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Mudanças na apresentação clínica da gravidez molar

The changing clinical presentation of molar pregnancy

Resumos

OBJETIVO: determinar se a apresentação clínica da mola hidatiforme tem mudado nos últimos anos (1992-1998) quando comparada a registros históricos de controle (1960-1981). MÉTODOS: foram revisadas 80 fichas de pacientes com mola hidatiforme acompanhadas entre 1960-1981 no Centro de Neoplasia Trofoblástica Gestacional da Santa Casa da Misericórdia (Rio de Janeiro Brasil) e as de 801 pacientes atendidas entre 1992-1998 no mesmo centro. Foram analisados os seguintes parâmetros: idade, número de gestações, sangramento vaginal, hiperêmese, edema dos membros inferiores, hipertensão arterial, útero grande para a idade gestacional e cistos teca-luteínicos dos ovários. Para análise estatística foram utilizados os testes do qui-quadrado e o cálculo do odds ratio (OR) com intervalo de confiança (IC) de 95%. RESULTADOS: com relação à idade, a ocorrência de mola em pacientes com menos de 15 anos ou mais de 40 foi significativamente mais freqüente no grupo II do que no grupo I; quanto ao número de gestações, a diferença entre os dois grupos só não foi significativa entre aquelas pacientes que gestavam pela terceira e quarta vez. A hipertensão arterial, foi detectada em porcentagem semelhante nos dois grupos e útero grande para a idade gestacional foi mais freqüente no grupo II (41,4 vs 31,2% - p <0,05; OR: 1,5; IC: 1,0-2,3). Todos os outros elementos clínicos foram menos freqüentes no grupo II do que no grupo I. O sangramento vaginal permaneceu o elemento clínico mais freqüente, ocorrendo em 76,9% das pacientes do grupo II e 98,7% das pacientes do grupo I (p < 0,05; OR: 0,04; IC: 0,030,04). Também foram menos freqüente no grupo II quando comparado com grupo I a hiperêmese (36,5% vs 45% - p < 0,05; OR: 0,7; IC: 0,40,9); edema (12,7% vs 20% - p < 0,05; OR: 0,5; IC: 0,30,8); e cistose ovariana (16,4 vs 41,2% - p < 0,05 OR: 0,3; IC: 0,20,4). A ultra-sonografia foi o meio diagnóstico mais comum (89,2%), e o grande responsável pelo rastreio precoce da gravidez molar. CONCLUSÃO: concluiu-se haver diminuição da sintomatologia tradicional nas pacientes com mola hidatiforme quando comparadas a controle histórico, devendo-se o fato ao diagnóstico precoce proporcionado pela ultra-sonografia.

Doença trofoblástica gestacional; Mola hidatiforme; Cistos teca-luteínico; Ultra-sonografia


OBJECTIVE: to determine whether the clinical presentation of hydatidiform mole has changed in the recent years (1992-1998) when compared with historic controls (1960-1981). METHODS: medical records of 80 patients with hydatidiform mole attended in the 1960-1981 period (Group I) were reviewed and compared to data from 801 patients followed in the 1992-1998 period (Group II). The clinical signals and symptoms analyzed were: age distribution, number of pregnancies, vaginal bleeding, hyperemesis, edema, hypertension, large uterus for gestation date and theca lutein cysts of the ovaries. Statistical analyses employed chi-square tests and odds ratio (OR) estimate with the confidence interval (CI) of 95%. RESULTS: concerning age, the disease occurred more frequently in group II than in group I, in patients under 15 and over 40 years old. As to the number of pregnancies, there was no statistical difference only in those patients who were in their third or fourth pregnancies. Arterial hypertension was the only symptom that occurred with similar frequency in both groups. Enlarged uterus was more frequent in group II (41.4 X 31.2% - p <0.05; OR: 1.5; IC: 1.0-2.3). Bleeding remained the most common symptom, occurring in 76.9% of patients (Group II), although it has occurred in 98.7% of the historic controls (p<0.05; OR: 0.04; IC: 0.03 0.04). The following symptoms were also less frequent in group II as compared to group I: hyperemesis (36.5% X 45% - p<0.05; OR: 0.7; IC: 0.4 0.9), edema (12.7% X 20% - p<0.05, OR: 0.5, IC: 0.3 0.8), enlarged uterus for gestational age (41.4% x 31.2% - p<0.05; OR: 1.5; IC: 1.0 2.3) and theca lutein cysts (16.4% X 41.2% - p<0.05; OR: 0.3; IC: 0.2 0.4). Ultrasound has become the commonest method of diagnosis (89.2% - p<0.05), allowing early detection of hydatidiform moles. CONCLUSION: there was a decrease of the traditional symptoms in current patients with hydatidiform mole as compared to historic controls, due to early diagnosis through ultrasonography.

