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Psoríase pustulosa da gestação (impetigo herpetiforme): relato de dois casos e revisão da literatura

Pustular psoriasis of pregnancy (impetigo herpetiformis): a report of two cases and review of the literature

Resumos

Psoríase pustulosa da gravidez é dermatose pustular rara com erupções que se desenvolvem como pústulas estéreis agrupadas na periferia de placas eritematosas da pele. Os sintomas sistêmicos incluem febre alta, astenia, diarréia, delírio, desidratação, tetania e convulsões. O tratamento com corticosteróide sistêmico, antibiótico, reposição de fluidos e eletrólitos é imperativo. Neste relato, são apresentadas duas primigrávidas com 23 e 28 anos que apresentam psoríase pustulosa da gravidez na 24ª e 28ª semana da gestação. Elas foram tratadas e, na primeira paciente, um feto feminino saudável de 2.500 gramas nasceu de parto vaginal, após indução do trabalho de parto na 35ª semana de gestação; na segunda paciente, na 37ª semana de gestação, após se notarem sangramento vaginal moderado e ausência da percepção dos movimentos fetais por 12 horas, um natimorto do sexo feminino, 2.700 gramas, nasceu por indução do parto com prostaglandina.

Complicações da gravidez; Psoríase pustulosa da gravidez; Impetigo herpetiforme; Óbito fetal


Pustular psoriasis of pregnancy is a rare pustular dermatosis with eruptions that develop in groups of sterile pustules at the periphery of erythematous patches of the skin. Systemic symptoms include high fever, malaise, diarrhea, delirium, dehydration, tetany, and convulsions. Therapy with systemic corticosteroids, antibiotics, replacement of fluid and electrolytes is mandatory. In this report, we present the cases of two primigravidas, 23 and 28 years old, who presented pustular psoriasis of pregnancy at the 24th and 28th week of gestation. They were treated and, in the first case, a healthy 2,500-g female fetus was born vaginally, after labor induction with oxytocin at the 35th week of gestation; in the second patient, at the 37th week of gestation, after a moderate vaginal bleeding and no perception of fetal movements for 12 hours, a stillborn 2,700-g female was born after labor induction with prostaglandin.

Pustular psoriasis of pregnancy; Impetigo herpetiformis; Pregnancy: complications; Fetal death


RELATO DE CASO

Psoríase pustulosa da gestação (impetigo herpetiforme): relato de dois casos e revisão da literatura

Pustular psoriasis of pregnancy (impetigo herpetiformis): a report of two cases and review of the literature

Luna Azulay-Abulafia; Arles Brotas; Antônio Braga; Andréia Cunha Volta; Alexandre Carlos Gripp

Serviço de Dermatologia do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Antônio Braga 33ª Enfermaria (Maternidade) da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro Rua Santa Luzia 206 - Castelo 20020-020 – Rio de Janeiro – RJ Telefone: (21) 9204-0007 e-mail: bragamed@yahoo.com.br

RESUMO

Psoríase pustulosa da gravidez é dermatose pustular rara com erupções que se desenvolvem como pústulas estéreis agrupadas na periferia de placas eritematosas da pele. Os sintomas sistêmicos incluem febre alta, astenia, diarréia, delírio, desidratação, tetania e convulsões. O tratamento com corticosteróide sistêmico, antibiótico, reposição de fluidos e eletrólitos é imperativo. Neste relato, são apresentadas duas primigrávidas com 23 e 28 anos que apresentam psoríase pustulosa da gravidez na 24ª e 28ª semana da gestação. Elas foram tratadas e, na primeira paciente, um feto feminino saudável de 2.500 gramas nasceu de parto vaginal, após indução do trabalho de parto na 35ª semana de gestação; na segunda paciente, na 37ª semana de gestação, após se notarem sangramento vaginal moderado e ausência da percepção dos movimentos fetais por 12 horas, um natimorto do sexo feminino, 2.700 gramas, nasceu por indução do parto com prostaglandina.

