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Resultados histológicos e detecção do HPV em mulheres com células escamosas atípicas de significado indeterminado e lesão escamosa intra-epitelial de baixo grau na colpocitologia oncológica

Histological results and HPV detection in women with pap smear showing atypical squamous cells of undetermined significance and low-grade squamous intraepithelial lesion

Resumos

OBJETIVOS: avaliar o desempenho da colpocitologia oncológica (CO) e da Captura de Híbridos II (CHII) para o diagnóstico de lesão cervical histológica significativa (NIC2/3) em mulheres encaminhadas com CO contendo atipias celulares de significado indeterminado (ASCUS) ou lesão escamosa intra-epitelial de baixo grau (LSIL). MÉTODOS: estudo de corte transversal no qual foram incluídas 161 mulheres encaminhadas, entre agosto de 2000 e setembro de 2002, devido a CO com resultado de ASCUS ou LSIL. As mulheres responderam a questionário específico sobre características sociodemográficas e reprodutivas e foram submetidas a exame ginecológico com coleta de CO e CHII, sendo realizada colposcopia com eventual biópsia de áreas suspeitas. Foi aplicado o teste do qui-quadrado para as associações da idade, uso de condom, uso de anticoncepcional oral e tabagismo com os resultados da CHII. Foram calculados a sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo e valor preditivo negativo da CO e da CHII para detectar NIC2/3. Todos os cálculos foram realizados com intervalos de confiança estatística de 95%. RESULTADOS: sessenta e sete porcento das mulheres com menos de 30 anos de idade tiveram testes positivos para o HPV. A CO e CHII tiveram sensibilidade de 82% em detectar NIC2/3 quando considerados como positivos ASCUS, LSIL ou HSIL. Quando se consideram como positivas apenas as CO com HSIL, este exame apresenta acentuado ganho de especificidade (de 29 para 95%) e valor preditivo positivo (de 12 para 50%), superando a CHII, porém com redução igualmente significativa de sua sensibilidade (de 82 para 41%). CONCLUSÕES: nossos resultados indicaram grande potencial da CHII para detectar mulheres com NIC2/3 entre as pacientes com ASCUS/LSIL na CO de encaminhamento.

Papiloma-vírus humano; Captura de híbridos; Colpocitologia; Colposcopia; Colo


OBJECTIVE: to assess the ability of Pap smear and hybrid capture II (HCII) to detect clinically significant cervical lesions (CIN2/3) in women referred to hospital due to atypical squamous cells of unknown significance (ASCUS) or low-grade squamous intraepithelial lesions (LSIL). METHODS: a cross-sectional study comprising 161 women referred to the Taubaté University Hospital due to ASCUS/LSIL, between August 2000 and September 2002. All women responded to a questionnaire regarding sociodemographic and reproductive characteristics and were subjected to gynecological examination with specimen collection for Pap test and HCII, along with colposcopy and eventual cervical biopsy. The relationship between HCII results and age, use of condom, oral hormonal contraception, and smoking were evaluated by the chi-square test. The sensitivity, specificity, positive and negative predictive values of both Pap test and HCII were calculated. All calculations were performed within 95% confidence intervals. RESULTS: sixty-seven percent of the women that tested positive for HPV were less than 30 years old. Pap smear and HCII showed the same 82% sensitivity in detecting CIN2/3 when the threshold for a positive Pap result was ASCUS, LSIL or HSIL. Pap smear specificity and positive predictive values were substantially increased when only HSIL results were considered as positive (from 29 to 95% and 12 to 50%, respectively). These figures were superior to those of HCII, but at the expense of an expressive loss of sensitivity (from 82% to 41%). CONCLUSIONS: our results substantiate the potential of HCII in detecting CIN2/3 among women referred due to ASCUS/LSIL.