Gestational trophoblastic disease; Clinical presentation; Ultrasound


TRABALHOS ORIGINAIS

Mudanças na apresentação clínica da gravidez molar

The changing clinical presentation of molar pregnancy

Paulo BelfortI; Antônio BragaII

ICentro de Neoplasia Trofoblástica Gestacional da 33ª Enfermaria (Maternidade) da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro-RJ

IIDepartamento de Assistência à Saúde da Mulher, da Criança e da Adolescência. Faculdade de Medicina de Valença da Fundação Educacional Dom André Arcoverde, Valença-RJ

Endereço para correspondência E ndereço para correspondência Paulo Belfort Avenida das Américas 3939, bloco 1, conjunto 216 Barra da Tijuca 22630-003 – Rio de Janeiro – RJ Telefone: (21) 3325-6643 / FAX 3325-1481 e-mail: belfortp@ig.com.br

RESUMO

OBJETIVO: determinar se a apresentação clínica da mola hidatiforme tem mudado nos últimos anos (1992-1998) quando comparada a registros históricos de controle (1960-1981).

MÉTODOS: foram revisadas 80 fichas de pacientes com mola hidatiforme acompanhadas entre 1960-1981 no Centro de Neoplasia Trofoblástica Gestacional da Santa Casa da Misericórdia (Rio de Janeiro Brasil) e as de 801 pacientes atendidas entre 1992-1998 no mesmo centro. Foram analisados os seguintes parâmetros: idade, número de gestações, sangramento vaginal, hiperêmese, edema dos membros inferiores, hipertensão arterial, útero grande para a idade gestacional e cistos teca-luteínicos dos ovários. Para análise estatística foram utilizados os testes do qui-quadrado e o cálculo do odds ratio (OR) com intervalo de confiança (IC) de 95%.

RESULTADOS: com relação à idade, a ocorrência de mola em pacientes com menos de 15 anos ou mais de 40 foi significativamente mais freqüente no grupo II do que no grupo I; quanto ao número de gestações, a diferença entre os dois grupos só não foi significativa entre aquelas pacientes que gestavam pela terceira e quarta vez. A hipertensão arterial, foi detectada em porcentagem semelhante nos dois grupos e útero grande para a idade gestacional foi mais freqüente no grupo II (41,4 vs 31,2% - p <0,05; OR: 1,5; IC: 1,0-2,3). Todos os outros elementos clínicos foram menos freqüentes no grupo II do que no grupo I. O sangramento vaginal permaneceu o elemento clínico mais freqüente, ocorrendo em 76,9% das pacientes do grupo II e 98,7% das pacientes do grupo I (p < 0,05; OR: 0,04; IC: 0,030,04). Também foram menos freqüente no grupo II quando comparado com grupo I a hiperêmese (36,5% vs 45% - p < 0,05; OR: 0,7; IC: 0,40,9); edema (12,7% vs 20% - p < 0,05; OR: 0,5; IC: 0,30,8); e cistose ovariana (16,4 vs 41,2% - p < 0,05 OR: 0,3; IC: 0,20,4). A ultra-sonografia foi o meio diagnóstico mais comum (89,2%), e o grande responsável pelo rastreio precoce da gravidez molar.

CONCLUSÃO: concluiu-se haver diminuição da sintomatologia tradicional nas pacientes com mola hidatiforme quando comparadas a controle histórico, devendo-se o fato ao diagnóstico precoce proporcionado pela ultra-sonografia.

