Recebido
      16 Jan 2004
    • Aceito
      26 Fev 2004
    Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia Av. Brigadeiro Luís Antônio, 3421, sala 903 - Jardim Paulista, 01401-001 São Paulo SP - Brasil, Tel. (55 11) 5573-4919 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: editorial.office@febrasgo.org.br