Human papillomavirus; Hybrid capture; Cytology


TRABALHOS ORIGINAIS

Resultados histológicos e detecção do HPV em mulheres com células escamosas atípicas de significado indeterminado e lesão escamosa intra-epitelial de baixo grau na colpocitologia oncológica

Histological results and HPV detection in women with pap smear showing atypical squamous cells of undetermined significance and low-grade squamous intraepithelial lesion

André Luis Ferreira SantosI,II; Sophie Françoise Mauricette DerchainI; Luis Otávio SarianI; Elizabete Aparecida CamposIII; Marcos Roberto dos SantosII; Gislaine Aparecida Fonsechi-CarvasanIV

IDepartamento de Tocoginecologia, Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-UNICAMP)

IIDepartamento de Ginecologia e Obstetrícia da Universidade de Taubaté

IIILaboratório de Procedimentos Especializados do Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher-UNICAMP

IVÁrea de Estatística do Departamento de Tocoginecologia da FCM-UNICAMP

Endereço para correspondência E ndereço para correspondência Luís Otávio Zanatta Sarian Rua Alexander Flemming 848 13093-140 Campinas – SP Fone: (19) 3252-4948 e-mail: sarian@fcm.unicamp.br

RESUMO

OBJETIVOS: avaliar o desempenho da colpocitologia oncológica (CO) e da Captura de Híbridos II (CHII) para o diagnóstico de lesão cervical histológica significativa (NIC2/3) em mulheres encaminhadas com CO contendo atipias celulares de significado indeterminado (ASCUS) ou lesão escamosa intra-epitelial de baixo grau (LSIL).

MÉTODOS: estudo de corte transversal no qual foram incluídas 161 mulheres encaminhadas, entre agosto de 2000 e setembro de 2002, devido a CO com resultado de ASCUS ou LSIL. As mulheres responderam a questionário específico sobre características sociodemográficas e reprodutivas e foram submetidas a exame ginecológico com coleta de CO e CHII, sendo realizada colposcopia com eventual biópsia de áreas suspeitas. Foi aplicado o teste do qui-quadrado para as associações da idade, uso de condom, uso de anticoncepcional oral e tabagismo com os resultados da CHII. Foram calculados a sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo e valor preditivo negativo da CO e da CHII para detectar NIC2/3. Todos os cálculos foram realizados com intervalos de confiança estatística de 95%.

RESULTADOS: sessenta e sete porcento das mulheres com menos de 30 anos de idade tiveram testes positivos para o HPV. A CO e CHII tiveram sensibilidade de 82% em detectar NIC2/3 quando considerados como positivos ASCUS, LSIL ou HSIL. Quando se consideram como positivas apenas as CO com HSIL, este exame apresenta acentuado ganho de especificidade (de 29 para 95%) e valor preditivo positivo (de 12 para 50%), superando a CHII, porém com redução igualmente significativa de sua sensibilidade (de 82 para 41%).

CONCLUSÕES: nossos resultados indicaram grande potencial da CHII para detectar mulheres com NIC2/3 entre as pacientes com ASCUS/LSIL na CO de encaminhamento.

Palavras-chave: Papiloma-vírus humano. Captura de híbridos. Colpocitologia. Colposcopia. Colo: lesões pré-neoplásicas.

ABSTRACT

OBJECTIVE: to assess the ability of Pap smear and hybrid capture II (HCII) to detect clinically significant cervical lesions (CIN2/3) in women referred to hospital due to atypical squamous cells of unknown significance (ASCUS) or low-grade squamous intraepithelial lesions (LSIL).

METHODS: a cross-sectional study comprising 161 women referred to the Taubaté University Hospital due to ASCUS/LSIL, between August 2000 and September 2002. All women responded to a questionnaire regarding sociodemographic and reproductive characteristics and were subjected to gynecological examination with specimen collection for Pap test and HCII, along with colposcopy and eventual cervical biopsy. The relationship between HCII results and age, use of condom, oral hormonal contraception, and smoking were evaluated by the chi-square test. The sensitivity, specificity, positive and negative predictive values of both Pap test and HCII were calculated. All calculations were performed within 95% confidence intervals.

RESULTS: sixty-seven percent of the women that tested positive for HPV were less than 30 years old. Pap smear and HCII showed the same 82% sensitivity in detecting CIN2/3 when the threshold for a positive Pap result was ASCUS, LSIL or HSIL. Pap smear specificity and positive predictive values were substantially increased when only HSIL results were considered as positive (from 29 to 95% and 12 to 50%, respectively). These figures were superior to those of HCII, but at the expense of an expressive loss of sensitivity (from 82% to 41%).

