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Avaliação de métodos alternativos à citologia no rastreamento de lesões cervicais: detecção de DNA-HPV e inspeção visual

Evaluation of alternative methods in cervical screening: HPV DNA detection and visual inspection

Resumos

OBJETIVO: avaliar o desempenho da citologia oncológica (CO), de captura híbrida II (CH II) e da inspeção visual com ácido acético na detecção de lesões pré-neoplásicas e neoplásicas cervicais. MÉTODOS: 2281 mulheres foram submetidas a exame clínico além da coleta de material para citologia, para CH II para detecção de DNA-HPV. Foi feita a inspeção visual do colo após aplicação do ácido acético a 5% (IVA). As mulheres com pelo menos um exame positivo eram convocadas para colposcopia, que também foi realizada em 420 mulheres com todos os exames normais. O desempenho dos testes foi calculado utilizando como padrão ouro a colposcopia com ou sem biopsia. RESULTADOS: a CO foi anormal em 209 mulheres (9,2%); a CH II foi positiva em 399 (17,5%) e em 249 (10,9%) foram encontradas alterações na IVA. Entre as 2281 mulheres avaliadas, 671 (29,4%) apresentaram pelo menos um resultado de exame positivo, embora apenas 82 (3,6%) apresentassem doença confirmada histologicamente (50 NIC1, 20 NIC2, sete NIC3 e cinco carcinomas invasores). As sensibilidades da IVA e da CH II foram semelhantes e significativamente maiores que a da CO. A especificidade da CO foi maior que a da IVA e da CH II. Nos casos com resultado de CO negativo, a IVA apresentou melhor desempenho comparada à CH II. CONCLUSÃO: o desempenho da CO associada à IVA foi melhor que o da CO associada à CH II e do que o da CO isolada.

Rastreamento para câncer; Colo; Colo; Citologia


OBJECTIVE: to evaluate the performance of Pap smear, hybrid capture II (HC II), and visual inspection with acetic acid in the detection of pre-invasive and invasive cervical lesions. METHODS: a total of 2281 women were submitted to a clinical exam, including Pap smear, HC II for HPV DNA detection and visual inspection with 5% acetic acid (VIA). When at least one of the tests was positive, colposcopy was performed and targeted biopsies were taken from suspicious lesions. Colposcopy was also performed in 420 women with negative results. Test performance was evaluated, using colposcopy as the gold standard, with or without biopsy. RESULTS: Pap smear, VIA and HC II were positive in 9.2, 10.9 and 17.5% of all women screened, respectively. Although at least one positive test was found in 671 women (29.4%), only 82 (3.6%) presented histologically confirmed disease (50 NIC1, 20 NIC2, 7 NIC3, and 5 invasive carcinoma). VIA and HC II sensitivities were similar and significantly higher than Pap smear. Pap smear showed better specificity than VIA and than HC II. In women with a negative Pap smear result, VIA showed better performance than HC II. CONCLUSION: Pap smear combined with VIA performed better than Pap smear combined with HC II or than Pap smear alone.

Cancer screening; Cervix; Cervix; Cytology


TRABALHOS ORIGINAIS

Avaliação de métodos alternativos à citologia no rastreamento de lesões cervicais: detecção de DNA-HPV e inspeção visual

Evaluation of alternative methods in cervical screening: HPV DNA detection and visual inspection

Renata Clementino GontijoI,II; Sophie FM DerchainI; Cecília Roteli-MartinsI,III; Luis Otávio Zanatta SarianI; Joana Fróes BragançaI; Luiz Carlos ZeferinoI; Samara Messias da SilvaI

IDepartamento de Tocoginecologia da Faculdade de Ciências Médicas e Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (CAISM) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

IIDepartamento de Ginecologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí

IIIDepartamento de Ginecologia do Hospital Leonor Mendes de Barros

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Renata C. Gontijo Rua Olavo Bilac 288/123 - Cambuí 13024-110 - Campinas - SP e-mail: rgontijo@terra.com.br Telefone: (19) 3251-4450

RESUMO

OBJETIVO: avaliar o desempenho da citologia oncológica (CO), de captura híbrida II (CH II) e da inspeção visual com ácido acético na detecção de lesões pré-neoplásicas e neoplásicas cervicais.