Palavras-chaves: Doença trofoblástica gestacional. Mola hidatiforme. Cistos teca-luteínico. Ultra-sonografia.

ABSTRACT

OBJECTIVE: to determine whether the clinical presentation of hydatidiform mole has changed in the recent years (1992-1998) when compared with historic controls (1960-1981).

METHODS: medical records of 80 patients with hydatidiform mole attended in the 1960-1981 period (Group I) were reviewed and compared to data from 801 patients followed in the 1992-1998 period (Group II). The clinical signals and symptoms analyzed were: age distribution, number of pregnancies, vaginal bleeding, hyperemesis, edema, hypertension, large uterus for gestation date and theca lutein cysts of the ovaries. Statistical analyses employed chi-square tests and odds ratio (OR) estimate with the confidence interval (CI) of 95%.

RESULTS: concerning age, the disease occurred more frequently in group II than in group I, in patients under 15 and over 40 years old. As to the number of pregnancies, there was no statistical difference only in those patients who were in their third or fourth pregnancies. Arterial hypertension was the only symptom that occurred with similar frequency in both groups. Enlarged uterus was more frequent in group II (41.4 X 31.2% - p <0.05; OR: 1.5; IC: 1.0-2.3). Bleeding remained the most common symptom, occurring in 76.9% of patients (Group II), although it has occurred in 98.7% of the historic controls (p<0.05; OR: 0.04; IC: 0.03 0.04). The following symptoms were also less frequent in group II as compared to group I: hyperemesis (36.5% X 45% - p<0.05; OR: 0.7; IC: 0.4 0.9), edema (12.7% X 20% - p<0.05, OR: 0.5, IC: 0.3 0.8), enlarged uterus for gestational age (41.4% x 31.2% - p<0.05; OR: 1.5; IC: 1.0 2.3) and theca lutein cysts (16.4% X 41.2% - p<0.05; OR: 0.3; IC: 0.2 0.4). Ultrasound has become the commonest method of diagnosis (89.2% - p<0.05), allowing early detection of hydatidiform moles.

CONCLUSION: there was a decrease of the traditional symptoms in current patients with hydatidiform mole as compared to historic controls, due to early diagnosis through ultrasonography.

Keywords: Gestational trophoblastic disease. Clinical presentation. Ultrasound.

Introdução

É a doença trofoblástica gestacional (DTG) contrafação reprodutiva cujas formas clínicas são representadas por mola hidatiforme, mola invasora, coriocarcinoma e tumor trofoblástico do sítio placentário (PSTT), cujo espectro inclui formas benignas e malignas1. A apresentação clínica da DTG tem tido frondosa descrição na literatura médica mundial2-4, exibindo sintomatologia exuberante: hemorragia genital, útero aumentado para a idade gestacional, hiperêmese gravídica, cistos teca-luteínicos dos ovários e toxemia precoce.

A hemorragia vaginal inicia-se, em geral, entre a 4ª e a 16ª semana de amenorréia, em mais de 95% das pacientes5,6. Entre um e outro episódio hemorrágico elimina-se secreção serosa clara, de odor sanioso, decorrente da liquefação dos coágulos intra-uterinos. Quando o tamanho da matriz é quatro centímetros maior do que o esperado para o período de amenorréia7, configura-se útero aumentado para a idade, fator de risco na evolução pós-molar8. Devido às intensas alterações endócrinas, é comum a presença de náuseas e vômitos incoercíveis hiperêmese gravídica , suscetível de levar a paciente ao emagrecimento e à desidratação9. São os cistos teca-luteínicos dos ovários, uni ou bilaterais, resultantes da estimulação pela gonadotrofina coriônica humana (hCG)9-11 da teca dos ovários. Sua incidência é mais baixa nos casos de mola parcial, muito embora haja tendência a encontrá-los com maior freqüência quando a propedêutica incorpora a ultra-sonografia11-13. Toxemia precoce, conquanto infreqüente e quase nunca exibindo a tríade sintomática: hipertensão, edema e proteinúria8,10,14, quando presente antes da 24ª semana de gravidez, e acompanhada de perda sangüínea, deve suscitar, de imediato, a suspeição de mola.