CONCLUSIONS: our results substantiate the potential of HCII in detecting CIN2/3 among women referred due to ASCUS/LSIL.

Keywords: Human papillomavirus. Hybrid capture. Cytology.

Introdução

O principal objetivo dos programas de controle do câncer cérvico-uterino é detectar lesões cervicais neoplásicas pré-invasoras e invasoras. Estes programas são, em geral, baseados na utilização da colpocitologia oncológica (CO), exame que pode identificar mulheres com alterações celulares que indiquem risco de desenvolver - ou já ter desenvolvido - o câncer da cérvice uterina. A CO, contudo, é teste tecnicamente complexo, que depende de coleta adequada, processamento laboratorial controlado e interpretação por profissionais experientes1.

Estatísticas norte-americanas mostram que aproximadamente 7% das mulheres apresentam CO alterada, requerendo avaliação adicional por meio de nova CO ou colposcopia2. Os achados considerados menores - células escamosas atípicas de significado indeterminado (ASCUS) e lesão escamosa intra-epitelial de baixo grau (LSIL) - são aqueles encontrados em maior freqüência, perfazendo de 50 a 70% dos resultados citológicos anormais. Estes achados são de interpretação especialmente difícil e sua correlação com lesões histológicas graves é muito baixa: apenas cerca de 5% das mulheres com ASC e cerca de 19% daquelas LSIL apresentam neoplasia intra-epitelial cervical grau 3 (NIC 3), verdadeira lesão precursora do câncer do colo1,3. A maior parte das mulheres com ASC e LSIL apresentam anormalidades reacionais e autolimitadas como coilocitose e NIC 1, decorrentes da infecção pelo papilomavírus humano (HPV), em especial dos tipos de alto risco para oncogênese4,5.

A utilização de testes de biologia molecular para a detecção do HPV vem sendo estudada como técnica adjuvante à CO na identificação de mulheres com maior risco de desenvolver NIC e câncer cervical. Em mulheres com ASCUS e LSIL, o papel do teste para HPV vem ganhando relevância, sobretudo após a divulgação de resultados parciais do ALTS (ASCUS-LSIL Triage Study), estudo clínico multicêntrico dedicado à avaliação de estratégias de condução clínica para as mulheres com anormalidades citológicas leves6. Os resultados, segundo os autores do estudo ALTS, sugerem papel relevante da detecção para HPV na identificação de mulheres com NIC 2 ou NIC 3 entre aquelas com ASCUS ou LSIL7, porém foram rapidamente contestados em decorrência do tempo de seguimento ainda não ter sido completado e do grande número de alterações citológicas de alto grau entre as mulheres HPV positivas8.

As dificuldades para a interpretação cito-histológica para os casos com ASCUS e LSIL e as controvérsias em relação ao papel do teste para o HPV na condução destas mulheres são freqüentes na literatura atual. Assim, o objetivo deste estudo foi avaliar a relação entre a detecção do HPV de alto risco oncogênico avaliada por captura de híbridos II (CHII) e algumas variáveis sociodemográficas neste grupo de mulheres, encaminhadas com CO mostrando ASCUS ou LSIL, assim como avaliar o desempenho da CO, coletada no serviço, e da CHII no diagnóstico de lesão histológica significativa (NIC 2 ou 3).

Pacientes e Métodos

Este foi um estudo de corte transversal em que foram incluídas 161 mulheres encaminhadas ao Hospital Universitário de Taubaté-SP devido a CO mostrando ASCUS ou LSIL, entre agosto de 2000 e setembro de 2002. Todas as mulheres foram submetidas a anamnese e responderam a questionário específico sobre características sociodemográficas e reprodutivas. Também foram submetidas a exame ginecológico, durante o qual foram coletados espécimes para nova CO (endocérvice e fundo de saco) e CHII (endocérvice), e realizada colposcopia, sendo que as áreas colposcopicamente suspeitas foram biopsiadas com pinça saca-bocados.