Palavras-chave: Complicações da gravidez. Psoríase pustulosa da gravidez. Impetigo herpetiforme. Óbito fetal.

ABSTRACT

Pustular psoriasis of pregnancy is a rare pustular dermatosis with eruptions that develop in groups of sterile pustules at the periphery of erythematous patches of the skin. Systemic symptoms include high fever, malaise, diarrhea, delirium, dehydration, tetany, and convulsions. Therapy with systemic corticosteroids, antibiotics, replacement of fluid and electrolytes is mandatory. In this report, we present the cases of two primigravidas, 23 and 28 years old, who presented pustular psoriasis of pregnancy at the 24th and 28th week of gestation. They were treated and, in the first case, a healthy 2,500-g female fetus was born vaginally, after labor induction with oxytocin at the 35th week of gestation; in the second patient, at the 37th week of gestation, after a moderate vaginal bleeding and no perception of fetal movements for 12 hours, a stillborn 2,700-g female was born after labor induction with prostaglandin.

Keywords: Pustular psoriasis of pregnancy. Impetigo herpetiformis. Pregnancy: complications. Fetal death.

Introdução

Impetigo herpetiforme é afecção dermatológica rara e potencialmente fatal1 exacerbada, notadamente, pelas alterações hormonais da gravidez, conquanto tenham sido reportados casos em homens, mulheres no climatério, puérperas e em usuárias de contracepção hormonial2. O distúrbio cutâneo ocorre geralmente no início do terceiro trimestre da gravidez, iniciando-se como placas eritematosas que evoluem para lesões inflamatórias de contorno irregular e presença de pústulas sobrepostas. As lesões estendem-se para a região inguinal e extremidades dentro de 7 a 10 dias, tornando-se crostosas em seguida, e em geral, poupando face e áreas palmo-plantares3.

Com clínica exuberante, as pacientes com impetigo herpetiforme apresentam astenia pronunciada, febre elevada, náusea, vômito, diarréia, calafrio, taquicardia e artralgia. Estudos laboratoriais exibem leucocitose, aumento da velocidade de hemossedimentação (VHS) e, ocasionalmente, hipocalcemia. A reposição endovenosa de fluido e eletrólitos, notadamente cálcio, associada a corticoterapia é o tratamento de escolha. Ainda que as lesões sejam estéreis, antibioticoterapia sistêmica pode ser associada, vez que infecção secundária não é excepcional4.

O prognóstico materno-fetal é díspar. Raras são as mortes maternas, embora insuficiência placentária e diminuição do fluxo interviloso placentário possam aumentar o risco de morte fetal.

Neste relato são apresentados dois casos de impetigo herpetiforme cuja importância reside na raridade da dermatose (cerca de 350 casos apresentados pela literatura5) e no ensombrecido prognóstico fetal que a doença proporciona.

Relatos dos Casos

Toda a iconografia exposta neste artigo foi obtida após consentimento informado das pacientes, seguindo as orientações do Código de Ética Médica – Resolução do Conselho Federal de Medicina 1246/1988 e observando os Princípios Éticos para Pesquisa Médica Envolvendo Indivíduos Humanos compilados na Declaração de Helsinki (1964) e corrigida pela 52ª Assembléia Geral da Associação Médica Mundial em Edimburgo (2000).