MÉTODOS: 2281 mulheres foram submetidas a exame clínico além da coleta de material para citologia, para CH II para detecção de DNA-HPV. Foi feita a inspeção visual do colo após aplicação do ácido acético a 5% (IVA). As mulheres com pelo menos um exame positivo eram convocadas para colposcopia, que também foi realizada em 420 mulheres com todos os exames normais. O desempenho dos testes foi calculado utilizando como padrão ouro a colposcopia com ou sem biopsia.

RESULTADOS: a CO foi anormal em 209 mulheres (9,2%); a CH II foi positiva em 399 (17,5%) e em 249 (10,9%) foram encontradas alterações na IVA. Entre as 2281 mulheres avaliadas, 671 (29,4%) apresentaram pelo menos um resultado de exame positivo, embora apenas 82 (3,6%) apresentassem doença confirmada histologicamente (50 NIC1, 20 NIC2, sete NIC3 e cinco carcinomas invasores). As sensibilidades da IVA e da CH II foram semelhantes e significativamente maiores que a da CO. A especificidade da CO foi maior que a da IVA e da CH II. Nos casos com resultado de CO negativo, a IVA apresentou melhor desempenho comparada à CH II.

CONCLUSÃO: o desempenho da CO associada à IVA foi melhor que o da CO associada à CH II e do que o da CO isolada.

Palavras-chave: Rastreamento para câncer. Colo: lesões pré-neoplásicas. Colo: carcinoma. Citologia.

ABSTRACT

OBJECTIVE: to evaluate the performance of Pap smear, hybrid capture II (HC II), and visual inspection with acetic acid in the detection of pre-invasive and invasive cervical lesions.

METHODS: a total of 2281 women were submitted to a clinical exam, including Pap smear, HC II for HPV DNA detection and visual inspection with 5% acetic acid (VIA). When at least one of the tests was positive, colposcopy was performed and targeted biopsies were taken from suspicious lesions. Colposcopy was also performed in 420 women with negative results. Test performance was evaluated, using colposcopy as the gold standard, with or without biopsy.

RESULTS: Pap smear, VIA and HC II were positive in 9.2, 10.9 and 17.5% of all women screened, respectively. Although at least one positive test was found in 671 women (29.4%), only 82 (3.6%) presented histologically confirmed disease (50 NIC1, 20 NIC2, 7 NIC3, and 5 invasive carcinoma). VIA and HC II sensitivities were similar and significantly higher than Pap smear. Pap smear showed better specificity than VIA and than HC II. In women with a negative Pap smear result, VIA showed better performance than HC II.

CONCLUSION: Pap smear combined with VIA performed better than Pap smear combined with HC II or than Pap smear alone.

Keywords: Cancer screening. Cervix: pre-neoplastic lesions. Cervix: carcinoma. Cytology.

Introdução

A maioria dos casos de câncer do colo uterino pode ser evitada por meio do rastreamento. Se a qualidade, cobertura e seguimento forem altos, a incidência do câncer cervical pode ser reduzida em até 80%1,2. Entretanto, poucos países em desenvolvimento foram capazes de iniciar e sustentar programas de rastreamento citológico efetivos. Além disto, as campanhas tendem a ser esporádicas e oportunistas, com pouco impacto na incidência do câncer cervical3. Esta falha é uma das razões pelas quais este carcinoma permanece em terceiro lugar em freqüência dentre as neoplasias ginecológicas no Brasil4.

A citologia oncológica (CO) é o principal método para o diagnóstico precoce das lesões cervicais. Porém, o exame não é método infalível, e resultados de metanálises sugerem sensibilidade variável na detecção de lesões5. Desde a colheita do material até a emissão e liberação do resultado, predomina claramente o trabalho manual. O desempenho pode, assim, estar relacionado com a qualidade dos recursos humanos envolvidos3,6. Por este motivo, métodos alternativos e tecnologicamente mais apropriados do que a CO têm sido sugeridos para o rastreamento do câncer cervical, entre estes a inspeção visual com ácido acético (IVA) e os testes para detecção pelo papilomavirus humano (HPV)2.