Colpocitologia oncológica

A CO era coletada com espátula de Ayre e escova endocervical. O material era estendido em lâminas de vidro, identificadas e fixadas com álcool a 95%. A coloração foi realizada pelo método de Papanicolaou e as lâminas eram avaliadas no Laboratório de Citopatologia do Hospital Universitário de Taubaté com base no sistema de Bethesda9. Os resultados desta segunda CO foram agrupados em: sem atipias, atipias escamosas de significado indeterminado (ASCUS), atipias glandulares (AGUS), lesão escamosa intra-epitelial de baixo grau (LSIL) ou de alto grau (HSIL) e câncer invasor. Para fins de análise estatística as CO normais foram consideradas como sem atipias, ao passo que aquelas classificadas como ASCUS, AGUS, LSIL, HSIL e câncer invasor foram consideradas como com atipias.

Captura de híbridos II e histologia

A detecção do DNA-HPV foi obtida através do exame de CHII (Digene do Brasil Ltda.). O material para análise consistia de raspado endocervical, coletado com escova fornecida pelo fabricante da CHII. Após a coleta, a escova contendo o material biológico era acondicionada em tubo com meio líquido especialmente desenvolvido para conservação das células com seu respectivo DNA. O processamento deste material se dava no Laboratório de Procedimentos Especializados do Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher da Universidade Estadual de Campinas (CAISM-UNICAMP), conforme protocolos técnicos do fabricante.

A carga viral foi mensurada em unidades relativas de luz por controle positivo (URL/CP), por quimioluminômetro, com intensidade de luz proporcional à carga de DNA-HPV. Com o propósito de classificar os exames em positivos ou negativos, estabelecia-se, a cada processamento, um valor de corte para a intensidade de luz. Quando esta intensidade superava o valor de corte, considerava-se o exame como positivo; do contrário, era classificado como negativo. A proporção de URL/CP para considerar o exame como positivo era de 1,0, o que corresponde a 1 pg/mL de DNA-HPV.

O material obtido foi processado no laboratório de Anatomia Patológica do Hospital Universitário de Taubaté. Os espécimes eram fixados em formol a 10% e embebidos em parafina. A análise era realizada de acordo com os critérios histológicos de Scully et al. (1994)10. Os resultados descritos como normal, cervicite e NIC 1 foram agrupados, para cálculo do desempenho, como negativos, e os resultados de NIC 2 e NIC 3 foram agrupados como positivos.

Análise estatística

Foi aplicado o teste do c2 para as associações da idade, uso de condom, uso de anticoncepcional oral (ACO) e tabagismo com os resultados da CHII. Foram calculados a sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo (VPP) e valor preditivo negativo (VPN) da CO coletada no serviço e da CHII para detectar NIC 2 ou 3. Todos os cálculos foram realizados com intervalos de confiança estatística de 95% (IC 95%).

Resultados

A idade das mulheres variou de 17 a 63 anos (média 31 anos). Houve proporção significativamente maior de mulheres com CHII positiva entre aquelas com menos de trinta anos de idade (p=0,003). Por outro lado, o uso de condom, ACO e o hábito de fumar não foram associados com a detecção do DNA-HPV (Tabela 1).

Vinte e nove mulheres (18%) tiveram diagnóstico citológico do encaminhamento de ASCUS e 132 (82%) de LSIL. Dois terços das mulheres com colposcopia normal ou com diagnóstico histológico de cervicite apresentavam LSIL, ao passo que este mesmo diagnóstico foi atribuído a 88% das mulheres com NIC 1, 91% daquelas com NIC 2 e 83% das com NIC 3. Já a CO coletada na consulta de inclusão no estudo teve 45 (28%) resultados normais, 5 (3%) ASCUS, 97 (60%) LSIL e 14 (9%) HSIL. Entre as mulheres com colposcopia normal, embora a maioria tenha apresentado CO sem anormalidades, 31% mostravam algum grau de atipia, incluindo um caso HSIL. Entre as mulheres com diagnóstico histológico normal/cervicite, 52% mostraram algum grau de atipia. Nas mulheres com NIC, as proporções de citologias LSIL e HSIL foram de 78 e 6%, respectivamente, entre as pacientes com NIC 1, ao passo que estas mesmas proporções foram de 5 e 67% nas mulheres com NIC 3. Vale notar que a CO foi normal em 14 das 113 mulheres com NIC histologicamente confirmada (12%). A CHII foi negativa em 77% das mulheres com colposcopia normal e em 67% daquelas com histologia normal/cervicite. Entretanto, a proporção de exames positivos entre as mulheres com NIC variou de 54% entre as com NIC1 a 100% das mulheres com NIC 3 (Tabela 2)