A incorporação sistemática da ultra-sonografia na propedêutica da gravidez inicial, ocorrida nas últimas décadas13, tornou o diagnóstico da mola mais fácil e imediato, fazendo com que as manifestações clínicas habituais se tornassem menos intensas ou mesmo não chegassem a se exibir.

A partir de então, diversos estudos têm procurado cotejar seus dados recentes com registros históricos, a fim de avaliar se as manifestações clínicas da DTG, de fato, haviam diminuído. Soto-Wright et al.15 analisando dados do New England Trophoblastic Disease Center em dois períodos, entre 19661975 (registro histórico) e 19881993, concluíram que a sintomatologia tradicional da DTG reduzira quando comparada ao grupo histórico.

É, pois, objetivo deste trabalho analisar a apresentação clínica da gravidez molar em dois períodos distintos, cotejando as manifestações atuais da doença com a sua casuística histórica.

Pacientes e Métodos

Durante o período compreendido entre janeiro de 1960 e junho de 1981, 317 pacientes com diagnóstico de mola hidatiforme foram atendidas no Centro de Neoplasia Trofoblástica Gestacional da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, das quais foram selecionadas, retrospectivamente, 80 pacientes para o presente estudo, apeladas grupo I (histórico). Fez-se, a seguir, análise comparativa com outra amostra, formada pela totalidade das pacientes atendidas entre janeiro de 1992 e junho de 1998 no mesmo centro (801 pacientes), nomeada grupo II, incluindo os casos de mola completa e parcial, mola invasora e coriocarcinoma. O critério de inclusão, em ambos os grupos, foi a adequação de preenchimento dos prontuários em relação aos critérios propostos para análise.

Todos os casos tiveram comprovação histopatológica exarada pelo Laboratório de Anatomia Patológica da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro (Serviço do Prof. José Maria Barcellos e Nazaré Freire).

Os casos do grupo I foram estadiados consoante a classificação clínico-patológica de Lewis16; os do grupo II obedeceram aos critérios de classificação da Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO) sancionada pela Sociedade Internacional para o Estudo do Trofoblasto (ISSTD)17. Tal dicotomia representou fator limitante no cotejo dos dois grupos em relação às formas clínicas da mola hidatiforme16 (completa e parcial), fato que não ocorreu com os demais itens analisados.

Delimitados os grupos de estudo e visando a estabelecer paralelo entre ambos, anotaram-se os seguintes parâmetros: idade das pacientes, estratificada em grupos de: menos de 15 anos, 1620, 2125, 2630, 3135, 3640 e mais de 40 anos; número de gestações, segmentadas em grupos de: 12, 34, 510 e >10 gestações; elementos clínicos: sangramento genital, útero grande para a idade gestacional (quando maior que quatro centímetros do esperado para a idade gestacional), cistos teca-luteínicos dos ovários (definidos mediante suspeita clínica, confirmada, na maioria das vezes, pela ultra-sonografia e em eventual análise anatomopatológica, como nos casos de anexectomia), hiperêmese, edema de membros inferiores e toxemia precoce (hipertensão arterial, acompanhada ou não por edema e proteinúria, antes da 24ª semana de gravidez). A avaliação propedêutica empregada para diagnóstico de DTG foi a vácuo-aspiração e/ou dilatação e curetagem, análise histopatológica do material obtido pelo esvaziamento uterino, critérios clínicos baseados na sintomatologia referida, abortamento espontâneo, laparotomia exploradora, eliminação de vesículas e ultra-sonografia.

Os dados estatísticos foram analisados com o uso do programa Epi-Info 2000, versão Windows, elaborado pelo Centro de Controle de Doenças (Atlanta, EUA). Empregamos teste do c2, considerando-se significativos eventos com p<0,05 e não significativos p>0,05, para um intervalo de confiança (IC) de 95%. O odds ratio (OR) é calculado de forma a apresentar o risco relativo que uma paciente do grupo II tem de apresentar a sintomatologia clássica para DTG.