A IVA, também chamada de inspeção visual direta, tem recebido atenção considerável como técnica acessível para países em desenvolvimento7,8. A cérvice é lavada com ácido acético a 3 ou a 5% e observada a olho nu à procura de áreas aceto-brancas. Este método é simples, requer mínima infra-estrutura, tem resultado imediato e também pode ser realizado por pessoal paramédico ou enfermeiros, em unidades básicas de saúde1,3,7,8. Paralelamente, com o conhecimento do papel do HPV na carcinogênese cervical, verificou-se que o uso dos testes de detecção de DNA-HPV poderia ser de utilidade no diagnóstico precoce de lesões9. A captura híbrida (CH II) é procedimento de hibridização molecular, de processamento rápido e leitura confiável para detectar 18 tipos de HPV divididos em grupos de baixo e de alto risco oncogênico9,10. Mostra algumas vantagens como sensibilidade maior ou equivalente à CO, necessidade de menor preparo técnico e potencial de autocoleta. Os testes de detecção do HPV associados à citologia podem ser úteis na identificação de mulheres de risco para lesões cervicais mais graves10.

Assim, métodos não citológicos podem ser alternativa satisfatória em programas de rastreamento, além de poderem ser utilizados para melhorar o desempenho da CO. A aplicação de um instrumento diagnóstico simples e com boa relação custo-efetividade poderia resultar em melhora da detecção das lesões cervicais, diminuindo, em longo prazo, a incidência e a mortalidade pelo carcinoma do colo uterino. O objetivo deste estudo foi avaliar o desempenho da CO, CH II e IVA na detecção de lesões pré-neoplásicas e neoplásicas cervicais.

Pacientes e Métodos

Estudo descritivo de corte transversal. Foram avaliadas 2281 mulheres atendidas no Centro de Saúde Santa Bárbara, unidade básica de saúde de Campinas, e no Hospital Leonor Mendes de Barros, em São Paulo, que procuraram o serviço para consulta ginecológica de rotina. Entre os meses de fevereiro de 2002 e julho de 2003, foram incluídas mulheres entre 18 e 60 anos de idade, com o colo do útero intacto, sem história de imunossupressão ou de citologia prévia anormal. Após assinarem o termo de consentimento livre e esclarecido, as participantes responderam a um questionário e foram submetidas aos exames. A seqüência obedeceu à seguinte ordem: coleta de material para CO com espátula de Ayre e escova endocervical; coleta de material para detecção do DNA-HPV com esfregaço endocervical e ectocervical e inspeção visual do colo, após aplicação de ácido acético a 5%.

O retorno para resultados era marcado em 60 dias e as mulheres que compareceram e que apresentaram pelo menos um exame com resultado positivo foram submetidas à colposcopia, que também foi realizada em 420 mulheres nas quais todos os exames foram normais.

Descrição dos métodos

O esfregaço citológico foi constituído de duas amostras, representativas do raspado ectocervical e escovado endocervical. A coloração das lâminas foi realizada pelo método de Papanicolaou e foram avaliadas com base no Sistema de Bethesda11. Os resultados foram classificados em: alterações inflamatórias, atipias de células escamosas de origem indeterminada (ASCUS), lesões de baixo grau (NIC 1 e HPV), lesões de alto grau (NIC 2 e 3), atipias glandulares de origem indeterminada (AGUS), adenocarcinoma in situ e finalmente carcinoma invasor escamoso ou glandular.

Para análise de DNA-HPV, utilizou-se o teste de CH II (Digene do Brasil Ltda.) obtendo-se material com a utilização de escova endocervical. O processamento foi realizado segundo as instruções do fabricante. Para classificar o resultado da captura de híbridos e quantificar a carga viral, utiliza-se um valor de corte diário, sendo que amostras com emissão de luz maior que o ponto de corte são consideradas positivas e aquelas com emissão de luz menor são consideradas negativas. Uma unidade relativa de luz corresponde a 1 pg/mL de DNA-HPV, equivalente a 0,1 cópia de vírus/célula. Neste estudo, foram utilizadas somente sondas contendo DNA-HPV de alto risco oncogênico - tipos 16, 18, 31, 33, 35, 39, 45, 51, 52, 56, 58, 59 e 6810.