A CO colhida no serviço mostrou sensibilidade semelhante à da CHII em detectar NIC 2 ou 3 quando se consideravam como positivos os exames citológicos com algum grau de atipia (ASCUS, LSIL ou HSIL). Nesta circunstância, também o VPP e VPN de ambos os exames se equipararam, embora a CHII seja significativamente mais específica que a CO. Quando se consideram como positivas apenas as CO com HSIL, este exame apresentou acentuado aumento na especificidade (de 29 para 95%) e VPP (de 12 para 50%), superando a CHII, porém com redução igualmente significativa de sua sensibilidade (de 82 para 41%). O VPN permaneceu inalterado em 93% (Tabela 3).

Discussão

Nossos resultados indicaram grande potencial da CHII para detectar mulheres com NIC 2 ou NIC 3 entre as pacientes com anormalidades menores (ASCUS/LSIL) na CO de encaminhamento. A segunda CO, ou do serviço, teve alta sensibilidade para lesões de alto grau apenas quando considerados positivos os exames com qualquer grau de atipia, o que comprometeu a especificidade e o VPP. A melhora da especificidade e do VPP da CO só foi obtida elevando seu limiar de positividade para atipias de alto grau (HSIL), mas com comprometimento da sua sensibilidade.

Se assumirmos que as biópsias dirigidas pela colposcopia propiciam o diagnóstico de virtualmente qualquer caso de doença, nossos resultados permitem estimativas diretas do desempenho da CO e da CHII para detectar NIC 2 ou NIC 3. Considerando doença clinicamente significativa apenas os casos com NIC 2 ou mais grave, a prevalência destas lesões escamosas em nosso estudo foi de aproximadamente 11%. Avaliando 1149 mulheres com ASCUS e LSIL por meio de colposcopia, Solomon et al.7 relataram 25,4% de colposcopias normais - portanto sem biópsia - acompanhadas de 46,9% dos casos com biópsias colpo-dirigidas normais e 14,5% de NIC 1, 6,3% de NIC 2 e 5,3% de NIC 3 ou lesão mais grave. Somados os casos de NIC 2 ou mais graves deste amplo estudo, a prevalência de lesões clinicamente significativas se assemelha aos dados por nós encontrados, em muito menor escala mas com populações teoricamente assemelhadas.

Por outro lado, a prevalência de NIC 1, de aproximadamente 60% em nosso estudo, contra 14,1% no trial ALTS, pode ser explicada pelos seguintes fatores: o diagnóstico histológico de NIC 1 é considerado complexo mesmo por patologistas experientes11-13 e, no próprio estudo ALTS, apenas 43% das biópsias inicialmente classificadas como NIC 1 permaneceram com este diagnóstico após a reavaliação de um comitê de patologistas. Este comitê considerou como normais 41% dos casos inicialmente diagnosticados como NIC 1 e elevou para NIC 2 e NIC 3 outros 13%14. Além destes fatos, as biópsias colpo-dirigidas podem ser representativas de regiões da cérvice onde não ocorrem as lesões mais graves, como demonstram estudos em que mulheres, com diagnóstico de NIC 1 por biópsia dirigida pela colposcopia e que foram tratadas com conização diatérmica, apresentavam NIC 2 ou NIC 3 em 23 a 53% dos espécimes excisados15. As mudanças no perfil sociodemográfico das mulheres e, principalmente, dos tipos de HPV encontrados na cérvice podem ter sido responsáveis por parte desta diferença de prevalências. Infelizmente, ambos os estudos utilizaram CHII para avaliar a infecção pelo HPV, não permitindo acesso à tipagem viral para estabelecer comparações neste aspecto. Mesmo assim, deve-se ressaltar que, ao considerarmos os casos de lesões de grau mais elevado, para os quais os critérios de classificação histológica são menos controversos, nossos resultados são muito semelhantes ao de amostragens substancialmente maiores6.