O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro.

Resultados

A idade das pacientes distribuiu-se consoante mostrado na Tabela 1. Verifica-se que a doença ocorreu mais freqüentemente, no grupo II, nas pacientes com menos de 15 anos (6,2%) e mais de 40 (6,4% vs 1,2% - p<0,05). Em verdade, nenhuma paciente com menos de 15 e apenas uma acima de 40 anos teve DTG no grupo I, o que corresponde a 1,2% de gravidez molar nas idades limites. Ao revés, no grupo II, somados os mesmos intervalos, encontram-se 102 gravidezes (12,7%) que ocorreram nos extremos reprodutivos.

O cotejo do número de gestações encontra-se na Tabela 2. As pacientes do grupo I (histórico) incluíam maior número de multíparas com mais de 5 e de 10 gestações (12,5% vs 1,1 e 8,7% vs 0,9%, respectivamente); aquelas do grupo II eram, em sua expressiva maioria, primigestas ou secundigestas (75,9 vs 53,7% - p<0,05).

Os elementos clínicos vão mostrados na Tabela 3. Nas pacientes do grupo II, à exceção da freqüência de hipertensão arterial, que foi semelhante (8,0 vs 9,7%), todos os demais elementos clínicos se exteriorizaram de forma atenuada no grupo II. O sangramento vaginal permaneceu o elemento clínico mais freqüente, ocorrendo em 76,9% das pacientes do grupo II, estando presente em 98,7% das pacientes do grupo controle (p<0,05; OR: 0,04; IC 95%: 0,03-0,04). A hiperêmese foi igualmente mais assídua no grupo I (45 vs 36,5% - p<0,05; OR: 0,7; IC 95%: 0,4-0,9). Edema figurou em 20% nas pacientes do grupo I e em 12,7% do grupo II (p<0,05; OR: 0,5; IC 95%: 0,3-0,8). A cistose ovariana esteve presente em 41,2% no grupo I e em 16,4% do grupo II (p<0,05; OR: 0,3; IC 95%: 0,2-0,4). Útero grande para a idade gestacional foi, em contrapartida, mais assíduo no grupo II do que no grupo I (41,4 vs 31,2% - p<0,05; OR: 1,5; IC 95%: 1,0-2,3).

A avaliação propedêutica empregada para o diagnóstico da DTG assim variou nos grupos I e II, respectivamente: vácuo-aspiração e/ou dilatação e curetagem: 10% (8) e 9,8% (79) - não significativo; análise histopatológica do material obtido pelo esvaziamento uterino: 22,5% (18) e 1,2% (10) - significativo; critérios clínicos baseados na sintomatologia referida: 23,7% (19) e 0,9% (8) - significativo; abortamento espontâneo: 1,25% (1) e 0 - significativo; laparotomia exploradora: 6,25% (5) e 0,2% (2) - significativo; eliminação de vesículas: 2,5% (2) e 0 - significativo.

A ultra-sonografia, de que não se dispunha na década de 60, mostrou-se método valioso e quase exclusivo no deslinde diagnóstico precoce da mola hidatiforme no grupo II (89,2% - p<0,05).

Discussão

Tornou-se cediço afirmar que as mulheres estão iniciando vida sexual e reprodutiva precocemente, antes de 15 anos de idade, e muitas, diferindo o processo reprodutivo para além da terceira e quarta década, depois de 35-40 anos de idade. No presente trabalho, analisando-se a distribuição etária nos dois grupos pesquisados, verifica-se que, não obstante a maior incidência de DTG ocorrer entre 21 e 30 anos, fato que apenas revela a maior freqüência de gestação nesta faixa etária, há expressivo aumento da incidência de gestação molar abaixo de 15 e acima de 40 anos, refletindo a tendência contemporânea de gravidezes na adolescência e gestações na maturidade. Smith18 mostra que meninas com menos de 18 anos e mulheres com mais de 40 anos têm aumentada incidência de doença trofoblástica. Segundo a autora é o risco, nessa idade, 10 vezes maior, elevando-se 200 vezes naquelas com mais de 50 anos quando cotejado com a incidência em mulheres entre 25-30 anos de idade. Dados da literatura19,20 revelam ainda que o risco relativo de malignização a que estão sujeitas as mulheres com DTG permanece constante entre 20 e 30 anos, eleva-se ligeiramente entre 35 e 40 anos, tornando-se nítido depois de 40 anos.