Para realização da IVA, foi aplicado ácido acético a 5% no colo. Depois de um minuto, o colo foi iluminado com lâmpada elétrica de 100 watts e examinado a olho nu à procura de áreas aceto-brancas. A aparência visual foi classificada segundo o Atlas de Inspeção Visual da Cérvice12 em: normal, atípico, sugestivo de neoplasia intra-epitelial e sugestivo de câncer.

A colposcopia foi realizada com colposcópio DF Vasconcelos e as imagens encontradas foram classificadas, segundo a Nomenclatura Internacional dos Achados Colposcópicos13, em: achados colposcópicos normais, anormais, suspeita de câncer invasor e achados insatisfatórios. Quando a colposcopia apresentava resultado anormal, foram realizadas biópsias, utilizando-se pinças de saca-bocado, sendo retiradas amostras das regiões mais alteradas.

Para análise estatística, utilizou-se SAS versão 8.0. Foram calculados a sensibilidade, especificidade e valores preditivos positivo e negativo da CO, CH II e IVA, com intervalo de confiança (IC) 95%. Para esta avaliação, foram incluídas exclusivamente as mulheres submetidas à colposcopia. Tomou-se como padrão-ouro a colposcopia, com ou sem biópsia. As mulheres cujo diagnóstico histológico final foi compatível com NIC 1 ou mais foram consideradas como diagnóstico final positivo. Quando a colposcopia foi normal ou quando a biópsia apresentou cervicite ou metaplasia, foram consideradas como diagnóstico final negativo. Finalmente foi avaliada a distribuição das mulheres segundo o resultado de todos os testes, iniciando pela CO, seguido da CH II e da IVA e o diagnóstico final. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP e do Hospital Leonor Mendes de Barros e também pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP).

Resultados

A citologia apresentou resultado em 90,8% das mulheres. Atipias celulares foram encontradas em 209 (9,2%) resultados, sendo 147 (6,5%) ASCUS, 10 (0,5%) AGUS, 35 (1,5%) lesões escamosas de baixo grau (HPV/NIC 1) e 16 (0,7%) lesões escamosas de alto grau (NIC 2 ou NIC 3). Somente um resultado foi sugestivo de câncer invasor. Observamos também que em aproximadamente 18% das mulheres foi detectado o DNA-HPV. Em relação à IVA, 10,9% das mulheres apresentaram o resultado positivo (Tabela 1).

Na Tabela 2, comparando os resultados da CO, da CH II e da IVA, observamos que entre as mulheres com resultado de CO negativo, a grande maioria apresentou também o colo normal à inspeção visual, embora em 251 tenha sido detectado o DNA viral. Entretanto, 163 mulheres com resultados de CO e CH II negativos apresentaram alguma alteração na inspeção visual do colo. Dentre as mulheres com resultado de CO positivo, a grande maioria apresentou o colo normal à IVA, embora tenha sido detectado o DNA-HPV em quase metade destas mulheres. Apenas 22 mulheres apresentaram os três exames positivos, e, por outro lado, 1610 mulheres apresentaram todos os três exames negativos.

Observamos que, das 671 mulheres (29,4%) com pelo menos um exame alterado e que foram referidas para colposcopia, 172 não compareceram, sendo consideradas então exame positivo não verificado. Entre as 499 mulheres com pelo menos um exame alterado e que foram avaliadas com colposcopia, 297 não apresentaram imagem suspeita e não foram submetidas a biópsia. Finalmente, entre 420 mulheres submetidas à colposcopia na primeira consulta, randomizadas, 18 apresentavam imagems anormais e foram submetidas a biopsia. Entre as mulheres que foram biopsiadas, os resultados histológicos foram cervicite em 138, HPV/NIC 1 em 50, NIC 2 em 20, NIC 3 em sete e carcinoma invasor em cinco (Tabela 3).

Na Tabela 4 observamos que a CH II (65,8%) e a IVA (59,7%) apresentaram sensibilidade semelhante e significativamente maior do que a CO (51,2%). A especificidade da CO (84,9%) foi significativamente maior que a da IVA (78,1%) e da CH II (74,5%). Os valores preditivos negativos da CO, CH II e IVA foram, respectivamente, 94,7, 95,7 e 95,2%; os valores preditivos positivos foram 25, 20,2 e 21,1%, respectivamente.