Comparando os resultados da CO de encaminhamento com os da realizada no momento da inclusão da mulher no estudo (CO do serviço), praticamente um terço das mulheres veio a apresentar resultados normais ao segundo exame. A ausência de atipias em boa parte das lâminas coletadas no momento da inclusão pode refletir o comportamento das lesões escamosas da cérvice, sobretudo as de baixo grau, que podem remitir espontaneamente: cerca de 50% das mulheres com NIC 1 apresentam regressão espontânea da lesão, ao passo que apenas cerca de 10% podem progredir para NIC 2, NIC 3 ou, em proporção mínima, carcinoma invasor16. O fato de esta involução ter ocorrido no intervalo das duas coletas não é hipótese a ser desprezada, embora seja prudente considerar que a maior parte das diferenças de resultados se deva à coleta, processamento e análise das lâminas. Chamam também a atenção os casos de HSIL entre as CO coletadas no momento da inclusão: 14 em 161 casos (8,6%). E, ainda mais importante, metade dessas lâminas correspondiam a mulheres com lesões histológicas confirmadas como NIC 2 ou NIC 3, perfazendo, portanto, metade dos exames, a princípio, falso-negativos.

O teste de HPV teve desempenho superior ao da CO do serviço, em detectar NIC 2 ou NIC 3, mesmo quando se consideravam como positivos apenas exames citológicos com atipias de alto grau. Estudos anteriores relacionando achados histológicos com a detecção do HPV, por diferentes técnicas, em mulheres com CO discretamente alterada (ASCUS, LSIL), revelaram que a maior parte dos casos de mulheres com ASCUS e NIC 1 histologicamente confirmados tinham infecção por tipos benignos do HPV17-19. Estes mesmos estudos relatam sensibilidades da CHII para detectar lesões NIC 2 ou mais graves de 78 e 90%, e envolviam amostragens de tamanho comparável ao nosso. O ponto de corte (em URL) para positividade pode afetar substancialmente o desempenho da CHII, como já foi demonstrado pelo presente grupo de autores: em um grupo de 119 mulheres, o ponto de corte de 10.0 URL foi o que apresentou melhor balanço entre sensibilidade (77%) e especificidade (73%) para detecção de NIC 2 ou mais grave20.

Entre as variáveis sociodemográficas estudadas, apenas a idade inferior a trinta anos se mostrou associada à maior proporção de CHII positivas. A maior prevalência de infecções por HPV em mulheres com menos de 30 anos levou a Academia Americana de Colposcopia e Patologia Cervical, em associação com o National Cancer Institute e a American Cancer Society, a lançar um texto de consenso proscrevendo o uso da CHII na triagem para carcinoma cervical e suas lesões precursoras em mulheres jovens21.

Os resultados de nosso estudo mostram que a detecção do HPV é ferramenta útil na abordagem das mulheres com ASCUS e LSIL, podendo ajudar a identificar mulheres com lesões de alto grau neste grupo. Por outro lado, o diagnóstico de ASCUS e LSIL não deve ser alarmante para o médico nem para a paciente, posto que cerca de um terço dessas mulheres terão uma segunda CO normal em um curto intervalo de tempo e apenas cerca de 10% deverão apresentar lesões histológicas clinicamente significativas.

Este estudo foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de So Paulo (FAPESP), processo número 99/11264-0.

Recebido em: 18/5/2004

Aceito com modificações em: 16/6/2004

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  • E
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Set 2004
    • Data do Fascículo
      Jul 2004

    Histórico

    • Aceito
      16 Jun 2004
    • Recebido
      18 Maio 2004
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