Paciente nº 1

Paciente negra, 23 anos, solteira, estudante, procedente do Rio de Janeiro. Foi internada em março de 2000, apresentando poliartrite com edema fusiforme simétrico, não erosivo, acometendo articulações interfalângicas proximais e distais; síndrome de derrame pleural caracterizada por febre, dispnéia, tosse e radiografias de tórax revelando infiltrados transitórios com áreas de atelectasia em placas, e lesões eritêmato-descamativas, nas regiões flexurais e no couro cabeludo. Estas lesões iniciaram-se em área do cotovelo, percebendo a paciente a primeira área eritematosa após horas de estudo com a região acometida em contato com uma mesa, caracterizando o fenômeno isomorfo de Koebner – áreas traumatizadas com freqüência desenvolvem a lesão inicial da psoríase. Evoluiu posteriormente com agravamento e disseminação centrífuga das lesões, acompanhado de prurido de moderada intensidade. Submeteu-se a paciente à biopsia de pele. Após exclusão de etiologia infecciosa, teve avaliação inconclusiva para lúpus eritematoso sistêmico (LES), uma vez que possuía anticorpo antinuclear positivo, mas não exibia alteração hematológica (como leucopenia, linfopenia ou trombocitopenia), renal (como proteinúria, hematúria ou cilindrúria) ou sorológica (ausência de anticorpos anti-DNAfd, anti-Sm, anti-SSA, anti-RNP, antieritrócito, antifosfolipídio ou hipocomplementenemia), não satisfazendo, portanto, os critérios do Colégio Americano de Reumatologia para diagnóstico de LES6. Foi iniciado tratamento com prednisona na dose de 0,75 mg/kg/dia, devido as suas condições clínicas. Entretanto, como o achado histopatológico referiu psoríase, a dose da medicação foi reduzida gradativamente, evoluindo com melhora clínica.

A paciente retornou após cinco meses, relatando gravidez e aparecimento de novas lesões no corpo. Ao exame clínico encontrava-se febril, taquicárdica, hipotensa, hipocorada, com lesões cutâneas eritêmato-exsudativas e crostas amareladas com pústulas superficiais na periferia, coalescentes, em disposição arciforme nas regiões retro-auricular, cervical, inframamária, axilar, antecubital, inguinal e poplítea bilateralmente. As lesões exibiam progressão peculiar, centrífuga e em surtos. Os exames laboratoriais mostraram hematócrito de 30%, leucometria de 8000/mm3 com 10% de bastões, VHS de 54 mm/h e níveis de cálcio normais.

Foi realizado novo exame histopatológico, que confirmou o diagnóstico de psoríase pustulosa (Figura 1). Após análise de hemo e urinocultura, telerradiografia de tórax e cultura da secreção das lesões, a dose de prednisona foi aumentada para 1 mg/kg/dia, e administrado oxacilina 9 g/dia até se obter o resultado das culturas. Carbonato de cálcio 1,5 g/dia via oral e sulfato ferroso 600 mg/dia via oral foram associados ao tratamento.


A paciente evoluiu com boa resposta à terapêutica e alta hospitalar após 20 dias de internação, sendo encaminhada ao pré-natal de alto risco. Na 35ª semana de gestação, evolveu com rotura prematura da bolsa das águas. Como a cardiotocografia mostrava boa vitalidade fetal e havendo índice de Bishop favorável, induziu-se o parto mediante perfusão venosa de ocitocina, o que culminou com o nascimento de neonato saudável, 2.500 g, sexo feminino, avaliado com Apgar 8/10 no 1º e 5º minuto.

A remissão das pústulas foi rápida no pós-parto. Com 10 dias teve a paciente alta hospitalar e foi orientada a diminuir progressivamente o uso do corticóide, além de ser referendada ao ambulatório de psoríase para seguimento. Não retornando ao serviço, foi realizado busca ativa em dezembro de 2003 no endereço anotado em seu prontuário. Encontrada, a paciente passa bem, não referindo nenhuma outra doença dermatológica desde então (32 meses de pós-parto).

Paciente nº 2

Paciente branca, 28 anos, casada, professora, natural do Rio Grande do Sul, residente no Rio de Janeiro, traz diagnóstico de psoríase em placas desde a infância que se tornou generalizada na adolescência. Fazia tratamento intermitente com corticóide tópico de potência elevada, com melhora parcial. Posteriormente, foi tratada com fotoquimioterapia com combinação de psoralenos e radiação ultravioleta A durante oito meses, permanecendo sem lesões por sete anos.