Na Tabela 5, observa-se que, quando avaliamos o resultado dos três exames realizados em seqüência, observamos que, entre as 22 mulheres com resultado positivo nos três exames, 11 apresentaram doença histológica. A proporção de doença foi menor nas mulheres que apresentaram alterações na CO e o colo normal à inspeção visual ou CH II positiva. É importante observar nesta tabela que a citologia não detectou 48% das mulheres com lesão histológica, isto é, num total de 82 mulheres com diagnóstico histológico positivo, 40 apresentaram resultado de CO negativo. Nestes 40 casos, a CH II contribuiu na detecção de 18 casos e a IVA contribuiu na detecção de 36 casos.

Discussão

O câncer de colo do útero é problema de saúde pública em muitas regiões do mundo, apesar de a tecnologia para seu diagnóstico precoce estar disponível há muitas décadas. A proposta de um programa de rastreamento é de, além de diagnosticar o câncer em estádios iniciais, detectar e remover lesões de alto grau, prevenindo sua potencial progressão para carcinoma14. Geralmente, estes programas são baseados em citologia e sua desvantagem é que requerem laboratórios estabelecidos e citologistas e citotécnicos bem treinados3. Por este motivo, métodos opcionais para rastreamento têm sido descritos atualmente. Existe substancial interesse no uso dos testes de biologia molecular como ferramenta de rastreamento, baseado na premissa de que a detecção do HPV poderia apresentar bom desempenho diagnóstico, sendo melhor reproduzível e mais adaptado para a prática clínica que a citologia convencional14. Os testes para detecção de DNA-HPV podem ser processados em unidades laboratoriais de referência, sem a necessidade de pessoal com treinamento intensivo. Já a leitura dos esfregaços da CO depende de citologistas e patologistas com adequada capacitação.

Por outro lado, o papel da detecção do DNA-HPV no rastreamento é controverso. Nosso estudo mostrou taxa de positividade da CH II de 17,5%. Como quase metade da população estudada tem menos que 35 anos, as infecções subclínicas pelo HPV são comuns. Deve se considerar que a grande maioria das mulheres infectadas apresenta infecção transitória que, em curto período de tempo, entra em equilíbrio com o seu sistema imunológico sem resultar em doença. Em apenas algumas, a infecção é associada com lesão clínica e resulta no desenvolvimento de neoplasia intra-epitelial2,14. Em estudo realizado com 2098 mulheres usando o teste de detecção de HPV como método de rastreamento, Ratnam et al.15 encontraram 10,8% de resultados positivos. Já no estudo realizado por Denny et al.16 a taxa de positividade foi de 16,2%. Testes de triagem devem apresentar alto valor preditivo positivo. Alta taxa de resultados falso-positivos leva à repetição de exames, com conseqüente aumento do custo, ansiedade da mulher e perda de tempo17.

A IVA tem recebido atenção atualmente como técnica para redução das taxas de carcinoma cervical em lugares onde programas de rastreamento baseados em citologia não são adequados8. Neste estudo, a IVA apresentou resultado positivo em 10,9% das mulheres, ao passo que a citologia foi alterada em 9,2%, mostrando resultados semelhantes aos da literatura. Sankaranarayanan et al.18 avaliaram 3000 mulheres e encontraram 298 IVA alteradas (9,9%) e 307 com citologias positivas (10,2%). Belinson et al.7, avaliando 1997 mulheres, encontraram positividade da IVA em 28%. Em relação ao desempenho dos exames, nossa casuística mostrou que a CH II e a IVA apresentaram sensibilidade significativamente maior do que a CO. Já a especificidade da CO foi significativamente maior que a da IVA e da CH II. Estes resultados podem ser explicados pela qualidade da cobertura citológica da nossa região, mostrando melhor desempenho da CO na detecção de casos positivos. Estudos conduzidos na China, África e Índia também mostraram desempenho da IVA melhor ou igual ao da citologia na correta identificação de doenças, porém com especificidade menor que a citologia7,8,18.