No que respeita ao número de gestações, observa-se significativa dominância de primíparas e de secundíparas no grupo II e de expressivo predomínio de grandes multíparas no grupo histórico, traduzindo, provavelmente, tão somente, a tendência atual de famílias pouco numerosas. Assim nos casos deste estudo como na literatura, não transparece influência do número de gestações sobre a gênese da mola hidatiforme. É de longe mais provável que as grandes multíparas tenham maior propensão à gravidez molar pelo fato de serem mulheres idosas, nas quais os defeitos reprodutivos se mostram com maior freqüência19,20.

Mostrou-se a sintomatologia, no grupo II, atenuada. Surgem, com efeito, as manifestações clínicas da doença trofoblástica, habitualmente, entre a 4ª semana e a 16ª semana de amenorréia. Mercê do diagnóstico cada vez mais precoce, pelo emprego da ultra-sonografia e das dosagens sensíveis e específicas de gonadotrofinas coriônicas (hCG-beta), tornou-se inevitável a redução da sintomatologia. Pesquisando a literatura, verifica-se que a incidência de sinais e sintomas nos textos publicados na última década15,21,22 confirma a assertiva de atenuação dos elementos clínicos relacionados à mola hidatiforme.

Hemorragia esteve presente em 97% dos casos relatados por Goldstein e Berkowitz5, em 89% dos 320 casos estudados por Curry et al.6, em 94% dos 200 casos acompanhados por Schorge et al.7 e em 99% dos 134 casos estudados por Belfort et al.23. O útero mostrou-se aumentado em relação à idade gestacional, na mola completa, em cerca de 23% dos casos em diversos estudos5-8. Na presente análise, no grupo II, constatou-se útero grande para a idade em 41,4% dos casos (31,2% no grupo controle - diferença significativa), certamente à conta do exame ultra-sonográfico sistemático, o qual, consoante aludido, inexistia, entre nós, na década de 60. Hiperêmese foi constatada em 32% dos casos estudados de Goldstein e Berkowitz5 e em 32% daqueles de Schorge et al.7. Toxemia precoce foi encontrada em 27% das pacientes de Goldstein e Berkowitz5 e em 12% das pacientes de Curry et al.6. Estudos de Kohorn24, contudo, já não observaram nenhum caso de toxemia em 200 pacientes analisadas entre 1974-1980 no Yale Trophoblastic Disease Center. Em artigo recente, Maestá et al.25, revendo a literatura dos últimos 10 anos, encontraram apenas 4 relatos de DTG e eclampsia. Cistose ovariana esteve presente em 20% dos casos de Kohorn24 sendo, entretanto, mais freqüente na experiência de Goldstein e Berkowitz5.

Estudo semelhante, de Soto-Wright et al.15, relativo à mudança nos parâmetros clínicos da gravidez molar, comparou a apresentação clínica dos casos de mola hidatiforme completa em dois períodos distintos, no New England Trophoblastic Disease Center. Os resultados vão estampados na Tabela 4. Hemorragia vaginal permaneceu o elemento mais constante nos dois períodos analisados. Útero aumentado para a idade gestacional, anemia, pré-eclampsia, hiperêmese e hipertiroidismo, entretanto, tiveram significativa redução quando comparados aos casos históricos.

A mesma análise foi feita ainda no trabalho de Soto-Wright et al.15, comparando-se 74 casos do New England Trophoblastic Disease Center (1988-1993) com os registros históricos de 347 pacientes acompanhadas entre 1966 e 1972 no The Southeastern Regional Center for Trophoblastic Disease. Os resultados assim se mostraram, respectivamente: hemorragia vaginal 84% (62) e 89% (309) - não significativo; útero aumentado para a idade gestacional: 28% (21) e 46% (153) - significativo; pré-eclampsia: 1,3% (1) e 12% (41) significativo; hiperêmese: 8% (6) e 14% (48) - não significativo; hipertiroidismo: zero e 1% (3) - não significativo.