Após esse período, iniciou quadro com formação de lesões pustulosas, de disposição arciforme, principalmente nos membros inferiores, configurando quadro clínico de psoríase pustulosa generalizada. Foi iniciada terapia imunossupressora com ciclosporina na dose de 5 mg/kg/dia.

Com a melhora clínica, a dose do medicamento foi gradualmente reduzida, quando então foi detectada gravidez em setembro de 2001. A partir de então, suspendeu-se o tratamento imunossupressor, o que resultou em agravamento clínico lento e progressivo, com recidiva das lesões (Figura 2). A paciente foi internada na enfermaria de Obstetrícia na 28ª semana de gravidez, apresentando febre (temperatura axilar de 38,7ºC), prostração, dores generalizadas, diarréia e náuseas acompanhadas, por vezes, de vômito. O exame físico revelou desidratação leve (+/4+), pulso radial a 89 batimentos/minuto e pressão arterial de 110/60 mmHg. A avaliação laboratorial mostrou VHS de 50 mm/h, hematócrito de 35%, leucometria de 14.200/mm3 (sendo 75% de neutrófilos, 14% de linfócitos, 6% de monócitos e 5% de eosinófilos), plaquetometria de 420.000/mm3, cálcio sérico de 7,9 mg/dL (valores de referência: 8–10,7 mg/dL), proteína total de 6,2 mg/dL (valores de referência: 6–8 mg/dL) e albumina 3,6 mg/dL (valores de referência: 3,5–5,5 mg/dL). Foi iniciado corticoterapia oral com prednisona 1 mg/kg/dia, cefalexina 500 mg via oral de 6/6 h, dipirona sódica 500 mg via oral de 6/6 h, carbonato de cálcio 1,5 g/dia via oral, sulfadiazina de prata creme dermatológico a ser aplicado nas lesões duas vezes ao dia, além da monitorização rigorosa dos sinais vitais e diurese. Compensado o estado clínico geral, ainda que apresentando resposta terapêutica insatisfatória no que tange à dermatose, e revelando a avaliação obstétrica boa vitabilidade fetal, foi-lhe concedido alta hospitalar após 15 dias de internação.


Na 37ª semana de gestação foi admitida na maternidade com sangramento transvaginal de moderada intensidade, não percepção materna dos movimentos fetais por mais de 12 horas e ausência de batimentos cardiofetais ao sonar-Doppler. Após administração de 100 µg de prostaglandina intravaginal (misoprostol), deu a luz a natimorto do sexo feminino, 2.900 g, após dez horas de acompanhamento do trabalho de parto induzido. Submetido à necropsia o feto malogrado, não se demonstrou nenhuma alteração patológica específica.

Já no puerpério imediato, apresentou a paciente arrefecimento considerável das lesões dermatológicas, o que motivou a retirada paulatina do corticóide. Ainda na retirada do corticóide, no 72º dia de pós-parto, as lesões recrudesceram, obrigando a novo aumento do corticóide. Controladas as lesões, reiniciou-se a descontinuidade do esteróide sem novos sobressaltos. A paciente permanece em seguimento há 18 meses, sendo acompanhada no ambulatório de psoríase e tratada em eventuais erupções de novas pústulas.

Discussão

A psoríase é doença crônica de alta prevalência que acomete até 2% da população mundial, variando de acordo com a área geográfica. Pequena porção desses pacientes evolui com pústulas macroscópicas, passando a doença a ser classificada como pustulosa. A psoríase pustulosa pode se manifestar com acometimento localizado, sendo designada por palmo-plantar e acrodermatite contínua de Hallopeau, ou disseminação generalizada, com as formas aguda (von Zumbusch), circinada e gestacional (impetigo herpetiforme)3.