Para algumas regiões, os programas de rastreamento baseados nas alterações visuais do colo têm vantagens significativas sobre aqueles baseados em citologia e/ou nos testes para detecção de HPV: são baratos, os materiais usados são de fácil reposição, o exame é de simples realização e, por apresentarem resultado imediato, minimizam as perdas de seguimento e eventualmente permitem avaliação e tratamento em uma só consulta3,18. Um estudo na África do Sul comparou mulheres submetidas à crioterapia imediatamente após o resultado de IVA positivo com mulheres não rastreadas e verificou uma redução na incidência do câncer cervical de 26 a 32%. Os autores consideraram que os efeitos adversos da crioterapia foram mínimos comparados com o risco daquelas mulheres de desenvolverem câncer19. Porém esta, estratégia pode ter importantes implicações, visto que o teste apresenta especificidade relativamente baixa e número substancial de mulheres sem evidência histopatológica de doença serão submetidas a tratamento desnecessário.

Sankaranarayanan et al.18 também advogam o tratamento realizado com cauterização ou crioterapia na primeira visita, logo após o resultado da IVA. Referem que os custos diminuem com o tratamento em uma única consulta e que o tratamento das mulheres sem doença devido a resultado falso-positivo pode ser considerado como "um preço aceitável a pagar pelo efetivo controle do carcinoma cervical". Considerando, na nossa casuística, o valor preditivo positivo da IVA de apenas 21,1%, o tratamento imediato nesta população teria levado a número excessivo de cauterizações em mulheres sadias. Neste estudo, após a coleta dos exames, a mulher teve seu retorno agendado para resultado. Quando um exame mostrou resultado positivo, ela foi encaminhada e submetida a colposcopia. Observamos que 172 das 671 mulheres com pelo menos um exame alterado não voltaram para a colposcopia, o que poderia justificar o tratamento imediato mesmo que excessivo. Por outro lado, cinco mulheres apresentaram câncer invasor, e neste caso, a cauterização no momento da primeira consulta sem avaliação histopatológica teria sido incorreta. Assim, é importante salientar que o tratamento imediato pode ser visto como uma opção ética e racional aceitável somente nas situações em que a infra-estrutura é pobre e os recursos são limitados19.

A CH II e a IVA foram utilizadas como métodos associados à CO e não como seus substitutos. Em mulheres com resultado de CO negativa o acréscimo da IVA diagnosticou 36 casos com doen-ça, ao passo que a CH II contribuiu na detecção de 18 casos. A contribuição da CH II para o diagnóstico de lesões cervicais não foi substancial. Já a IVA associada à CO foi de grande utilidade no rastreamento de lesões, mostrando melhor desempenho que a CO isolada na detecção de doença histológica.

A IVA pode ser de grande valia em serviços que disponham de colposcópio e ginecologista capacitado que possa complementá-la em casos suspeitos. Para que possa ser realizada de forma rotineira, seria necessário apenas o treinamento do pessoal responsável pela coleta da CO. Este treinamento ofereceria beneficio substancial na detecção das lesões cervicais, sem aumento excessivo dos custos para os programas de controle de câncer cérvico-uterino.

Agradecimentos

Agradecemos a Eline Borim Montemor pela leitura das lâminas de citologia, a Elisabete Campos, Denise Pita e Lúcia Carvalho pela realização dos exames de captura de híbridos, ao Professor Attila Lorincz pela doação dos kits de CH II e à Secretaria de Saúde da Prefeitura Municipal de Campinas.

Recebido em: 22/3/2004

Aceito com modificações em: 12/4/2004

Auxilio: Comitê Europeu de Pesquisa da Comunidade Econômica Européia (CEE) - INCO-DEV ICA4-CT-2001- (10013); CNPq processo 300354/01-0 e FAPESP 02/02091-9.

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  • Endereço para correspondência
    Renata C. Gontijo
    Rua Olavo Bilac 288/123 - Cambuí
    13024-110 - Campinas - SP
    e-mail:
    Telefone: (19) 3251-4450
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Jul 2004
    • Data do Fascículo
      Maio 2004

    Histórico

    • Aceito
      12 Abr 2004
    • Recebido
      22 Mar 2004
    Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia Av. Brigadeiro Luís Antônio, 3421, sala 903 - Jardim Paulista, 01401-001 São Paulo SP - Brasil, Tel. (55 11) 5573-4919 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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