Sasaki26 assevera que, após o advento da ultra-sonografia transvaginal de alta resolução, o quadro clínico da mola hidatiforme sofreu acentuada mudança, permitindo o diagnóstico precoce e o tratamento antes do surgimento dos clássicos elementos clínicos. A pesquisa da literatura feito por Sasaki26 confirma a assertiva, acrescentando que em algumas publicações a incidência de casos assintomáticos chega a 41%.

A experiência do Centro de NTG da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro está em absoluta concordância com a literatura15,21,22,26,27, ao revelar nítida redução do quadro clínico - da mola hidatiforme da mola completa em especial - quando coteja seus casos históricos com os da atualidade, mostrando, até mesmo, encorpado contingente de pacientes assintomáticas.

Não será demasia salientar - uma vez mais o relevante - papel da ultra-sonografia transvaginal no deslinde diagnóstico precoce da mola hidatiforme. No Centro Especializado da Santa Casa, consoante referido, no grupo II, o diagnóstico foi estabelecido em 87,6% dos casos mediante este exame. Nos casos históricos, quando o procedimento inexistia, o diagnóstico de mola foi obtido mediante esvaziamento uterino (dilatação e curetagem), análise histopatológica do material obtido pelo esvaziamento uterino, critérios clínicos baseados na sintomatologia referida, abortamento espontâneo, laparotomia exploradora e eliminação de vesículas. Confrontando tais meios diagnósticos nos dois grupos, verifica-se que a ultra-sonografia transvaginal tornou-se o procedimento quase exclusivo para esse fim.

Uberti et al.27, do Centro Especializado da Santa Casa de Porto Alegre, tem idêntico parecer acerca da ultra-sonografia no diagnóstico da DTG. Com encorpada experiência, Tourinho13 afirma ser a ultra-sonografia o método propedêutico mais prático e eficiente para confirmar o diagnóstico de neoplasia trofoblástica, pois, além de oferecer subsídios iconográficos, alguns típicos, o método mostra-se, também, de grande utilidade no diagnóstico da cistose ovariana e no acompanhamento de sua regressão espontânea11, na visualização dos processos infiltrativos miometriais e das metástases de alguns órgãos abdominais, fígado em especial27,28.

As mudanças atuais do perfil clínico da gravidez molar ganham maior relevo, pelo atenuar de sinais e sintomas que, no passado, exerciam efeitos contundentes no organismo de suas portadoras, conduzindo a desfechos diversos28, tais como choque hipovolêmico decorrente de sangramento vultoso; manifestações convulsivas na toxemia precoce; lesões renais, hepáticas, cerebrais e retinianas na hiperêmese gravídica; abdome agudo por torção de cistos teca-luteínicos, além da síndrome de angústia respiratória do adulto por deportação trofoblástica e tirotoxicose.

Deve-se acrescentar que o diagnóstico precoce permite encurtar o intervalo de tempo entre a gestação antecedente e o desenvolvimento de tumor trofoblástico, reduzindo riscos e, presumivelmente, o número de ciclos de quimioterapia necessários para induzir remissão, prevenindo, também, o surgimento de metástases1.

Conclui-se que, conquanto persistam os elementos clínicos clássicos da gravidez molar, representados por hemorragia genital, hiperêmese, pré-eclampsia, edema, útero aumentado para a idade gestacional e cistose ovariana, a freqüência e a intensidade com que ocorrem estão diminuídas mercê do emprego sistemático da ultra-sonografia no diagnóstico da gravidez molar.

Recebido em: 25/1/2004

Aceito com modificações em: 16/6/2004

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Set 2004
    • Data do Fascículo
      Jul 2004

    Histórico

    • Recebido
      25 Jan 2004
    • Aceito
      16 Jun 2004
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