Coube a Von Hebra7 a descrição original da dermatose por ele alcunhada de impetigo herpetiforme. Apresentou o autor o relato de cinco mulheres grávidas com lesões agrupadas, vesículo-pustulosas, de natureza inflamatória e evolução crostosa, todas evoluindo para decesso fetal e quatro delas para o óbito materno. Empregamos a nomenclatura de psoríase pustulosa da gestação (PPG) ao impetigo herpetiforme, uma vez que as pústulas são estéreis e não há indícios de etiologia viral na história natural da doença.

Estudiosos ainda divergem quanto à PPG ser entidade distinta ou variante da psoríase pustulosa generalizada que ocorre na gravidez, vez que apresentam características morfo-histológicas idênticas8. São critérios que individualizariam a PPG a ausência de história patológica pregressa e familiar de psoríase, a autolimitação da doença que evolui para remissão após o parto e a recorrência da psoríase apenas nas gestações sucessivas. Contudo, com o aumento da casuística mundial, têm-se encontrado tanto história pessoal prévia de psoríase9, como nos casos relatados neste artigo, quanto história familiar de psoríase1,9-11. Nossas pacientes, mesmo após o parto, mantêm o quadro de psoríase pustulosa, de difícil manejo, reforçando o conceito de que não existiria uma forma especial de psoríase pustulosa confinada à gravidez. É a compreensão atual, por nós compartilhada, de que PPG é simples variante da psoríase pustulosa generalizada, representando uma fase pustulosa aguda da doença, deflagrada pelas alterações hormonais da prenhez11 ou outros fatores ainda não bem estabelecidos. Na realidade, preferimos a denominação de psoríase pustulosa na gestação ao invés de psoríase pustulosa da gestação, pelos motivos expostos. Sem dúvida, a ocorrência de gestação deve ser assinalada na denominação da forma de psoríase, pois implica assistência redobrada, carecendo de atenção a paciente e o concepto.

Permanece ainda desconhecida a etiologia da PPG. Sugere a literatura associação com hipoparatiroidismo e hipocalcemia, vez que essas alterações são encontradas amiúde1,12,13. Contudo, em ampla revisão14, apenas cinco de 57 pacientes com PPG (8,7%) apresentaram hipocalcemia, cuja causa aventa-se, secundária à má absorção ou hipoalbuminemia. Imputam ainda à contracepção hormonal2,4,15, ao estresse11,16, à infecção bacteriana17, à variação sazonal18 e a certos medicamentos19 (carvão ativado, iodeto de potássio e salicilatos) a patogenia desta afecção. Residem no estudo genético, por fim, as maiores expectativas para elucidar a etiologia da PPG. A análise de antígeno leucocitário humano (HLA) comum entre pacientes com PPG poderá levar aos genes responsáveis pela síntese de possível proteína envolvida na gênese da doença. Tada et al.20 apresentaram os locos HLAs comuns entre duas irmãs não gêmeas com PPG, destacando-se os HLAs AII, AW24, BW44 e BW54. Entretanto, trabalhos posteriores não demonstraram a presença dos mesmos HLAs11,21, sugerindo aprofundamento na análise gênica nos novos casos diagnosticados.

As lesões típicas de PPG iniciam-se em áreas de dobras, disseminam-se centrifugamente e atingem todo o corpo. O estado geral inspira cuidados, uma vez que evoca forte sintomatologia como queda do estado geral, febre, dor, diarréia, desidratação, taquicardia, delírio e convulsões. Exames laboratoriais freqüentemente mostram leucocitose, aumento da VHS e cultura bacteriana negativa de material obtido das pústulas e do sangue periférico. Os níveis de cálcio, fosfato, albumina e vitamina D3 podem estar diminuídos.

O diagnóstico de PPG é cristalizado pelos elementos clínicos e laboratoriais exibidos pela paciente, sendo confirmado por meio de análise histopatológica obtida por biopsia. As lesões são caracterizadas histopatologicamente por infiltrado inflamatório predominantemente neutrofílico, acantose epidérmica com papilomatose e paraqueratose focal. Há presença de coleções de neutrófilos formando microabscessos intraepidérmicos, multiloculares, chamados de pústulas espongiformes de Kogoj. As papilas da derme exibem edema e dilatação capilar, além de infiltrado perivascular linfocítico. Não se detecta nenhum depósito de imunoglobulina M, G, A ou complemento na imunofluorescência direta. Inclui o diagnóstico diferencial outras psoríases pustulosas, dermatite herpetiforme, eritema multiforme, pênfigo vulgar, dermatose pustular subcórnea (de Sneddon e Wilkinson) e penfigóide bolhoso da gestação (herpes gestationis5).

O tratamento inclui inicialmente esteróides tópicos com, preferentemente, cefalosporina sistêmica para prevenção de infecção estafilocócica secundária. Fluidos e eletrólitos devem ser monitorados e normalizados, notadamente cálcio, devendo-se ainda repor ferro e vitamina D3. Se após uma semana do início do tratamento não houver melhora, introduz-se glicocorticóide sistêmico (prednisona 60 mg/dia)22. Poucos autores, contudo, relatam bons resultados com o corticóide, senão resposta moderada15.

Ainda que as pústulas sejam estéreis, deve a antibioticoterapia fazer parte do tratamento, principalmente se não há resposta ao corticóide. Rackett et al.17 relataram caso de PPG em uma adolescente que manifestava linfadenite por Staphylococcus aureus que só obteve melhora após drenagem do linfonodo e início do antibiótico.

Uma nova alternativa surge para o tratamento de PPG que não responde à corticoterapia: a ciclosporina oral1,23,24. Dispõe-se de poucos estudos acerca do uso de ciclosporina na gravidez. Destes, cita-se o relato25 de 116 gestações em pacientes que receberam ciclosporina, 107 delas (92,2%) após transplantes ou outras afecções auto-imunes. Concluiu o trabalho não haver aumento no risco materno-fetal entre as pacientes que receberam ciclosporina em comparação às que receberam imunossupressão com prednisolona ou azatioprina. Entrementes, em decorrência de ultrapassar a barreira placentária, pode a ciclosporina estar relacionada a crescimento intra-uterino restrito e parto pré-termo24. A gravidez ainda permanece como critério maior de exclusão para uso da ciclosporina, não obstante novos estudos mostrarem segurança quanto ao seu uso para PPG e outras dermatoses intratáveis, em doses de 3 a 5 mg/dia23,24. É desejável que se encorpe a experiência acerca de ciclosporina no ciclo gravídico, não só para evitar os riscos de catarata congênita e hipoadrenocortisonismo neonatal decorrentes de altas doses de prednisona, mas também para introduzir alternativa terapêutica nos casos de PPG não responsivo ao corticóide.

Com prognóstico reservado, deve a monitorização fetal ser realizada pontual e sistematicamente, principalmente com uso da cardiotocografia (CTG) semanal a partir da 30ª semana e, nos casos de CTG não reativo, do perfil biofísico fetal. Pretende-se detectar, precocemente, sofrimento fetal para proceder-se à interrupção da gestação, amadurecidos, se necessário, os pulmões do concepto. Estáveis a mãe e o feto, pode-se aguardar o trabalho de parto espontâneo ou programar-se sua indução eletiva21.

É desconhecida, até o momento, a relação entre PPG e o prognóstico fetal desfavorável. Von Hebra7 relatou 100% de morte fetal em sua casuística, enquanto Oumeish et al.15, em 1982, estudando nove casos da doença, relataram 88% de decesso perinatal. Em decorrência desses trabalhos e outros2,3,14 com resultados similares, tornou-se cediço associar PPG com mau prognóstico fetal. Não obstante, compulsando a literatura, analisando 30 casos de PPG nos últimos 40 anos, verificaram-se 14 (46,6%) óbitos perinatais, dos quais 9 (30%) neomortos e 5 (16,6%) natimortos, cifras mais modestas que as outrora apresentadas, mas que justificam atenção à doença. De qualquer forma, a monitorização fetal constituiu-se em valioso recurso para acompanhar-se a gravidez, sendo indicativos de mau prognóstico crescimento intra-uterino retardado1, índice de líquido amniótico menor que cinco1 e desaceleração tardia9, situações que denotam insuficiência placentária e baixo fluxo sanguíneo nas intervilosidades placentárias.

Na maioria dos casos, as lesões regridem no puerpério. Para maximizar a remissão pode-se continuar com o corticóide, cuidando-se em reduzir a posologia para, só então, retirar-se o fármaco. Casos renitentes podem ser manejados com ciclosporina, metotrexato, retinóides ou fotoquimioterapia com combinação de psoralenos e radiação ultravioleta A21, respeitando-se as restrições com relação à lactação, ponderando-se riscos e benefícios.

O futuro reprodutivo da paciente deve ser abordado por ocasião da alta hospitalar após o parto. Ainda que com pouco mais de uma dúzia de casos de recorrência de PPG em gestações futuras relatados pela literatura americana e européia5, sabe-se que nova gravidez está associada com aparecimento precoce das lesões, notadamente no primeiro trimestre, além de piora no prognóstico materno-fetal5,9,26. Desejando contracepção efetiva, devem-se evitar os métodos hormonais2,4,15, devido à possibilidade de exacerbar as lesões, ainda que fora da gravidez.

Durante todo seguimento da paciente, deverá ser oferecido apoio psicológico, bem como à sua família, abalados por moléstia incomum em período em que as profundas modificações no organismo materno são, por si, motivo de muitas angústias. Ainda que não haja necessidade de isolamento, é a medida por vezes necessária na profilaxia de infecção secundária, como também por comoção na enfermaria obstétrica entre as outras pacientes, receosas de possível contaminação. O serviço de psicologia hospitalar poderá atuar em interconsulta e em atendimento individualizado à paciente, ajudando-a a compreender a natureza da dermatose (raridade e processo terapêutico), suas implicações (prognóstico fetal, possibilidade de interromper eletivamente a gestação pré-termo e potencial reprodutivo futuro) e a dinâmica na enfermaria (minimizar o efeito de possível isolamento, conscientizar as outras pacientes da etiologia não infecto-contagiosa da doença). Ademais, trabalhar o estresse oriundo no desequilíbrio do mecanismo saúde – doença pode trazer benefícios no prognóstico final da doença, vez que pode o estresse deflagrar a psoríase e piorar seu quadro9.

De etiopatogenia desconhecida e controversa, clínica exuberante e tratamento nem sempre eficaz, é a PPG "doença perigosa" no dizer de Von Hebra7. Ainda que o uso corrente de corticóide e antibioticoterapia tenham trazido as taxas de mortalidade materna de 70 a 90% para epílogo raro, a mortalidade perinatal é ainda evento freqüente. Conhecer os agentes deflagradores desta dermatose, aprimorar a terapêutica e monitorar rigorosamente o feto constituem desafios que a Obstetrícia e a Dermatologia devem enveredar em conjunto, almejando sempre a saúde e o bem estar do binômio materno-fetal.

Agradecimento

Os autores agradecem ao Dr. Bernard Kac, Chefe do Setor de Dermatopatologia do Instituto de Dermatologia Prof. R. D. Azulay da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, pela confecção das microfotografias.

Recebido em: 16/1/2004

Aceito com modificações em: 26/2/2004

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  • Endereço para correspondência

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Maio 2004
    • Data do Fascículo
      Mar 2004

    Histórico

    • Recebido
      16 Jan 2004
    • Aceito
      26 Fev 2004
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